Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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09/05/2009

Marcha da Maconha



Mais uma vez Túlio Lima Vianna com razão e "passetando" até a última ponta.


1
Exmo Sr. Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, TÚLIO LIMA VIANNA, brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB-MG sob o nº 107.153, com escritório nesta capital à Rua ****** ****** ** ***** ******, ********, *************, vem com fulcro no art.5º, LXVIII, da Constituição da República, impetrar a presente ordem de HABEAS CORPUS PREVENTIVO, com pedido de LIMINAR, em favor de ***** ****** ***** *********** *******, ********* * *********** ***** ******, ** *** ***** ******, *******, ***** *********, **************, que se encontra ameaçado de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de expressão e locomoção, constitucionalmente garantidas em razão de participação em manifestação pacífica em favor da descriminalização da maconha que ocorrerá no próximo sábado, 9 de maio de 2009, às 15h.
Aponta-se como possíveis autoridades coatoras os digníssimos Comandante do 1º Batalhão de Polícia Militar, Comandante do Batalhão de Polícia de Eventos, Delegado de Polícia da 1ª Delegacia Seccional Centro.
2
Da competência
O presente Habeas Corpus trata de ameaça de constrangimento ilegal ao direito de ir e vir do paciente em razão de uma hipotética e futura prática do crime do art.287 do Código Penal Brasileiro (apologia de crime ou criminoso), cuja pena prevista é de 3 a 6 meses de detenção ou multa. Destarte, nos termos dos arts. 60 e 61 da Lei 9.099/95 a competência para julgá-lo é deste Juizado Especial Criminal.
Dos fatos
O paciente é integrante do Coletivo Marcha da Maconha, uma organização civil que pretende realizar uma manifestação pacífica, na região central de Belo Horizonte, no próximo sábado, dia 9 de maio de 2009, defendendo a mudança na legislação penal brasileira para que o uso da maconha deixe de ser crime em nosso país.
Esta manifestação em Belo Horizonte faz parte de um movimento global denominado Global Marijuana March (GMM), que ocorre anualmente nas maiores cidades do mundo, desde 1999.
Em 2008, as manifestações do GMM em prol da descriminalização da maconha ocorreram sem incidentes em 239 cidades do mundo, incluindo praticamente todas as grandes cidades da Europa (Berlim, Lisboa, Londres, Madrid, Paris, Roma, etc), da América do Norte (Nova York, Los Angeles, Chicago, Toronto, Montreal, etc) e da América Latina (Buenos Aires, Cidade do México, Santiago, Montevideo, etc). Em todas estas cidades do mundo foi reconhecido o direito de seus cidadãos de manifestarem seu pensamento favoravel à descriminalização da maconha sem interferência das autoridades locais.
Lamentavelmente o mesmo não se deu no Brasil.
Não obstante a clareza das garantias constitucionais à livre manifestação de pensamento e da visível atipicidade da “apologia ao crime”, o Brasil se viu, em 2008, na constrangedora situação de ser o único país com constituição democrática a proibir a marcha da maconha ocorrida em 239 cidades do mundo, sem qualquer tentativa de obstáculo por parte dos Ministérios Públicos e dos Poderes Judiciários locais.
Conforme fartamente divulgado pela imprensa, em 2008, os Ministérios Públicos de diversos estados impetraram mandados de seguranças com pedidos de liminares para proibir a realização das manifestações em prol da descriminalização da maconha no Brasil, ao singelo argumento de que o evento poderia, em tese, tipificar o delito de “apologia ao crime”.
Mesmo a Constituição da República vedando qualquer tipo de censura prévia à livre manifestação de pensamento, muitas liminares foram concedidas pelos Tribunais de Justiça, proibindo a realização da marcha e, conseqüentemente, a livre manifestação de pensamento de seus participantes.
Na cidade de Belo Horizonte, o Coletivo Marcha da Maconha foi surpreendido com a liminar em Mandado de Segurança (1.0000.08.474471-3/000(1) ) expedida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, proibindo a realização da manifestação pacífica que pretendiam fazer em apoio à descriminalização da maconha.
