Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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04/05/2010

STF anistia e desabafo de JK - Subscrevo



Minhas amigos e meu amigos,


Até agora estava mortificado. A ponto de não conseguir escrever uma linha sobre o ocorrido no STF semana passada. Agora sinto vontade de compartilhar com vocês algumas impressões. No dia 28 de abril estava lá, às portas do Plenário do STF em Brasília, junto com meus companheiros e companheiras da Comissão de Anistia. Fomos os primeiros a chegar ali, certos de que seria um dia histórico e de que haveria filas e mais filas de pessoas também cientes da importância daquele momento. Qual o quê! Nem o plenário estava lotado, e nenhum grande grupo se amontoava na Praça dos Três Poderes, com as honrosas exceções de uma singela manifestação do Grupo Tortura Nunca Mais, fixando cartazes com os rostos das vítimas da ditadura no alambrado externo; do nosso companheiro Mário Miranda, que não pôde entrar no Plenário por estar sem terno; e de um grupo de militantes do MST, o que, para mim, mais uma vez comprova a importância e o fundamento deste movimento social brasileiro.

Momentos antes do início da sessão, já nos deparamos com uma triste realidade: há uma larga distância entre a retórica democrática, em diversos momentos entoada pelos Ministros e Ministras do STF, e a realidade política, cultural e econômica do nosso país, especialmente dos seus espaços público-institucionais. No palco onde a democracia e os princípios e os valores constitucionais da pluralidade política, da diversidade étnica e cultural, da igualdade de gênero, da participação, da liberdade de credo e opinião, da solidariedade, e tantos outros deveriam ser guardados de modo sobranceiro e quase como o último refúgio institucional para a sua defesa, assistimos ao deplorável espetáculo de um moralismo tacanho e de um provincianismo cristão, amigos do arbítrio e avessos por si só a uma perspectiva democrática. As mulheres não podiam entrar se não estivessem vestindo algo próximo a um Tailleur, devendo obrigatoriamente vestirem o paletó para entrar no plenário (se a Coco Channel soubesse que a roupa que ela desenhou seria utilizada como motivo de discriminação moral e cultural, certamente não ficaria nada satisfeita). Há pouco tempo atrás, as mulheres não podiam entrar de calça no Plenário, apenas de saia longa. A Conselheira Rita Sipahi estava com um casaquinho que eu considerei bem bonito e elegante, mas ele foi barrado, obrigando-a a voltar ao Ministério da Justiça para pegar um paletó feminino emprestado. Depois, dentro do Plenário fomos surpreendidos pelos seguranças que nos exigiram o confisco dos adesivos da Campanha contra a Tortura que usávamos na lapela do paletó e que traziam os dizeres: “Tortura é crime contra a humanidade”. Nem mesmo guardar comigo o adesivo eu pude. Na hora pensei: “Se é assim, deveriam ao menos retirar aquele crucifixo da parede principal. Ainda um escândalo em um Estado que diz ser laico”.

Na sequência das sustentações orais do começo da sessão, percebi o quanto aquele ambiente é avesso ao calor das pessoas e das suas emoções. A fala vibrante e engajada, e nem por isto não-técnica, do Fábio Konder Comparato e da nossa querida Vera Karam Chueiri (parabéns pela tua atuação e bravura, fiquei muito orgulhoso!), contrastavam com a frieza tecnicista e dogmática dos demais. A mim pareceu que esta última retórica é muito mais adequada àquele plenário.

Antes do voto do relator a sessão foi interrompida, e foi aí que, com muita contrariedade, mas convicto do dever que me chamava junto aos trabalhos da Comissão de Anistia, tive de abandonar o Plenário para atender os mais de 20 anistiandos do Arsenal da Marinha no Rio de Janeiro, que vieram até Brasília expor os seus pontos junto ao plenário da Comissão. No dia seguinte, também não pude acompanhar ao vivo, pois havia sessão plenária da Comissão marcada e que durou o dia todo. Fui acompanhando o julgamento à distância e na medida do possível. Depois me inteirei do teor dos votos pela internet.

