Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos
Alexandre Morais da Rosa

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30/01/2009

O Juiz veste Prada?


O Juiz veste Prada?

Alexandre Morais da Rosa. Membro da AJD. Doutor em Direito (UFPR).

1. Por que o subsídio dos juizes brasileiros, após a EC 45, é um dos maiores da América Latina? Ao pensar sobre este tema cabe a advertência de Milton Friedman: não existe lanche grátis! Dito de maneira mais direta: alguma coisa se esconde por detrás deste movimento, manifestamente ideológico.
2. No pós Constituicão de 1988 o Judiciário passou a responder com maior veemência as demandas populares, especificamente no cumprimento das promessas da modernidade, na efetivação dos Direitos Fundamentais. Embora não tenha sido a pretensão do próprio Poder Judiciário, no pós88, a magistratura passou a ser a alavanca de modificacões estruturais, com o aumento do "custo país", a saber, o atividade comercial precisava compor o custo da producão com o fator Poder Judiciário, manifestado pelo binômio previsibilidade e eficiência. Isto porque houve uma postura de parcela significativa da magistratura no sentido da Justica Social.
3. A resposta, já antevista no Documento 319 do Banco Mundial, passava por Reformas pontuais e silenciosas. Não sem razão a publicacão da FGV e Ministério da Justiça (I Prêmio Innovare) sobre o Judiciário chama-se: A Reforma Silenciosa da Justica. De um lado se estabeleceu reformas pontuais na legislação infraconstitucional mediante dentre outras medidas: 1) súmulas vinculantes; 2) julgamento do mérito sem processo (CPC, art. 285-A); 3) Repercussão geral... Mas faltava o fundamental.
4. O fundamental, neste contexto, é a aplicacão das licões de Gramsci, a saber, era preciso cooptar os atores judiciais e a melhor maneira de assim proceder é pagando bem. Diz o ditado popular que pagando bem mal não tem. E a sabedoria popular, no caso, pode ser invocada, porque com ela, entende-se porque o subsídio dos magistrados são o teto do funcionalismo.
5. Assim, de um momento para o outro, sem alarde, a classe dos juízes, então pertencente ao que se denominava de média, ganhou um up-grade; passou a fazer parte da (Tropa de)Elite que consome e, então, passa a defender seus privilégios, os quais acabam se confundindo com os demais, ou seja, todos são, agora, farinha do mesmo saco. O lanche (subsídio), pois, não foi de graça. Pagou-se com o fim da Independência e da Democracia. O resultado efetivo foi um grande "cala a boca" nos juízes que passaram, não raro, a adotar uma postura mais complacente, sem alardes, nem contestações… de ver a banda passar cantando coisas de amor…
6. Um exemplo disto pode ser colhido com a Lei da Arbitragem. Embora o Estado possua o monopólio legislativo, compartilha a produção de normas jurídicas com a esfera privada, cujos limites podem, por vontade, excluir qualquer regulamentação ou mesmo Jurisdição sobre o objeto do contrato. Isto pode ser feito mediante o estabelecimento de "cláusula cheia" de arbitragem, elegendo-se uma Instituto Internacional qualquer como responsável pela arbitragem… O Poder Judiciário do Estado fica sem a possibilidade de decidir nada porque está fora da partida. Não joga. O Estado, neste contexto, serve apenas como a força policial que dá segurança fora e dentro do estádio, mas não entra em campo, salvo quando este está parado. Assim, o Judiciário pode ser chamado a fazer valer as decisões – que não discute o mérito – demonstrando que as normas nacionais, neste espaço de exceção que é a arbitragem, mormente internacional, são o sintoma do Estado eunuco. É evidente, pois, a privatização do Direito no contexto internacional. E, ademais, como as Leis de Arbitragem seguem um modelo supranacional, resta pouca coisa a fazer. O resultado deste modelo é que as grandes questões comerciais não entram mais no campo da Jurisdição Brasileira, salvo quando se quer utilizar a força… o Judiciário é o BOPE da arbitragem… Esta questão é por demais relevante porque é o sintoma da privatização do Direito, nas barbas (de molho) de todos… As reformas estruturais são silenciosas e eficientes…
7. Por aí se pode entender, quem sabe, porque as posturas reacionárias, de indiferença, voltaram com todo o vigor. Pode ser que agora os juízes brasileiros estejam mais interessados nas viagens das próximas férias, em trocar de carro, em comprar as roupas da moda, porque, enfim, na contabilidade do capital, este foi o preco que se pagou. Existem, claro, os que se dão conta e que precisam apontar para isto. A estes se dirá que perderam o juízo... O Juiz brasileiro não sei se veste prada, mas com certeza quer vestir!
8. Neste estado de coisas, talvez, o ato que se possa fazer seja o de apontar para a cooptacão e mostrar que ao mesmo tempo em que os atuais ganharam tudo, os novos magistrados, pós 2004, não terão mais aposentadoria integral, justamente foram estes que deram os aneis. A questão é que quando se dá os aneis, não raro, a mão vai junto... Por fim, caso tudo que falei tenha sido apenas uma projeção sem sentido para os outros, terei pelo menos a companhia imaginária de Barthes que disse: "A vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões.”

