Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos
Alexandre Morais da Rosa

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29/12/2009

Feliz Ano Novo

Blogueiros parceiros de 2009-2010, Feliz Ano Novo. Comecei este espaço para compartilhar um pouco e o resultado me foi bom. Que se possa ser feliz nos limites de cada um, e do outro. Li e gostei do que segue, embora sempre se possa criticar. Não é o caso do momento.
Abraços

Alexandre Morais da Rosa

Feliz Ano Novo


Jorge Forbes (No you tube, clique aqui)

Rádio Eldorado

Comentário que foi ao ar em 31/12/2003


Não adianta você querer dizer que nada tem a ver com isso, que é só uma data no calendário, que o Ano-novo não muda nada, que todo dia é igual ao outro, que você está acima ou indiferente a essas convenções sócio-comerciais, que o Ano-novo é patrocinado pelas agências de turismo, como o Natal seria invenção do clube dos lojistas. A sociedade vive de pactos e convenções, que podem ser discutidos mas não desprezados. Do contrário, seria como dar um tiro no próprio pé. Não se caminha sem acordos de convivência. E alguns, como o Ano-novo, dada sua extensão universal, têm uma força simbólica real, que não permite indiferença. Até aquele mal-humorado que prefere ir sozinho à última sessão de cinema do dia 31 de dezembro, e que antes da meia-noite já está dormindo, não escapa ao Ano-novo. Não querer ver a entrada do ano é uma reação negativa, mas é uma reação.

E todos os anos se renovam as promessas, mesmo que sejam as mesmas das últimas décadas – sempre anunciadas, nunca cumpridas – sem nenhuma vergonha do pecado. O Ano-novo lava a alma do passado e estabelece um “daqui para a frente”.

E a psicanálise, tem algo a dizer sobre as boas intenções do Ano-novo? Sim, tem. Ao menos em dois aspectos. “Você quer o que você deseja?“, seria o primeiro; o inexorável da surpresa, o segundo. Muitas das promessas ficam só nas promessas, porque é bastante comum não se querer o que se deseja. Esse aspecto até auxilia os analistas no diagnóstico. Obsessivos seriam os que só querem o que não desejam, pois assim não arriscam perder o que lhes é mais precioso, mantendo-o escondido a sete chaves; e histéricas aquelas que, eternamente insatisfeitas com o que obtêm, desejam sempre outra coisa. Querer o que se deseja implica o risco da aposta – toda decisão é arriscada – e a coragem de expor sua preferência, mesmo sabendo que toda carta de amor tende ao ridículo, como lembra Fernando Pessoa.

Então, no Ano-novo, uma promessa analítica, se existisse, seria suportar querer o que se deseja e não temer a surpresa do próprio Ano-novo. O momento mesmo do réveillon é o melhor exemplo do imprevisível: embora todo mundo saiba quando ele vai nascer, embora (tal qual obstetras do futuro) acompanhemos a contagem regressiva do nascimento em voz alta, não conseguimos evitar a curiosidade entusiasmada de ver sua cara em meio à sinfonia dos fogos de artifício e das bolhas de champanhe.

E todo Ano-novo é multifacetado, tem uma cara para cada um, é o que o difere do Ano-velho, com suas conhecidas rugas e rusgas.
Tanto melhor, amigo, se o Ano-novo o encontrar feliz.

Tanto melhor, amigo, se o Ano-novo o encontrar feliz.

28/12/2009

LIvro Fabiana Spengler e Paulo de Tarso Brandão


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O livro ficou muito bem articulado. Há um artigo meu junto com o parceiro Júlio César Marcellino Jr.


APRESENTAÇÃO

Todas as considerações sobre a jurisdição e suas crises (criadas e fomentadas a partir da globalização cultural, política e econômica) são conseqüências da crise estatal. Nascida de um delibe¬rado processo de enfraquecimento do Estado, a crise se transfere para todas as suas instituições. Devido a essa assertiva é que se deve discutir a tão aclamada crise da jurisdição a partir da crise do Estado, observando sua gradativa perda de soberania, sua incapacidade de dar respostas céleres aos litígios atuais, de tomar as rédeas de seu destino, sua fragilidade nas esferas Legislativa, Executiva e Judiciária, enfim, sua quase total perda na exclusividade de dizer e aplicar o Direito. Em decorrência das pressões centrífugas da desterritorialização da produção e da transnacionalização dos mercados, o Judiciário, enquanto estrutura fortemente hierarquizada, fechada, orientada por uma lógica legal-racional, submisso à lei, se torna uma instituição que precisa enfrentar o desafio de alargar os limites de sua jurisdição, modernizar suas estruturas organizacionais e rever seus padrões funcionais para sobreviver como um poder autônomo e independente. Em termos de jurisdição, os limites territorias do Judiciário, até então organizados de modo preciso, tem seu alcance diminuído na mesma proporção que as barreiras geográficas vão sendo superadas pela expansão da informática, das comunicações, dos transportes, e os atores econômicos vão estabelecendo múltiplas redes de interação. Quanto maior a velocidade desse processo, mais o Judiciário é atravessado pelas justiças emergentes, nos espaços nacionais e internacionais, representadas por formas “inoficiais” de tratamento de conflitos. Em termos organizacionais, o Poder Judiciário foi estruturado para atuar sob a égide dos códigos, cujos prazos e ritos são incompatíveis com a multiplicidade de lógicas, procedimentos decisórios, ritmos e horizontes temporais hoje presentes na economia globalizada. Nestes termos, o tempo do processo judicial é o tempo diferido. O tempo da economia globalizada é o real, isto é, o tempo da simultaneidade. Ainda, para o Judiciário faltam meios materiais de dispor de condições técnicas que tornem possível a compreensão, em termos de racionalidade subjetiva, dos litígios inerentes a contextos socioeconômicos cada vez mais complexos e transnacionalizados.

INDICE

APRESENTAÇÃO ................................................................................................9

A CRISE DO ESTADO E DA JURISDIÇÃO

Capítulo 1

Considerações sobre a democracia e a crise do Estado .................................18

Paulo Márcio Cruz, Marisa Schmitt Siqueira Mendes

Capítulo 2

O (re)pensar da crise jurisdicional diante do engodo eficientista: o direito e a

economia em discussão .......................................................................................43

Alexandre Morais da Rosa, Julio Cesar Marcellino Jr.

Capítulo 3

A crise da jurisdição e a necessidade de superação da cultura jurídica atual:

uma análise necessária ..........................................................................................65

Fabiana Marion Spengler

Capítulo 4

Os descaminhos da prestação jurisdicional no âmbito punitivo.

