Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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28/08/2012

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SEMINÁRIO II – RACIONALIDADE E EXISTÊNCIA ERNILDO STEIN


Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI
Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura – ProPPEC
Centro de Educação de Ciências Jurídicas, Políticas e Sociais - CEJURPS
Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – CPCJ
Programa de Mestrado em Ciência Jurídica - PMCJ
Disciplina: Fundamentos da Percepção Jurídica
Professor: Dr. Alexandre Morais da Rosa
Mestrandos: Mauricio Salvadori Carvalho de Oliveira
                   
                   SEMINÁRIO II – RACIONALIDADE E EXISTÊNCIA

A seguir, serão expostas as categorias que dirigiram a leitura e os respectivos conceitos operacionais para, e após, a partir destas categorias lançarmos mão da ficha/destaque:

CATEGORIAS:

Apodítico: A proposição apodítica, escreveu Kant, pensa o juízo assertivo determinado através das leis do próprio intelecto e portanto afirmado a priori; e exprime assim uma necessidade lógica. (Crítica a Razão Pura, §9,4).

Apofântico: Aristóteles chamou de apofântico o enunciado que pode ser considerado verdadeiro ou falso e considerou que esse tipo de enunciado é o único objeto da lógica.

Circulo Hermenêutico: O ente homem não compreende a si mesmo sem compreender o ser, e não compreende o ser sem se compreender a si mesmo; isso numa espécie de esfera antepredicativa que seria o objeto da exploração fenomenológica – daí vem a ideia de círculo hermenêutico, no sentido mais profundo. (Stein. Racionalidade e existência, p.90). A lei básica de toda a compreensão e conhecimento é a de encontrar, no particular, o espírito do todo e entender o particular através do todo. Nesta lei básica, a hermenêutica posterior irá encontrar antes um problema universal, questionado, de que modo o todo pode ser obtido a partir do particular e se o pressentimento de um todo não irá antes prejudicar a concepção do particular. (Gordim, Introdução a Hermenêutica Filosófica, 1999, p.120).

Compreensão: A Escola Histórica introduz o termo “compreensão” para pensar os fatos históricos, para pensar os objetos das diversas Ciências Humanas, dando-lhe um novo fundamento metódico ou tratando-os de um ponto de vista lógico, epistemológico e metodológico, o que daria racionalidade às ciências. (Stein. Racionalidade e existência, p.77).

Dasein: existe o ser humano no mundo, o Dasein, que é limitado, finito, existente. Ele é a base da consciência. Antes desta consciência vem o Dasein, que compreende a si, enquanto ele é, como tarefa. Ele tem que ser, e isto é inelutável. Este “ter-que-ser” é apreender-se no seu modo de ser sem poder fugir disso. (Stein. Racionalidade e existência, p.83).

Fenomenologia: O conceito fenomenológico de fenômeno propõe, como o que se mostra, o ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados. Pois, o mostrar-se não é um mostrar-se qualquer e, muito menos, uma manifestação. O ser dos entes nunca pode ser uma coisa “atrás” da qual esteja outra coisa “que não se manifesta”. (Heidegger. Ser e tempo, 2005, p.66).

Gnoseologia: parte da Ontognoseologia que trata da validade do conhecimento em função do sujeito cognoscente. (REALE, Filosofiad do Direito, p. 44).

Ideologia: A ideologia é a própria realidade. (Stein. Racionalidade e existência,p.65).

Método hermenêutico: A Filosofia, quando ela se põe diante das Ciências Humanas de maneira mais complexa, depara-se com a questão do método de interpretação chamado hermenêutica. (Stein. Racionalidade e existência,p.63).

Ôntico: Significa o ente ainda não descoberto pelo espírito. Implica um atitude tal em relação ao ente que o deixe ser em si mesmo, no que é e como é. (Esse entendimento foi extraído da distinção que Heidegger faz entre ôntico e ontológico).

Ontologia: estudo do ser enquanto ser, vindo a substituir o termo metafísica, então empregado com esse significado. (Stein. Racionalidade e existência,p.63). No século 20 o termo passa então a indicar não uma teoria do ser simplesmente com o sentido que se criou desde o Renascimento e a modernidade: ele designa o estudo de um certo recorte da realidade de um ponto de vista filosófico. A ontologia está profundamente ligada a uma ideia de realismo. (Stein. Racionalidade e existência, p.89).

Processo pré-compreensivo: É a ideia que garante esta posição filosófica, de um todo em que não se problematiza o mundo como exterior, nem como é que ele chega a mim, mas em que já estou posto enquanto ser humano, ligado ao mundo. Este meu encontro com o mundo se costura mediante um aspecto de pré-compreensão.[...]. (...) numa dimensão prática, sempre estou ligado a um conjunto de coisas que constitui o mundo, o que me fornece uma primeira base para o conhecimento. [...].(Stein. Racionalidade e existência, p.108).



FICHAMENTO:

Capítulo 4 – Racionalidade para além da ideia de fundamento: Crítica de alguns conceitos - (pp. 73 – 85).

“Em Hegel, trata-se de encontrar um fundamento para o conhecimento e um fundamento último para a reflexão filosófica (como igualmente pretendia toda a tradição filosófica sobre os gregos), mas um fundamento último que não é mais localizado no mundo exterior, objetivo, e sim um fundamento construído a partir do próprio sujeito, da subjetividade. [...].
Esta ideia do fundamento é o ideal da tradição metafísica. [...].
A questão aqui levantada (já discutida em outras oportunidades) é a do reconhecimento da existência de dois tipos de racionalidade: uma que diz respeito às ciências do espírito (humanas) e outra referente às ciências empírico-matemáticas. [...].
Tais critérios estão implicados na racionalidade I, a racionalidade a priori, transcendental, o elemento formal da Filosofia.
[...].
Hegel apenas levou esta questão da transcendentalidade, do a priori Kantiano, ao seu apogeu, digamos assim, a sua consumação no saber absoluto. Kant colocou a questão da racionalidade e do fundamento no sujeito, mas fez depender esse sujeito de um aporte empírico mediante o processo da intuição. Esse aporte é que vai garantir a construção do objeto. O Objeto, portanto, não é a realidade, ele é o conjunto: intuição e entendimento, produzindo aquilo que pode ser conhecido. As condições de possibilidade do conhecimento são as condições de possibilidade do próprio objeto do conhecimento.
[...].
A partir de Hegel podemos afirmar que o sujeito é, ao mesmo tempo, totalmente sujeito e totalmente objeto.
[...].
(...) o titulo da obra de Heidegger, Ser e Tempo, nada mais é do que a apresentação implícita do tema central da Crítica da Razão Pura: tempo é intuição e sensibilidade, ser é entendimento e inteligibilidade.
[...].
Heidegger, ao contrário desta separação (Kant separa ser e tempo), vai afirmar que Ser é Tempo e Tempo é Ser”.