29/01/2009

Violência Sexual - Resumo do Dito


Violência Sexual na Família: anotações sobre a ausência de limites[1]


1 – Estas notas se referem à situação vivenciada no contexto das Varas da Infância e Juventude no Brasil, especificamente no tocante aos atos sexuais violentos entre familiares. Representa uma leitura parcial da situação social, num diálogo possível entre o direito e a psicanálise de matriz lacaniana.
2 – Cada vez mais tem-se verificado, no Brasil, a ocorrência de violência sexual contra crianças e adolescentes. Para além das estatísticas, este dado aponta para algo de sintomático, a saber, a recorrência de casos de relações sexuais entre irmãos. Sabe-se que do Declínio da Função paterna, indicado por Lacan no século passado e demonstrado, dentre outros, por Françoise Hurstel[2], na França e Fernanda Otoni de Barros[3], no Brasil, encadeou-se uma nova economia psíquica, como aponta Melman[4], em que os limites acabam rompidos em nome da satisfação de qualquer pretensão.
3 – Sem se defender o retorno ao dito paraíso neurótico, cabe se aproximar deste acontecimento, sem prejuízo de reflexões mais amplas dos maus-tratos[5]. No Brasil, especialmente pela constatação de que grande parte da geração atual de adolescentes não encontrou a transmissão da Lei, percebe-se que a função paterna restou desterrada, aniquilada, foracluída ou desmentida. Numa sociedade marginal, de regra, sem meios de consumir os objetos apontados pela mídia, cujo papel é importante na sideração do possível gozo escópico e imaginariamente pleno, surgem alternativas mais reais, até porque acolhida a “Nova Economia Psíquica”[6], qualquer demanda parece ser legítima socialmente.
4 – Assim é que, neste contexto, sem castração e, pois, sem Lei, o objeto sexual tem assumido patamares enormes. Os irmãos que, de regra, no Brasil, dormem no mesmo quarto ou em cômodos próximos, muitos junto com os pais, acrescida da curiosidade adolescente, excepcionada pela latência, acabam se tornando, na ausência de limites, no objeto que se toma, muitas vezes pela força. Em grande parte dos casos que atuei, inexiste a dimensão do interdito, mas tão-somente da compulsão pela satisfação, contando, em alguns casos, inclusive, com a conivência paterna, quando não compartilhada, ou seja, toda a família se entrega à satisfação do objeto sexual, sem a dimensão do lugar ocupado por eles, cada um, no antigo romance familiar (Freud): relações entre todos os membros.
5 – Para além do limite, lugar no qual a Justiça acaba se postando, deve-se apontar para o Real. A questão é que os sujeitos, de regra, recusam qualquer pretensão desta ordem, pois é "normal" para eles. Sem Lei não há pecado, lembra São Paulo, nas mãos de Lacan. Como fala Melman é o triunfo do hedonismo coletivo sobre o sintoma, no mais-de-gozar socializado, de uma infância generalizada, cujos efeitos se fazem ver no dia-a-dia dos Tribunais. Para estes, a dimensão da honra e da dignidade se perdeu e, assim, resta pouca coisa para a Justiça a não ser lhes colocar diante disto e indagar o que querem? Sabendo-se, todavia, de antemão, que a resposta social não só autoriza como determina o gozo sem limites em qualquer objeto, inclusive familiar. O consumo de objetos que, por básico, não satisfaz, ainda ganha o empurrão neoliberal da perda da função paterna estatal.
6 – Lidar com este traço perverso é o momento que nos arrosta. Resta-nos, assim, apontar que existe um impossível a se gozar, sob pena de morrermos endogamicamente todos. Mas para que isto ocorra, de fato, reconheçamos, pouco podemos fazer eticamente, sem demanda, salvo ao preço de ocuparmos o lugar do cajado, como diria Lacan. O limite do Estado é a resposta a se dar, claro, percebendo-se, todavia, que a estrutura apresentada encontra-se, de regra, desprovida do interdito simbólico do Nome-do-Pai. Neste mundo sem limites, sem gravidade (Melman), cabe indagar nosso desejo de continuar, e encontrarmos um caminho singular pelo Direito, o qual se tornou instrumento da satisfação perversa do objeto. Não para tornar o homem mais feliz, sob pena de se cair na armadilha do discurso social padrão, mas de resistir apontando o impossível. Este é o desafio: articular ética e singularmente os limites entre os lugares na família, num mundo sem limites (Lebrun).