Confesso que no início estava esperançoso quanto ao voto de Eros, com o seu nome dedicado ao amor e à força criativa. Contudo, ungido pelo palco da frieza e da afetação palavrória parnasiana (mal que parece acometer a todos os Ministros e Ministras), Eros transmutou-se em Tanatos, ajudando a enterrar ainda mais a nossa República na memória não purgada do sangue, da violência, da iniquidade e do arbítrio. Com sua força destrutiva Tanatos sepultou nossas esperanças de uma transição democrática mais forte e célere. Tanatos e seus coveiros reforçaram o negacionismo da nossa sociedade. Pra começar eles macularam a bandeira de luta da “Anistia ampla, geral e irrestrita”. Este lema, empunhado na década de 70 à custa de lágrimas, sacrifícios e o sofrimento de incontáveis vilanias jamais esteve voltado à impunidade dos torturadores e dos seus mandantes. Falava-se na amplitude da anistia para que ela alcançasse os que participaram da resistência armada e os que já se encontravam encarcerados, assim como os exilados e banidos. É no mínimo desrespeitoso querer associar agora este lema aos agentes da repressão. É desrespeitoso com todos os sobreviventes da ditadura, com suas famílias e com a memória dos que caíram e desapareceram. É uma segunda tortura. É negar o reconhecimento público da injustiça sofrida, caminho imprescindível para o resgate da dignidade política. No entanto, lá estava na própria página do STF: “STF decide por 7 votos a 2 pela Anistia ampla, geral e irrestrita”.

O Lênio comentou que o Supremo está muito dogmático. De fato, o dogmatismo ali patente estava até mesmo no voto do Ministro Ayres Britto, que enveredou por conceitos hermenêuticos já sobejamente superados no âmbito investigativo da teoria e da filosofia do Direito, tais como: métodos de interpretação, vontade da lei X vontade do legislador, entre outros. No fim, apesar das suas belas palavras, que apareceram porque se permitiu ler um poema que havia escrito, e da sua conclusão favorável e corajosa, ele afirmou que se a lei de anistia tivesse anistiado explicitamente os torturadores então não haveria nada o que discutir. O seu fundamento acabou sendo a existência ou não de uma previsão literal no texto normativo. Por outro lado, fez uma boa crítica à noção de vontade do legislador e rebateu bem o argumento de Eros da vinculação da Constituinte à Emenda Nº 26 de 1985.

Mas vejam que o fato de o julgador fazer uso dos estudos teóricos e acadêmicos críticos e interdisciplinares não o exime de fazer um papelão. Foi o que se viu no caso do Eros Grau. Ele desfilou a torto e a direito seus conceitos e estudos, diretamente obtidos de fontes importantes (não citadas) como o Verdade e Método de Hans-Georg Gadamer. Trouxe à baila a noção de que a interpretação da norma é também a sua aplicação e de que texto da norma não se confunde com ela toda. Porém, para quê? Somente para defender que a interpretação da lei de anistia deveria se dar com os “olhos da época”, esquecendo-se que a história não se apresenta em escaninhos distantes e perfeitamente definidos. A história é o fruto das narrativas que nunca acabam. Hoje temos condições ainda mais claras e adequadas de perceber que a anistia de 1979 envolveu sim uma ampla luta e debate na sociedade brasileira, como disse o Procurador Geral da República e o próprio relator, porém esta luta não tinha mais à disposição a possibilidade de um enfrentamento pelas armas. Eros insinua em seu voto (pág.58) que o “acordo” foi uma sábia escolha, melhor do que esperar mais tempo para a transição e do que fazê-la com violência. Ora, naquela época todos os movimentos de resistência armada no Brasil tinham sido massacrados. Não havia outra opção no horizonte além daquela.

A anistia não foi acordo coisa nenhuma. O apelo popular que se ergueu pela libertação dos presos políticos e pela possibilidade de retorno dos exilados foi um ingrediente importante, mas não foi o único. Fazia parte da estratégia do Golbery que ocorresse naquele momento a abertura política. Ele pretendia esvaziar o partido de oposição, o MDB, com a sua fragmentação em vários outros partidos. Silvio Frota havia sido impedido em seus intentos mais duros e violentos. O “acordo” feito, além de ser de interesse das facções que estavam no poder, mais pareceu um contrato de adesão de serviço essencial. Um doente moribundo às portas do hospital concordará com qualquer condição para que possa salvar a sua vida. A condição neste caso, foi excluir da anistia os chamados crimes de sangue. Na verdade, não se falava muito de anistia aos torturadores pelo simples fato de que o poder encastelado não admitia sequer falar desta possibilidade. É o negacionismo que imperou até 2008, ano no qual pelo menos conseguimos discutir publicamente o tema da punição aos torturadores.

O voto de Eros e as outras manifestações concordes mencionaram a luta pela anistia como justificativa da anistia aos torturadores, mas se esquece de fazer uso das discussões que aconteceram no Congresso. Estudos como o comandado pela Profa. Desiré e pela Profa. Vera Karam na UFPR, o próprio livro da Glenda Mezzaroba, mostram à exaustão a evidência de que prevaleceu a proposta do governo, escoimada pela maioria governista que houvera sido instituída de modo antidemocrático. Praticamente nenhuma emenda da oposição foi considerada.

