1. CD “PIRATA”. VIOLAÇÃO. DIREITO AUTORAL.
No caso, a investigada foi presa em flagrante quando comercializava CDs falsificados em feira livre e afirmou que o material era proveniente de São Paulo e do Paraguai. Sob o argumento de que a conduta da investigada, em razão do princípio da especialidade, configura, em tese, delito de violação de direito autoral, e não crime de contrabando ou descaminho, o juízo federal determinou a devolução dos autos à Justiça estadual, que suscitou o conflito. Todavia o Min. Relator salientou que a mera confissão do acusado quanto à origem estrangeira da mercadoria é insuficiente para a configuração do delito de contrabando ou descaminho. Para a caracterização de tais delitos, é necessário demonstrar a procedência estrangeira da mercadoria, por se tratar de circunstância elementar do correspondente tipo penal, sem a qual a infração não se aperfeiçoa, o que não se operou no caso dos autos. A conduta da investigada caracteriza apenas o delito de violação de direito autoral, em atenção ao princípio da especialidade. Não havendo imputação quanto à introdução ilegal de outras mercadorias no País, o que, em tese, poderia configurar o crime de descaminho, está afastada a competência da Justiça Federal para o exame do feito, em razão de a ofensa ter alcançado somente o interesse do particular em seu direito lesado. Precedentes citados: RHC 21.841-PR, DJ 5/11/2007, e CC 30.107-MG, DJ 10/2/2003. CC 48.178-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/3
2 - Decisão minha
Autos n. 038.09.008302-1 Ação: Busca e Apreensão/Indiciário Requerente:Delegacia de Policia do Bairro Aventureiro : Vistos, etc. Trato de pedido de busca e apreensão formulado pela autoridade policial, tendo como vítima Microsoft Corporation, aduzindo que estaria havendo violação dos Direitos de autor de programa de computador, mediante a venda de software não licenciados pela empresa comercial objeto da busca e apreensão, por violação ao disposto no art. 12, § 1º, da lEi n. 9.609/98. Acostou documentos.O Ministério Público opinou pelo deferimento do pedido.É o breve relatório.1. No recente julgamento (09.12.08) da Apelação Criminal n. 1.0239.06.005873-6/001(1), do TJMG, o eminente Des. Alexandre Victor de Carvalho, adotando a tese do destacado Professor Túlio Vianna, da PUC-MG, no qual a questão resta superada:"Merece sim provimento o apelo para que seja absolvido o apelante. Há muito já não se espera da função jurisdicional a mera repetição legal (o juiz "boca da lei" do Estado Liberal). Uma revisita ao papel do julgador é necessidade que, de tão estudada, já pode ser considerada velha. Sustentar que "a lei está em vigor e deve ser aplicada" é fechar os olhos para a existência de um Estado Constitucional e tudo o que isso significa. Vigência da lei não é validade da lei. Validade é extraída da conformidade com o modelo constitucional. (...) Promovo, nesta oportunidade, uma interpretação do tipo penal conforme a Constituição o que me leva a afastar sua aplicação. Declaro, mais uma vez, que comungo com as conclusões do jovem Professor Mineiro Túlio Lima Vianna - autoridade reconhecida nacionalmente em Direito Penal Informático - muito bem expostas no artigo denominado "A Ideologia da Propriedade Intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor.". Em síntese, no estudo citado diz Túlio Vianna que, "O monopólio do direito de reprodução das obras intelectuais (copyright) surgiu há séculos como instrumento de censura política em uma simbiose dos monarcas com os detentores dos meios de produção. Com o advento do sistema capitalista, este monopólio passou a ser sustentado até os dias de hoje, sob a ideologia da 'propriedade intelectual', em benefício dos detentores dos meios de produção, e acabou por constituir verdadeira censura econômica. O alto valor de livros, CDs, DVDs e de programas de computador é sustentado por uma escassez de obras intelectuais criadas artificialmente por um monopólio do direito de cópia concedido pelo Estado aos detentores dos meios de produção. Esta escassez artificial, longe de tutelar os direitos do autor da obra intelectual, beneficia principalmente a 'indústria cultural', em detrimento da classe hipossuficiente da população, que é obrigada a escolher entre o consumo de bens de subsistência e de bens culturais e acaba optando impreterivelmente por aqueles. Desta forma, aumenta-se o fosso cultural existente entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e, internamente, entre os membros de uma elite econômica e cultural e a massa da população fadada ao trabalho braçal, à miséria e à ignorância. Sob a secular ideologia da 'propriedade intelectual', a 'indústria cultural' procura