[1] Alexandre Morais da Rosa. Doutor (UFPR). Mestre (UFSC). Professor do Programa de Pós-graduação da UNIVALI (SC). Juiz de Direito Titular da Vara da Infância e Juventude de Joinville (SC). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Filiado ao IBDFAM, IBCCRIM e BRASIL CEDHUC. Comunicação apresentada na II Rencontre Franco-Brésilienne de Psychanalyse et Droit: enfant en danger, enfant dangereux – acte et enjeux de responsabilité. Paris, 24-26 de outubro de 2005. E-mail: alexandremoraisdarosa@gmail.com
[2] HURSTEL, Françoise. La déchirure paternelle. Paris: Presses Universitaires de France, 1996.
[3] BARROS, Fernanda Otoni de. Do direito ao pai. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
[4] MELMAN, Charles. L’homme sans gravité: jouirà tout prix. Paris: Donoël, 2002
[5] PETITOT, Françoise. On bat un enfant: à propos de la maltraitance. In: LEBRUN, Jean-Pierre. Les désarrois nouveaux du sujet: prolongements théorico-cliniques au monde sans limite. Tolouse: Érès, 2004, p. 169-182.
[6] LEBRUN, Jean-Pierre. Un monde sans limite: essai pour une clinique psychanalytique du social. Tolouse: Érès, 1997.

28/01/2009

Artigo do Júlio. E tem gente que acredita no Obama...

