Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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20/04/2009

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho


NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL,
NOVA MENTALIDADE


O ano de 1987 foi muito rico em discussões sobre a possível promulgação, na Itália, de um novo Código de Processo Penal, em face do Anteprojeto estar concluído e o governo ter recebido poderes para emaná-lo a partir de uma legge delega de 16.02.87. Pelas mãos de Giuliano Vassali, então Ministro di Grazia e Giustizia e habilíssimo articulador político, o CPP italiano ora em vigor acabou promulgado em 24.10.88, após 25 anos de debates. A Itália, dizia-se, enfim chegara à democracia processual. Em 12.01.88, Franco Coppi, estupendo professor de Direito Penal da Universidade de Roma “La Sapienza” e até hoje um dos grandes advogados militantes publicou um ensaio no jornal romano Il Messaggero no qual o título expressa quase tudo: “Arriva la nuova procedura, ma serve anche una nuova mentalità” (Chega um novo processo, mas precisa também uma nova mentalidade).
Coppi sabia o que dizia: o grande desafio para um novo código como aquele – onde se mudou o sistema processual penal, de inquisitório para acusatório – era fazer com que as pessoas, principalmente os aplicadores da lei, conseguissem entender a mudança e, com ela, mudassem também seu modo de dar sentido às regras ali dispostas em sistema. Isso parecia óbvio, ma non troppo. Afinal, desde 1215 – pelo menos – pensavam-se as regras processuais penais a partir de alguns postulados e, sendo assim, havia uma verdadeira “cultura” a impregnar as mentalidades. Daí o pertinente alerta, com serventia universal.
Agora que uma Comissão de Juristas nomeada no âmbito do Senado Federal faz um Anteprojeto (global, de todo o Código), do que pode vir a ser o novo CPP brasileiro, a questão começa a se colocar por aqui. E isto porque se decidiu, na dita Comissão, mormente para se cumprir a Constituição da República, mudar o sistema processual penal, talvez se começando a enterrar a base inquisitorial que, na legislação atual, copiada do Codice Rocco (italiano), de 1930, fazia – e ainda faz – a sobrevida dos papas Inocêncio III, Gregório IX, Inocêncio IV e tantos outros, não fosse facínoras conhecidos como Torquemada, Bernardo Guy e Nicolau Eymerich, só para ficar em alguns mais antigos e, assim, poupar os atuais. Homem e poder formam uma dupla que, neste aspecto, não muda quase nada no curso da História.
O núcleo de um sistema – sabem todos ou deveriam saber, por Kant e outros – está no princípio reitor dele, ou seja, aquilo que como linguagem faz a ligação dos elementos que o compõem, a fim de lhe dar o conjunto organicamente estabelecido e, assim, permitir seu desenvolvimento até o fim demarcado, no caso dicere jus por juris dictio. Para se poder dizer o direito no marco da Constituição (principalmente com a possibilidade de algumas decisões se tornarem imutáveis em face da coisa julgada), é preciso se ter, antes, um devido processo legal e, nele, o conhecimento sobre o fato pretérito que se apura (e chega pela prova) não pode ter suporte em uma lógica deformada, na qual prevalece o “primato dell’ipotesi sui fatti” (Franco Cordero. Guida, p. 51). Em suma, primeiro se decide, como resultado também do pensar; depois se vai à cata da prova (como meio para se dizer sobre o objeto, o crime), de modo a justificar a decisão anteriormente tomada. Como diz Cordero, “può darsi che giovi al lavorio poliziesco ma sviluppa quadri mentali paranoidi”, ou seja, “pode ser que ajude no trabalho policialesco, mas desenvolve quadros mentais paranóicos” (Op. cit., idem). Os resultados conhecem todos, embora sejam figuras emblemáticas os justiceiros; e a democracia processual vai-se pelo ralo de uma hermenêutica vesga ou cega. O problema é que aqui não há nada de anormal e sim compatibilidade plena com o modo de pensar da civilização ocidental: ninguém age e depois pensa. Eis, então, a razão por que qualquer um que esteja naquele lugar tende a agir exatamente do modo como se age, deformando a lógica. Sendo impossível mudar isso, parece óbvio que se tenha de tentar evitar, por todos os meios, que aconteça.
A solução inicial para tanto, assim, é mudar para o sistema acusatório, retirando a gestão das provas das mãos do juiz e se fazendo cumprir o onus probandi às partes. Deste modo o juiz pode ter – se ganhar consciência de seu principal mister constitucional – a possibilidade concreta de funcionar como garante da Constituição (talvez o principal) e, por elementar, do cidadão; justo porque livre do dever referente à iniciativa probatória. Sem ele, não corre o risco de agir guiado pelos fantasmas das decisões a priori e, portanto, pode se colocar corretamente no lugar de equidistância das partes, como exige a CR.
Disto decorrem múltiplas consequências, embora a mais importante seja aquela que dá ao Ministério Público o lugar devido, já ocupado na Constituição mas não de fato, por certo pela incorreta e inquisitorial sobreposição de funções entre ele e o juiz.
Restaria, por fim, dizer sobre a situação do juiz, no processo, diante da dúvida, ou seja, quando produzida a prova (sempre por iniciativa das partes) permanecer uma indefinição (razoável) sobre ponto capital do caso penal. Nesta hipótese, optou a Comissão de Juristas do Senado (contra minha posição e do Min. Hamilton Carvalhido, ilustre Presidente dela) que o juiz poderia ter a iniciativa probatória se fosse em favor do réu. A posição é de duvidosa constitucionalidade (embora lotada de boas intenções), à evidência porque se não pode dizer por completo e ex ante se a iniciativa é mesmo para sanar dúvida em favor do réu e, assim, faz-se uma exortação à ética dos magistrados, dificultando-lhes a vida dado se estar diante de questão que pode demandar o gasto desnecessário de muita energia psíquica e, portanto, sofrimento. Em definitivo, não parece de bom alvitre a proposta se se precisa de um juiz bem resolvido e o mais equilibrado possível. Ademais, em processo penal, conforme consagrado na modernidade (embora já existisse antes dela), se terminada a instrução restar dúvida (razoável), o réu deve ser absolvido. É o princípio do in dubio pro reo. Não foi assim que entendeu a Comissão, porém, e a quem não concordou coube se conformar. Isto mostra, por outro lado, quão democráticos têm sido os trabalhos nela desenvolvidos; e quão importante será a opinião de todos que venham em paz e possam e queiram ajudar. Uma lei de tal porte é para todos (se ainda se crê na isonomia constitucional) e o mínimo a se ter é humildade para reconhecer que se não é dono da verdade, cabendo construir um Código onde se erre o menos possível. Este é o espírito que preside a Comissão e, assim, não só se recolhem sugestões desde o início de seu funcionamento, através do site do Senado Federal como, concluídos provisoriamente os trabalhos, passar-se-á a fazer audiências públicas, abrindo-se os debates.
Enfim, pode-se ter um novo CPP, constitucionalmente fundado e democraticamente construído mas ele será somente linguagem se a mentalidade não mudar.

JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO, professor doutor titular de direito processual penal da UFPR. Membro da Comissão Externa de Juristas do Senado Federal que elabora anteprojeto de CPP. Conselheiro Federal da OAB pelo Paraná.

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É preciso mudar a mentalidade de gente que pensa que está resolvendo o problema do mundo mandando gente para a cadeia. Gente assim precisa estudar e de ajuda especializada, embora, claro, não possamos querer os salvar. A escolha é pessoal. Ficar ou sair da Geléia Geral Jurídica!

3 comentários:

  1. Como sempre nosso olímpico Miranda Coutinho com a perfeição que lhe é inerente.
    A revolução penal começa a iluminar as veredas tupiniquins, o momento é histórico. Levantemo-nos.
    Mais um post brilhante Alexandre.
    Aplausos

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  2. Prezado Alexandre,
    boa noite!

    Acabo de "sair" de minha recém adquirida habitualidade de visitar o blog do "professor" Gerivaldo Neiva me perguntando se, "em um mundo onde todos parecem seguir numa única direção, andar rumo a direção contrária não faria parecer que seguimos o caminho errado...", e então na sequencia, encontro a riqueza do post de Jacinto Nelso de Miranda Coutinho no seu blog... (Desculpe a ignorância, mas uma enorme novidade para mim...)...

    Me surpreendo ao encontrar um pouco mais de um Direito ainda vivo, sem repetir os códigos secretos de sempre, um Direito orgânico e conexo com a vida real!

    Salve!

    Não aguentava mais tanta repetição de um direito totalmente apartado do mundo das pessoas (que o Direito reduz ao nível do tal "homem médio"), mesmo na internet.

