Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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31/05/2009

CPP - 212 - Devido Processo Legal

Quem sabe teremos magistrados menos autoritários.... é ver para crer.
STJ

AUDIÊNCIA. ART. 212 do CPP. NOVA REDAÇÃO.

Trata-se de HC impetrado pelo MP em favor do paciente contra acórdão proferido pelo TJ que negou provimento à reclamação ajuizada pelo impetrante naquele tribunal e referente à decisão proferida nos autos do processo-crime em que o paciente foi condenado à pena de cinco anos, sete meses e 20 dias de reclusão em regime fechado, pela prática do delito previsto no art. 157, caput, do CP. Na reclamação e neste HC, a questão de grande relevância é a aplicabilidade do art. 212 do CPP diante da alteração de sua redação promovida pela Lei n. 11.690/2008, que passou a vigir a partir de 9 de agosto de 2008. O MP alega que, designada audiência de instrução e julgamento, essa se realizou no dia 14/8/2008 em desacordo com as normas contidas no referido art. 212 do CPP, uma vez que houve inversão na ordem de formulação das perguntas, o que enseja nulidade absoluta (que prescinde da demonstração do efetivo prejuízo e de dilação probatória), em virtude da violação do referido artigo, bem como do sistema acusatório, do devido processo legal e do princípio da dignidade da pessoa humana (arts. 129, I; 5º, LIV, e 1º, III, todos da CF/1988). O juiz de 1º grau indeferiu o pleito do MP em audiência sob o fundamento de que tal dispositivo legal não trouxe inovação com relação ao sistema outrora estabelecido a respeito da presidência dos atos procedimentais no curso das audiências, qual seja, sistema presidencial, o qual permanece em pleno vigor e, nessa condição, concede ao magistrado o poder/dever de, caso queira, arguir primeiro as testemunhas arroladas pelas partes. Diante disso, a Turma concedeu a ordem para anular a audiência realizada em desconformidade com o contido no art. 212 do CPP e os atos subsequentes, determinando que outra seja realizada nos moldes do referido dispositivo, sob os argumentos de que, dentre outros, no caso vertente restou violado due process of law constitucionalmente normatizado, pois o retrocitado art. 5º, LIV, da CF/1988 preceitua que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e, na espécie, o ato reclamado não seguiu o rito estabelecido na legislação processual penal, acarretando a nulidade do feito. Afinal, a teor do art. 212 do CPP com sua nova redação, a oitiva das testemunhas deve ocorrer com perguntas feitas direta e primeiramente pelo MP e depois pela defesa, sendo que, no caso, o juiz não se restringiu a colher, ao final, os esclarecimentos que elegeu necessários, mas sim realizou o ato no antigo modo, ou seja, efetuou a inquirição das vítimas, olvidando a alteração legal, mesmo diante do alerta ministerial no sentido de que a audiência fosse concretizada nos moldes da vigência da Lei n. 11.690/2008. Também restou consignado que, além de a parte ter direito à estrita observância do procedimento estabelecido na lei, por força do princípio do devido processo legal, o paciente teve proferido julgamento em seu desfavor, sendo que, diante do novo método utilizado para a inquirição de testemunhas, a colheita da referida prova de forma diversa, ou seja, pelo sistema presidencial, indubitavelmente lhe acarretou evidente prejuízo. HC 121.216-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/5/2009.

Claro que o juiz não pode fazer perguntas ao final. Se ele possui dúvida, absolve. Este ato falho da Reforma é a demonstração que ainda existe uma atitude autoritária a ser superada.


25/05/2009

Clarice Lispector



As Jornadas de Direito & Psicanálise promovidas pelo Núcleo da UFPR, capitaneadas por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho são sempre especiais. Neste ano discutimos Clarice Lispector: A hora da estrela. Todos nós, quase de verdade, um pouco Macabéia. Quem falou está ao lado. Vale a pena conferir, também, a Revista do Núcleo. http://www.direitoepsicanalise.ufpr.br/revista/
Espero que gostem...

14/05/2009

Lenio e Ferrajoli




Seguem as fotos do encontro entre Lenio Luiz Streck e Luigi Ferrajoli. Os dois são muito importantes na minha formação teórica e puderam dialogar sobre temas contemporâneos. Lamento o fato de não poder estar por lá. Mais informações no site http://www.leniostreck.com.br/


abs

09/05/2009

Marcha da Maconha



Mais uma vez Túlio Lima Vianna com razão e "passetando" até a última ponta.