ARTIGO
Obama na Casa Branca, por Julio Cesar Marcellino Jr.*
“Sim, nós podemos!” é o mote cativo e propagandístico do momento. Pelo menos essa é a mensagem que se pôde extrair do episódio global mais esperado dos últimos tempos: a posse do primeiro negro como presidente dos Estados Unidos, que responde, ironicamente, pelo nome de Barack Hussein Obama.Tudo estava lá, arquitetado no melhor estilo circense-espetaculista: um palco montado, bandeiras tremulantes, figuras ilustres, povão na plateia, rituais de honraria, sacralização bíblica de juramentos, apresentações com popstars, discursos, promessas, emoção..Porém, diante desse cenário hollywoodiano, algumas perguntas insistem em não se calar: o que há de tão sedutor nesse episódio, capaz de levar multidões a encararem temperaturas abaixo de zero e outras multidões, de outros países, a assistirem pela TV a uma posse de transmissão de cargo presidencial? Quais seriam as suas implicações? A quem interessa esse espetáculo?Dentre as possíveis respostas pode-se afirmar, considerando tratar-se de uma guinada sem precedentes na história recente, que Obama, desejado ou não – e ainda que um filho de Harvard –, serve de bode expiatório para mostrar que a estrutura do capital não precisa mais de alguém ideologicamente alinhado às diretrizes do livre mercado, como é o caso de Lula. Fica claro que, por mais bem-intencionado que seja o novo presidente norte-americano, se tornará ele mais um refém do sistema fundamentalista financeiro de nossos tempos.Giram-se os discursos, as pessoas, as crenças, mas a estrutura econômica permanece intacta. Mesmo diante da crise financeira e do desgaste do atual modelo neoliberal, que impôs ao mundo um grau de espoliação e exclusão jamais vistos. Não mais importa se o presidente é socialista ou liberal; se é negro, mestiço ou operário. A estrutura continua a respirar e os lucros permanecem intocáveis – mas agora tendo o Estado como sócio, no conveniente formato Estado Corporatista.Outro aspecto não menos perturbador é que Obama tem sido utilizado perigosamente como modelo ao mundo. Trabalhando a caricutura de alguém que supera seu destino e alcança um posto, em princípio, inalcançável, relegitima o sistema. Assim, renova-se a imagem de democracia modelar “livre” que teve a capacidade singular de amortecer a brutal violência inerente ao capitalismo desregulado. Além disso, utiliza-se com habilidade a força e o simbolismo do gesto-exemplo para entorpecer os milhares de excluídos do sistema, blindando a ideologia e desconectando-a da realidade.É que com gestos como a suspensão de julgamentos na base de Guantánamo, a retirada das tropas do Iraque e a regulação do mercado para evitar novas bolhas financeiras, apagam-se as implicações pretéritas decorrentes desses episódios. Há uma manifesta e intencional desconexão entre esses acontecimentos e as responsabilidades.É de se perguntar: quem irá pagar pelas torturas em Guantánamo, pela pilhagem das riquezas iraquianas, pelas vidas ceifadas na guerra contra o terror e na Palestina – ocorridas pela omissão decorrente do vácuo de poder na transição norte-americana – e pelos bilhões de dólares do contribuinte que estão sendo entregues ao setor bancário e seguradoras? Deletar tais reflexões faz parte, sim, da estratégia. E dar-se conta disso é fundamental para que o consentimento a este enganoso discurso de mudança não se torne um fardo em nossas consciências.Advogado e professor universitário