Já se tem notícia também que, neste ano de 2009, diversas liminares judiciais proibindo a Marcha da Maconha nas cidades de São Paulo, Salvador e João Pessoa, foram concedidas ao argumento de que a manifestação caracterizaria “apologia ao crime”.
Esta censura judicial gerou protestos não só dos grupos interessados na realização da manifestação, mas também em diversos outros setores da sociedade civil, incomodados com o ato de censura prévia por parte do Poder Judiciário.
Da Liberdade de Manifestação de Pensamento
As ditaduras sustentam suas leis pelo uso da força, da repressão, da imposição do silêncio. As democracias sustentam-se no diálogo franco e aberto, no questionamento crítico de sua ordem vigente, na supremacia da razão sobre os dogmas.
A célebre frase atribuída a Voltaire resume bem a lógica do pensamento democrático: “Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo”
No debate democrático não pode haver tabus: drogas, aborto, eutanásia, homossexualidade, tudo deve ser tema de debates públicos. As ditaduras jogam seus temas incômodos para “debaixo do tapete” e impõem à maioria as leis estabelecidas pelo restrito grupo dos “guardiães da moral e dos bons costumes”. Nas democracias estes mesmos temas são discutidos a fundo de maneira transparente por todos os interessados.
Não é por outro motivo que a Constituição da República dispõe categoricamente em seu artigo 5º, IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” E, não bastasse tal dispositivo, insiste logo adiante no artigo 5º, IX: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”
Finalmente, tamanha é a importância do direito à livre manifestação de pensamento que a Constituição da República volta a garanti-lo em seu artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observando o disposto nesta Constituição. (...) §2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística.”
Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – promulgada no Brasil pelo Decreto 678 de 6 de novembro de 1992 garante a liberdade de pensamento e expressão em seu artigo 13: “1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a
responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.”
Não obstante a clareza de tais dispositivos, somos surpreendidos por uma série de Mandados de Seguranças impetrados pelos Ministérios Públicos de diversos estados, procurando censurar previamente a Marcha da Maconha, ao singelo pretexto de que esta poderia caracterizar o delito de “apologia ao crime”.
Em recente Habeas Corpus impetrado para garantir a Marcha da Maconha 2009 na cidade do Rio de Janeiro o ilustre Prof. Dr. Nilo Batista, em co-autoria com os brilhantes advogados Cláudio Costa, Gerardo Xavier Santiago e Maria Clara Batista assim se manifestaram: “Converter uma discussão pública sobre a política criminal de drogas em apologia de crime constitui um raciocínio jurídico tão grosseiro quanto criminalizar a discussão sobre o aborto ou a eutanásia, como se os defensores de mudanças legislativas afetas a tais temas estivessem estimulando essas condutas hoje incriminadas no direito penal brasileiro.”
O MM Juiz Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho do IV Juizado Especial Criminal que concedeu a ordem pleiteada, afirmou o direito constitucional à liberdade de manifestação de pensamento nos seguintes termos: “As praças e as ruas pertencem aos processos sociais e é nelas que os movimentos sociais devem se expressar. Pretender interditar o lugar público para o exercício da liberdade de expressão é desconhecer todo o processo histórico que possibilitou a invenção da democracia. (...) Não importa muito o teor do pensamento, da argumentação, que será expressa no locus público. Para a Constituição, o que importa é a liberdade de fazê-lo. (...) Quem for contra o que será dito, que faça outra manifestação para dizer que é contra e por que. No caso dos autos, que digam por que a maconha e outras drogas legais, como o álcool, fazem mal a saúde; exibam depoimentos de ex-viciados; transmitam o que dizem os especialistas da saúde etc. O que não podem fazer é tentar impedi-la. Isso, sim, seria inconstitucional, atentatório à ordem pública e às liberdades públicas.”
Vê-se, pois, que o que se pretende com a Marcha da Maconha, é tão-somente exercer um direito constitucionalmente consagrado à livre manifestação de pensamento, para o qual, aliás, não há qualquer necessidade de licença, já que a censura prévia é constitucionalmente vedada.
