Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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26/01/2009

Buenos Aires - Café Warat

Acabo de voltar do Café Filosófico realizado por Luis Alberto Warat, em Buenos Aires. A descrição dos participantes e demais infomações se encontra no blog do Warat.
http://www.luisalbertowarat.blogspot.com/
Para mim foi muito especial porque foi possível discutir a proposta de uma Mediação Diagonal, a qual, em breve, estará num Manifesto.
A emoção de estar com Warat é indescritível. Somente quem conviveu com ele pode não pode dizer o que é, já que é da ordem do Real.
Segue um texto que fiz para ele:




Mediação com Warat: Entre Famas e Cronópios.

Alexandre MORAIS DA ROSA[1]

1. Ele influenciou toda uma geração de gente aturdida à procura de um Mestre. Este lugar de Oráculo, todavia, nunca foi por ele ocupado, embora muitos assim o quisessem. Ao não aceitar guiar, apontar o caminho, foi criticado, negado histericamente, ainda que mais tarde (quase) todos tenham se rendido à postura manifestamente ética de Luis Alberto Warat: apostar na capacidade de enunciação do sujeito! Teria sido mais fácil, especialmente para os que cultivam um “narcisismo pedante”, próprio da Academia, ter fundado uma “Seita jurídica” qualquer, na sua modalidade mais contemporânea, a saber, uma “seita jurídica da salvação”. Mas não. Sabia Warat que não há Salvação concedida, completude prometida, pois isto é empulhação Imaginária. E o lugar dos Salvadores sempre é o do canalha! Restou, sempre, a aposta. A aposta no sujeito, na sua autenticidade, carnavalizando as certezas.
2. E o convite para falar, hoje, nesta mesa, para mim, não poderia ser mais especial. O Luis Alberto Warat completa 67 anos justamente hoje! Era impossível não fazer o impensável para estar junto dele neste dia, embora não seja preciso o aniversário para desejar estar ao lado dele. Com ele, nos cursos para juízes em Santa Catarina – isto mesmo! Warat foi contratado para dar curso de formação a juízes em SC – foi possível compreender a importância de balançar as estruturas.
3. Talvez uma das chaves para entender a proposta de Warat sobre mediação possa estar na leitura cruzada, ou seja, como metáfora, da Literatura, recurso utilizado por ele diversas vezes. Por isso a invocação de Cortazar e seu fantástico livro “História de Cronópios e Famas”, justamente para indicar duas posições diferentes, a saber, os Famas como sujeitos matemáticos, estatísticos, ordenados, loucos por protocolos de atuação. Já os Cronópios, por seu turno, gente que aceita o convite da vida, do inesperado e de bom grado a surpresa da faticidade, sem querer impor um padrão de vida. Esta opção entre Famas e Cronópios, no caso da mediação, dá a dimensão do que se passa. Embora o discurso seja de aceitar o outro e a violência que ele sempre traz consigo, muitas e muitas vezes o deslizar para “consertar” o sujeito, a relação estabelecidada entre os envolvidos, faz com que os Famas-Mediadores neguem o fundamento da mediação, alienadamente. Assim, parece, com acerto, que somente uma postura de Mediador-Cronópio pode promover uma mediação sem Salvação transcendente, já que vivem o mundo poeticamente.
4. É que não se pode fazer uma leitura linear do conflito, nem o entender como uma imagem. Ele é sempre a narrativa parcial de uma realidade sustentada por um sujeito que enuncia e que precisa de uma fusão de horizontes (Gadamer) num espaço compartilhado, desprovido, ademais, de Verdade Verdadeira/Fundante. A realidade entendida como limite Simbólico, portanto, da ordem do singular, impede que a leitura da realidade única possa se estabelecer, como de regra acontece no plano do Direito. Há um para-além do dito, no qual o sentido de uma possibilidade de interlocução e responsabilização, por básico, demandam um procedimento específico para produção de verdades, sem transcendência. Uma Mediação Laica, assim, parece ser o desafio neste início de milênio. Esta possibilidade não implica na renúncia aos mitos fundadores de qualquer Sistema, mas justamente em reconhecer que a transcendência opera no Real, ou seja, em algo que somente se pode tocar nas bordas, enfim, no qual a palavra irá fundar, por definição, mas que não se pode querer salvar ninguém!
5. Mais cedo ou mais tarde se percebe que o conflito e sua manutenção ocupam o lugar de um remédio imaginário contra o desalento constitutivo do sujeito, no medo que o desamparo de uma solidão aumente pelo rompimento do vínculo que um processo judicial proporciona, situação mais do que apurada no campo do Direito de Família, em que as separações, divórcios, etc... nunca terminam...., justamente porque os sujeitos não podem dar cabo ao que lhes sustenta.... e a resposta estatal padrão, fundamentada na razão, é manca. Sempre. Há um para além do autos, no silêncio, no semi-dito, que condiciona o sentido do que virá depois...
6. No campo da mediação se constrói um conto com os materiais significantes disponíveis, sem que já se antecipe o final. Difere de uma decisão judicial que acredita ingenuamente dar a razão para alguma das partes. Rompe-se com o padrão moderno de racionalidade, enfim, muda-se de rumo. Aceita-se a parcialidade de um acontecer. Não há um projeto do que pode ser adequado para os envolvidos. Na singularidade que surgirão, por certo, a procela de significantes que serão dispostos, em algo próximo a uma “bricolage”, em que a garantia decorre da montagem conjunta dos concernidos.