1
Exmo Sr. Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, TÚLIO LIMA VIANNA, brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB-MG sob o nº 107.153, com escritório nesta capital à Rua ****** ****** ** ***** ******, ********, *************, vem com fulcro no art.5º, LXVIII, da Constituição da República, impetrar a presente ordem de HABEAS CORPUS PREVENTIVO, com pedido de LIMINAR, em favor de ***** ****** ***** *********** *******, ********* * *********** ***** ******, ** *** ***** ******, *******, ***** *********, **************, que se encontra ameaçado de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de expressão e locomoção, constitucionalmente garantidas em razão de participação em manifestação pacífica em favor da descriminalização da maconha que ocorrerá no próximo sábado, 9 de maio de 2009, às 15h.
Aponta-se como possíveis autoridades coatoras os digníssimos Comandante do 1º Batalhão de Polícia Militar, Comandante do Batalhão de Polícia de Eventos, Delegado de Polícia da 1ª Delegacia Seccional Centro.
2
Da competência
O presente Habeas Corpus trata de ameaça de constrangimento ilegal ao direito de ir e vir do paciente em razão de uma hipotética e futura prática do crime do art.287 do Código Penal Brasileiro (apologia de crime ou criminoso), cuja pena prevista é de 3 a 6 meses de detenção ou multa. Destarte, nos termos dos arts. 60 e 61 da Lei 9.099/95 a competência para julgá-lo é deste Juizado Especial Criminal.
Dos fatos
O paciente é integrante do Coletivo Marcha da Maconha, uma organização civil que pretende realizar uma manifestação pacífica, na região central de Belo Horizonte, no próximo sábado, dia 9 de maio de 2009, defendendo a mudança na legislação penal brasileira para que o uso da maconha deixe de ser crime em nosso país.
Esta manifestação em Belo Horizonte faz parte de um movimento global denominado Global Marijuana March (GMM), que ocorre anualmente nas maiores cidades do mundo, desde 1999.
Em 2008, as manifestações do GMM em prol da descriminalização da maconha ocorreram sem incidentes em 239 cidades do mundo, incluindo praticamente todas as grandes cidades da Europa (Berlim, Lisboa, Londres, Madrid, Paris, Roma, etc), da América do Norte (Nova York, Los Angeles, Chicago, Toronto, Montreal, etc) e da América Latina (Buenos Aires, Cidade do México, Santiago, Montevideo, etc). Em todas estas cidades do mundo foi reconhecido o direito de seus cidadãos de manifestarem seu pensamento favoravel à descriminalização da maconha sem interferência das autoridades locais.
Lamentavelmente o mesmo não se deu no Brasil.
Não obstante a clareza das garantias constitucionais à livre manifestação de pensamento e da visível atipicidade da “apologia ao crime”, o Brasil se viu, em 2008, na constrangedora situação de ser o único país com constituição democrática a proibir a marcha da maconha ocorrida em 239 cidades do mundo, sem qualquer tentativa de obstáculo por parte dos Ministérios Públicos e dos Poderes Judiciários locais.
Conforme fartamente divulgado pela imprensa, em 2008, os Ministérios Públicos de diversos estados impetraram mandados de seguranças com pedidos de liminares para proibir a realização das manifestações em prol da descriminalização da maconha no Brasil, ao singelo argumento de que o evento poderia, em tese, tipificar o delito de “apologia ao crime”.
Mesmo a Constituição da República vedando qualquer tipo de censura prévia à livre manifestação de pensamento, muitas liminares foram concedidas pelos Tribunais de Justiça, proibindo a realização da marcha e, conseqüentemente, a livre manifestação de pensamento de seus participantes.
Na cidade de Belo Horizonte, o Coletivo Marcha da Maconha foi surpreendido com a liminar em Mandado de Segurança (1.0000.08.474471-3/000(1) ) expedida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, proibindo a realização da manifestação pacífica que pretendiam fazer em apoio à descriminalização da maconha.
Já se tem notícia também que, neste ano de 2009, diversas liminares judiciais proibindo a Marcha da Maconha nas cidades de São Paulo, Salvador e João Pessoa, foram concedidas ao argumento de que a manifestação caracterizaria “apologia ao crime”.
Esta censura judicial gerou protestos não só dos grupos interessados na realização da manifestação, mas também em diversos outros setores da sociedade civil, incomodados com o ato de censura prévia por parte do Poder Judiciário.
Da Liberdade de Manifestação de Pensamento
As ditaduras sustentam suas leis pelo uso da força, da repressão, da imposição do silêncio. As democracias sustentam-se no diálogo franco e aberto, no questionamento crítico de sua ordem vigente, na supremacia da razão sobre os dogmas.
A célebre frase atribuída a Voltaire resume bem a lógica do pensamento democrático: “Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo”
No debate democrático não pode haver tabus: drogas, aborto, eutanásia, homossexualidade, tudo deve ser tema de debates públicos. As ditaduras jogam seus temas incômodos para “debaixo do tapete” e impõem à maioria as leis estabelecidas pelo restrito grupo dos “guardiães da moral e dos bons costumes”. Nas democracias estes mesmos temas são discutidos a fundo de maneira transparente por todos os interessados.