A hipótese de que o exercício deste direito poderia tipificar “apologia ao crime” é absurda e parece-nos muito mais um pretexto para se censurar uma visão política diversa dos insurgentes, do que um equívoco jurídico, pois como veremos a seguir não há qualquer fundamento doutrinário ou jurisprudencial que embase este entendimento.
Da atipicidade da “apologia ao crime” alegada
A apologia de crime ou criminoso não estava tipificada em nossa legislação penal até 1940. Foi só no Estado Novo, sob a influência fascista do Código Rocco (Código Penal italiano de 1930) que tipificava a apologia de delito em seu art.414, que nosso Código Penal pela primeira vez tipificou esta conduta.
Com o advento da Constituição da República de 1988, parece-nosque tal delito não foi recepcionado, por sua incompatibilidade com o direito constitucional à livre manifestação de pensamento.
Como esta, porém, não é a visão da doutrina e da jurisprudência dominante, passemos então a analisar se haveria ou não a tipicidade do delito de “apologia ao crime” em uma manifestação como a Marcha da Maconha.
O art.287 do Código Penal dispõe que é crime: “Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”
Não se sabe ao certo qual a manifestação do pensamento favorável à maconha poderia caracterizar a tal “apologia ao crime”.
O problema de se censurar previamente uma manifestação é que a censura se baseia em uma expectativa do censor. Censura-se não algo que foi dito ou escrito, mas algo que o censor julga que poderá, talvez, ser dito ou escrito no futuro.
Pretende-se proibir não o que será dito pelos manifestantes, mas o que o censor imagina que os manifestantes diriam.
Discute-se aqui então não a tipicidade de um fato, mas de uma hipótese, de uma expectativa, de um pesadelo que ameaça se consumar no delito de apologia ao crime.
Então vamos analisar as hipóteses. Suponhamos que os manifestantes digam: “A lei penal atual está equivocada. Melhor seria que a lei não criminalizasse a maconha”.
Seria esta manifestação de pensamento uma “apologia ao crime”?
Evidentemente que não, pois esta é tão-somente uma manifestação política quanto à conveniência ou não de se manter uma determinada lei tal como se encontra. Se criticar uma lei é apologia ao crime, não se poderá mais discutir a descriminalização do aborto, a legalização da eutanásia e outros tantos temas polêmicos, sob pena de se caracterizar “apologia ao crime”.
MAGALHÃES NORONHA (Direito Penal, v.4, 21ªed., p.85) afirmava categoricamente: “Muito menos será [apologia] a crítica ou apreciação de dispositivo legal ou de uma decisão”
Conforme pode ser lido nos documentos da marcha, o que se pretende é tão-somente criticar a lei atual e propor mudanças no sentido de descriminalizar a maconha.
O Ministério Público poderia imaginar, no entanto, que os manifestantes pretendessem ir às ruas para manifestar seu apreço por quem consome maconha.
Nesta hipótese, portariam eles cartazes afirmando: “Quem usa maconha vive melhor! Os usuários de maconha têm menos doenças!”
Tal hipótese decididamente não é o que se pretende com a manifestação, mas ainda que – por amor ao debate – admitíssemos ser ela minimamente crível, não caracterizaria jamais o delito de “apologia ao crime”, pois como é pacífico na doutrina e na jurisprudência atuais, não pode haver apologia de delito em tese, pois apologia é sempre de delito praticado em concreto.
Neste sentido é a lição de MAGALHÃES NORONHA (Idem, p.86): “A lei fala em fato criminoso, isto é, que se realizou ou aconteceu. Não fosse isso e, realmente, seria a diferença entre esse crime e o antecedente. Mas assim não é. Enquanto o do art.286 só pode ter por objeto um crime
futuro, pois não se pode incitar ou instigar ao que já se consumou, o presente dispositivo alcança somente o crime praticado”
Acompanhado pelo sempre brilhante HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (Lições de Direito Penal, parte especial: arts.213 a 359 CP, 3ª ed., p.283-284): “Majno (“Commento al Codice Penale Italiano”, 699), por exemplo, afirmava ser esta uma perigosa disposição da lei, por não ser fácil precisar os extremos e o objetivo deste crime, e porque sua índole permite transformá-lo, na mão das autoridades, em instrumento de perseguição política, fazendo ressurgir, sob o fundamento de perturbação da ordem pública, os crimes de opinião. O próprio De Rubeis (“De delitti contro l’ordine pubblico”, in “Enciclopedia”, de Pessina, VII, 961) declara que a possibilidade de confundir os dois campos, da ética e do direito, é inevitável, sempre que não haja
por parte do agente vontade dirigida ao induzimento à prática de crime” (...) “Não se concebe a apologia de crime ou crimes in genere ou não sucedidos. É famosa a lição de De Rubeis (ob. cit.,
962), quando afirma que o furto e o homicídio são idéias; a subtração de um boi a Tício e a morte dada a Caio, são fatos. Se a lei se refere a fato criminoso, só pode ser considerado um acontecimento concreto, que constitua típica infração da lei penal.”