Capítulo 5 – A Virada Existencial: Racionalidade e os limites da razão – (pp. 89 – 101).

“Que ontologia fundamental é essa que superaria as falhas da metafísica? Devemos, de certo modo, estar em paz conosco em relação ao termo ontologia. [...]. Foi criado por Klauberg e, no fundo, é empregado como estudo do ser enquanto ser, vindo a substituir o termo metafísica, então empregado com esse significado. [...].
Husserl, por exemplo, fala em “ontologias regionais”. Ontologias regionais seriam as teorias dos diversos entes: o ente estético, o jurídico, o histórico, o literário, etc. É uma grande discussão que se desenvolve com a tradição clássica, mas o sentido de ontologia passa a ser estudado de diversas regiões do ser, que são diversos entes que constituíram as diversas filosofias: Filosofia da arte, da religião, do Direito etc. [...]. A ontologia está profundamente ligada a uma ideia de realismo. [...].
Poderíamos ressaltar que Heidegger, quando aborda a ontologia fundamental, produz uma distinção radical na questão do uso da palavra ontologia: ele dirá que as ontologias regionais, as diversas regiões do ser, ou até o estilo do ser enquanto tal, de uma certa maneira (como era a ontologia no sentido clássico) devem ser precedidos de uma ontologia fundamental que, estranhamente, se chama fundamental e quer criticar o fundamento, e estranhamente, se chama ontologia e quer ser fenomenologia. Enquanto critica o fundamento ela quer ser hermenêutica, e enquanto critica a palavra ontologia ela quer ser fenomenologia. No fundo, ontologia fundamental não é nada mais do que fenomenologia hermenêutica. [...]. Daí que ontologia nunca mais será apenas uma teoria do ser, mas será uma descrição fenomenológica da existência. [...].
O homem se compreende quando compreende o ser, para compreender o ser. Logo em seguida, porém, Heidegger vai dizer: “Não se compreende o homem sem se compreender o ser”. Então a ontologia fundamental é caracterizada por este círculo: estuda-se aquele ente que tem por tarefa compreender o ser e, contudo, para estudar este ente que compreende o ser, já é preciso ter compreendido o ser. O ente homem não compreende a si mesmo sem compreender o ser, e não compreende o ser sem se compreender a si mesmo; isso numa espécie de esfera antepredicativa que seria o objeto da exploração fenomenológica – daí vem a ideia de círculo hermenêutico, no sentido mais profundo. [...].
Daí, ontologia passa a ser também uma teoria dos mundos possíveis. Mundo possível é aquele povoado de um conjunto de entes que não se excluem. É, essencialmente, uma questão de semântica: povoar um mundo com um conjunto de conceitos que não sejam excludentes, que sejam coerentes entre si e que não se contradigam. [...].
Se filosofar é atravessar a existência humana, o primeiro passa deve ser uma ontologia fundamental (fenomenologia hermenêutica, analítica existencial). [...].
É da análise existencial que vai se desdobrar um tipo de reflexão filosófica, profundamente ligada a ideia de compreensão, que, de um lado, se ocupa com a questão da realidade, a questão da verdade, e de outro com a questão do dualismo, da relação mente-corpo, tentando superar, e mais que isso, pondo a questão antes da divisão mente-corpo, e não representando mais o ser humano como um objeto a ser compreendido, mas alguém que não se esgota no plano cientifico, por mais ciências que se desdobrem sobre o ser humano. [...].
Heidegger então pensa pode sugerir que estes três conceitos (mundo, finitude e solidão) – o conceito de mundo como totalidade, como já vimos, daí vem a ideia de mundo da vida (não é esse mundo assim com cinamomos, timbaúvas e paineiras, mundo é totalidade), a ideia de solidão (o ser humano não tem alguém que lhe assopre de fora algo sobre o que ele é), resultado da finitude. [...].
Heidegger diria: a Filosofia da Lógica quer resolver o problema do conhecimento, das ciências, da realidade, da teoria da verdade e da racionalidade, como se fosse uma questão a ser resolvida a partir de objetos, como objetos. [...].
Então, para o que foi abordado até agora, seria necessário repensar a ideia de “racionalidade”, isto é, a racionalidade tem a ver com a historicidade. A racionalidade não é algo unicamente necessário e universal; é na racionalidade que se unem necessidades e historicidade. [...].
É isso que faz desse ser humano – que seria um bicho igual a outro, um filósofo -, um ser propriamente humano, porque ele tem um universo de intuição ao mesmo tempo sensível e categorial. Intuição e categoria são dois elementos que se dão uma unidade na questão existencial”.

Capítulo 6 – Na Epistemologia esconde-se algo mais que a questão do conhecimento – (pp. 105 – 118).