Não é por outro motivo que a Constituição da República dispõe categoricamente em seu artigo 5º, IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” E, não bastasse tal dispositivo, insiste logo adiante no artigo 5º, IX: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”
Finalmente, tamanha é a importância do direito à livre manifestação de pensamento que a Constituição da República volta a garanti-lo em seu artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observando o disposto nesta Constituição. (...) §2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística.”
Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – promulgada no Brasil pelo Decreto 678 de 6 de novembro de 1992 garante a liberdade de pensamento e expressão em seu artigo 13: “1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a
responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.”
Não obstante a clareza de tais dispositivos, somos surpreendidos por uma série de Mandados de Seguranças impetrados pelos Ministérios Públicos de diversos estados, procurando censurar previamente a Marcha da Maconha, ao singelo pretexto de que esta poderia caracterizar o delito de “apologia ao crime”.
Em recente Habeas Corpus impetrado para garantir a Marcha da Maconha 2009 na cidade do Rio de Janeiro o ilustre Prof. Dr. Nilo Batista, em co-autoria com os brilhantes advogados Cláudio Costa, Gerardo Xavier Santiago e Maria Clara Batista assim se manifestaram: “Converter uma discussão pública sobre a política criminal de drogas em apologia de crime constitui um raciocínio jurídico tão grosseiro quanto criminalizar a discussão sobre o aborto ou a eutanásia, como se os defensores de mudanças legislativas afetas a tais temas estivessem estimulando essas condutas hoje incriminadas no direito penal brasileiro.”
O MM Juiz Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho do IV Juizado Especial Criminal que concedeu a ordem pleiteada, afirmou o direito constitucional à liberdade de manifestação de pensamento nos seguintes termos: “As praças e as ruas pertencem aos processos sociais e é nelas que os movimentos sociais devem se expressar. Pretender interditar o lugar público para o exercício da liberdade de expressão é desconhecer todo o processo histórico que possibilitou a invenção da democracia. (...) Não importa muito o teor do pensamento, da argumentação, que será expressa no locus público. Para a Constituição, o que importa é a liberdade de fazê-lo. (...) Quem for contra o que será dito, que faça outra manifestação para dizer que é contra e por que. No caso dos autos, que digam por que a maconha e outras drogas legais, como o álcool, fazem mal a saúde; exibam depoimentos de ex-viciados; transmitam o que dizem os especialistas da saúde etc. O que não podem fazer é tentar impedi-la. Isso, sim, seria inconstitucional, atentatório à ordem pública e às liberdades públicas.”
Vê-se, pois, que o que se pretende com a Marcha da Maconha, é tão-somente exercer um direito constitucionalmente consagrado à livre manifestação de pensamento, para o qual, aliás, não há qualquer necessidade de licença, já que a censura prévia é constitucionalmente vedada.
A hipótese de que o exercício deste direito poderia tipificar “apologia ao crime” é absurda e parece-nos muito mais um pretexto para se censurar uma visão política diversa dos insurgentes, do que um equívoco jurídico, pois como veremos a seguir não há qualquer fundamento doutrinário ou jurisprudencial que embase este entendimento.
Da atipicidade da “apologia ao crime” alegada
A apologia de crime ou criminoso não estava tipificada em nossa legislação penal até 1940. Foi só no Estado Novo, sob a influência fascista do Código Rocco (Código Penal italiano de 1930) que tipificava a apologia de delito em seu art.414, que nosso Código Penal pela primeira vez tipificou esta conduta.
Com o advento da Constituição da República de 1988, parece-nosque tal delito não foi recepcionado, por sua incompatibilidade com o direito constitucional à livre manifestação de pensamento.
Como esta, porém, não é a visão da doutrina e da jurisprudência dominante, passemos então a analisar se haveria ou não a tipicidade do delito de “apologia ao crime” em uma manifestação como a Marcha da Maconha.
O art.287 do Código Penal dispõe que é crime: “Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”
Não se sabe ao certo qual a manifestação do pensamento favorável à maconha poderia caracterizar a tal “apologia ao crime”.
O problema de se censurar previamente uma manifestação é que a censura se baseia em uma expectativa do censor. Censura-se não algo que foi dito ou escrito, mas algo que o censor julga que poderá, talvez, ser dito ou escrito no futuro.
Pretende-se proibir não o que será dito pelos manifestantes, mas o que o censor imagina que os manifestantes diriam.
Discute-se aqui então não a tipicidade de um fato, mas de uma hipótese, de uma expectativa, de um pesadelo que ameaça se consumar no delito de apologia ao crime.
Então vamos analisar as hipóteses. Suponhamos que os manifestantes digam: “A lei penal atual está equivocada. Melhor seria que a lei não criminalizasse a maconha”.
Seria esta manifestação de pensamento uma “apologia ao crime”?
