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Alexandre Morais da Rosa

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10/09/2012

A lógica da Reforma do Poder Judiciário. Por Alexandre Morais da Rosa


A lógica da Reforma do Poder Judiciário.
Por Alexandre Morais da Rosa
O Judiciário é variável importante (e cara) do preço Brasil. Sempre foi marcado pela existência de autonomia e independência, inclusive sobre o conteúdo das decisões, as quais, todavia, pautavam-se pelo modelo individualista (patrimonial) em que os resultados eram previsíveis. Com a “constituticionalização” dos direitos sociais e a mudança de orientação decorrente da Constituição de 1988, bem assim pelo acolhimento de demandas coletivas (consumidor, ambiental, proteção de grupos, etc.), o modelo decisório restou abalado, e os custos, aumentados. Precisava-se realinhar o critério de julgamento e conferir mais “eficiência ao Poder Judiciário”.
Sob o mote de transformar a gestão “paquidérmica” do Poder Judiciário (PJ) em mais democrática, eficiente e humanizada – slogans da EC. 45 –, promoveu-se a modificação da maneira de funcionamento do próprio PJ. De instituição que tinha o papel de terceiro (J. P. Lebrun), o PJ passou a ser agência pública que deve prestar contas de suas atividades, justificar seus custos, ou seja, ter accountability. Nesse pensar, então, para diminuir as externalidades eram necessários mecanismos capazes de evitar o decisionismo, entendido como a grande margem de variáveis da decisão judicial em solo brasileiro. Daí o surgimento de reformas paulatinas, silenciosas que transformaram a estrutura e a conjuntura decisória.
Sabe-se que a reforma gerencial do Estado Brasileiro apresentada pela EC n.º 19 precisava de complementação. Daí surgir a EC 45. Com ela – dizem – o PJ poderia, enfim, tornar-se eficiente. A par disso, também, cabe refletir sobre o que se passa nos últimos anos no campo da Administração Pública. Pode-se dizer que a estrutura é pensada por práticas de gestão administrativas da eficiência, cujo preço democrático é percebido por poucos. E os que percebem, de alguma maneira, encontram-se coarctados na possibilidade de resistência. O sintoma disso pode ser visto pelos inúmeros relatórios que o CNJ obriga a preencher a todo o momento. O culto pela “avaliação”, até porque não se sabe, de fato, quais são os critérios de quem analisa, se é que analisa, ganha contornos patológicos nesta virada de século, tudo em nome da “Boa Governança”. Cada vez mais os magistrados são obrigados a enquadrar suas atividades em fichas técnicas de cumprimento de obrigações conforme o Protocolo, também editado ou reiterado pelo CNJ, com o primeiro reflexo de se jogar conforme as regras do jogo, a saber, cada vez mais só se valoriza o que gera bônus, transformando a atividade jurisdicional em uma verdadeira atividade de “franqueado jurisdicional”. Claro que abusos acontecem no Poder Judiciário. Contudo, eles não podem ser o “Cavalo de Troia” da eficiência. O resultado mais evidente é a “homogeneização” das decisões, voluntariamente ou de maneira forçada (súmulas, reclamação, recusa recursal, etc.), com a transformação dos antigos juízes em meros gestores de unidades jurisdicionais. Aliás, quem não cumpriu a Meta 2 do CNJ preencheu proposta de gestão do acervo.
Uma das características da Modernidade foi a de legar o lugar da enunciação, a saber, de alguém pontuar do lugar do juiz, transformada hoje em dia numa verdadeira lógica de “Franchising”, modo pelo qual a administração da Justiça, via Análise Econômica do Direito – Law and Economics, promove um sistema de decisões judiciais fixadas, ex ante, pelo franqueador. A licença da marca é previamente valorizada – decisão do TST, do STJ ou STF –, a qual implica reconhecimento do valor da decisão no mercado jurisdicional.
Com isso, em breve, da velha tarefa de julgar sobrarão apenas lembranças nostálgicas? O ambiente democrático que permeava o Poder Judiciário é tomado por um totalitarismo em que, diante da “burocratização eficiente” da atividade, pouca democracia se poderá buscar. O tempo do magistrado cada vez mais será tomado pelo preenchimento de infinitos relatórios de gestão, sistemas de monitoramento, coerções de uniformidade, e a consequência é que não restará, parafraseando Lebrun, nem tempo, nem espaço, e, sobretudo, desejo para que alguns assumam essa função, de tanto que estarão sujeitos a tarefas de controle e de gestão. Dito diretamente: Gestão sem Jurisdição. Em apertada síntese vendeu-se a eficiência (relação de meio) como se fosse eficácia (relação de fins).