“[...] a questão da razão não é uma questão tão simples para ser resolvida por meio de uma racionalidade absoluta. Existe todo um processo intermediário que, em parte, nós dizíamos que era lógico, metodológico e epistemológico e, na última exposição, vimos que é mais que epistemológico. É uma questão ontológica, que se impõe, de algum maneira. De modo inalutável Hegel critica muito os “gnoseólogos”, os teóricos do conhecimento, aqueles que faziam estudos de como a nossa mente se punha em contato com a realidade do mundo exterior. [...].
O que irá resolver o problema da Filosofia é a teoria de uma história da experiência da consciência,...
A teoria do conhecimento estuda os processos internos e como se constitui o conhecimento na mente; e a teoria da ciência estuda a validade dos processos objetivos que produzem o universo cognitivo pela ciência. [...].
Unificar sensibilidade e inteligibilidade significa, na teoria do conhecimento e na teoria da ciência, nada mais do que tentar achar o caminho da síntese, produzindo argumentos contra o cético que duvida que possamos provar a validade ou até a existência do conhecimento. [...], no dualismo, estão pressupostas algumas questões que tornam difícil superá-lo; o conceito de fundamento, o conceito de objeto, o conceito de sujeito, o conceito de tempo e o conceito de substância. [...].
Pode-se desenvolver teorias, mas não se pode apoditicamente que uma destas teorias esteja correta.
Hegel partiu de uma totalidade deste tipo (algo mais do que a epistemologia para resolver o problema do conhecimento), mas que havia sido uma totalidade exagerada; isto é, que ele já colocava uma razão absoluta, na qual inteligência e sensibilidade já estão dadas numa só unidade, numa razão absoluta que garante unidade, porque a razão está dos dois lados, tanto no sujeito quanto do objeto e, então, se produz uma totalidade dialética.
É a ideia que garante esta posição filosófica, de um todo em que não se problematiza o mundo como exterior, nem como é que ele chega a mim, mas em que já estou posto enquanto ser humano, ligado ao mundo. Este meu encontro com o mundo se costura mediante um aspecto de pré-compreensão.[...]. (...) numa dimensão prática, sempre estou ligado a um conjunto de coisas que constitui o mundo, o que me fornece uma primeira base para o conhecimento. [...].
Em Heidegger: “Quer dizer, não adianta problematizar a questão do conhecimento a partir da sensibilidade e da inteligibilidade, tentando achar uma ponte nas diversas teorias do conhecimento; a teoria do conhecimento já é um processo posterior. Antes disso nós temos de fazer uma analítica do cotidiano do ser humano já sempre em contato com mundo, mas o mundo como universo da pré-compreensão e da compreensão, o universo que se constitui na relação entre o Dasein e os objetos do seu mundo, o mundo da cultura”.[...].
Objeção fundamental: se o ser humano, como Dasein, se encontra no mundo em que já sempre se deu o encontro com aquilo que ele conhece, portanto, já sempre compreende, por meio de um processo de pré-compreensão, o seu modo de ser-no-mundo, a objeção que vamos ouvir de todos os epistemólogos, teóricos do conhecimento, empiristas, etc, é: como se preenche a inteligibilidade do ser humano no mundo, por meio dos dados que são trazidos do mundo exterior, se não mediante uma teoria da consicência, uma teoria da representação ou de uma teoria da intencionalidade? Como é que se realiza isso?[...].
A síntese já é dada antes daquilo que a teoria do conhecimento analisa. Uma síntese entre homem e mundo, enquanto homem é ser-no-mundo junto com as coisas, junto com entes disponíveis, com os entes da cultura, com os artefatos, com os instrumentos com que lida, já está dada.[...].
Toda a tendência fundamental da epistemologia reproduz esta ideia: existe um conceito a priori, existem formas a priori do entendimento que produzem inteligibilidade. É sobre isso que se baseou e baseia ainda a discussão contemporânea: como garantir regras de racionalidade, ou regras racionais que garantam a racionalidade científica. [...].
A proposta do homem como ser-no-mundo resolvia o problema do conhecimento numa unidade entre teoria e prática. Ser e tempo, portanto, abria um espaço além da teoria do conhecimento, além da epistemologia, além da separação entre teoria e prática. O problema da teoria se dá junto com a prática do homem no mundo, isto é, do homem no qual se dá o encontro entre ser-no-mundo e mundo numa unidade. [...].
Assim, Heidegger menciona uma intuição sensível e de uma intuição categorial desenvolvendo-se num único processo. Ser e Tempo: Tempo sensibilidade e Ser inteligibilidade se dão numa unidade. [...].
Esta é a questão que é anterior à teoria do conhecimento, que é anterior à epistemologia. É a questão que Heidegger vai trazer a partir da analítica existencial, da interpretação do tempo, da fenomenologia do cotidiano, da existência humana enquanto ser-no-mundo. [...].
Na analítica existencial Heidegger investiga a estrutura da existência e percebe que aí já existe uma pré-compreensão que constitui um mundo anterior, originário, no qual toda a experiência cai. Esse mundo originário é o ser-no-mundo, o mundo da vida.[...].
Desse modo, a analítica existencial é a descrição do ser humano no mundo prático. É uma teoria do mundo prático. Não é uma refutação da teoria da consciência. Só afirma que o ser humano é anterior, tem uma situação anterior a esse universo da representação. [...].
E Heidegger propõe a superação da metafísica mediante o que ele chama de destruição das ontologias da metafísica, usando como fio condutor o conceito de tempo: mostrando que tanto em Kant e em Descartes quanto em Aristóteles o conceito de tempo que se utiliza é ainda o conceito de tempo linear, a ideia de tempo como antes e depois. Porque nenhum deles conseguiu pensar o conceito de tempo como temporalidade ligada ao ser humano. [...].
Assim sendo, uma crítica à metafísica levaria a uma superação naqueles conceitos fundamentais (fundamento, objeto, sujeito, substância) que o homem produz, todos eles dependendo de uma representação de tempo como presente, esquecendo o passado e o futuro.[...]. Por isso Heidegger dirá que todo o empirismo lógico e toda a epistemologia ainda são metafísica no sentido da ontologia da subjetividade ou da ontologia ingênua”.

Capítulo 7 – Paradigma e Racionalidade: das Teorias da Consciência ao Mundo Prático – (pp. 121-134).