Também a doutrina autal é unânime em não aceitar a “apologia de crime”, em tese. A este respeito CEZAR ROBERTO BITENCOURT (Tratado de Direito Penal, v.4, 3ªed., p.227) afirma que: “Criminaliza a apologia de “fato criminoso”, como fato, enquanto fato, e, venia concessa, crime in abstracto, como queria Hungria, é só uma idéia, e não um fato”
Pelo exposto, vê-se que, ainda que, algum dos manifestantes acabe por fugir do espírito da Marcha da Maconha e manifestar seu apreço pelo uso da droga, tal fato jamais caracterizaria o delito de “apologia ao crime”, pois este só ocorre quando a apologia se refere a fato criminoso concreto e não a um crime em tese.
De uma eventual alegação de “incitação ao crime”
O Ministério Público, porém, talvez por falta de conhecimento de fato sobre o que é o Coletivo Marcha da Maconha, poderia imaginar ainda que os manifestantes fossem às ruas para bradar:
“Usem maconha! Maconha lhe trará prazer!” Ou, pior, poderia o Ministério Público supor que alguns dos manifestantes poderiam ousar fumar maconha em pleno centro da cidade à luz do dia, pelo simples fato de estarem em uma manifestação favorável à descriminalização da maconha, o que seria no mínimo subestimar a inteligência destas pessoas.
Trata-se evidentemente de pura especulação, pois não há ainda a ciência da “Futurologia”, como imaginada no filme Minority Report, em que cidadãos poderiam ser presos e condenados, com base em previsões feitas por médiuns capazes de afirmar com precisão o que aconteceria no futuro.
A marcha foi agendada com o propósito de discutir a lei de drogas e não com o intuito de estimular o uso da droga e muito menos o de usá-la em público. Em nenhum momento isso foi proposto e muito menos aprovado pelos organizadores do evento.
Proibir a Marcha da Maconha por uma expectativa de que algum manifestante possa acabar fazendo uma propaganda positiva da maconha equivaleria a proibir uma festa de Carnaval ao argumento de que alguém poderia fumar maconha durante a festa.
Cabe à polícia acompanhar o evento, como qualquer outro e se – e somente se – houver o flagrante de algum crime, intervir nos limites necessários para impedir a sua consumação.
Não se pode impedir, porém, quem queira exercer seu legítimo direito à manifestação de pensamento, ao singelo argumento de que alguém “poderia”, “eventualmente”, “em uma hipótese incerta”, praticar crime de incitação ou mesmo de uso de drogas na manifestação.
Qualquer proibição neste sentido não é nada mais nada menos que censura prévia. A Constituição da República é cristalina: a manifestação pública de pensamento independe de licença.
Do receio de coação ilegal e da necessidade do salvo-conduto
A redação cristalina de tais dispositivos constitucionais e da Convenção Americana sobre Direitos Humano, vedando qualquer tipo de censura prévia, seja por motivo político, ideológico ou artístico, não foi suficiente para impedir que os Ministérios Públicos de vários estados requeressem a proibição da Marcha da Maconha, desprezando completamente a doutrina e a jurisprudência que são pacíficas quanto à necessidade de que a apologia seja sobre fato criminoso concreto para que haja a tipicidade.