Evidentemente que não, pois esta é tão-somente uma manifestação política quanto à conveniência ou não de se manter uma determinada lei tal como se encontra. Se criticar uma lei é apologia ao crime, não se poderá mais discutir a descriminalização do aborto, a legalização da eutanásia e outros tantos temas polêmicos, sob pena de se caracterizar “apologia ao crime”.
MAGALHÃES NORONHA (Direito Penal, v.4, 21ªed., p.85) afirmava categoricamente: “Muito menos será [apologia] a crítica ou apreciação de dispositivo legal ou de uma decisão”
Conforme pode ser lido nos documentos da marcha, o que se pretende é tão-somente criticar a lei atual e propor mudanças no sentido de descriminalizar a maconha.
O Ministério Público poderia imaginar, no entanto, que os manifestantes pretendessem ir às ruas para manifestar seu apreço por quem consome maconha.
Nesta hipótese, portariam eles cartazes afirmando: “Quem usa maconha vive melhor! Os usuários de maconha têm menos doenças!”
Tal hipótese decididamente não é o que se pretende com a manifestação, mas ainda que – por amor ao debate – admitíssemos ser ela minimamente crível, não caracterizaria jamais o delito de “apologia ao crime”, pois como é pacífico na doutrina e na jurisprudência atuais, não pode haver apologia de delito em tese, pois apologia é sempre de delito praticado em concreto.
Neste sentido é a lição de MAGALHÃES NORONHA (Idem, p.86): “A lei fala em fato criminoso, isto é, que se realizou ou aconteceu. Não fosse isso e, realmente, seria a diferença entre esse crime e o antecedente. Mas assim não é. Enquanto o do art.286 só pode ter por objeto um crime
futuro, pois não se pode incitar ou instigar ao que já se consumou, o presente dispositivo alcança somente o crime praticado”
Acompanhado pelo sempre brilhante HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (Lições de Direito Penal, parte especial: arts.213 a 359 CP, 3ª ed., p.283-284): “Majno (“Commento al Codice Penale Italiano”, 699), por exemplo, afirmava ser esta uma perigosa disposição da lei, por não ser fácil precisar os extremos e o objetivo deste crime, e porque sua índole permite transformá-lo, na mão das autoridades, em instrumento de perseguição política, fazendo ressurgir, sob o fundamento de perturbação da ordem pública, os crimes de opinião. O próprio De Rubeis (“De delitti contro l’ordine pubblico”, in “Enciclopedia”, de Pessina, VII, 961) declara que a possibilidade de confundir os dois campos, da ética e do direito, é inevitável, sempre que não haja
por parte do agente vontade dirigida ao induzimento à prática de crime” (...) “Não se concebe a apologia de crime ou crimes in genere ou não sucedidos. É famosa a lição de De Rubeis (ob. cit.,
962), quando afirma que o furto e o homicídio são idéias; a subtração de um boi a Tício e a morte dada a Caio, são fatos. Se a lei se refere a fato criminoso, só pode ser considerado um acontecimento concreto, que constitua típica infração da lei penal.”
Também a doutrina autal é unânime em não aceitar a “apologia de crime”, em tese. A este respeito CEZAR ROBERTO BITENCOURT (Tratado de Direito Penal, v.4, 3ªed., p.227) afirma que: “Criminaliza a apologia de “fato criminoso”, como fato, enquanto fato, e, venia concessa, crime in abstracto, como queria Hungria, é só uma idéia, e não um fato”
Pelo exposto, vê-se que, ainda que, algum dos manifestantes acabe por fugir do espírito da Marcha da Maconha e manifestar seu apreço pelo uso da droga, tal fato jamais caracterizaria o delito de “apologia ao crime”, pois este só ocorre quando a apologia se refere a fato criminoso concreto e não a um crime em tese.
De uma eventual alegação de “incitação ao crime”
O Ministério Público, porém, talvez por falta de conhecimento de fato sobre o que é o Coletivo Marcha da Maconha, poderia imaginar ainda que os manifestantes fossem às ruas para bradar:
“Usem maconha! Maconha lhe trará prazer!” Ou, pior, poderia o Ministério Público supor que alguns dos manifestantes poderiam ousar fumar maconha em pleno centro da cidade à luz do dia, pelo simples fato de estarem em uma manifestação favorável à descriminalização da maconha, o que seria no mínimo subestimar a inteligência destas pessoas.
Trata-se evidentemente de pura especulação, pois não há ainda a ciência da “Futurologia”, como imaginada no filme Minority Report, em que cidadãos poderiam ser presos e condenados, com base em previsões feitas por médiuns capazes de afirmar com precisão o que aconteceria no futuro.
A marcha foi agendada com o propósito de discutir a lei de drogas e não com o intuito de estimular o uso da droga e muito menos o de usá-la em público. Em nenhum momento isso foi proposto e muito menos aprovado pelos organizadores do evento.
Proibir a Marcha da Maconha por uma expectativa de que algum manifestante possa acabar fazendo uma propaganda positiva da maconha equivaleria a proibir uma festa de Carnaval ao argumento de que alguém poderia fumar maconha durante a festa.
Cabe à polícia acompanhar o evento, como qualquer outro e se – e somente se – houver o flagrante de algum crime, intervir nos limites necessários para impedir a sua consumação.
Não se pode impedir, porém, quem queira exercer seu legítimo direito à manifestação de pensamento, ao singelo argumento de que alguém “poderia”, “eventualmente”, “em uma hipótese incerta”, praticar crime de incitação ou mesmo de uso de drogas na manifestação.