“Para Husserl, transcendental significa o espaço da consciência no qual, de alguma maneira, é possível examinar as condições de possibilidade da relação S-O que se estabelece no conhecimento. [...].
Heidegger, recusando esse modelo husserliano de fenomenologia, diz, por exemplo, que o ser é o transcendente como tal, ou, ainda, nós sempre estamos na transcendentalidade...
Querer reduzir o transcendental a um universo em que se possa fazer a sua montagem, empiricamente, significa sempre chegar tarde. [...].
Se fosse possível reduzir a análise do transcendental a um universo empírico, então seria possível entender que na Filosofia se justapõem e sucedem formas de transcendental que podem ser pensadas a partir da ideia do falibilismo, assim como o aplicamos às teorias científicas. [...].
Dessa forma, a questão do paradigma em Filosofia seria resumível a uma simples justaposição de modelos teóricos descartáveis.[...] A ideia de paradigma: garantir uma certa estabilidade da Filosofia, em que se sucedem posições que convivem e que pretendem, cada uma por sua vez, apresentar uma forma de manifestação do a priori ou do transcendental da racionalidade condicionante. [...].
No a priori, portanto, esconde-se uma afirmação de racionalidade que é critério de uma outra racionalidade, mas que não se confunde com a racionalidade cognitiva, que não sofre do falibilismo da racionalidade cognitiva. (acentua a dupla racionalidade – a priori e cognitiva).[...].
O trabalho filosófico já implica um conjunto de questões que não posso evitar, de tal maneira estão atadas à razão e à própria metafísica, porque “qualquer um, algo pensará de sua alma” (Kant). Alma – lugar onde somos obrigados a nos decidir sobre como dar forma às questões, ou seja, nos enfrentarmos com paradigmas filosóficos que falam de quem somos; e para enfrentar tais questões precisamos dos paradigmas que abrigam elementos metafísicos (é a questão da circularidade). [...].
Quando falamos em mudança de paradigma em uma época determinada ou num autor específico, referimo-nos ao surgimento de uma nova proposta de racionalidade fundadora, a priori, transcendental. [...].
Esta, que se verifica no progressivo deslocamento de interesse das teorias da consciência e da representação para as teorias do mundo da vida, trata-se de um fenômeno complexo que se especifica a partir de um mais insistente problema do mundo da vida ou ao paradigma do mundo prático para fundamentar a racionalidade a priori que tiraria seus critérios do conceito do mundo da vida. [...].
A mudança de paradigma na Filosofia redescobre a utilidade de conceito Kuhniano de paradigma enquanto matriz disciplinar que, por ser produtiva, atrai para si adeptos e é capaz de produzir respostas e soluções que ampliam a utilização da questão do  a priori, da fundamentação da racionalidade cognitiva pela racionalidade transcendental”.


OBSERVAÇÕES:
AS CATEGORIAS METAFÍSICAS DE ARISTÓTELES:
1. Substância é o que existe em si mesmo, p.ex., homem.
2. Quantidade é a determinação da matéria da substância, dando-lhe/ atribuindo-lhe partes distintas de outras partes, p.ex., alto.
3. Qualidade é a determinção da natureza ou da forma da substância, p.ex., inteligente.
4. Relação é a referência que uma substância ou um acidente estabelece com uma outra, p.ex., amigo.
5. Ação é o exercício das faculdades ou de poder sobre a substância, de modo a produzir um efeito em alguma outra coisa ou nela mesma, p.ex., sorrir e quebrar.
6. Paixão é a recepção sofrida, por uma substância, de um efeito produzido por algum agente, p.ex., ser demitido, ser ferido.
7. Quando é posição em relação ao curso de eventos extrínsecos, e que mede a duração de uma substância, p.ex., tarde de ontem.
8. Onde é posição em relação aos corpos que circundam uma substância, que mede e determina o seu lugar, p.ex., próximo à estação.
9. Postura é posição relativa que as partes de uma substância têm quanto às outras, p.ex., sentado.
10. Vestuário consiste em roupas, ornamentos ou armas com as quais os seres humanos, por suas habilidades, complementam as suas naturezas de modo a conservar e preservar a si mesmos ou a sua comunidade (o outro ente).

KANT: Encontra-se em Crítica da razão Pura, sob o título a Analítica Transcendental, pp.110-111.
As categorias, em Kant, são 12. São representações que reúnem o múltiplo das intuições sensíveis:
1.Quantidade: Unidade, Pluralidade e Totalidade.
2.Qualidade: Realidade, Negação e Limitação.
3.Relação: Substância, Causalidade e Comunidade.
4.Modalidade: Possibilidade, Existência e Necessidade.