Este Habeas Corpus que, em princípio, seria absolutamente prescindível, por expressa disposição constitucional (“...independente de licença”) e pela completa atipicidade da conduta de “apologia de fato criminoso”, torna-se hoje uma triste necessidade, para se evitar eventuais constrangimentos e prisões arbitrárias dos manifestantes por exercerem seu direito constitucional a manifestar-se contra as leis vigentes.
É lamentável imaginarmos que, mesmo após mais de 20 anos da promulgação de nossa Carta Magna, ainda são necessários Habeas Corpus como este para garantir que as pessoas possam ir às ruas manifestarem seu pensamento sem medo de serem presas ou de qualquer outra forma constrangidas pelas autoridades públicas.
É vergonhoso imaginarmos que em dezenas de países onde ocorrem a Marcha Global da Maconha o único país democrático que impôs censura prévia às manifestações foi o nosso Brasil.
Nos dias 2 e 3 de maio deste ano, inúmeras Marchas da Maconha ocorreram de forma absolutamente democrática e pacífica. Em Porto, Portugal, 500.000 (quinhentas mil) pessoas marcharam pela descriminalização da maconha (estimativa oficial da polícia local).
Neste mesmo final de semana, os jornais brasileiros noticiavam que a Marcha da Maconha fora proibida por ordens judiciais em São Paulo, Salvador e João Pessoa.
Das cidades brasileiras em que a Marcha da Maconha estava agendada para o dia 3 de maio de 2009, somente em Florianópolis e em Recife elas se concretizaram, sendo que na capital pernambucana 2.000 (duas mil) pessoas compareceram à manifestação, que se deu sem qualquer incidente.
A manifestação em Recife, porém, só foi possível por ter sido garantida pela concessão de uma ordem de Habeas Corpus pelo MM Juiz Alípio Carvalho Filho, da 2ª Vara Criminal de Entorpecentes daquela capital.
Infelizmente, estas diversas proibições judiciais da Marcha da Maconha no Brasil geraram em muitos manifestantes uma completa insegurança de irem às ruas, o que nos remete à triste memória da ditadura militar brasileira. Não são poucos os que temem serem presos ou mesmo apanharem da polícia por defenderem mudanças em nossa lei de drogas.
O salvo-conduto que, em um Estado Democrático de Direito plenamente consolidado, seria plenamente dispensável, torna-se agora uma conditio sine qua non para que a manifestação seja realizada, não só para a efetiva garantia do direito de ir e vir de seus participantes, mas também como garantia de que este é uma país livre, no qual seus cidadãos podem ir às ruas para manifestarem seus pensamentos sem que suas palavras lhe sejam censuradas previamente.
Se eventualmente, algum dos manifestantes vier a praticar algum crime, que seja ele – e tão somente ele – responsabilizado pelo fato, após tê-lo praticado. O que não se pode permitir é uma censura prévia, pois, em Estados Democráticos de Direito, o Direito Penal julga fatos passados e não expectativas de crimes futuros.
Do pedido
Por todo o exposto, visto que: há inequívoco periculum in mora , comprovado pelas notórias proibições à Marcha da Maconha em 2008 em todo o país, inclusive em Belo Horizonte, e pelas proibições à Marcha da Maconha em 2009, nas cidades de São Paulo, Salvador e João Pessoa, que causaram prejuízos irreversíveis às organizações dos eventos que foram obrigadas a adiá-los; há visível fumus boni iuris , tendo em vista a ameaça de cerceamento do expresso direito constitucional à livre manifestação de pensamento que pode e deve ser exercido sem qualquer necessidade de licença, pois é vedada a censura prévia; e também o fumus boni iuris , já que há absoluta atipicidade da conduta de “apologia ao crime” na simples manifestação de pensamento propondo a mudança da legislação de drogas vigente,
REQUER
a concessão de liminar, com a expedição de salvo-conduto em favor do paciente, com efeito extensivo aos demais participantes da Marcha da Maconha 2009, para garantir lhes o direito a saírem às ruas do centro de nossa capital e manifestarem livremente seu pensamento favorável à descriminalização da maconha, sem que com isso tenham seus direitos de ir, vir e permanecer ameaçados ou sofram qualquer outro tipo de constrangimento das autoridades públicas.