Fotos da Postagem com Warat




27/01/2009

O Juiz e o Complexo de Nicolas Marshall




Talvez muitos não se recordem do Juiz Nicolas Marshall[1][2]. Por isso vale a pena lembrar que durante certo tempo foi exibido um seriado de TV no qual o Juiz (Nicolas Marshall) era um respeitável e honrado Juiz durante o dia, cumprindo as leis em vigor, os prazos processuais, os direitos dos acusados e, no entanto, no período da noite, longe do Tribunal, com roupas populares, cabelos soltos - já que os tinha compridos -, decidia “fazer Justiça”. O seriado, por isso, denominava-se “Justiça Final”. Pretendendo o bem da sociedade e, antes das vítimas – evidente -, procurava por todas as formas aniquilar, matar e “resolver” os casos criminais (leia-se “criminosos”) que conhecia, ao arrepio da Lei, claro. Acreditava que a Justiça ordinária era incapaz de “dar a devida resposta aos criminosos” e, então, por suas mãos, enfim, aplicava a (sua boa) Justiça. Era um espécime que mesmo exercendo funções estatais, preferia, se esgueirando no submundo, protagonizar a função de Justiceiro incontrolado, movido por paixões pessoais.
Esse seriado retirado do fundo baú faz surgir uma reflexão importante atualmente: Considerando que os resultados de controle social da atuação como Juiz não resultam no que se esperava, será que está justificada a atuação como vingador social?
A resposta é negativa! O preço de se viver em democracia é o respeito pela diferença e proibição da vingança privada. O Estado é quem assume a legitimidade para aplicar qualquer sanção, mediante um Juiz Imparcial, não se podendo admitir a vingança pessoal, sob pena de configuração de crime (CP art. 345).
Todavia, diante da ineficiência dos mecanismos de controle existentes, muito em decorrência do modelo repressor adotado, o qual reproduz a injustiça social reinante, valendo por todos a crítica formulada pelo saudoso Professor Alessandro Baratta, acabam surgindo aqueles que “sabem o que é melhor para sociedade” e buscam aplicar as penas pelas próprias mãos: surgem os Juízes Justiceiros, inspirados no herói Nicolas Marshall.
Cuida-se, no fundo, do “Complexo de Nicolas Marshall”. Esse complexo atua na maioria dos casos de forma inconsciente na busca legítima de se cumprir o papel jurisdicional. Acaba se instalando na prática jurídica nos espaços de discricionariedade (ilegítimos) abertos na legislação, tão bem criticados por Ferrajoli (Direito e Razão), os quais deixam para “bondade” do órgão julgador a aplicação da Lei.
O problema é saber, como diz Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, qual é o critério, ou seja, o que é a ‘bondade’ para ele. Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes; e neste diapasão os exemplos multiplicam-se. Em um lugar tão vago, por outro lado, aparecem facilmente os conhecidos ‘justiceiros’, sempre lotados de ‘bondade’, em geral querendo o ‘bem’ dos condenados e, antes, o da sociedade. Em realidade, há aí puro narcisismo; gente lutando contra seus próprios fantasmas.
Resultado disso é que os Vingadores Sociais, muitos deles usurpando da parcela de poder estatal que lhes é conferida como Juízes, ou seja, no dever constitucional de garante dos Direitos Fundamentais e Humanos, nem precisam tirar suas becas para ceder espaço ao “Complexo de Nicolas Marshall”; o fazem em suas decisões mediante recursos retóricos aceitos pelo senso comum teórico (Warat), em meras aplicações de lógica dedutiva no âmbito penal. Dentre estes existem dois, os quais classifico utilizando a boa dogmática (não resisto): o doloso, que conhece a teoria do delito, imputação objetiva, tipo do injusto, culpabilidade, dentre outras discussões contemporâneas, mas mesmo assim acredita que somente desta forma se faz Justiça. E o segundo, o culposo que, por incapacidade teórica e de vontade acaba reeditando o raciocínio dedutivo em nome da “manutenção da paz social”, sendo incapaz de discutir seriamente qualquer das questões antes indicadas. É o Juiz papagueador (aprende para repetir, somente).
E, ao final, a pergunta que remanesce é a formulada por Agostinho Ramalho Marques Neto: quem nos salva da bondade dos bons (juízes)? Cuidado ao pisar no tapete....



[1] Deixo claro, com L. F. Barros, que essa é uma crítica de ficção em que, como em todas as outras do gênero, quaisquer semelhanças com situações e personagens reais foi cuidadosa, meticulosa e intencionalmente planejada. Todas as dessemelhanças com a bizarra realidade dos personagens e teorias aqui apresentados devem-se apenas à falta de habilidade descritiva do autor.
[2] Alexandre Morais da Rosa exerce a função de Juiz Estadual em SC. É Doutor (UFPR) e Mestre(UFSC). Durante muito tempo sofreu de “normalpatia” (L.F. Barros).

Portarias de Juízes? Os limites democráticos

O Jornal OGlobo, edição de 25.01.09, na página 04, noticia a expedição de Portarias por juízes da Infância e Juventude transbordando os limites democráticos. Em uma delas, foi proibida a circulação de crianças e adolescentes com skates e patins. A proibição é por demais ilegal, inconstitucional. Isto porque a Constituição da República em nenhum momento autoriza ao Poder Judiciário "legislar" e a autorização do art. 149 do ECA precisa ser lida em conformidade com a Constituição. Estas portarias que proíbem condutas lícitas, embora formalmente baseadas no ECA, violam a Constituição. São atos administrativos ilegais. Ninguém é obrigado a cumprir. São, na verdade, juízes que pensam com o resto ativo da concepção tutelar. É preciso dar um basta!