7. Com efeito, o que se dá, de regra, são atores sociais que amam o Direito, a Mediação, mas odeiam gente, contato, proximidade, como fala Luis Alberto Warat (O Ofício do Mediador). Amam as pessoas à distância, nos seus lugares, desde que os deixem em paz. A paz muitas vezes do discurso consciente contracena com o desprezo, a intolerância em relação ao outro. O encontro é similar a lógica do “amor cortês”, no sentido de evitar o encontro com a “coisa”, enfim, como no “amor cortês” é um falso amor, aqui, no caso dos adolescentes, é um falso respeito. Por detrás do discurso esconde-se, não raro, uma intolerância primordial. Evitar-se o encontro ao máximo, com medo do trauma que daí advém, sempre. E quando acontece o encontro, por exemplo, com a violência, o conflito, a intolerância impera soberana. Por isso que Lacan (Ética da psicanálise), ao afirmar que o Real existe, mas é impossível, refere-se ao axioma: “ama o teu próximo”, porque ele para ser amado deve permanecer a certa distância, sem encontro, porque quando isto se dá, o trauma acontece. É sobre este trauma que muitas vezes a Mediação é chamada a se manifestar. A sociedade vive numa convivência à distância, um contato sem contato, e os contatos são traumáticos por definição.
8. Daí o perigo dos discursos de “Paz por Paz”, alienados da dimensão humana, na esperança metafísica – e muitas vezes religiosa – de uma perenidade de humanos tornados em anjos, imaginariamente. Este é um projeto inalcançável e que fomenta – muito de boa-fé – as atividades sociais totalitárias. Procura-se, neste pensar, uma desubjetivação, com o apagamento da dimensão de negatividade do sujeito, de sua pulsão de morte (Freud). E os Famas de sempre procuram impor um padrão de subserviência alienada ao desejo, tornando os mediados em marionetes de um discurso opressivo sem sentido. Procura-se, enfim, eliminar o sujeito humano que molesta.
9. Aceitar o sujeito é admitir que age sem o saber, movido por uma estrutura subjetiva singular, própria, embalada pelo princípio de morte, na eterna tentação de existir. Pode ser que ali, no conflito, uma tentativa de o sujeito se fazer ver, aparecer. A abordagem tradicional busca calar esta voz, não deixar o sujeito dizer de si, de suas motivações, previamente etiquetadas e formatadas. Há um sujeito no conflito. E a Mediação possibilita que ele se faça ver, dando-lhe a palavra, sempre. É com a palavra, com a voz, que o sujeito pode aparecer. A violência em nome da lei, imposta, simplesmente, realimenta uma estrutura de irresignação que (re)volta, mais e mais.
10. Na Mediação se pretende mostrar que não se pode gozar tudo, pois há um impossível a se gozar em sociedade. Busca-se, ao inverso do discurso padrão, construir laço social, e não a imposição de um respeito incondicional kantiano que, por básico, opera na lógica: não discuta, cumpra. Buscar que o sujeito enuncie seu discurso e não despeje enunciados, como diz Lebrun, ocupando um lugar e uma função. A aposta que se faz, neste contexto, pois, é a de que reconhecer o outro, a alteridade, na medida em que se descobre sujeito. Dito de outra forma, aceitar o outro sob a forma de uma relação conflituosa, para somente assim ocorre laço social. Do contrário, há intolerância. Sempre. Zizek (Arriesgar lo imposible: Conversaciones com Glyn Daly) afirma que é preciso de alguma maneira aceitar a violência, porque a tolerância à distância, própria do modelo liberal, é muito mais cínica. Enfim, arriscar o impossível: aceitar e se relacionar com o outro singular, no que a mediação, via Cronópios, pode ser um sendero.
11. Cumpre-me, todavia, terminar. No caso de Warat tenho para com ele o que Cortazar chamava de “amizade felina”, no sentido de que ele sabe quem sou e eu sei quem é Warat. Não há mais o que falar! Somos amigos e Tchau, cada um para o seu lado. Como hoje, quando terminar o evento. De qualquer forma, com a sedução que ele opera, vale a descrição de Pedro Juan Gutiérrez, o qual, por certo, descreve Warat: “Sou um sedutor. Eu sei. Assim como existem os alcoólicos irrecuperáveis, os jogadores, os viciados em cafeína, em nicotina, em maconha, os cleptomaníacos etcétera, sou um viciado em sedução. Às vezes o anjinho que tenho dentro de mim tenta me controlar e diz assim: ‘Não seja tão filho-da-puta, Luisito... Não percebe que está fazendo estas mulheres sofrerem?’. Mas aí aparece o diabinho e o contradiz: ‘Vá em frente. Elas ficam felizes assim, nem que seja só por um tempo. E você também fica feliz. Não se sinta culpado. É um vício. Sei que a sedução é um vício igual a outro qualquer. E não existe nenhum Sedutores Anônimos. Se existisse, talvez pudessem fazer algo por mim. Se bem que não tenho tanta certeza. Seguramente eu inventaria pretextos para não comparecer a suas sessões e ter de ficar lá na caradura na frente de todo o mundo, botar a mão na Bíblia e dizer serenamente: ‘Meu nome é Luis Alberto Warat. Sou um sedutor. E faz hoje vinte e sete dias que não seduzo ninguém.” Que a Mediação seduza, Famas e Cronópios, mas que se adote uma postura poética do mundo, sempre!