Algumas considerações sobre as reformas do Código de Processo Penal

brasileiro ................................................................................................................96

Cláudio Alberto Gabriel Guimarães e Themis Maria Pacheco de Carvalho

PROCESSO, PROCEDIMENTO E SUBSTÂNCIA

Capítulo 5

Combater vícios e incorporar virtudes: o papel do processo num cenário de

mutações ..............................................................................................................115

Jânia Maria Lopes Saldanha, Angela Araújo da Silveira Espindola, Sadi Flores

Machado

Capítulo 6

Processo ...............................................................................................................143

Eligio Resta

Capítulo 7

O Procedimentalismo deliberativo e o substancialismo constitucional:

apontamentos sobre o (in)devido papel dos Tribunais e sobre a (des)

necessidade de cooperações pós-nacionais/constitucionais para se

“dizer o direito” ...................................................................................................169

Doglas César Lucas

Capítulo 8

Jurisdição negada: um lamentável exemplo ..................................................195

Paulo de Tarso Brandão, Douglas Roberto Martins

ALTERNATIVAS À CRISE

Capítulo 9

Mediação: uma terceria de caráter político-pedagógico ............................217

Maria da Graça dos Santos Dias, Airto Chave Junior

Capítulo 10

Medo do outro: artificialidade de identidade e escolha do grupo

de pertença .................................................................................................................

Francesco Bilancia

Capítulo 11

Contradição sem reconciliação: “a ovelha negra”, de Ítalo Calvino .............235

Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, André Karam Trindade

27/12/2009

Justiça Castrente e ausência de democracia

SUBSCREVO em grande parte o artigo do colega Henrique Azevedo (email: h.g.azevedo@terra.com.br) Defensor Público da União:

A inconstitucionalidade dos julgamentos na Justiça Militar.

Não se pretende com as presentes linhas apontar a Justiça Militar como inconstitucional. Pelo contrário, está disposta no texto originário da Constituição Republicana de 1988, art. 92, VI[1], razão pela qual mostra-se completamente desarrazoada qualquer arguição nesse sentido.

A existência da referida justiça se mostra necessária pela natureza da matéria que examina, sem afastar, porém, por si só, os argumentos favoráveis à apreciação dos crimes e questões administrativas militares pela Justiça Comum, através da fusão das duas Cortes. Isso porque há no mundo globalizado e complexo do atual século da informação, questões de grandes especificidades e envergadura, as quais exigem dos magistrados vastos conhecimentos em áreas muito mais distantes da jurídica, como, por exemplo, economia e finanças.

A existência da Justiça Militar está muito mais voltada à ligação da matéria examinada com a vida militar e seus princípios fundantes, que são a hierarquia e disciplina. Os crimes militares nada mais representam do que infrações disciplinares de maior vulto, os quais colocam em xeque os pilares castrenses.

Exige-se, assim, uma justiça especializada e destacada das demais, a fim de que os atos praticados em detrimento da administração militar possam ser julgados dentro de uma margem reduzida de tempo para que não venha trazer prejuízos à disciplina interna e nem tampouco que a autoridade militar possa ter a sua hierarquia contestada. Maior exemplo da celeridade desejada é o fato do militar que tenha contra si um processo penal militar ficar impedido de obter promoção, em análise a contrário sensu do disposto no art. 18, 'c', da Lei 5.821, de 1972[2], tendo em vista o estreito liame paradigmático estabelecido entre a conduta tida como crime militar e aquela disciplinarmente esperada do soldado e prevista nos regulamentos internos da Força.

Por outro lado, mostra-se de duvidável envergadura constitucional a existência dos Conselhos Militares de Justiça, com competência para judicar na seara castrense, descritos no art. 400[3]do Código de Processo Penal Militar, cuja publicação se deu no ano de 1969, formados por 04 militares, em patentes maiores do que o réu e o Juiz-Auditor Militar.

A Constituição fixou a existência da Justiça Militar, art. 92, mas deixou a cargo da lei ordinária a normatização da mesma, o que acabou gerar a recepção formal do decreto-lei 1002/69, que criou o Código de Processo Penal Militar.

A mesma constituição garantiu aos juízes togados, art. 95, I, II e III[4], as prerrogativas necessárias ao desempenho das atividades judicantes com total isenção, quais sejam: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, além da exigência de acesso por concurso público.

As garantias “têm assim como condão conferir à instituição a necessária independência para o exercício da jurisdição, resguardando-a das pressões do Legislativo e do Executivo, não se caracterizando, pois, os predicamentos da magistratura como privilégio dos magistrados, mas sim como meio de assegurar o seu livre desempenho, de molde a revelar a independência e autonomia do Judiciário. Hamilton, no Federalista, comparava as garantias dos juízes às do Presidente da República norte-americana. Dizia que os juízes, por serem vitalícios, necessitam de garantias mais fortes e duradouras que o Presidente[5]”.

São medidas que asseguram também aos jurisdicionados a certeza da existência de um Estado de Direito, no qual as normas são aplicadas independentemente das partes envolvidas no processo judicial.

Ao examinar-se os Conselhos de Justiça, em especial, os militares que os compõem, depreende-se que não há qualquer prerrogativa funcional a eles estendida, nem tampouco houve por parte da Constituição qualquer alusão à possibilidade de se ter na seara castrense julgamentos por juízes sem a necessária independência, bem como sem a admissão por concurso público. Ainda que a Constituição tenha denegado à lei ordinária a regulação da Justiça Militar, não poderia esta criar a possibilidade de uma jurisdição afastada das linhas mestras descritas na carta magna.

O constituinte sempre que desejou exceções, na questão jurisdicional, sobretudo nas garantias em comento e na admissão por concurso público, o fez de forma expressa, como no caso Tribunal do Júri, art. 5º, XXXVIII[6], e ainda no modificado art. 126[7], que previa a figura dos juízes classistas, no âmbito da Justiça Laboral. O mesmo entendimento se dá no tocante ao Juizado Especial ao criar os juízes leigos, art. 98, I[8] .

Não é exagero lembrar que os Conselhos de Julgamento na Justiça Militar, art. 28 da lei 8457/90, são competentes para determinar uma pessoa criminosa ou inocente, na quantidade e forma da pena, decidir pelas decisões cautelares, pela aplicação das penas privativas de liberdade, dentre outras medidas judiciais[9]. Os militares contam sempre em com larga maioria (4), em detrimento ao voto unitário do juiz togado.

Se ao magistrado comum foi necessária a expressa determinação das prerrogativas com o escopo de se evitar pressões externas, inclusive políticas ou de superiores, no caso dos militares as garantias mostram-se muito mais prementes para que possam decidir de acordo somente com a consciência, analisando-se as provas constantes nos autos, sem qualquer tensão de se confrontar com eventuais contrariedades aos interesses da corporação e ainda dos superiores, sobretudo de um comandante que foi afetado por um conduta infracional.

Nesse diapasão, a composição dos Conselho de Justiça Permanente de apenas oficiais superiores, sem a presença de praças, não só confirma a premissa acima mencionada, como também se traduz numa afronta ao princípio da isonomia, vez que retira a possibilidade dos praças serem julgados por seus pares, em confronto ao espírito que norteia os julgamentos por juízes não togados.

As praças não podem compor Conselhos de Justiça o que configura uma violação ao princípio da igualdade. Para dar atendimento ao princípio do julgamento do acusado por seus pares, as praças deveriam compor o Conselho de Justiça Permanente desde que tivessem graduação superior a do acusado em observância ao princípio da hierarquia[10].

A tranquilidade necessária aos julgadores fez com que a Constituição assegurasse garantias que os isolassem de qualquer possibilidade de influência em suas decisões, dotando-os de independência política.