Gustavo Badaró: drops democráticos


LUIZ FUX, O ÁLIBI E O IN DUBIO PRO REO.
Enquanto ouvia a leitura do voto do Ministro Luiz Fux, na Apn. 470-DF, surgiu a questão sobre acima. Foi algo dito “de passagem”. Mas mesmo tratando-se de “obter dictum”, advindo de um Ministro do Supremo Tribunal Federal e, mais, de um Eminente Processualista, certamente merece
m consideração atenta e, quando cabível, uma crítica teórica.
Não se trata de crítica judicial, ou de análise do caso concreto. Abstenho-me, portanto, de data venia.
O debate precisa ser colocado em seu lugar devido, quando se trata de processo penal, em que a transposição de conceitos processuais civis podem vulnerar garantias específicas do acusado, que não se impõem no campo privado.
Álibi, etimologicamente, significa em outra parte, em outro lugar. É uma defesa muito freqüente no processo penal. O acusado nega a autoria do delito, alegando que, no momento do cometimento do crime, estava em outro local, sendo impossível sua participação no ato delituoso. Na prática, contudo, o conceito vem sendo ampliado, passando a significar qualquer hipótese de impossibilidade material de ter o acusado praticado o delito. Assim, é possível que, o acusado não consiga provar em que lugar estava no momento em que o crime foi cometido, mas tenha demonstrado que, por exemplo, duas horas antes, estava em um determinado lugar que torna impossível a sua presença no local do crime, quando este era praticado. É o que Elena M. Catalano (La prova d’alibi, Milano, 1998, p. 16-17), denomina “quase álibi”.
Se o álibi estiver plenamente demonstrado, o juiz deve absolver o acusado, por não ter cometido o delito. Toda a controvérsia surge, no momento em que o acusado não consegue provar plenamente o álibi. Neste caso, se a prova produzida for dúbia, no sentido de que o acusado poderia estar em outro local no momento da prática do delito, como deverá decidir o juiz? Em outras palavras, aplica-se ou não ao álibi o in dubio pro reo?
Essa foi a questão posta hoje, pelo Ministro Luiz Fux. Diverge-se da conclusão de que se o acusado alega um álibi, o ônus da prova seria da defesa.
Tal posicionamento, defendido por muitos na doutrina e na jurisprudência, ao que parece, tem por premissa – em nosso entendimento, equivocada – de que o álibi seria uma exceção material, o posta pelo acusado ou seu defensor.
Todavia, o álibi não é uma exceção, como, aliás, já negava há séculos Mittermaier (Tratado da prova em matéria criminal, capítulo XX).
Para a correta compreensão da natureza do álibi é necessário distinguir, de um lado, a exceção, e de outro, a negação motivada, com esclarecer Gian Antonio Michele (L’onere della prova. Padova: 1966 p. 403).
Em sua resposta, acusado poderá negar genericamente o fato que lhe é imputado (“não pratiquei o crime”); pode também, alegar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico pretendido pelo autor (por exemplo, “pratiquei o crime, há mais de vinte anos, e o delito está prescrito”), por fim, poderá alegar que os fatos se passaram de forma diversa ou incompatível com a alegada pelo autor (“não pratiquei o crime, porque estava em outro local no momento em que ele ocorreu”).
Destas três formas de defesa, é fácil perceber que o álibi se enquadra na última. Quem invoca um álibi, na verdade, está negando o fato constitutivo do direito de punir. Trata-se de negativa motivada ou per positionem. De qualquer forma, não se trata de alegação de fato diverso (modificativo, extintivo ou impeditivo) do fato constitutivo do direito do autor, que impeça sua eficácia jurídica. Para que o álibi fosse considerado exceção, seria necessário que, em tal forma de defesa, o acusado admitisse como verdadeiro o fato constitutivo do direito do autor – que inclui a imputação da autoria –, mas alegasse um fato modificativo, impeditivo ou extintivo de tal direito. Não é isto que ocorre.
Mesmo as teses mais limitadas sobre o conteúdo do fato constitutivo do direito de punir, entendem que cabe ao Ministério Público provar a prática de um fato típico e sua autoria. Inegavelmente, o acusador tem de provar a autoria do fato imputado, para que possa ser proferida uma sentença condenatória, posto que a dúvida acarretará a absolvição. Há, contudo, diversas formas de se negar a autoria delitiva. Pode ser feito através de uma simples negação genérica, quando o acusado se limita a asseverar que não foi ele que praticou o delito. Mas, pode ser, também, uma negativa indireta ou motivada, quando o acusado nega a imputação da autoria contida na denúncia ou queixa, não de forma direta, mas pela afirmação de fato com ela incompatível. O álibi é uma negação formal do fato. Com o álibi, explica Malatesta (A Lógica das provas em matéria criminal, v. II, Parte V, I Seç, cap., VI, tit. II, § 1): “não se faz senão afirmar uma condição positiva: a condição de tempo e espaço do acusado, em relação à hora e local do crime, condição positiva provável diretamente e incompatível, pelas leis do tempo e do espaço, com a criminalidade determinada”. Neste caso, o acusado afirma que não foi ele o autor do delito porque estava em outra cidade no momento da prática do crime. Em consequência, como destaca Mittermaier (Tratado ..., cap. XX) o álibi não é “uma verdadeira exceção, pois não é isso outra coisa mais do que uma simples negação emanada do acusado, e ao mesmo tempo uma demonstração de que foi visto em lugar determinado e diverso no momento em que fora o crime cometido”.
Sob o ponto de vista da alegação, realmente o álibi constitui um exemplo de tema de prova defensivo que se inclui na esfera de conhecimento do próprio acusado e que, dificilmente pode emergir no processo se não for por ele alegado. Provavelmente, somente quem está sendo acusado de um crime que não cometeu, sabe o lugar – diverso – que estava no momento em que o delito foi praticado. Não se pode ver, porém, em tal situação, um verdadeiro ônus de alegar o álibi, pois, ainda que não alegado pelo acusado, se o álibi chegar ao conhecimento do juiz, poderá ser considerado para fins de absolvição. Muito menos, tal situação autoriza a conclusão de que o ônus da prova do álibi pesa sobre o acusado.
Basta atentar para a verdadeira natureza do álibi, que não é exceção material, mas sim uma negativa indireta do fato constitutivo do direito do autor, para se perceber o equívoco da afirmação de que o ônus da prova do álibi pesa sobre o acusador.
Ensina Chiovenda (Principii di diritto processuale civile. Napoli: Jovene, 1965, p. 787) que “mesmo em caso de negação indireta, isto é, de afirmação de um fato incompatível com o alegado pelo autor (negatio per positionem), não tem o réu, para o momento, de provar o fato que ele alega; portanto, se bem afirme um fato autônomo, o faz para negar o fato constitutivo de direito do autor, e não apenas para opor-se a seus efeitos jurídicos”.
Aplicando tais premissas num processo penal em que vigora o in dubio pro reo, a dúvida sobre a autoria, em qualquer hipótese, deve levar à absolvição. Se assim não fosse, seria melhor que o acusado nunca alegasse um álibi, mas se limitasse a negar genericamente a autoria, pois, negada a autoria, a dúvida levaria à absolvição; mas se fosse afirmado um álibi, a dúvida sobre sua ocorrência, que também é uma dúvida sobre a autoria delitiva, implicaria a condenação do acusado. A iniqüidade da situação demonstra que, também quanto ao álibi, no caso da dúvida, deve ser aplicado o in dubio pro reo.
Num sistema fundado na presunção de inocência, com o ônus da prova pensando sobre a acusação, o álibi não se liga à verificação do tema defensivo da estraneidade do acusado em relação ao fato material, mas sim a infirmar o tema da acusação. Não sendo, pois, a negativa de autoria uma exceção, consistente na asserção de um fato novo, diverso do fato constitutivo do direito do autor, não se aplica a ela a regra reus in exceptione actor est. A dúvida sobre o álibi se traduz automaticamente em uma dúvida sobre a participação do acusado na autoria delitiva, cujo ônus de probatório incumbe ao Ministério Público.
Assim, também com relação ao álibi tem plena aplicação a regra in dubio pro reo. O Ministério Público ou o querelante tem o ônus de eliminar qualquer dúvida relativa ao álibi, fornecendo prova da presença de que o acusado estava no local do cometimento do delito, tendo concorrido para sua prática. Exigir que o acusado forneça prova plena do álibi, sob pena de ser condenado, é violar a presunção de inocência.
Concluo, transcrevendo a posição do Professor de todos nós, o Eminente Afrânio Silva Jardim (Direito Processual Penal. Rio de Janeiro, 2002, p. 213): “A dúvida sobre se ele estava ou não naquele lugar distante nada mais é do que a dúvida sobre se ele estava no lugar afirmado na denúncia ou queixa. É intuitivo. Dessa maneira, ao sustentar tal álibi, o réu não assume o ônus de provar fato positivo que negue a acusação, permanecendo o autor como ônus de provar aquilo que originalmente afirmou.”