desesperadamente justificar a necessidade de uma tutela penal da conduta de 'violar direitos de autor'. Uma detida análise do bem jurídico tutelado demonstra, no entanto, a nítida dicotomia entre a justificada tutela penal dos direitos personalíssimos do autor e a inconstitucional criminalização do descumprimento de obrigações civis originadas dos direitos patrimoniais de autor. Necessário se faz uma imediata releitura dos artigos 184 do CP e 12 da Lei 9609/98 pelos Tribunais para que se declare inconstitucional a tutela penal dos direitos patrimoniais de autor, seja pela inobservância do princípio constitucional da taxatividade, seja pela inobservância da vedação constitucional à prisão por dívidas. Entender de forma diversa é consagrar a instrumentalização do Direito Penal como meio de coerção ao pagamento de dívidas civis e de intervenção econômica para a garantia de monopólios privados." (VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade intelectual. Revista dos Tribunais, São Paulo, a.95, n. 844, p. 443-456, fevereiro de 2006). A Constituição da República de 1988, ao declarar o Brasil um Estado Democrático de Direito, adotou no art. 5º, inc. XXXIX, o conhecido princípio da Legalidade que tem, como uma de suas funções, proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa). Nas palavras de Paulo Queiroz, "o princípio da reserva legal implica a máxima determinação e taxatividade dos tipos penais, impondo-se ao Poder Legislativo, na elaboração das leis, que redija tipos penais com a máxima precisão de seus elementos, bem como ao Judiciário que as interprete restritivamente, de modo a preservar a efetividade do princípio.". (QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal - Introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 23-24). A meu sentir, um desses exemplos de conceitos vagos e imprecisos é o encontrado no §2º do art.184 quando diz "violação do direito de autor". O que isso significa? A respeito, novamente Túlio Vianna: "O delito de 'violação de direitos de autor' é um tipo penal vago, fundamentado em um bem jurídico indeterminado. É uma verdadeira afronta ao princípio constitucional da taxatividade, pois reúne sob o rótulo de 'propriedade intelectual' uma gama de interesses tão diversos quanto: o direito de atribuição de autoria, o direito de assegurar a integridade da obra (ou de modificá-la), o direito de conservar a obra inédita, entre outros direitos morais, e os direitos de edição, reprodução (copyright) e outros patrimoniais." (Op. Cit.) Outrossim, a tutela da propriedade material como uma das parcelas do complexo delito de violação de direito autoral consiste em mera prisão por dívida, violadora não só da Constituição da República no seu art. 5º, LXVII, como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no seu art. 7º. Razão pela qual insiste veementemente o estudioso Professor: "Deixar de receber uma renda ou salário, ainda que se trate de descumprimento de obrigação civil, jamais pode ser equiparado a uma lesão patrimonial semelhante ao crime de furto. No delito de furto há um decréscimo patrimonial, na violação de direitos autorais, o autor deixa de ter um acréscimo em seu patrimônio. No furto, há ofensa a um direito real; na violação de direitos autorais, a um direito obrigacional. Naquele temos uma vítima; neste, um credor." (Idem, op. Cit.). Como já declarei em outra oportunidade, é preciso que o Judiciário Brasileiro esteja atento e contenha a sanha desatinada das políticas neoliberais, em que o Estado delega ao mercado a regulação social e este, mostrando a sua face mais obscura, se socorre do direito penal para legitimar a nova realidade. Isto é, as ações políticas criminais neoliberais, em nome do eficientismo, têm transformado em delitos ações/omissões lícitas, ocupando-se de controlar socialmente condutas que poderiam ser disciplinadas por outras políticas sociais, de preferência inclusivas (não-exclusivas) e integradoras (não-segregacionistas). É bom lembrar que foi exatamente sob a inspiração dessas idéias que se operou a mudança na redação do art. 184 do CP, demonstrando que o legislativo brasileiro continua tratando os conflitos de natureza socioeconômica e política como condutas delituosas. E, "Ao se despolitizar a questão, encobre-se com um véu de mistificação a realidade sobre o modelo de desenvolvimento concentrador de riqueza, excludente e dependente de interesses alheios às necessidades do conjunto do povo brasileiro." (DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Conflito e Segurança. Entre Pombos e Falcões. Lumen Iuris, 2003, p. 65). Reforçando a inadmissibilidade da violação à taxatividade, cito Nilo Batista: "A função de garantia