Mas de nada valeria tal independência jurídica, tal independência funcional, se os juízes não fossem cercados de reais garantias. Não basta tornar a função independente; é preciso que os homens que a exerçam também o sejam. Poder-se-ia pensar que o simples fato de ser o Juiz juridicamente independentemente seria o necessário para que pudesse desempenhar sua função com destemor e sem receios. Sua idoneidade moral e retidão de caráter far-lhe-iam respeitada a independência. Mas, sabendo o Estado que o altruísmo não capacita ninguém a administrar justiça, procurou cercar os Magistrados de reais garantias, imunizando-os contra qualquer ato de coação indireta ou mesmo represália. (...) Atentando para tais circunstâncias procurou o Estado tornar realidade a sua independência jurídica, dando-lhe garantias concretas que o tornam politicamente independente. Que garantias são essas? A vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos[11].

A ausência de garantias aos militares julgadores se mostra ainda grave por ser os militares representantes do ofendido na Justiça Militar, ou seja, a organização militar, cuja ressonância das faltas cometidas reverberam nos seios dos quartéis e nos comandos, por conseguinte, colocam em detrimento os princípios pelos quais foram educados e comprometidos em defender, que são a hierarquia e disciplina militar. Assumiram o dever de defender os pilares castrenses.

Outro agravante é o fato que as decisões dos Conselhos de Justiça são revisadas por Tribunais que possuem composição com maioria de militares do mais alto posto, como, por exemplo, o STM, que é constituído por Almirantes, Brigadeiros ou Generais, além de civis em minoria, os quais se cientificarão das decisões tomadas pelos subalternos[12].

Ora, os julgadores militares dos Conselhos de Justiça mantêm-se vinculados à hierarquia militar, ou seja, estão subordinados administrativamente àqueles que irão revisar as decisões judiciais por eles prolatadas. Assim, falta também a independência jurídica. Poderão sofrer de seus superiores, ainda que de forma transversa, consequências administrativas, máxime por, eventualmente, ir de encontro a alguma decisão solidificada dos Tribunais Superiores, repise-se, compostos de superiores hierárquicos.

Assim, se a independência jurídica protege o Magistrado contra ingerências de quaisquer outros órgãos do próprio Poder Judiciário, com maior razão o ampara contra expansões indevidas dos demais órgãos que compõem os outros Poderes.

Por isso dizia Hippel que o Juiz que atua conforme o dever não tem superiores no exercício de suas obrigações funcionais[13].

Ressalta-se que as Constituições italiana e alemã prescreveram, de forma inequívoca, a subordinação única dos magistrados à lei[14].

Assim, mostra-se o Código de Processo Penal Militar, na parte que estabeleceu os Conselhos de Justiça, não recepcionado materialmente pela Constituição Republicana de 1988, pela inexistência de conformidade dos mesmos com a isenção necessária e esperada dos julgadores, visto que as prerrogativas do art. 95 não se aplicam aos militares que os compõem.

Poder-se-ia argumentar que a existência dos mencionados Conselhos foi ratificada em lei ordinária, de n° 8457, no ano de 1992, o que traria uma conformação com o texto constitucional, sobretudo pela existência das Comissões de Constituição e Justiça nas Casas Legislativas do Congresso Nacional. Porém, as mesmas razões da não recepção do CPPM pela atual Constituição Republicana informam a inconstitucionalidade da aludida lei.

Afora as declarações repetidas pelo E. STF de inconstitucionalidade de leis promulgadas após a Constituição de 1988, chama atenção na referida lei que a propositura de seu projeto foi realizada pelo E.STM, cuja composição é por maioria de militares, o que, por si só, deixa clara a intenção de manter sob o controle castrense as decisões no âmbito penal militar. Há o entendimento por parte dos militares que as questões afetas à vida militar devem ser analisadas pelos próprios pares, já que entendem melhor as minúcias da administração de uma força armada e ainda possuem o conhecimento prático da primazia da hierarquia e disciplina militar, afastando-se, assim, as ingerências externas.

Outra questão que deve ser lembrada é que o projeto que resultou na lei acima mencionada foi apresentado no ano de 1990, ou seja, época em que se iniciou, após 20 anos de regime autocrático, um governo eleito democraticamente. Havia, então, uma transição em seu limiar, com regras tácitas de harmonia entre a sociedade civil e a Instituição militar, através da garantia de não interferência do poder civil na administração militar.

Nesse sentido, gize-se que o referido projeto sofreu apenas 6 emendas na Câmara dos Deputados e nenhuma no Senado Federal, o que denota a preocupação de se manter preservado o entendimento do alto oficialato militar acerca da composição, processamento e julgamento dos processos naquela Justiça Especializada.

Tal isolamento ainda se agravou pelo total distanciamento dos Direitos Penal e Processual Penal do mundo acadêmico e sobretudo da sociedade civil como um todo, fato este perceptível na ausência quase que absoluta de mudanças nos Códigos Penal e Processual Militar ao longo desses 40 anos de existência. Predomina-se, portanto, uma legislação criada em plena ditadura militar, como também o entendimento no Congresso Nacional de ideias esposadas pelos Ministros Militares pertencentes no E STM, cujas formações foram formatadas em contextos de sobreposição das Instituições militares, além das demais autoridades militares.

É possível ainda vislumbrar a não recepção pela atual Constituição do Conselho Militar pela ausência de conhecimentos jurídicos dos militares julgadores, sem que tenha sido esta possibilidade excepcional, pela exigência do concurso público aos magistrados, expressada no texto da constituição. Praticam todos os atos, em igual medida e peso, dos juízes, inclusive, a difícil dosimetria da pena.

Nesse contexto, conclui-se que a única possibilidade para que a Justiça Militar possa funcionar hoje concatenada com os anseios de uma constituição garantista e republicana é a efetivação da jurisdição apenas pelos juízes togados, selecionados através de concursos públicos, instrumentalizados com as garantias dos membros da magistratura.



[1] Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

VI - os Tribunais e Juízes Militares;

[2] Art 18. O oficial será ressarcido da preterição desde que seja reconhecido o seu direito à promoção, quando:

c) for absolvido ou impronunciado no processo a que estiver respondendo;

[3] Art. 400. Tendo à sua direita o auditor, à sua esquerda o oficial de pôsto mais elevado ou mais antigo e, nos outros lugares, alternadamente, os demais juízes, conforme os seus postos ou antigüidade, ficando o escrivão em mesa próxima ao auditor e o procurador em mesa que lhe é reservada — o presidente, na primeira reunião do Conselho de Justiça, prestará em voz alta, de pé, descoberto, o seguinte compromisso: "Prometo apreciar com imparcial atenção os fatos que me forem submetidos e julgá-los de acôrdo com a lei e a prova dos autos." Êsse compromisso será também prestado pelos demais juízes, sob a fórmula: "Assim o prometo."

[4] Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;

III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

[5] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 466.

[6] É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados (...).

[7] Art. 116. A Junta de Conciliação e Julgamento será composta de um juiz do trabalho, que a presidirá, e dois juízes classistas temporários, representantes dos empregados e dos empregadores.

Parágrafo único. Os juízes classistas das Juntas de Conciliação e Julgamento serão nomeados pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, na forma da lei, permitida uma recondução.