20/08/2012

Aplicação da Pena -


Considerando o disposto no art. 59 do Código Penal, cabe dizer que somente as circunstâncias e consequências podem ser consideradas. No vasto campo de redefinições semânticas propiciado pelo Código Penal, encontra-se solo fértil para a garantia dos postulados do Estado Democrático de Direito, barrando-se, por assim dizer, as possibilidades de julgamento do acusado, mas sim de sua conduta, deixando-se de conjecturar sobre a subjetividade dele, por absoluta inconstitucionalidade, utilizando-se a matriz "garantista" de Luigi Ferrajoli. Assim é que as "circunstâncias judiciais" previstas no artigo 59 do Código Penal, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos e as circunstâncias e consequências do crime, precisam ser analisadas mais detidamente, uma vez que a "pletora de significantes" é utilizada de maneira anti-garantista, desprezando-se o processo de secularização da sociedade contemporânea. De sorte que o julgamento, bom se lembrar, é da conduta e não da pessoa do acusado que, todavia, na fase de aplicação da pena é esquecido em nome da "Defesa Social", pois como afirma Salo de Carvalho , em obra pioneira, "no momento da sentença penal condenatória, o sistema revela toda sua perversidade ao admitir o emprego de elementos essencialmente morais, desprovidos de significado com averiguação probatória". Neste pensar, Lédio Rosa de Andrade  possui razão ao argumentar que tudo já se encontra em frases feitas repassadas nos "cursinhos para concurso", depois utilizadas na prática forense, sem qualquer reflexão crítica, tornando as decisões absolutamente nulas num "Estado Democrático de Direito", tais como: "Destacam-se: 'Personalidade mal formada, agressiva e com contornos de distorção moral', ou 'É mal formada, justamente em decorrência do baixo nível social em que sempre viveu'. Ou seja, o pobre tem personalidade mal formada; e o rico, não. (...) Frases montadas, repetitivas e vazias, que não dizem absolutamente nada, decidem quantos anos um cidadão passará na cadeia". Desta forma, a aplicação do artigo 59 do Código Penal se transforma num palco de impressões pessoais, lugares-comuns, incontroláveis, imaginárias. Clássico julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferido na Apelação Criminal n. 70004496725, relator Desembargador Amilton Bueno de Carvalho: "A valoração negativa da personalidade é inadmissível em Sistema Penal Democrático fundado no Princípio da Secularização: 'o cidadão não pode sofrer sancionamento por sua personalidade – cada um a tem como entende'. (...) Mais, a alegação de 'voltada para a prática delitiva' é retórica, juízes não têm habilitação técnica para proferir juízos de natureza antropológica, psicológica ou psiquiátrica, não dispondo o processo judicial de elementos hábeis (condições mínimas) para o julgador proferir 'diagnósticos' desta natureza. (...) Outrossim, o gravame por valoração dos antecedentes é resquício do injusto modelo penal de periculosidade e representa bis in idem inadmíssivel em processo penal garantista e democrático: condena-se novamente o cidadão-réu em virtude de fato pretérito, do qual já prestou contas". De outra face, a conduta social, também na linha da "mentalidade criminológica"  vasculha qualquer situação da vida pessoal para ali encontrar, retoricamente, um motivo para majoração da pena. Qualquer pessoa possui na sua "história pregressa" situações traumáticas, geradoras de situações psicológicas (neuroses, psicoses, etc.) e qualquer acontecimento é pescado para justificar a majoração da pena. Por fim, os motivos e as circunstâncias e consequências do crime bem com o comportamento da vítima. Tais "circunstâncias judiciais" também devem ser vistas com reservas. Numa sociedade desigual como a brasileira, as dificuldades sociais devem ser levadas em consideração principalmente nos delitos patrimoniais, excluídos do rol de Direitos Fundamentais, para o fim de diminuir a pena base, que pode baixar do mínimo por ausência de previsão legal em sentido contrário, com o cuidado para não se caracterizarem como bis in idem. O comportamento da vítima, por sua vez, serve, a rigor, também para redução. Com efeito, as circunstâncias judiciais da conduta social e personalidade, previstas no artigo 59 do Código Penal só podem ser consideradas para beneficiar o acusado e não para lhe agravar mais a pena. A punição deve levar em conta somente as circunstâncias e consequências da conduta. Tal posição decorre da garantia constitucional da liberdade prevista no art. 5º da Constituição da República. Se assegurado ao sujeito apresentar qualquer comportamento (liberdade individual), só responderá por ele, se sua conduta (lato sensu) for ilícita. Ou seja, ainda que sua personalidade ou conduta social não se enquadre no pensamento médio da sociedade em que vive (mas seus atos são legais) elas não pode ser utilizadas para aumentar a pena, prejudicando-o (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão em Apelação Criminal n. 70000907659. Relator Desembargador Sylvio Baptista). No tocante às circunstâncias e consequências, desde que descritas na denúncia/queixa e tendo sido objeto da instrução processual em contraditório, são as únicas possibilidades de majoração da pena base além do mínimo legal, sempre em face da violação do bem jurídico tutelado, da lesividade da conduta, da dimensão da ação, ou seja, os princípios garantistas, no limite do caso apresentado. 