Qualquer proibição neste sentido não é nada mais nada menos que censura prévia. A Constituição da República é cristalina: a manifestação pública de pensamento independe de licença.
Do receio de coação ilegal e da necessidade do salvo-conduto
A redação cristalina de tais dispositivos constitucionais e da Convenção Americana sobre Direitos Humano, vedando qualquer tipo de censura prévia, seja por motivo político, ideológico ou artístico, não foi suficiente para impedir que os Ministérios Públicos de vários estados requeressem a proibição da Marcha da Maconha, desprezando completamente a doutrina e a jurisprudência que são pacíficas quanto à necessidade de que a apologia seja sobre fato criminoso concreto para que haja a tipicidade.
Este Habeas Corpus que, em princípio, seria absolutamente prescindível, por expressa disposição constitucional (“...independente de licença”) e pela completa atipicidade da conduta de “apologia de fato criminoso”, torna-se hoje uma triste necessidade, para se evitar eventuais constrangimentos e prisões arbitrárias dos manifestantes por exercerem seu direito constitucional a manifestar-se contra as leis vigentes.
É lamentável imaginarmos que, mesmo após mais de 20 anos da promulgação de nossa Carta Magna, ainda são necessários Habeas Corpus como este para garantir que as pessoas possam ir às ruas manifestarem seu pensamento sem medo de serem presas ou de qualquer outra forma constrangidas pelas autoridades públicas.
É vergonhoso imaginarmos que em dezenas de países onde ocorrem a Marcha Global da Maconha o único país democrático que impôs censura prévia às manifestações foi o nosso Brasil.
Nos dias 2 e 3 de maio deste ano, inúmeras Marchas da Maconha ocorreram de forma absolutamente democrática e pacífica. Em Porto, Portugal, 500.000 (quinhentas mil) pessoas marcharam pela descriminalização da maconha (estimativa oficial da polícia local).
Neste mesmo final de semana, os jornais brasileiros noticiavam que a Marcha da Maconha fora proibida por ordens judiciais em São Paulo, Salvador e João Pessoa.
Das cidades brasileiras em que a Marcha da Maconha estava agendada para o dia 3 de maio de 2009, somente em Florianópolis e em Recife elas se concretizaram, sendo que na capital pernambucana 2.000 (duas mil) pessoas compareceram à manifestação, que se deu sem qualquer incidente.
A manifestação em Recife, porém, só foi possível por ter sido garantida pela concessão de uma ordem de Habeas Corpus pelo MM Juiz Alípio Carvalho Filho, da 2ª Vara Criminal de Entorpecentes daquela capital.
Infelizmente, estas diversas proibições judiciais da Marcha da Maconha no Brasil geraram em muitos manifestantes uma completa insegurança de irem às ruas, o que nos remete à triste memória da ditadura militar brasileira. Não são poucos os que temem serem presos ou mesmo apanharem da polícia por defenderem mudanças em nossa lei de drogas.
O salvo-conduto que, em um Estado Democrático de Direito plenamente consolidado, seria plenamente dispensável, torna-se agora uma conditio sine qua non para que a manifestação seja realizada, não só para a efetiva garantia do direito de ir e vir de seus participantes, mas também como garantia de que este é uma país livre, no qual seus cidadãos podem ir às ruas para manifestarem seus pensamentos sem que suas palavras lhe sejam censuradas previamente.
Se eventualmente, algum dos manifestantes vier a praticar algum crime, que seja ele – e tão somente ele – responsabilizado pelo fato, após tê-lo praticado. O que não se pode permitir é uma censura prévia, pois, em Estados Democráticos de Direito, o Direito Penal julga fatos passados e não expectativas de crimes futuros.
Do pedido
Por todo o exposto, visto que: há inequívoco periculum in mora , comprovado pelas notórias proibições à Marcha da Maconha em 2008 em todo o país, inclusive em Belo Horizonte, e pelas proibições à Marcha da Maconha em 2009, nas cidades de São Paulo, Salvador e João Pessoa, que causaram prejuízos irreversíveis às organizações dos eventos que foram obrigadas a adiá-los; há visível fumus boni iuris , tendo em vista a ameaça de cerceamento do expresso direito constitucional à livre manifestação de pensamento que pode e deve ser exercido sem qualquer necessidade de licença, pois é vedada a censura prévia; e também o fumus boni iuris , já que há absoluta atipicidade da conduta de “apologia ao crime” na simples manifestação de pensamento propondo a mudança da legislação de drogas vigente,
REQUER
a concessão de liminar, com a expedição de salvo-conduto em favor do paciente, com efeito extensivo aos demais participantes da Marcha da Maconha 2009, para garantir lhes o direito a saírem às ruas do centro de nossa capital e manifestarem livremente seu pensamento favorável à descriminalização da maconha, sem que com isso tenham seus direitos de ir, vir e permanecer ameaçados ou sofram qualquer outro tipo de constrangimento das autoridades públicas.
REQUER AINDA
que o presente Habeas Corpus seja processado em segredo de justiça para se evitar a exposição pública do nome e da imagem do paciente, tendo em vista o forte preconceito social ainda existente contra quem se manifesta contra a descriminalização das drogas, inclusive por parte do próprio poder público.
Termos pelos quais pede deferimento.
Belo Horizonte, 4 de maio de 2009,