    Vou apresentar seu blog aos meus amigos, daqui de Campinas (SP).

    Em frente!

    Abraço,
    Paulo Reganin

    http://advogar.wordpress.com/
    http://reganin.wordpress.com/

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  3. Caro Alexandre,
    Meus parabéns pelo blog e também pelo grande livro sobre a interpretação (Bricolagem...). Concordo com o prof. Jacinto quando sustenta que o problema é de mentalidade. Mas não apenas de uma mentalidade própria dos juristas; ou de uma práxis viciada ou de conceitos jurídicos errôneos. Antes, de uma mentalidade de vida (Lebenswelt), porquanto a tal da 'ideologia da Defesa Social' está diluída na nossa relação com o outro. Toda a construção da teoria dos 'bens jurídicos'; da proporcionalidade, etc., parte da suposição de que as sanções jurídicas sejam um 'mal necessário'; enfatizando sua indemonstrável imprescindibilidade.
    Ademais, a suposição de que o Direito exista - e existindo seja algo conceituável, delimitável, suscetível de apreensão teórica (ocultando, muitas vezes, as idiossincrasias do espaço da vontade) - pode ser a causa das nossas dificuldades. Essa premissa com ares de cientificidade oculta as mazelas de toda decisão; de toda exclusão e de toda aplicação de pena, por diminuta que pareça. Essa suposta cientificidade de cunho positivista exonera quem decide do fardo de se justificar. Por outro lado, justificar para quê e para quem?, eis que a própria Comunidade Política (esse conceito que também guarda foros de homogeneidade e de solidariedade mecânica) parece pouco se importar com a sorte dos seus vulneráveis. Tudo parece muito tranqüilo e plácido, sob a espada pesada da Deusa Têmis, cuja cegueira realmente não permite divisar que acerta - com frequência - apenas os mais marginalizados.
    Eis o dilema: Por um lado, a busca incessante da segurança jurídica; eis que juízes não possuímos o dom da onisciência e sequer da suprema boa vontade (o controle da decisão é indispensável)... Por outro, o desencantamento do Mundo - com o desvelar da natureza irracional e caótica (randômica) do que se pretende jurídico - pode se traduzir em agigantamento do decisionismo judicial, com constante ponderação de princípios e regras (como se a jurisdição fosse o espaço constante de afirmação do Ego, sem respeito ao que se SUPÕE posto, perene e antecedente a quem decide): insegurança e arbítrio!
    Como compartilhar dessa concepção de que toda interpretação é reconstrução de textos - e, pois, dependente do seu vir a ser, do seu contexto! - com a necessidade de que haja segurança jurídica de todos e para todos?
    Como justificar a sanção penal, se o Sistema está calcado em premissas falsas, dado que (a) a pena não é preventiva; (b) não é educativa (e tampouco poderia sê-lo, pois o Estado não pode colocar o ente do indivíduo em questão); (c) não é, por fim, reintegradora (pois quem pratica conduta rotulada como crime não é um aliud; não é Outsider; mas está incluído nas relações humanas)? Tutela de bens jurídicos? Nova (Velha) Defesa Social do Grammatica, ainda presente na nossa LEP? Como demonstrar isso tudo?
    Dado que o sistema é metafísico, o problema acaba residindo - s.m.j. - na graduação das teses. Os abolicionismos soam contrafáticos; os minimalismos justificam/legitimam o Sistema, por seu turno. Os pan-penalistas crêem demais na pena e na burocracia estatal, supondo-as aptas para a democratização das pessoas (supostas como uma massa amorfa e homogênea que denominam de 'a Sociedade').
    Deixo de lado as abstrações, pois estou me perdendo aqui nesse rebuscado. Basta atentar para a situação dos presídios do Espírito Santo, retratados em recente relatório do CNJ. Algo que nos envergonha como indivíduos; como pessoas. E esse é o Sistema que vem sendo mantido e consentido pelas agências penais, sob uma lógica moldada pelas Academias e afiançada judicialmente (proporcionalidade; legalidade formal; igualdade formal, etc.).
    Há alguma solução? Há futuro? Ou ficaremos ainda nas discussões - necessárias, MAS insuficientes - quanto à interpretação lexicográfica dos textos de Lei?

    Flavio Antônio da Cruz
    Flavioantonio1000@hotmail.com

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