individual exercida pelo princípio da legalidade estaria seriamente comprometida se as normas que definem os crimes não dispusessem de clareza denotativa na significação de seus elementos, inteligíveis por todos os cidadãos. Formular tipos penais "genéricos ou vazios", valendo-se de "cláusulas gerais" ou "conceitos indeterminados" ou "ambíguos" equivale teoricamente a nada formular, mas é prática e, politicamente, muito mais nefasto e perigoso." (BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p.78). Questionamento surge também, em relação às cópias de Cd´s e Dvd´s, acerca da aceitação, tolerância, social da conduta. Nos dizeres de Assis Toledo, "se o tipo delitivo é um modelo de conduta proibida, não é possível interpretá-lo, em certas situações aparentes, como se estivesse também alcançando condutas lícitas, isto é, socialmente aceitas e adequadas.". (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 131). Entendo que referida conduta é aceita e aprovada consensualmente pela sociedade e, portanto, despida de lesividade ao bem jurídico tutelado, constituindo-se num indiferente penal alcançado pelo princípio constitucional da Adequação Social." 2. De fato, não há justificativa democrática para se "criminalizar" questões meramente patrimoniais, as quais podem ser resolvidas no seu respectivo campo civil, mediante ações respectivas. O Direito Penal não deve servir de longa manus das grandes corporações que se valem do Estado apenas para manter a exploração, ainda mais em se tratando de Brasil. O caso é de típica demanda civil, sem que qualquer pretensão penal possa ser deferida, sequer pela questão tributária, pois esta, também, não implica em prisão, consoante já votei diversas vezes. Ao arremate, cabe invocar, sempre, Ferrajoli (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. São Paulo: RT, 2001, p. 373): "Se o direito penal responde somente ao objetivo de tutelar os cidadãos e de minimizar a violência, as únicas proibições penais justificadas por sua 'absoluta necessidade' são, por sua vez, as proibições mínimas necessárias, isto é, as estabelecidas para impedir condutas lesivas que, acrescentadas à reação informal que comportam, suporiam uma maior violência e uma mais grave lesão de direitos do que as geradas institucionalmente pelo direito penal."3. Assim é que não há legitimidade democrática para "criminalização" das condutas, as quais se circunscrevem ao âmbito civil, razão pela qual indefiro o pedido de busca e apreensão. Túlio Vianna está coberto de razão!Por tais razões, INDEFIRO o pedido de busca e apreensão.P. R. I.Arquive-se, após. Joinville (SC), 27 de fevereiro de 2009.
Alexandre Morais da Rosa Juiz de Direito
2.
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02/04/2009
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Bravo!
ResponderExcluirVc é um orgulho para todos nós magistrados que buscamos a Justiça!
Parabéns!
Gerivaldo
Bingo!! vou recomendar a leitura aos meus alunos. Ab. Julio Marcellino.
ResponderExcluirComeçam a se abalar as estruturas mofadas do Direito Penal catarinense. Nosso grande baluarte já mostra a que veio.
ResponderExcluirTer um mestre como você na área penal nos incentiva cada dia mais e nos faz acreditar que é sim possível defender um Direito Penal garantista no Brasil.
Aplausos.
Vendo esse tipo de decisão, dá até esperança de que as coisas no Brasil mudarão pra melhor num futuro não mais tão distante. Obrigada pela aula, magistrado! Assim, me orgulho (e me inspiro) em ser estudante de Direito.
ResponderExcluirBoa Alexandre. Cada macaco no seu galho!
ResponderExcluirVou encaminhar a decisão para os meus alunos.
abraços garantidos.
Uma decisão, eu diria, reconfortante: faz crer que ainda vale a pena remar contra a maré. Toda e qualquer sentença penal deveria, antes de tudo, enfrentar a questão da constitucionalidade da criminalização do bem jurídico tutelado pela norma. Mas disso ninguém quer saber: basta provar a autoria e a materialidade (isso quando não "invertem" o ônus da prova, como quando o acusado é preso na posse de objeto furtado -- um verdadeiro acinte ao estado de direito) que é condenação certa, como se o legislador fosse livre para criminalizar qualquer bem jurídico. Parabéns pela decisão e pela coragem, Alexandre. Precisamos disso. Grande abraço.
ResponderExcluirGRANDE (e CORAJOSO) 'decisum".
ResponderExcluirSem falar na aula de dogmatica e criminologia CRITICAS, AO VIVO!
Sejamos realistas: o incidente de inconstitucionalidade mencionado na sentença foi rejeitado por massacrantes 24 votos contra 1. Sua decisão será, igualmente, reformada em segunda instância.
ResponderExcluirDe qualquer forma, boa sorte em sua luta contra moinhos de vento.