26/01/2009

Buenos Aires - Café Warat

Acabo de voltar do Café Filosófico realizado por Luis Alberto Warat, em Buenos Aires. A descrição dos participantes e demais infomações se encontra no blog do Warat.
http://www.luisalbertowarat.blogspot.com/
Para mim foi muito especial porque foi possível discutir a proposta de uma Mediação Diagonal, a qual, em breve, estará num Manifesto.
A emoção de estar com Warat é indescritível. Somente quem conviveu com ele pode não pode dizer o que é, já que é da ordem do Real.
Segue um texto que fiz para ele:




Mediação com Warat: Entre Famas e Cronópios.

Alexandre MORAIS DA ROSA[1]

1. Ele influenciou toda uma geração de gente aturdida à procura de um Mestre. Este lugar de Oráculo, todavia, nunca foi por ele ocupado, embora muitos assim o quisessem. Ao não aceitar guiar, apontar o caminho, foi criticado, negado histericamente, ainda que mais tarde (quase) todos tenham se rendido à postura manifestamente ética de Luis Alberto Warat: apostar na capacidade de enunciação do sujeito! Teria sido mais fácil, especialmente para os que cultivam um “narcisismo pedante”, próprio da Academia, ter fundado uma “Seita jurídica” qualquer, na sua modalidade mais contemporânea, a saber, uma “seita jurídica da salvação”. Mas não. Sabia Warat que não há Salvação concedida, completude prometida, pois isto é empulhação Imaginária. E o lugar dos Salvadores sempre é o do canalha! Restou, sempre, a aposta. A aposta no sujeito, na sua autenticidade, carnavalizando as certezas.
2. E o convite para falar, hoje, nesta mesa, para mim, não poderia ser mais especial. O Luis Alberto Warat completa 67 anos justamente hoje! Era impossível não fazer o impensável para estar junto dele neste dia, embora não seja preciso o aniversário para desejar estar ao lado dele. Com ele, nos cursos para juízes em Santa Catarina – isto mesmo! Warat foi contratado para dar curso de formação a juízes em SC – foi possível compreender a importância de balançar as estruturas.
3. Talvez uma das chaves para entender a proposta de Warat sobre mediação possa estar na leitura cruzada, ou seja, como metáfora, da Literatura, recurso utilizado por ele diversas vezes. Por isso a invocação de Cortazar e seu fantástico livro “História de Cronópios e Famas”, justamente para indicar duas posições diferentes, a saber, os Famas como sujeitos matemáticos, estatísticos, ordenados, loucos por protocolos de atuação. Já os Cronópios, por seu turno, gente que aceita o convite da vida, do inesperado e de bom grado a surpresa da faticidade, sem querer impor um padrão de vida. Esta opção entre Famas e Cronópios, no caso da mediação, dá a dimensão do que se passa. Embora o discurso seja de aceitar o outro e a violência que ele sempre traz consigo, muitas e muitas vezes o deslizar para “consertar” o sujeito, a relação estabelecidada entre os envolvidos, faz com que os Famas-Mediadores neguem o fundamento da mediação, alienadamente. Assim, parece, com acerto, que somente uma postura de Mediador-Cronópio pode promover uma mediação sem Salvação transcendente, já que vivem o mundo poeticamente.
4. É que não se pode fazer uma leitura linear do conflito, nem o entender como uma imagem. Ele é sempre a narrativa parcial de uma realidade sustentada por um sujeito que enuncia e que precisa de uma fusão de horizontes (Gadamer) num espaço compartilhado, desprovido, ademais, de Verdade Verdadeira/Fundante. A realidade entendida como limite Simbólico, portanto, da ordem do singular, impede que a leitura da realidade única possa se estabelecer, como de regra acontece no plano do Direito. Há um para-além do dito, no qual o sentido de uma possibilidade de interlocução e responsabilização, por básico, demandam um procedimento específico para produção de verdades, sem transcendência. Uma Mediação Laica, assim, parece ser o desafio neste início de milênio. Esta possibilidade não implica na renúncia aos mitos fundadores de qualquer Sistema, mas justamente em reconhecer que a transcendência opera no Real, ou seja, em algo que somente se pode tocar nas bordas, enfim, no qual a palavra irá fundar, por definição, mas que não se pode querer salvar ninguém!