[1] Doutor em Direito (UFPR). Mestre em Direito (UFSC). Professor do Programa de Mestrado em Direito da UNIVALI (SC). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude (TJSC). Fala apresentada no Encontro do GMET, na PUC-RJ, em 30.10.2008. Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com

4 comentários:

  1. Gostei muito do texto. Realmente é nesse entrecruzar intersubjetivo do 'encontro'(por vezes amoroso, por vezes odioso...mas de regra, 'espetacular' (Debord)), que também se chama 'conflito', que se encontram os mais desconhecidos territórios a serem explorados...Forte Abs e parabéns pelo Blog. Será um excelente veículo para trocarmos idéias. Julio Cesar Marcellino Jr. (Fpolis/SC)

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  2. O texto faz justiça ao Grande LAW: "quando a Paixão conduz, deixa a Razão segurar as rédeas" (B.Franklin). O Blog já é sucesso, mas não custa bendizê-lo. Parabéns! Geralda Magella de Faria (Criciúma-SC)

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  3. Brilhante texto. De fato a apolaridade que suprime a humanização torna os laços que deveriam engajar os participantes e o mediador cada vez mais frouxos (Z.Bauman), alteridade violentada... Imprescindível se faz iluminar estes súbitos "campos cegos" (Warat). Pelejemos.
    Parabéns Alexandre.

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  4. querido, texto genial !!!! Warat é mesmo toda essa sedução, foi creio a minha grande e primeira inspiração desde o surrealismo jurídico.... E você, no comments, continua escrevendo que é uma beleza, delícia de leitura. Beijos e mais beijos, lelé

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