[8] A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

[9] Art. 28. Compete ainda aos conselhos:

I - decretar a prisão preventiva de acusado, revogá-la ou restabelecê-la;

II - conceder menagem e liberdade provisória, bem como revogá-las;

III - decretar medidas preventivas e assecuratórias, nos processos pendentes de seu julgamento;

IV - declarar a inimputabilidade de acusado nos termos da lei penal militar, quando constatada aquela condição no curso do processo, mediante exame pericial;

V - decidir as questões de direito ou de fato suscitadas durante instrução criminal ou julgamento;

VI - ouvir o representante do Ministério Público sobre as questões suscitadas durante as sessões;

VII - conceder a suspensão condicional da pena, nos termos da lei;

VIII - praticar os demais atos que lhe forem atribuídos em lei.

[10] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Competência da Justiça Militar. In Revista Jus Vigilantibus. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/558. Acesso em 10 de dezembro de 2009.

[11] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 305/306

[12] Art. 3° O Superior Tribunal Militar, com sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de quinze ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército e três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.

§ 2° Os Ministros militares permanecem na ativa, em quadros especiais da Marinha, Exército e Aeronáutica.

[13] Ibidem, p. 303.

[14] Art. 97, § 1º, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha: “os juízes são independentes e subordinados unicamente à lei”.

Art. 104 da Constituição Italiana: “a magistratura constitui uma ordem autônoma e independente de todo outro Poder”.

Caos Aéreo - Como proceder? Rizzato Nunes responde.

Viagens aéreas de férias: atrasos, overbooking etc. Veja quais são seus direitos. 28-12-09


Por Rizzatto Nunes


Começaram as viagens de fim de ano e das férias de janeiro e com elas os problemas que sempre envolvem o transporte aéreo, tais como atraso no embarque eoverbooking. Por isso, hoje apresento quais são os direitos envolvidos e o que fazer para protegê-los.

  • Você está com a passagem, mas não te deixam entrar! O overbooking.

Começo por um problema comum: A companhia aérea não deixa o passageiro – que está com a passagem na mão! – embarcar.

Essa prática das empresas aéreas chamada de overbooking é a venda de maior número de passagens do que de assentos. Ela viola as garantias do Código de Defesa do Consumidor, plenamente aplicáveis às relações entre passageiro e companhia aérea.

Por ser conduta enganosa e abusiva, ela é ilegal. Se você passar por isso, saiba que tem direito a pleitear indenização pelos prejuízos sofridos.

  • Atraso no embarque

Ê Tolerância

Infelizmente a lei, que é de um período muito diferente do atual (O Código Brasileiro de Aeronáutica - CBA, de 1986), estabelece que o direito do consumidor só tem início a partir de 4 horas de atraso em relação ao horário marcado. Essa tolerância legal para os tempos atuais, em que os usuários do sistema de transporte aéreo deles se utilizam porque precisam ganhar tempo em suas atividades, parece-me mereceria diminuição. De todo modo, é o que está em vigor e é o que o Poder Judiciário tem reconhecido.

Mas, superadas as 4 horas, surgem os direitos que a seguir explicito.

Ê Embarque em outro vôo e sem custo

A companhia aérea tem a obrigação de embarcar o passageiro em outro vôo para o mesmo destino ou restituir o valor do bilhete imediatamente ao passageiro, caso este assim o deseje. Se no outro vôo da própria companhia aérea ou da outra só existir lugar em classe superior à adquirida pelo passageiro, este deve ser embarcado sem pagar nenhum acréscimo.

Ê Atraso na escala

Se o atraso ocorrer na escala do avião, valem os mesmos direitos ao passageiro, após as 4 horas de interrupção.


Ê Alimentação, hospedagem e indenização

As companhias aéreas são responsáveis por dar e garantir, às suas próprias expensas, alimentação e hospedagem aos passageiros, incluindo transporte para ida e volta de hotel.

Nesses casos, tais despesas minimizam, mas não excluem a responsabilidade civil, através de pagamento da indenização, que pode ser pleiteada pelo passageiro que foi prejudicado.

E não importa o motivo do atraso. Pode ser por falha mecânica, fechamento do aeroporto por causa de nevoeiro ou chuvas ou, ainda, problemas com conexão etc. A responsabilidade da companhia aérea, depois das 4 horas, é objetiva, sendo, pois, irrelevante o motivo.

  • Indenização tarifada

O passageiro vítima do atraso tem direito a uma indenização fixada em 150 OTNs nos vôos nacionais, cujo valor está acima dos cinco mil e quinhentos reais. O Poder Judiciário tem condenado as companhias aéreas a fazer esse pagamento em vários processos.

No caso dos vôos internacionais, há uma enorme discussão judicial a respeito de qual seria a indenização tarifada, em função do conflito existente entre Tratados Internacionais, a Código Brasileiro de Aeronáutica e o Código de Defesa do Consumidor. Há decisões fixando a indenização em 332 DES-Depósitos Especiais de Saque (em torno dos hum mil reais); outras fixando naquelas mesmas 150 OTNs; e também é possível encontrar decisão livre da desvinculação, fixando quantia em torno dos cinco mil reais. (Como a discussão jurídica é de alta complexidade, quem tiver esse tipo de problema deve consultar um advogado de confiança).

Além desse valor, o consumidor pode pleitear o gasto que eventualmente teve com hospedagem, alimentação, transportes com ônibus, táxi etc.

  • Produza e guarde as provas

Se você for vítima do atraso, é fundamental que produza e guarde as provas das ocorrências, para poder fazer o pleito extrajudicial ou judicialmente. Você deve, pois:

    1. guardar tickets de embarque ou qualquer outro documento entregue e que mostre o horário marcado para o embarque e a horário real em que o mesmo tenha ocorrido;
    2. guardar tickets da mudança de horários, mudança de vôo ou de companhia aérea;
    3. tirar fotos dos painéis do aeroporto que indiquem o atraso;
    4. imprimir e guardar material publicado na internet relativo ao assunto e de preferência se foi produzido pela própria companhia aérea ou pela Infraero;
    5. comprar e guardar jornais e revistas que apresentem o atraso;
    6. anotar o nome, endereço e telefone dos demais passageiros e de outras pessoas que estejam no aeroporto, que poderão testemunhar o atraso;
    7. anotar o nome, endereço e telefone do agente de viagem que estiver presente para que ele testemunhe;
    8. pedir no hotel declaração da hospedagem ou recibo, no caso da companhia aérea ter oferecido a hospedagem;
    9. guardar o recibo de pagamento do hotel, caso tenha se hospedado diretamente;
    10. guardar notas fiscais da alimentação feita;
    11. guardar recibos de pagamentos do táxi ou outro tipo de transporte utilizado.

  • Chegue cedo ao aeroporto

Tome bastante cuidado para não perder o horário de embarque, pois há muitos vôos que saem no horário. Leve em consideração as condições de trafego para chegada no aeroporto, assim como local para estacionar, caso não vá de táxi ou de carona. Faça o mesmo nos embarques em outros países.

Pergunte à agência de turismo ou companhia aérea quanto tempo antes do embarque você deve chegar no aeroporto. A regra geral é esta: Apresente-se ao balcão da companhia aérea 1 hora antes do horário do vôo nacional e 2 horas antes do horário do vôo internacional. Desde a crise de 2006/2007 eu aconselho que se chegue ao menos 1 hora e meia antes no embarque nacional e 3 horas no internacional.