5. Mais cedo ou mais tarde se percebe que o conflito e sua manutenção ocupam o lugar de um remédio imaginário contra o desalento constitutivo do sujeito, no medo que o desamparo de uma solidão aumente pelo rompimento do vínculo que um processo judicial proporciona, situação mais do que apurada no campo do Direito de Família, em que as separações, divórcios, etc... nunca terminam...., justamente porque os sujeitos não podem dar cabo ao que lhes sustenta.... e a resposta estatal padrão, fundamentada na razão, é manca. Sempre. Há um para além do autos, no silêncio, no semi-dito, que condiciona o sentido do que virá depois...
6. No campo da mediação se constrói um conto com os materiais significantes disponíveis, sem que já se antecipe o final. Difere de uma decisão judicial que acredita ingenuamente dar a razão para alguma das partes. Rompe-se com o padrão moderno de racionalidade, enfim, muda-se de rumo. Aceita-se a parcialidade de um acontecer. Não há um projeto do que pode ser adequado para os envolvidos. Na singularidade que surgirão, por certo, a procela de significantes que serão dispostos, em algo próximo a uma “bricolage”, em que a garantia decorre da montagem conjunta dos concernidos.
7. Com efeito, o que se dá, de regra, são atores sociais que amam o Direito, a Mediação, mas odeiam gente, contato, proximidade, como fala Luis Alberto Warat (O Ofício do Mediador). Amam as pessoas à distância, nos seus lugares, desde que os deixem em paz. A paz muitas vezes do discurso consciente contracena com o desprezo, a intolerância em relação ao outro. O encontro é similar a lógica do “amor cortês”, no sentido de evitar o encontro com a “coisa”, enfim, como no “amor cortês” é um falso amor, aqui, no caso dos adolescentes, é um falso respeito. Por detrás do discurso esconde-se, não raro, uma intolerância primordial. Evitar-se o encontro ao máximo, com medo do trauma que daí advém, sempre. E quando acontece o encontro, por exemplo, com a violência, o conflito, a intolerância impera soberana. Por isso que Lacan (Ética da psicanálise), ao afirmar que o Real existe, mas é impossível, refere-se ao axioma: “ama o teu próximo”, porque ele para ser amado deve permanecer a certa distância, sem encontro, porque quando isto se dá, o trauma acontece. É sobre este trauma que muitas vezes a Mediação é chamada a se manifestar. A sociedade vive numa convivência à distância, um contato sem contato, e os contatos são traumáticos por definição.
8. Daí o perigo dos discursos de “Paz por Paz”, alienados da dimensão humana, na esperança metafísica – e muitas vezes religiosa – de uma perenidade de humanos tornados em anjos, imaginariamente. Este é um projeto inalcançável e que fomenta – muito de boa-fé – as atividades sociais totalitárias. Procura-se, neste pensar, uma desubjetivação, com o apagamento da dimensão de negatividade do sujeito, de sua pulsão de morte (Freud). E os Famas de sempre procuram impor um padrão de subserviência alienada ao desejo, tornando os mediados em marionetes de um discurso opressivo sem sentido. Procura-se, enfim, eliminar o sujeito humano que molesta.