REQUER AINDA
que o presente Habeas Corpus seja processado em segredo de justiça para se evitar a exposição pública do nome e da imagem do paciente, tendo em vista o forte preconceito social ainda existente contra quem se manifesta contra a descriminalização das drogas, inclusive por parte do próprio poder público.
Termos pelos quais pede deferimento.
Belo Horizonte, 4 de maio de 2009,

TÚLIO LIMA VIANNA
OAB 107.153-MG

3 comentários:

  1. O Tulio já é uma das vozes mais abalizadas da matéria no Brasil, apesar da idade. Seu HC é irrefutável. Não há juiz, em sã consciëncia, que possa indeferi-lo. Concordo também com o post anterior, sobre a castração química e o direito penal do inimigo, este que, aliás, foi o tema da minha monografia.
    Uma pena que o Tulio seja favorável ao monitoramento eletrônico de presos. Tive a oportunidade de discutir o tema com ele e mostrar quão frágeis são seus argumentos, mas nem assim ele se convenceu. O futuro dirá quem está com a razão. Abraços.

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  2. Mais uma que me fez vibrar. Me supreende o Ministério Público tão atuante em outros temas relacionados à democracia cometer tamanho equívoco (que sutilidade a minha!). Que barbaridade! Uma atitude que ignora os postulados do Estado Democrático de Direito e aniquila os movimentos sociais, já tão reprimidos em nosso país, a exemplo do que ocorreu em Florianópolis, em 2004, com a manifestação de estudantes que gritavam pela Ponte Colombo Salles "passe livre já!", e em outras tantas manifestações sufocadas pela mordaça da censura falso moralista que esconde verdadeiros ideais ditatoriais latentes na mente dos que "nos governam". Esse mandado de segurança, com certeza, é irrefutável, não é possível que ainda lhes sejam opostos argumentos diante da perversidade do ato e da visível violação da Carta, que prevê, em um dos seus mais destacados dispositivos, a liberdade de expressao e pensamento como direito fundamental dos indivíduos. Será que não basta a previsão constitucional, a harmonia com o Pacto de San Jose da Costa Rica, a tranquilidade com que o movimento foi conduzido em outras grandes e populosas cidades do mundo? O que mais é preciso para que a mordaça política seja arrancada das mãos dos que a detém? Nesse sentir, abordo não apenas o movimento pela legalização da erva, mas, como pano de fundo, a mordaça - mais uma vez, se é que permitem (rsrs)- que cala constantemente a voz do social, a voz de quem está insatisfeito com a "ordem" e que, no seu íntimo, deseja progresso.
    Bela postagem. Abraços. Isabela Borba

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  3. Mais uma que me fez vibrar. Me supreende o Ministério Público tão atuante em outros temas relacionados à democracia cometer tamanho equívoco (que sutilidade a minha!). Que barbaridade! Uma atitude que ignora os postulados do Estado Democrático de Direito e aniquila os movimentos sociais, já tão reprimidos em nosso país, a exemplo do que ocorreu em Florianópolis, em 2004, com a manifestação de estudantes que gritavam pela Ponte Colombo Salles "passe livre já!", e em outras tantas manifestações sufocadas pela mordaça da censura falso moralista que esconde verdadeiros ideais ditatoriais latentes na mente dos que "nos governam". Esse HC, com certeza, é irrefutável, não é possível que ainda lhes sejam opostos argumentos diante da perversidade do ato e da visível violação da Carta, que prevê, em um dos seus mais destacados dispositivos, a liberdade de expressao e pensamento como direito fundamental dos indivíduos. Será que não basta a previsão constitucional, a harmonia com o Pacto de San Jose da Costa Rica, a tranquilidade com que o movimento foi conduzido em outras grandes e populosas cidades do mundo? O que mais é preciso para que a mordaça política seja arrancada das mãos dos que a detém? Nesse sentir, abordo não apenas o movimento pela legalização da erva, mas, como pano de fundo, a mordaça - mais uma vez, se é que permitem (rsrs)- que cala constantemente a voz do social, a voz de quem está insatisfeito com a "ordem" e que, no seu íntimo, deseja progresso.
    Bela postagem. Abraços.

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