Não se esqueça que, em épocas de temporada (feriados, férias etc.) o atendimento fica piorado, com longas filas nos guichês. Leve isso em consideração e chegue mais cedo ainda.

No caso dos vôos charter, leia no contrato a exigência da companhia aérea. De todo modo, chegue com 2 horas de antecedência.

  • Vá portando documentos originais

Tenha em mãos o documento de identidade original (RG ou outro equivalente com foto) para apresentar ao balcão da companhia aérea. Nas viagens internacionais, leve, naturalmente, o passaporte (em alguns países do Mercosul, por exemplo Argentina e Chile, só é preciso apresentar a identidade original. Cheque quais são esses países com a agência de turismo). Não se esqueça de verificar o prazo de validade no passaporte e, claro, de obter visto válido quando este for exigido pelo país a ser visitado.

26/12/2009

Promotores Testemunhas - STJ

PROMOTOR. TESTEMUNHA. ACUSAÇÃO.

O recorrente foi denunciado como incurso no art. 121, § 2º, I e IV, do CP, tendo-se ouvido as testemunhas da acusação em juízo. A defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal a quo, sustentando existir nulidade, entre outras, nas oitivas de Promotores de Justiça que atuam na Promotoria e que foram testemunhas de acusação. Note-se que não houve atuação do MP estadual na fase de inquérito, apenas dois promotores assistiram às declarações prestadas, para garantir a legalidade do interrogatório do réu e, depois, foram testemunhas na ação penal perante o júri, a respeito do que ouviram do depoimento do réu. Na oportunidade, a defesa contraditou os testemunhos. Isso posto, preliminarmente, afastou a Min. Relatora a nulidade quanto à falta de intimação da defesa para a sessão de julgamento de habeas corpus, prescindindo de inclusão em pauta, pois é o defensor quem deve manifestar sua pretensão de sustentar oralmente (Súm. n. 431-STF). Quanto a haver nulidade na oitiva em juízo dos promotores como testemunhas de acusação, ainda que eles não se tenham incumbido de oferecimento da denúncia, ato delegado a outro promotor, no dizer da Min. Relatora, entre outros argumentos, é nítida a confusão feita entre os papéis de parte processual e testemunha (sujeito de provas). Dessa forma, conclui, após invocação de precedente deste Superior Tribunal, ser evidente a nulidade absoluta dos depoimentos prestados em juízo pelos promotores de Justiça, ainda que se tenham limitado na fase extrajudicial a acompanhar o interrogatório do recorrente. Anulados os depoimentos, impõe-se a anulação da sentença de pronúncia para que outra seja proferida, tendo em vista que o magistrado a quo utilizou as declarações nulas para se convencer, determinando seu desentranhamento dos autos. Diante do exposto, a Turma, prosseguindo no julgamento, por maioria, deu provimento ao recurso de habeas corpus. Precedentes citados do STF: HC 73.425-PR, DJ 18/6/2001; do STJ: RHC 14.714-ES, DJe 3/8/2009; RHC 21.971-BA, DJ 22/10/2007, e REsp 5.502-SP, DJ 28/9/1992. RHC 20.079-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17/11/2009.

CPP, 366 e STJ


PRODUÇÃO ANTECIPADA. PROVAS. NECESSIDADE.

A jurisprudência deste Superior Tribunal é firme no sentido de que a produção antecipada das provas, conforme o art. 366 do CPP, exige concreta demonstração da urgência e da necessidade da medida. Não é motivo hábil para justificá-la, como na espécie, a decisão que afirma que as testemunhas, no futuro, possam vir a mudar de domicílio, dificultando a colheita de provas, e que elas poderão perder a memória dos fatos. Assim, a Turma deu provimento ao recurso, para anular a decisão que determinou a produção antecipada de provas, bem como os atos subsequentes, sem prejuízo de nova determinação fundamentada em dados concretos. RHC 21.173-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/11/2009.

Caio Cezar

Li e gostei do blog do parceiro Caio Cezar (clique aqui):

Segue abaixo:

TRI Dicas de monografias publicadas de mestres pela PUC/RS

Desde quando decidi o tema do meu TCC, cujo trabalho recentemente finalizado eu atribuí o título "COMPLEXO DO JUIZ SHERLOCK HOLMES: O Ativismo Judicial e as suas (drásticas) consequências", passei a pesquisar sobre os sistemas processuais penais e o papel que o juiz deve(ria) assumir num contexto de processo penal democrático e plenamente acusatório. Confesso, sem receio de estar cometendo injustiça, que não tive verdadeiramente um orientador; o que, certamente, não me impede de agradecer a boa vontade de alguns professores que, ao menos indiretamente, auxiliaram na caminhada.

Entretanto, a vontade de desenvolver uma pesquisa séria fez com que eu buscasse (sozinho) o material necessário para conhecer e aprofundar - não o bastante, reconheço - o estudo das questões que envolvem os sistemas processuais penais, que, conforme adverteGilberto Thums (em excelente dissertação de mestrado orientada pelo Salo) ao alertar para a crise de paradigmas que o Direito, como ciência social, está a sofrer, "são abordados pela dogmática 'enlatada' de forma singela, sem preocupação com os elementos que lhe conferem os reais contornos" (Sistemas Processuais Penais - Tempo, Tecnologia, Dromologia e Garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. xix).

Devo dizer que não foi nada fácil. Por aqui não há vida além deMirabete, Tourinho, Capez e Nucci. Seguem dizendo, com todo o entusiasmo, que temos um sistema acusatório - quando não insistem no curioso sistema misto - e que, ainda assim, o juiz deve a todo o momento buscar a verdade real. Portanto, remei contra a maré e, num exercício de premonição, até consigo imaginar as perguntas que serão feitas pela banca examinadora no mês de Dezembro...

Nesta caminhada, com o auxílio da ilustre Internet, pude libertar-me das imensas limitações do modelo (falido) de ensino universitário, cujo objetivo é ter mais aprovados que o concorrente no exame da OAB, e partir para uma pesquisa (minimamente) densa. O primeiro passo foi a leitura do vol. I do "Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional" (Lumen Juris) do Aury Lopes Jr., que, sem exagero, fez-me apaixonar pela temática que pretendi abordar. Em seguida, para abreviar este (desnecessário) "desabafo", de olho nos livros e artigos citados pelo Aury, passei a ler praticamente tudo o que escreveram Geraldo Prado, Alexandre Morais da Rosa, Fauzi Hassan Choukr, Salo de Carvalho, Amilton Bueno de Carvalho, entre muitos outros.

A inspiração primordial, no entanto, talvez decorra dos fabulosos artigos e livros organizados por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, cujo conteúdo me influenciou e continua me influenciando bastante.

Mas, agora voltando ao título deste post, nos últimos três ou quatro meses, tive a oportunidade de ler três dissertações de mestrado absurdamente inquietantes de mestres pela PUC do Rio Grande do Sul. Não se trata, obviamente, de nenhum elogio barato ou coisa do tipo, mas tão-só de reconhecimento da excelência do ensino desta instituição. E, por morar a milhas e milhas de distãncia de Porto Alegre, também não quero com este post dar uma de "puxa-saco" da instituição, pois, infelizmente, dificilmente lá poderei estar um dia.