O cotejo do Documento n.º 319 do BID, entre outros, aliado à frase, de Milton Friedman, “O Direito é por demais importante para ficar nas mãos dos juristas”, bem demonstra a pretensão de pensamento único, neoliberal, em que o Poder Judiciário é metaforizado como uma grande orquestra, a saber, por um maestro (STF), com músicos espalhados nos diversos “instrumentos”. Esses músicos, ainda que arregimentados, eventualmente, por sua capacidade técnica e de reflexão, ficam obrigados a tocar conforme indicado pelo maestro, sob pena de exclusão da “Orquestra Única”. Não há outra para concorrer; ela é a portadora da palavra. Diz a Verdade. Ainda que alguns dos músicos pretendam uma nota acima ou abaixo da imposta, não lhe dão ouvidos, porque o diálogo é prejudicado. O slogan é: “toque como queremos ou se retire”. A “Orquestra do Poder Judiciário” ainda está em formação, e a harmonia pretendida pelos donos do poder foi se adaptando por ECs e reformas legislativas. Primeiro, claro, a (in)eficiência de um Poder caro, oneroso, devolvido a sua grande missão: garantir os contratos e a propriedade privada, em nome da confiabilidade no mercado internacional. Para tanto foram articuladas diversas técnicas: 1) súmula vinculante: por ela o maestro (STF) pode impor, definitivamente, a nota a ser tocada, retificando a interpretação mediante uma simples reclamação, podendo, ainda, responsabilizar o músico juiz faltoso; 2) reformas legislativas: a) abreviação do julgamento, mesmo sem o estabelecimento do contraditório; b) relativização da coisa julgada inconstitucional, a qual quebra a ficção em que se estabelece o Processo: a coisa julgada, bem sabia Carnelutti. A ficção maior do sistema, a coisa julgada, virou, também, flexível. c) repercussão geral, em que se decide em bloco os temas ditos mais relevantes; d) jurisprudência dominante (CPC, art. 557); f) súmula impeditiva de recurso (CPC, art. 518); g) julgamento do mérito sem processo (CPC, art. 285-A).
Resistir a isso, todavia, é ir contra a maré das “Almas Belas” (Zizek), gente que em nome do politicamente correto, da aceitação das ditas evoluções sociais, aceita deferir toda-e-qualquer-pretensão para não posar de reacionário, totalitário, ineficiente e conservador. Aceita o jogo do mercado, fabricando e vendendo decisões conforme a moda da estação. Trata-se de sustentar um lugar, lugar que deveria ser de Referência, lugar cuja função é a de dizer, muitas vezes, “Não, disto eu não participo!” Entretanto, para que se possa dizer “Não”, é preciso se autorizar responsável – embora o discurso do senso comum o desresponsabilize –, coisa que a grande maioria não se sente, por se estar eclipsado em nome do direito do conforto e aparente eficiente.

* Doutor (UFPR). Juiz de Direito (TJSC). Professor (UFSC). Membro AJD. Contato:  alexandremoraisdarosa@gmail.com.

 

3 comentários:

  1. Luiz Fernando Biasi Staskowian11 de setembro de 2012 às 10:12

    Éé, tá dificil pensar no direito..... maldita hora em que colocaram `eficiência`no rol de princípios da administraçao publica, como se tudo se resolvesse com uma relação custo-benefício

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  2. Como sempre, "dás um banho"!
    É impressionante como essa apropriação da administração das instituições, sob o foco da gestão/eficiência/produtividade, se tornou a salvação da pátria (ou melhor, do Ornitorrinco!)
    Cuidem-se Juízes, nesta lógica vocês serão, inevitavelmente, dispensáveis!
    Teremos o "sistema" de gerenciamento que proferirá a sentença e custará muito mais barato ao Estado, sobrando mais verbas à política econômica!

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  3. Em tempo, este post me fez rememorar outra postagem tua de 2009 (http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2009/10/judiciario-entre-eficiencia-e-eficacia.html), que já fazia duras críticas à imposição da eficiência ao Judiciário.
    Muito bom!

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