TÚLIO LIMA VIANNA
OAB 107.153-MG

07/05/2009

Castração Química - o que vc acha?

O professor Túlio Vianna, de Minas Gerais, escreveu o que segue. Qual a sua opinião? 



O senador Marcelo Crivella votou a favor do projeto de castração química na Comissão de Constiuição e Justiça do Senado Federal.  Vejamos alguns textos do voto (em PDF):

Isso nos leva ao caso da terapêutica química. Está em jogo a saúde pública ou a segurança da população? (p.4)

Esta é a famosa falácia do falso dilema. As duas coisas não se excluem. Cabe ao Estado conciliar as duas e não empurrar goela abaixo do povo que só se pode garantir a segurança da população por meio da castração.

Mas até aí era só um argumento político idiota capaz de convencer os incautos. Segue, no entanto, o relatório apelando para o mais claro Direito Penal do Inimigo:

Digno é aquele, portanto, que age conforme o princípio da moral, é o homem dotado de um agir universal, o qual sustenta no seu dia-a-dia o contrato social, o qual é a razão de ser de qualquer Constituição. (p.6)

Para Crivella, tal como para Jakobs, há entre os cidadãos brasileiros os dignos e os indignos. Os dignos são os amigos que se submetem à lei e, portanto, são protegidos por ela. Os indignos, são os inimigos que não se submetem às leis e, portanto, não podem gozar das garantias constitucionais.

Evidentemente quem define quem é digno ou indigno de gozar das garantias do “princípio constitucional da dignidade humana” é o Senador e seus colegas.

Vejam que ele não esconde sua adoção do Direito Penal do Inimigo:

O criminoso passa a ser inimigo interno, o indivíduo que no interior da sociedade rompeu o pacto que havia teoricamente estabelecido. É uma idéia importante e cara para o direito penal. (p.6)

Jakobs ficaria orgulhoso de como sua teoria foi bem recepcionada no Brasil pelo bispo Crivella.

Aliás, ele só lamenta não poder propor a pena de morte ou a prisão perpétua:

Não vislumbramos uma alternativa penal igualmente eficaz à terapia química. A pena de morte e a prisão perpétua não são permitidas em nosso sistema jurídico. Portanto, somos forçados a reconhecer que a medida atende ao critério da necessidade. (p.11)

Pronto, o neonazismo alemão chegou ao Senado Federal brasileiro, fundado no pior da filosofia do início do século.

03/05/2009

Ferrajoli e Lenio Streck - Imperdível



Reconhecidamente uma autoridade no Brasil, Lenio Luiz Streck fará um debate com Luigi Ferrajoli, no dia 8 de maio, às 17:00 hs. O título: "Italia e Brasile. Due bilanci paralleli sulla Costituzione" (http://www.fondazionebasso.it/site/it-IT/Menu_Principale/Agenda/Archivio_agenda/brasile.html) Paulo Bonavides, dia destes, num evento, disse que o Príncipe da Constituição era Lenio Streck! Era bom que o Lula nomeasse gente séria para o Supremo!

01/05/2009

Juízes Totalitários Ainda Editam Portarias, ou Porcarias Autoritárias


O título epresenta, metaforicamente, aqueles que acham que podem, do seu lugar, dizer o que é melhor para os outros, ou seja, não se colocam limites democráticos. A luta pela mentalidade democrática continua, embora a opinião pública adore Portarias.... e o Fantástico também. A baixa constitucionalidade de que fala Lenio Streck, nesta quadra, ganha contornos patológicos. As Porcarias Ilegais, em nome do Bem, lembram, claro, todos os que queriam salvar alguém.... Hitler, por todos....
Não é o caso de Daniel, o magistrado desta decisão, mas não se pode generalizar...
Abraços