Eis os LIVROS:


KHALED JR., Salah H.. Ambição de Verdade no Processo Penal – Desconstrução hermenêutica do mito da verdade real. Salvador: Juspodivm, 2009.

O autor, Salah H. Khaled Jr., de formação interdisciplinar, graduado em ciências jurídicas e sociais (PUC/RS) e em História (FAPA), é também especialista (FAPA) e mestre (UFRGS) em História, bem como mestre em Ciências Criminais e doutorando pela PUC/RS. Esta sua obra - Ambição de Verdade no Processo Penal - é fruto de sua dissertação de mestrado, que, com a orientação do Aury Lopes Jr., já entrou, pra mim, no rol das melhores monografias publicadas na seara do direito processual penal. Por também ter formação em História, Salah conseguiu trabalhar de forma bastante profunda o que aproxima (e também o que separa) o juiz do historiador, dizendo, numa das brilhantes passagens de seu livro, que:

"Trata-se aqui de inverter a natureza desta aproximação: de acordo com Ricoeur, os papéis respectivos de juiz e historiador – designados por sua intenção de verdade e justiça – os convidam a ocupar uma posição de terceiro em relação ao espaço público e esta posição implica em um desejo de imparcialidade. Aponta,portanto, para um modelo acusatório. Por outro lado, uma análise superficial indica uma diferença significativa entre os dois ofícios: ainda que exista proximidade devido ao objeto em questão, a sentença seria a fronteira que separaria mais nitidamente a distinção entre as duas profissões. Em última instância, os historiadores pesquisam um recorte específico, problematizado por eles mesmos. Os juízes não. Suas preocupações estão ligadas a uma dada situação sobre a qual devem sentenciar. Juízes ao julgar, decidem uma disputa. Historiadores, não o fazem. Ou seja, juízes exercem um poder” – p. 179

Salah, que, já no início de sua obra assume uma atitude filosófica pautada pelo espanto, pela admiração e pela desnaturalidade diante do que aparentemente possa parecer familiar, partindo de contribuições da tradição hermenêutica (Dilthey, Heidegger, Gadamer e Ricouer), bem como de representantes da 'escola' da complexidade e incerteza (Popper, Prigogine, Morin etc.), caracteriza a busca pelo conhecimento dos fatos passados que o processo penal produz manejando o coneito de "verossimilhança pautada pela interpretação". Para tanto, o autor empreende uma distinção entre a(s) verdade(s) "aletheia e veritas", afirmando que:

"Neste sentido – reconhecidamente pensando em extremos – ou o juiz está inserido em uma tradição de verdade dogmática (aletheia, tendência dogmatizante) ou em uma tradição de verdade problemática (veritas, tendência problematizante) seja ele consciente disso ou não. Trata-se de uma escola clara entre um veneno apto a legitimar o poder punitivo ou um antídoto contra o exercício excessivo desse poder” – p. 292.

A leitura é indispensável e, por se tratar de um livro com mais de 350 páginas, não vou, obviamente, resumi-lo aqui. Agradeço ao Amilton B. de Carvalho por ter me indicado a leitura do artigo do Salahpublicado no v. 30 da Revista de Estudos Criminais e intitulado "O juiz e o historiador na encruzilhada da verossimilhança: ambição de verdade no processo penal", pois não fosse isso, talvez eu sequer tivesse conhecimento da publicação deste livro.


GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Risco e Processo Penal – Uma análise a partir dos direitos fundamentais do acusado. Salvador: Juspodivm, 2009.

O autor, Ricardo Jacobsen Gloeckner, é especialista e mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS, além de, atualmente, estar cursando o doutorado na UFPR, já sob a orientação do Jacinto e desenvolvendo a tese intitulada "Rediscutindo a Teoria do Ato Jurisdicional Irregular: uma reestruturação da teoria das nulidades a partir da instrumentalidade constitucional do processo penal".

Este livro, "Risco e Processo Penal - Uma análise a partir dos direitos fundamentais do acusado", é fruto da dissertação de mestrado, que, sob a orientação do Aury, é, para mim, uma das melhores (senão a melhor!) monografia de processo penal já publicada. Logo no prefácio o Aury já adverte que "o trabalho de Ricardo Jacobsen Gloeckner está muito, mas muito além daquilo que se poderia esperar de um bom livro de direito processual penal. É um diamante raro", alertando o leitor, logo em seguida, que "não é um livro para o deleite de las masas, mas para quem sabe o que é bom".

O primeiro capítulo da obra (Sociedade, Tempo, Direito: Panoramas da Complexidade) contraria radicalmente o que geralmente se espera(va) de um autor que se propõe a investigar temas relacionados ao processo penal. Confesso que, por ainda estar na graduação e não contar ainda com uma bagagem interdisciplinar mais sedimentada, tive certa dificuldade de transitar pelo discurso dinâmico do autor, sendo que foi preciso, em alguns momentos, ler duas vezes a mesma página para entender o conteúdo ali disposto - é um livro que, seguramente, terei de ler outra(s) veze(s).

"E o Direito Penal e processual penal, seduzidos por um discurso de gestão desses riscos, se transforma para além de acelerado, responsável pelo exorcismo dessas novas incertezas, gerando um direito penal e processual penal do risco. O discurso penal do risco reedita, sem a genialidade de seu autor, o pensamento de Ralph Waldo Emerson, de que quando patinamos sobre gelo fino, nossa segurança reside em nossa velocidade. Essa alucinação narcísica do direito penal do risco, convertido em direito do inimigo é uma das facetas da aceleração” – p. 101.

Nos capítulos II (Da sociedade do risco ao tratamento jurídico-penal do risco: o sistema penal na sociedade contemporânea) e III (O Adeus a Godot: a soberania do tempo nadificado no processo penal da sociedade do risco) a compreensão, pra mim, foi maior; sendo que no segundo capítulo o autor adentra em questões importantíssimas como a que envolve a sociedade do risco e a concepção de um direito penal maximizado, transitando, portanto, pelo entendimento dos penalistas da Escola de Frankfurt, pelo 'Direito de Intervenção' de Hassemer, pelo 'Direito Penal de duas Velocidades' de Silva Sánchez, bem como pelo 'Direito Penal do Inimigo' de Jakobs, tecendo, sempre, as suas lúcidas críticas:

"O Direito Penal do inimigo que aporta sob a forma de antecipação da tutela penal ou processual penal é, em si mesmo, um risco. Ao direito penal e ao processo, sem dúvida. Mas se atentarmos para as palavras de Goldschmidt, o termômetro demonstra que atingimos um nível letal. Um nível sem volta ousaria referir. O termômetro quebrou e nos encontramos num processo antidemocrático. O totalitarismo da urgência e a guerra travada conta os sem-teto, sem-propriedade, vagabundos, pichadores, passadores de droga, bem como os delinqüentes econômicos (para fechar o círculo) estão firmados. Atingimos o ponto em que o anything goes jurídico-penal fulminou as garantias. Encontramo-nos a ponto de reconhecer a tudo e a todos como ameaça. Numa sociedade que mais se parece com aquela descrita por Wells em sua obra A Máquina do Tempo, de um lado os Eloys, ingênuos e que vivem à luz do dia. De outro os Morlocks, figuras desfiguradas, bizarras, que se escondem e à noite saem para a caça aos Eloys. Já não podemos identificar amigos ou inimigos. Todos somos uma ameaça. Não surgimos um ao outro como promessas. Temos apenas nossos interesses em vista, que devem ser preservados dos inimigos, seres não-pessoas que possuem um presumido abandono ao Direito. Enquanto procurarmos no direito penal a solução para todos os males, essa panacéia narcisista fruto de uma cegueira ontológica, perseguiremos a erradicação de todas as formas de insegurança, como se não passasse de um desiderato mais que ideológico, plenamente atingível. Fomos atingidos por um sono dogmático e por um sedante simbólico” – p. 198-199.