9. Aceitar o sujeito é admitir que age sem o saber, movido por uma estrutura subjetiva singular, própria, embalada pelo princípio de morte, na eterna tentação de existir. Pode ser que ali, no conflito, uma tentativa de o sujeito se fazer ver, aparecer. A abordagem tradicional busca calar esta voz, não deixar o sujeito dizer de si, de suas motivações, previamente etiquetadas e formatadas. Há um sujeito no conflito. E a Mediação possibilita que ele se faça ver, dando-lhe a palavra, sempre. É com a palavra, com a voz, que o sujeito pode aparecer. A violência em nome da lei, imposta, simplesmente, realimenta uma estrutura de irresignação que (re)volta, mais e mais.
10. Na Mediação se pretende mostrar que não se pode gozar tudo, pois há um impossível a se gozar em sociedade. Busca-se, ao inverso do discurso padrão, construir laço social, e não a imposição de um respeito incondicional kantiano que, por básico, opera na lógica: não discuta, cumpra. Buscar que o sujeito enuncie seu discurso e não despeje enunciados, como diz Lebrun, ocupando um lugar e uma função. A aposta que se faz, neste contexto, pois, é a de que reconhecer o outro, a alteridade, na medida em que se descobre sujeito. Dito de outra forma, aceitar o outro sob a forma de uma relação conflituosa, para somente assim ocorre laço social. Do contrário, há intolerância. Sempre. Zizek (Arriesgar lo imposible: Conversaciones com Glyn Daly) afirma que é preciso de alguma maneira aceitar a violência, porque a tolerância à distância, própria do modelo liberal, é muito mais cínica. Enfim, arriscar o impossível: aceitar e se relacionar com o outro singular, no que a mediação, via Cronópios, pode ser um sendero.
11. Cumpre-me, todavia, terminar. No caso de Warat tenho para com ele o que Cortazar chamava de “amizade felina”, no sentido de que ele sabe quem sou e eu sei quem é Warat. Não há mais o que falar! Somos amigos e Tchau, cada um para o seu lado. Como hoje, quando terminar o evento. De qualquer forma, com a sedução que ele opera, vale a descrição de Pedro Juan Gutiérrez, o qual, por certo, descreve Warat: “Sou um sedutor. Eu sei. Assim como existem os alcoólicos irrecuperáveis, os jogadores, os viciados em cafeína, em nicotina, em maconha, os cleptomaníacos etcétera, sou um viciado em sedução. Às vezes o anjinho que tenho dentro de mim tenta me controlar e diz assim: ‘Não seja tão filho-da-puta, Luisito... Não percebe que está fazendo estas mulheres sofrerem?’. Mas aí aparece o diabinho e o contradiz: ‘Vá em frente. Elas ficam felizes assim, nem que seja só por um tempo. E você também fica feliz. Não se sinta culpado. É um vício. Sei que a sedução é um vício igual a outro qualquer. E não existe nenhum Sedutores Anônimos. Se existisse, talvez pudessem fazer algo por mim. Se bem que não tenho tanta certeza. Seguramente eu inventaria pretextos para não comparecer a suas sessões e ter de ficar lá na caradura na frente de todo o mundo, botar a mão na Bíblia e dizer serenamente: ‘Meu nome é Luis Alberto Warat. Sou um sedutor. E faz hoje vinte e sete dias que não seduzo ninguém.” Que a Mediação seduza, Famas e Cronópios, mas que se adote uma postura poética do mundo, sempre!

[1] Doutor em Direito (UFPR). Mestre em Direito (UFSC). Professor do Programa de Mestrado em Direito da UNIVALI (SC). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude (TJSC). Fala apresentada no Encontro do GMET, na PUC-RJ, em 30.10.2008. Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com

13/01/2009

Warat

Para começar cabe bem Warat: “Estou pronto, como um eterno viajante que parte e volta sem nunca ficar, para amar e continuar disponível para a vida. Tentarei resolver o destino do meu prazer sem a âncora de um lirismo embolorado, de uma moral e de um modelo de sentimentos que propicia o crime da vida.” Vamos lá

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