Os Ministros e Ministras parecem ignorar que a ditadura no Brasil urgiu um simulacro de legalidade. O próprio Ayres Britto disse que havia uma república durante a ditadura, que ainda vivíamos sob o império da lei. Eu me pergunto que império é este sustentado em Atos Institucionais? O simulacro da legalidade é uma das causas que mais favorece o negacionismo. A Constituição fica parecendo uma continuidade da ordem anterior, não uma ruptura. Assim como os civilistas adoram remontar os conceitos e as leis civis do Brasil ao Direito Romano, lá estava Eros remontando suas conclusões às anistias do início do século XX, antes mesmo da Primeira Guerra Mundial. Lá estava Eros remontando às mais antigas jurisprudências do STF. É como se o surgimento dos crimes contra a humanidade nada tivessem a dizer ou a acrescentar ao tema da anistia e à noção de crime político.

Um dos principais apoios para incluir a tortura realizada pelos agentes públicos na anistia de 1979 é argumentar que a anistia é um instituto exclusivamente penal. Tal argumento, contudo, é afastado quando convém à tese. Por exemplo, Eros diz que a conexão aos crimes políticos prevista da lei de anistia não é a conexão criminal, mas uma que havia sido inventada ali na hora. Aqui ele não fez tanto gosto em aplicar os princípios e conceitos do direito penal à anistia. O Supremo, e autores como Nilo Batista, fecham-se à noção de crimes contra a humanidade, nem sequer levam em questão o fato de que tais crimes não cabem totalmente nos contornos dogmáticos do Direito Penal e do Processo Penal, como bem ilustra, entre tantos outros autores, Antoine Garapon. É inquestionável que ao longo do século XX, e assim foi com as ditaduras do Cone-Sul, o combate aos crimes políticos, especialmente quando acontecem no bojo de um regime ditatorial, revestem-se da forma dos crimes contra a humanidade. Portanto, o instituto da anistia não pode passar indiferente a este aspecto. Como já disse outras vezes, há outras tradições de anistia já operadas no mundo, especialmente a da África do Sul. Poderíamos perfeitamente romper o casulo dogmático do tema. Ao invés disso, Eros afirmou (e não sei de onde ele tirou esta idéia) que se a ação da OAB fosse procedente anular-se-ia a anistia aos crimes políticos....

Outro ponto grave, que se denota deste julgamento, é o que se depreendeu do voto do próprio Ayres Britto, reafirmando outro mito sobre a ditadura brasileira: o de que foi apenas uma minoria a responsável pelas barbaridades, aqueles que “exorbitaram” dos seus limites. Ora, a tortura no Brasil da ditadura foi comandada e exigida pelas mais altas patentes, tolerada (como até hoje continua sendo) pelos mais diferentes setores da elite do país, foi uma política de governo, que contou com a cumplicidade de muitos outros grupos da sociedade. Querer eleger alguns monstros ou “tarados”, como disse o Ministro, é adotar um padrão semelhante a Nuremberg, no qual a sociedade se acreditava expiada com a execução de alguns nazistas. Chega deste discurso da minoria malvada. A tortura como tática e estratégia de ação é admitida com profundidade no espírito institucional das Forças Armadas, e aceita por parcela expressiva da população. Se não se pode ser condescendente com torturador, como disse Ayres Britto, também não podemos “eufemizar” a participação de todos os grupos e instituições que lhe deram sustentação.

Por fim, não posso deixar de assinalar algo que perpassou especialmente os votos de Eros e de Peluzo: o de que o povo brasileiro é algo realmente formidável e generoso, visto que prefere o perdão à violência e à vingança. Quanta hipocrisia! Este mito é um dos véus mais espessos diante da nossa iniqüidade social e do fato de o Brasil ter uma das sociedades mais violentas do mundo.

Para completar a fatura, no dia 30, quando embarquei no vôo que me trouxe de Brasília para Porto Alegre encontro como companheiros de vôo a Ministra Ellen Gracie, a Ana Amélia Lemos, candidata do PP ao senado e Miss Fórum da Liberdade, e o Senador Sérgio Zambiasi. Todos conversando alegremente.

Desculpem pelo longo desabafo. Dias melhores virão.

Abraço Fraterno, ZK.

PS: Em anexo, foto do Fábio Konder Comparato com a Comissão de Anistia, momentos antes de abrirem as portas do plenário.

Um comentário:

  1. Aquela ali abaixada com a mão no joelho foi minha professora. Uma das mulheres mais inteligentes que já vi na vida: Dra. Eneá de Stutz e Almeida ;)

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