No capítulo III o autor cuida da instigante temática do tempo vs. processo (penal), já partindo, desde o início, de que o "Processo Penal é o lócus do suplício" (p. 210). Este capítulo talvez seja, se é possível assim identificar, a parte mais relevante do livro. O autor, na feliz tentativa de (re)pensar o processo penal na sociedade do risco a partir da teoria da situação jurídica de GOLDSCHMIDT, cuida da tensão "do processo como jogo ao risco endógeno". Se eu não estiver enganado,Ricardo J. Gloeckner, até então, foi quem mais adiante levou os argumentos de GOLDSCHMIDT no que toca ao processo penal, o que, pra mim, conduziu a um resultado extremamente satisfatório, pois restou bem claro que "a projeção de segurança no processo, fruto do desenvolvimento exacerbado do movimento positivista, utiliza-se de uma ficção para dar uma solução final lógica ao processo".

No capítulo IV (Requestionando o Processo Penal do Inimigo: Uma análise sobre o conceito de validade no processo penal da urgência), também de inquestionável relevância, o autor indaga: é possível impor limites à urgência processual? Resposta esta que fica evidente na argumentação do autor, que, a partir da análise de institutos já consagrados no ordenamento jurídico brasileiro, identifica o que deve(ria) ser entendido e buscado com o princípio da celeridade. Enfim, como já disse acima, impossível resumir, aqui, esta grandiosa obra - não só em páginas (quase 500...), mas sobretudo em conteúdo - do autor Ricardo Jacobsen Gloeckner.


ACHUTTI, Daniel. Modelos Contemporâneo de Justiça Criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

O autor, Daniel Achutti, é mestre e doutorando em Ciências Criminais (PUC/RS). Este livro, "Modelos Contemporâneos Justiça Criminal", é fruto de sua dissertação de metrado, defendida no ano de 2006 e desenvolvida sob a orientação do Salo de Carvalho. Adquiri a obra durante o Seminário Internacional do IBCCrim deste ano (São Paulo/SP) e lá tive o prazer de encontrar e conhecer o Daniel, que, gentilmente, autografou o livro.

Se eu pudesse sintetizar numa única frase o livro do Daniel, tal síntese certamente deveria vir através de um agradecimento: "Obrigado por me fazer pensar ALÉM do processo penal". Com a leitura do "Modelos..." pude perceber que por mais que o meu/nosso objetivo seja a redução de danos e da violência do sistema penal, e que nessa empreitada a adoção de um sistema acusatório pleno possa ser primordial, continuamos a legitimar a imposição de dor. Por mais democrático, acusatório, garantidor de direitos fundamentais, o processo continuará sendo PENAL e penoso.

O autor, durante o "pequeno grande" livro, analisa criticamente as Justiças terapêutica, instantânea e restaurativa; confessando, claramente, em vários momentos, que somente a última pode romper com a epistemologia que legitima o atual processo penal. Diz o autor, a respeito da Justiça Restaurativa, que ela "apresenta-se portando um novo ideal, uma nosa possibilidade de se enfrentar os conflitos criminais, abandonando-se o velho paradigma de culpa-castigo para um paradigma de diá-logo-consenso. A sua adequação ao ordenamento jurídico brasileiro ainda não é clara, e as suas premissas são pouco difundidas tanto nas academias quanto nos tribunais país afora. Porém, um maior aprofundamento de sua sistemática e uma ampla divulgação nas universidades e nos tribunais poderá torná-lo no novo paradigma processual de (re)solução de conflitos criminais" (p. 116).

"Para além do Processo Penal", é está a mensagem do autor.

__________________

Ficam, portanto, estas três dicas. Os autores, sem dúvida alguma, são grandes promessas para a aniquilação do status quo que a "doutrina majoritária" e a "jurisprudência pacífica" estão acostumadas a (se) consumir. Parabenizo a PUC/RS pela excelência no ensino e por, indiretamente, trazer até 'nós' estas "anti-idéias" sobre o sistema penal.

25/12/2009

Feliz Natal

Que todos os seus desejos não se realizem, pois é preciso um resto para 2010, 2011 e assim por diante, embora uma boa parte, quem sabe, realize-se.

Alexandre Morais da Rosa

Direito e Transnacionalidade - Livro com artigo meu

Caros Amigos

Capa do livro: Direito e Transnacionalidade, Coordenadores: Paulo Cruz e Joana StelzerDireito e Transnacionalidade
Coordenadores: Paulo Cruz e Joana Stelzer, 206 pgs.
Publicado em: 17/12/2009
Editora: Juruá Editora
ISBN: 978853622690-3
de: R$ 49,70 - por: R$ 44,73*

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SINOPSE

Neste Volume

Capítulo 1
O FENÔMENO DA TRANSNACIONALIZAÇÃO DA DIMENSÃO JURÍDICA

Capítulo 2
A TRANSNACIONALIDADE E A EMERGÊNCIA DO ESTADO E DO DIREITO TRANSNACIONAIS

Capítulo 3
DIREITO TRANSACIONAL, SOBERANIA E O DISCURSO DA LAW AND ECONOMICS - Alexandre Morais da Rosa

Capítulo 4
A CONSOLIDAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO COMUNITÁRIO NO CONTEXTO DA TRANSNACIONALIDADE

Capítulo 5
JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA E TRANSNACIONALIDADE: UMA ANÁLISE DO TRANSJUDICIALISMO

Capítulo 6
LIMITES E POSSIBILIDADES DE UMA CIDADANIA TRANSNACIONAL: UMA APREENSÃO HISTÓRICO-CONCEITUAL

Capítulo 7
DIREITO FUNDAMENTAIS E TRANSNACIONALIDADE: ESTUDO PRELIMINAR

CURRÍCULO DO AUTOR

Paulo Márcio Cruz é Pós-Doutor em Direito do Estado pela Universidade de Alicante, na Espanha, Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina e Mestre em Instituições Jurídico-Políticas também pela Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC .Coordenador e Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI em seus programas de Doutorado e Mestrado e Ciência Jurídica. Foi Secretário de Estado em Santa Catarina e Vice Reitor da UNIVALI. É Professor visitante nas universidades de Alicante, na Espanha e de Perugia, na Itália.

Joana Stelzer é Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC).Professora do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale de Itajaí – Curso de Doutorado e Mestrado (CPC/Univali), atuando na linha de pesquisa ''Direito Internacional, Comunitário e Transnacionalidade''.Editora responsável pela Revista Novos Estudos Jurídicos (NEJ).Coordenadora da Especializações em Direito Aduaneiro e Comércio Exterior. Pela Juruá é autora das obras ''União Européia e Supranacionalidade'' e ''Mercado Europeu''.