Processo nº: 5722/039
Espécie: Pedido de elaboração de Portaria
Autor: Ministério Público
Juiz prolator: Daniel Englert Barbosa
Comarca: Cachoeirinha
Vara: 4ª Cível
Data: 11/03/09
Vistos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou pedido de elaboração de portaria para fixação de idade e horário para freqüência em estabelecimentos de diversão ou espetáculo na cidade de Cachoeirinha/RS. Afirmou que vem recebendo notícias de irregularidades na Danceteria Kiôra, no sentido de permissão de ingresso de menores de 18 anos de idade, venda de bebidas alcoólicas e relatos de uso de drogas e prostituição infantil. Aduziu que articulou, junto com a BM e o Conselho Tutelar, ida conjunta ao local, por volta da 1h30min do dia 14/01/09, tendo sido encontrados quatro adolescentes desacompanhados dos pais e/ou responsáveis. O Conselho Tutelar também verificou que inexistia qualquer informação sobre a natureza da diversão. Ainda referiu que outro empresário solicitou providências por estar cumprindo a vedação de venda de substância que cause dependência física ou psíquica a menor. Sugeriu a elaboração de portaria com a natureza da diversão (boates, danceterias, motéis, sociedades, clubes sociais, lan houses ou quaisquer outras espécies de cadas de diversão notura), estabelecendo-se o horário livre para maiores de 18 anos e adolescentes entre 16 e 18 acompanhados dos pais e/ou responsáveis, enquanto que haveria um horário restrito, até às 20hs, para adolescentes entre 12 e 16 anos. Postulou a elaboração da referida Portaria, notificação da Prefeitura Municipal, cientificação da Brigada Militar, Polícia Civil e Conselho Tutelar para que tomem as providências de fiscalização e auxílio.
Ao exame.
Tenho que, a partir de uma leitura constitucional, a competência para regulamentação da idade e horários de ingressos em locais de diversão não é do Judiciário.
É que, a este último, é atribuído o dever de julgar os casos concretos, e não de realizar regulamentação e genérica, na qual estaria substituindo a função legislativa, em afronta ao Estado Democrático de Direito.
Ao Judiciário até é dado afastar a aplicação da lei, sempre que verificada inconstitucionalidade (dever decorrente do controle da constitucionalidade das leis), mas não pode ele elaborar o texto genérico e depois ser chamado a julgar o que elaborou, como seria o caso, por exemplo, em havendo posterior provocação de demanda judicial pelo dono no estabelecimento ou através de menores envolvidos pelo regramento.
Afora os conhecidos artigos constitucionais que regulamentam a separação de poderes (art. 2º, CF), e aqueles referindo a atribuição de cada um, pode-se citar, embora se refira à comunicação social, a expressa exigência de lei no art. 220, 3º, CF, para a regulamentação de diversões e espetáculos públicos, o que remete, por simetria constitucional e identidade de motivos, a que, no âmbito local, também se exija a regulamentação legal ou, no mínimo, que seja realizada através de Decreto Municipal (jurisprudência citada na inicial, a qual confere validade a Decreto em situação idêntica a do presente feito – HC 70013893623, TJRS).
Transcrevo a norma referida:
Art. 220. (...)
§3º. Compete à lei federal:
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada”.
Aliás, esta é a previsão do art. 74 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Da informação, Cultura, Lazer, Esportes, Diversões e Espetáculos
Art. 74. O poder público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.
Parágrafo único. Os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos deverão afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, informação destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no certificado de classificação.
É bem verdade que o art. 149 do ECA refere a possibilidade judicial de portarias em determinadas hipóteses, como disciplina de participação de criança e adolescentes em locais de diversão.
Entretanto, primeiro, mesmo ciente da existência de posicionamentos divergentes, assinalo que há inconstitucionalidade decorrente da previsão de atuação legislativa pelo juiz, sendo que os fundamentos constitucionais já foram acima referidos.
Note-se, aliás, que este artigo ainda parece ser um resquício do antigo Código de Menores.
Wilson Donizetti Liberatti lembra o art. 51 daquele texto legal, pelo qual “o jovem de 17 anos não podia ir ao cinema, no período noturno, sem a prévia autorização do juiz de menores!” (Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Malheiros, 2004, fl. 62). Agora, ao contrário, há o direito à diversão, mas dentro dos limites que o Poder Público estabelecer, não se vislumbrando, porém, que continue havendo espaço constitucional para que o Judiciário possa editar regras gerais. E, se a decisão for limitada ao caso concreto, não há necessidade de portaria.
Esta atribuição legal é que acabou gerando situações inusitadas, as quais refiro como forma de motivação, respeitando os entendimentos divergentes.
Na doutrina, Valter Kenji Ishida cita caso de portaria onde o juiz autoriza a polícia militar a advertir menores que estejam andando de bicicletas na contra-mão ou em outro local proibido e, em caso de continuada desobediência, o encaminhamento ao Juizada da Infância e Juventude. Houve, porém, mandado de segurança, o qual foi provido (Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 2001, Atlas, p. 242).
Já Alexandre Morais da Rosa, m comentário sobre portarias, cita exemplo de proibição judicial de a circulação com patins e skates:
Portaria de Juízes? Os limites democráticos
O Jornal O Globo, edição de 25.01.09, na página 04, noticia a expedição de Portarias por juízes da Infância e Juventude transbordando os limites democráticos. Em uma delas, foi proibida a circulação de crianças e adolescentes com skates e patins. A proibição é por demais ilegal, inconstitucional. Isto porque a Constituição da República em nenhum momento autoriza ao Poder Judiciário "legislar" e a autorização do art. 149 do ECA precisa ser lida em conformidade com a Constituição. Estas portarias que proíbem condutas lícitas, embora formalmente baseadas no ECA, violam a Constituição. São atos administrativos ilegais. Ninguém é obrigado a cumprir. São, na verdade, juízes que pensam com o resto ativo da concepção tutelar. É preciso dar um basta! (http://webmail.tjrs.gov.br/exchweb/bin/redir.asp?URL=http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/.