Ainda que não seja o caso, não se pode invocar eventual "periculosidade". Isto porque, o ápice disto encontra-se na reincidência (Código Penal, arts. 63 e 64) que serve para, de mãos dadas com a análise da personalidade do agente, fixar a pena necessária para sua recuperação, com franca influência da "Escola Positiva" (Lombroso e Garofalo), e fundamentada na periculosidade, violando escancaradamente o princípio do nos bis in idem e da intangibilidade da coisa julgada (Constituição da República, art. 5º, inciso XXVI). Salo de Carvalho  argumenta: "Entendemos que, muito embora o discurso oficial tente ocultar tal justificativa, a teoria que melhor explicita nosso modelo justificador da reincidência é o da teoria criminológica derivada do positivismo, visto a adoção do critério 'periculosidade'". Na mesma direção Zaffaroni e Pierangeli  afirmaram que se estabelece: "o corolário lógico de que a agravação pela reincidência não é compatível com os princípios de um direito penal de garantias, e a sua constitucionalidade é sumamente discutível. (...) Na realidade, a reincidência decorre de um interesse estatal de classificar as pessoas em 'disciplinadas' e 'indisciplinadas', e é óbvio não ser esta função do direito penal garantidor". Assim é que a reincidência congrega uma função simbólica de manter a "ordem e a disciplina", sob pena de um aumento por aquilo que se fez e se quitou, punindo-se, desta forma, novamente a situação anterior, desconsiderando-se que a pena anterior foi cumprida e há coisa julgada. Logo, incompatível com o Estado Democrático de Direito! Segundo André Copetti : "A agravação da pena do delito posterior é dificilmente explicitável em termos racionais, e a estigmatização que sofre a pessoa prejudica a sua reincorporação social. Em termos de direitos humanos, a igualdade perante a lei, o fim da readaptação da pena privativa de liberdade, a racionalidade das penas e a presunção de inocência, entre outros, resultam afetados. O registro da condenação uma vez cumprida e sua relevância potencial futura colocam o condenado que cumpriu sua condenação em inferioridade de condições frente ao resto da população, tanto jurídica como faticamente". E, como a periculosidade foi defenestrada dos Estados Democráticos, impossível seu manejo a partir da incidência de uma "oxigenação constitucional"  do Código Penal, razão pela qual é possível concordar perfeitamente com Lenio Luiz Streck  ao afirmar que "esse duplo gravame da reincidência é antigarantista, sendo, à evidência, incompatível com o Estado Democrático de Direito". 

Neuróticos do Mundo; Charles Melman explica:

Aos Neuróticos Obsessivos do mundo. Calma! É assim mesmo. Livro "A neurose obsessiva" de Charles Melman: "O obsessivo, e vou dizer assim porque é realidade, é alguém que vai muito bem e que tem, com frequência, grande senso moral. Primeiramente, ele é, com frequência, uma pessoa religiosa, que respeita a religião; se não for religioso, vai respeitar bastante a racionalidade. Ele gosta da racionalidade. Ele quer assegurar o domínio de si mesmo; ele é partidário da discrição; ele é cheio de pudores; tem escrúpulos morais, não quer nunca ferir o outro; com frequência ele é culto. Nunca coloca antes de tudo o desejo que lhe é próprio, ou seja, sacrifica sempre seu desejo pelo bem estar dos outros. E, quero dizer que o obsessivo tem uma alma de funcionário público, mas também na família; ele é o funcionário do pai. Ele faz tudo o que é preciso, ele trabalha, se sacrifica para o bem-estar de sua família e sacrifica seu próprio prazer dos seus. Portanto ele é sempre, um pouco, um funcionário em função dos seus. Portanto ele é sempre, um pouco, um funcionário, no sentido de alguém que não procura seu próprio interesse mas está a serviço público, mesmo na sua família; na sua família, o público é a sua família. Ele é contra privatização. Então, talvez vocês reconheçam na minha descrição que o obsessivo é o melhor entre nós. Em todo caso, é o que quer ser o melhor. E, então, como podemos ousar fazer uma imagem patológica daquele que quer ser o melhor entre nós? Não seria bom. E o que é que nos permite dizer que é uma figura patológica? Primeiro, porque em certo número de casos, eles sofrem terrivelmente. E, quanto mais tentam ser melhores, mais eles sofrem. Quanto mais tentam ser morais, tanto mais são parasitados por pensamentos obscenos e escondem sempre sua doença. A histérica mostra doenças que não existem; o obsessivo tem um sofrimento verdadeiro que ele tenta sempre esconder, dissimular. Por quê? Podemos dar logo uma primeira resposta. Porque isto seria mostrar que há uma falha nesta espécie de felicidade perfeita que ele quer mostrar."

18/08/2012

Revista da FDV. Artigos Interessantes.

http://www.fdv.br/sisbib/index.php/direitosegarantias/issue/view/18/showToc

Grupo Bildeberg - Vídeo

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Novo Código Penal: Entrevista Patrick Mariano

Sexta, 27 de julho de 2012

Reforma do Código Penal: ''Qual a sociedade que queremos?'' Entrevista especial com Patrick Mariano Gomes

“Não há como não pensar em uma verdadeira reforma do Código Penal se não se enfrentar as duas questões: proporcionalidade e dignidade da pessoa humana”, declara o coordenador geral da elaboração normativa da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

Confira a entrevista.


“O encarceramento em massa, como vemos hoje, é a solução para os males da nossa sociedade atual?”, questiona o advogado Patrick Mariano Gomes, ao comentar as propostas de reforma do Código Penal que tramitam no Congresso Nacional. Entre os temas mais polêmicos da reforma estão os que dizem respeito ao aborto, às drogas, aos regimes prisionais e à tipificação do terrorismo.

Na avaliação de Mariano, as duas propostas de reforma do Código Penal compartilham de um aspecto negativo ao sugerirem o aumento de penas em várias das alterações. “Nossa sociedade não pode aceitar que seres humanos sejam amontoados em depósitos, sem as mínimas condições de dignidade. Está mais que claro, lembrando Evandro Lins e Silva, que a prisão não regenera ninguém; ela avilta, despersonaliza, degrada, vicia, perverte, corrompe e brutaliza”, argumenta em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.

Outro ponto polêmico da proposta de reforma refere-se à tipificação de crimes de terrorismo. Na interpretação de Mariano Gomes, “é um absurdo querer tipificar o terrorismo no Brasil e, se isso for adiante, na falta de terroristas como no seriado do Jack Bauer, não tenha dúvidas de que integrantes de movimentos que reivindicam políticas públicas como terra, educação, moradia e trabalho tenham suas ações tipificadas como terrorismo, até porque não são raros os casos de aplicação da Lei de Segurança Nacional contra esses movimentos, em pleno Estado de Direito Democrático”.

Patrick Mariano Gomes é advogado, mestrando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB. Atualmente exerce o cargo de coordenador geral de elaboração normativa da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor participou da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de reforma do Código Penal – CP? Quais foram os principais apontamento em relação à reforma?