22/12/2009

Geraldo PRado - Investigar com a Lei


Desembargador ensina como se investiga com a lei

POR MARINA ITO

Um caso que, à primeira vista, parecia simples deu ensejo a uma espécie de manual de instrução para procedimentos policiais com o respeito aos direitos fundamentais dos investigados. Ao absolver duas inglesas acusadas de estelionato, a maioria dos desembargadores da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acabou por traçar os limites da atuação do Estado.

O desembargador Geraldo Prado, relator da apelação que absolveu Shanti Simone Andrews e Rebecca Claire Turner, deixou claro em seu voto que o modo como se deu a apuração das suspeitas não respeitou as garantias fundamentais das duas. Prado disse que, ao desconfiar da atitude das turistas, cabia à autoridade “diligenciar no sentido de obter o necessário mandado de busca e apreensão”.

Citando o voto do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, o desembargador afirmou que o conceito de casa, protegida pela Constituição, vai além do lugar onde a pessoa mora, incluindo “qualquer compartimento habitado, qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e qualquer compartimento privado não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade”.

Formadas em Direito, Shanti e Rebecca foram à Delegacia de Atendimento ao Turista para registrar uma queixa. Elas preencherem um comunicado de furto que seria utilizado para a confecção do registro de ocorrência. Relataram que alguns objetos haviam sido furtados durante a viagem que fizeram entre Foz do Iguaçu e Rio.

A ânsia de dar uma lição nas turistas estrangeiras fez com que as autoridades se esquecessem da Constituição. Desconfiados das duas, os policiais telefonaram para o albergue onde elas estavam hospedadas e pediram que um funcionário conferisse objetos no quarto das turistas. Ele pôde observar pela fresta de uma gaveta dentro do quarto das hóspedes alguns objetos incluídos no comunicado como furtados. Com o consentimento das turistas e, acompanhados do funcionário do albergue, os policiais localizaram os objetos. As duas foram acusadas pelo Ministério Público de tentar aplicar o chamado “golpe do seguro”.

Geraldo Prado afirmou que o fato de ser funcionário do albergue não faz com que ele tenha autorização para entrar no quarto das hóspedes. O desembargador citou Ada Pellegrini Grinover, que diz ser “irrelevante indagar se o ilícito foi cometido por agente público ou por particulares, porque, em ambos os casos, a prova terá sido obtida com infringência aos princípios constitucionais que garantem os direitos da personalidade”.

O desembargador afirmou, ainda, que o funcionário entrou no quarto das inglesas com o objetivo de “proceder a diligência cuja atribuição constitucional é da polícia. Agiu, portanto, se é que assim é permitido, como uma espécie de longa manus da autoridade policial.”

“Essa espécie de hospedagem, como se sabe, não possui sequer serviço de camareira, o que, de plano, afasta eventual alegação de que as rés consentiam com a limitação de sua intimidade por autorização contratual”, disse o desembargador. Além disso, afirmou, os contratos de serviços de hospedagem não permitem que um funcionário entre no aposento ocupado pelo contratante para fins diversos dos estabelecidos em suas obrigações contratuais.

“Diferente seria se uma camareira, por exemplo, quando entrasse no quarto do hóspede com o exclusivo objetivo de exercer suas atividades profissionais, encontrasse, sobre a cama – exposta portanto – uma determinada quantidade de droga, o que lhe permitiria comunicar o fato à polícia.”

O desembargador afastou, ainda, eventual invocação do flagrante delito para legitimar a atitude. Isso porque, explicou, não havia “notícia prévia do estado de flagrância”, já que o que ensejou a ida do funcionário ao quarto das hóspedes foi a suspeita de um dos policiais.

“O ingresso não pode decorrer de um estado de ânimo do agente estatal no exercício do poder de polícia. Ao revés, é necessário que fique demonstrada a fundada – e não simplesmente íntima – suspeita de que um crime esteja sendo praticado no interior da casa em que se pretende ingressar e que o ingresso tenha justamente o propósito de evitar que esse crime se consume”, disse.

Direito de saber
O desembargador também afirma em seu voto que os policiais, mesmo sendo informados pelo funcionário do albergue sobre os objetos que estavam na gaveta trancada das hóspedes, continuaram com o procedimento de fazer o registro de ocorrência de furto.

“Embora tenham passado de vítimas a indiciadas, as rés não foram cientificadas de seu direito ao silêncio (artigo 5.º, inciso LXIII, da Constituição da República) e ainda foram ludibriadas, pois prestaram declarações autoincriminatórias acreditando que eram encaradas, pelo policial, como lesadas”, entendeu o desembargador.

Para Prado, o consentimento das duas ao permitirem que os policiais fossem até o quarto delas no albergue não é válido. “A renúncia aos seus direitos constitucionais – sem dúvida possível em princípio – deu-se fora do exercício de suas liberdades individuais, o que igualmente torna a apreensão dos bens ilícita. E a liberdade, que pressupõe o conhecimento de todas as circunstâncias fáticas envolvidas e das possíveis consequências da opção que vier a ser feita, é essencial para a validade da renúncia ao direito de não produzir prova contra si”, disse.

O desembargador afirmou que é dever das autoridades policiais, no momento em que investiga os acusados, alertá-los de que eles têm direito ao silêncio. “A prova oral é expressa em afirmar que as acusadas não só não foram cientificadas de seus direitos constitucionais, como acreditaram que estavam colaborando não para a sua incriminação, mas para a solução do crime de que diziam ser vítimas”, disse.

Embora as inglesas tenham confessado em juízo que incluíram na lista de objetos furtados alguns que não haviam sido, tais provas colhidas durante a instrução do processo caíram por terra. Isso porque, segundo a Câmara, tudo o que foi apurado se deu com base no procedimento policial que levou autoridades a entrar no quarto das duas sem mandado judicial.

O voto do relator foi acompanhado pelo desembargador Sérgio Verani. Vencido, o desembargador Cairo Ítalo França David reformava a decisão de primeira instância para excluir a condenação pelos crimes de falsidade ideológica e comunicação falsa de crime, reduzir as penas a quatro meses de reclusão e três dias-multa, substituindo a pena privativa de liberdade por prestação pecuniária.

Em primeira instância, o juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio condenou as turistas a um ano e quatro meses de reclusão e um mês de detenção, substituídos por duas penas restritivas de direito, com prestação de serviços à comunidade.

O juiz entendeu, ainda, não ser cabível a prestação pecuniária. "Certamente daria à ré a sensação de estar comprando sua liberdade, ainda mais por ter uma situação econômica privilegiada (o que, vale repisar, é evidenciado por estar viajando pelo mundo há nove meses)", afirmou.

Shanti e Rebecca, representadas pelos advogados Renato Tonini e Sergio Pita, chegaram a ficar presas. A defesa recorreu ao TJ e o desembargador Sérgio Verani concedeu o HC sob o entendimento de que o fato de ser estrangeiro, por si só, não justifica manutenção da prisão. "Na hipótese de eventual condenação, a imposição da pena privativa de liberdade seria uma possibilidade remotíssima", disse à época.

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