Por outro lado, se eventualmente fosse feita a leitura no sentido de se tentar preservar a constitucionalidade do texto do ECA, não há como escapar da restrição expressa à elaboração de qualquer portaria genérica.
Em outros termos, a leitura conforme a constituição exigiria a atuação judicial, mediante portaria, como forma meramente subsidiária, além de outros pressupostos, como a efetiva restrição da possibilidade de edição genérica, obrigatória fundamentação e a existência de destinatários nominados, bem como que estes tivessem a oportunidade de prévia defesa.
Em pequena parte, esta conclusão decorre do próprio regramento do ECA (o restante advém da própria CF):
Art. 149. (...)
§2º As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral.
É também possível referir a regulamentação da Consolidação Normativa Judicial/RS, onde consta vedação à elaboração de portarias genéricas, garantia de que a parte interessada tenha acesso ao devido processo legal, possibilidade de portaria apenas para estabelecimento específico, entre outros, tal qual se pode verificar abaixo:
Seção IVDas Portarias Judiciais
• Ofícios-Circulares nºs 113/96-CGJ e 21/99-CGJ.
Art. 957 – Considerando o art. 149 da Lei nº 8.069/90, ao ser expedida portaria judicial dever ser observado que, por expressa vedação legal, descabe a regulamentação genérica vedando ou restringindo, de modo indiscriminado, a entrada ou permanência de crianças e adolescentes, desacompanhados dos pais, nos estabelecimentos e atividades a que se refere o referido artigo.
Art. 958 – Em atenção ao disposto no § 2º do art. 149, antes citado, recomendável a apuração, caso a caso, do implemento das condições estabelecidas no § 1º, assegurando-se à parte interessada o direito ao devido processo legal nos termos do art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal.
Art. 959 – Concluindo o magistrado pela nocividade efetiva ou potencial do ambiente à freqüência de crianças e adolescentes de 18 anos, recomenda-se a expedição de portaria específica para o estabelecimento ou atividade em questão, sem prejuízo de providências acautelatórias em sede liminar, quando assim recomendadas pelas circunstâncias.
Art. 960 – Descabe exigir dos Conselhos Tutelares (ECA, art. 136) a fiscalização do cumprimento das portarias expedidas com fundamento no art. 149 do ECA, por não haver expressa atribuição de tais competências, nem tampouco tratarem-se de Órgãos administrativamente subordinados à Autoridade Judiciária (ECA, art. 131), sem prejuízo, porém, da colaboração espontânea que, nos termos do art. 136, inc. IV, c/c o art. 194 do mesmo Estatuto, possam vir a prestar.
E o Tribunal Justiça assim já decidiu:
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ELABORAÇÃO DE PORTARIA PARA REGULAMENTAÇÃO DA FREQÜÊNCIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM ESTABELECIMENTOS NOTURNOS A QUE SE REFERE O ARTIGO 149 DO ECA. Considerando o art. 149 da lei n.º 8.069/90, ao ser expedida portaria judicial deve ser observado que, por expressa vedação legal, descabe a regulamentação genérica vedando ou restringindo, de modo indiscriminado, a entrada ou permanência de crianças e estabelecimentos e atividades a que se refere o referido artigo. Aplicação do artigo 957 da Consolidação Normativa Judicial. RECURSO IMPROVIDO. -SEGREDO DE JUSTIÇA- (Apelação Cível Nº 70017597386, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 23/08/2007)
A partir de tais premissas, trazendo a lição para o caso concreto, tem-se que respeitável postulação do Ministério Público é importante dentro da idéia da proteção integral, mas envolve portaria de caráter geral, pois abrangeria quaisquer espécies de casas de diversão noturna, não nominadas, e todos os menores incluídos nas faixas etárias (fl. 04)., devendo-se alertar para o risco da generalização.
É que, da forma que ficou redigida a proposta inicial (fl. 04), poder-se-ia cogitar de que os menores entre 16 e 18 anos não estariam autorizados, por exemplo, a freqüentar festas de debutantes, em clubes sociais, sem a presença de seus pais, o que é bastante discutível. Da mesma forma, os de 15 só poderiam ficar até as 20hs, provavelmente antes do próprio início do baile.
Trata-se, como se vê, de típico juízo de conveniência e oportunidade, muito mais afeito, quando se trata de norma de caráter geral, aos demais poderes, cumprindo ao Judiciário, em um segundo momento, analisar, aí sim, se foram observados os limites constitucionais, inclusive de razoabilidade.
Da mesma forma, no outro extremo, a redação sugerida na inicial dá a entender que até às 20hs, para adolescentes entre 12 e 16 anos, não haveria limitação específica, ou seja, uma menor, com 12 anos de idade, poderia freqüentar motel.
Por fim, sobre eventual portaria limitada à danceteria citada na inicial, além de não ter vindo pedido específico, deve-se referir que a operação conjunta, realizada pela Brigada Militar e Conselho Tutelar, não trouxe maiores elementos de prova, pois apenas foram encontrados quatro adolescentes, todos ao redor dos 17 anos de idade (fls. 19/20), o que não impede o prosseguimento da regulamentação na esfera do poder público municipal e a exigência do cumprimento de todas as determinações do ECA, para as quais é desnecessário existir portaria.
Em suma, o contexto dos exemplos, da base constitucional e dos próprios textos infraconstitucionais inviabiliza a edição de portaria genérica por sua inconstitucionalidade ou, mesmo na hipótese de adoção da tese de haver respaldo constitucional, pelas previsões normativas limitadoras de edição genérica e ausência dos demais requisitos legais.
Isto não impede, porém, que o Poder Publico Municipal venha a editar texto normatizando as situações que entender necessárias, na forma do art. 74 do ECA.
Ante o exposto, indefiro o pedido de elaboração de portaria.
Intime-se.
Cachoeirinha, 11 de março de 2009.
Daniel Englert Barbosa
Juiz de Direito

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