Patrick Mariano –
Pude acompanhar os debates na subcomissão de crimes e penas instalada na Câmara dos Deputados assim como os debates da Comissão de Juristas, instalada no Senado Federal. É importante registrar de início que, historicamente, as reformas do Código sempre foram realizadas no âmbito do poder Executivo. O Legislativo é o lugar da composição por excelência, e muitas vezes acaba adotando-se um critério de escolha dos membros de Comissão pela representatividade, ou seja, precisamos colocar alguém do Ministério Público, da advocacia, de um partido etc. O problema, a meu ver, é que para uma reforma de Código, o critério primordial de escolha dos membros deveria ser o do compromisso com um direito penal mais sensível aos dramas de quem sente na pele o encarceramento e o notório saber jurídico. Dessa forma, com esse perfil torna-se irrelevante a área de atuação profissional. Interesses corporativos e a influência dos meios de comunicação de massa não devem pautar o debate de algo tão sério quanto a elaboração de uma nova codificação penal.

Essas duas iniciativas do Legislativo, de alteração ou reforma do Código Penal – CP, funcionaram concomitantemente no Senado e na Câmara. Esse seria um primeiro e importante apontamento, no sentido do desafio que será juntar os dois trabalhos a fim de evitar a tramitação concomitante das duas propostas de alteração do CP, o que seria muito prejudicial para o sistema de justiça e dificultaria a colaboração da academia, dos atores jurídicos e da sociedade civil em geral. Outro apontamento inicial que faria, positivamente, é que tanto uma como a outra Comissão diminuem as penas dos crimes patrimoniais sem violência e tentam propor saídas para a questão das drogas. Um terceiro e último apontamento geral que faria é uma pergunta que deve ser feita por todos, sociedade civil, academia, profissionais do direito: O encarceramento em massa, como vemos hoje, é a solução para os males da nossa sociedade atual? A resposta é fundamental para análise dos dois documentos legislativos.

IHU On-Line – Entre os temas que estão sendo revistos no atual Código Penal, quais geram mais tensionamento nas discussões? Em que aspectos do Código há maior divergência?

Patrick Mariano –
Sem dúvida alguma a questão do aborto, das drogas, dos regimes prisionais e da tipificação do terrorismo. Penso que nas duas comissões as divergências foram colocadas na mesa e se chegou a um resultado final. No entanto, o maior tensionamento com certeza se dará no andamento das propostas, dado que no Legislativo as propostas só caminham por consenso. Os quatro temas têm potencial para despertarem muitas discussões, o que é bom.

IHU On-Line – Senadores de quais partidos políticos estão analisando o projeto de lei de reforma do Código Penal? Na Câmara dos Deputados, como as bancadas congressistas têm se posicionado diante da reforma?

Patrick Mariano –
Foram indicados os senadores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Armando Monteiro (PTB-PE), Benedito de Lira (PP-AL), Clovis Fecury (DEM-MA), Eunício Oliveira (PMDB-CE), Jorge Viana (PT-AC), Magno Malta (PR-ES), Pedro Taques (PDT-MT) e Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Depois do recesso parlamentar, serão definidos presidente e relator. Já na Câmara, ainda se aguarda a apresentação do relatório final. Somente depois disso é que será analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ. Portanto, ainda é muito cedo para saber como as bancadas se posicionarão. Lembrando que, atualmente no Congresso, temos o novo Código de Processo Penal parado na Câmara, além de discussões sobre o novo Código de Processo Civil e Comercial. Ou seja, o que o Congresso tem como tarefa de codificação nos próximos anos se assemelha aos 12 trabalhos de Hércules.

IHU On-Line – Quais são os principais descompassos do Código Penal vigente com as transformações sociais e culturais que ocorreram nos últimos 70 anos?

Patrick Mariano –
Penso que não existe um descompasso, pois a legislação extravagante acabou abrangendo grandes temas como a Lei dos crimes ambientais, Estatuto do Idoso, Código de Defesa do Consumidor – CDC, Lei da Lavagem de dinheiro e por aí vai. Um problema sério desse fenômeno é que o cidadão não sabe o que é proibido hoje, tamanha quantidade de leis esparsas, sendo necessário e urgente uma codificação dessas leis para facilitar a compreensão e assimilação dos destinatários, que somos todos nós.

Sob a ótica penal, as transformações de nossa sociedade exigem a despenalização de uma série de condutas. A punição da vadiagem, herança de 1800, ainda está em nosso ordenamento, o que é inadmissível, e acentua a criminalização da pobreza.

IHU On-Line – Uma das propostas da reforma do Código Penal é aumentar a tipificação de crimes. Por que discorda? E no caso da tipificação dos crimes, que princípios devem ser considerados ao determinar as penas?

Patrick Mariano –
Considero desnecessária. Sem dúvida, os princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade devem ser observados. Neste ponto, imprescindível a leitura do relatório da CPI do Sistema Carcerário. O que os parlamentares que correram o Brasil viram foi a pena como sofrimento! Nossa sociedade não pode aceitar que seres humanos sejam amontoados em depósitos sem as mínimas condições de dignidade. Está mais que claro, lembrando Evandro Lins e Silva, que a prisão não regenera ninguém; ela avilta, despersonaliza, degrada, vicia, perverte, corrompe e brutaliza.
O projeto do Senado optou infelizmente por tipificações muito abertas de crimes, que possibilitam o componente ideológico de interpretação. Além disso, ambos os projetos trabalham com a inclusão de causas de aumento de pena em várias das alterações, sem grandes justificativas para tanto, o que não é bom. Volto à primeira pergunta: o aumento de pena e o encarceramento são a solução para nossos problemas atuais? Infelizmente não se faz análise aprofundada do impacto social que o aumento de pena causa ao sistema, resultando no desconhecimento de muitas mazelas do nosso cárcere. Para se ter uma ideia da desproporcionalidade, basta ver que o crime de extorsão mediante sequestro tem pena maior do que o de genocídio. Não há como não pensar em uma verdadeira reforma do Código Penal se não se enfrentar as duas questões: proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. Na proposta dos crimes patrimoniais e das drogas chegou-se perto de se juntar as duas coisas.

IHU On-Line – Como a discussão acerca da criminalização da pobreza e a relação entre pobreza e criminalidade aparecem nas propostas de reforma do Código Penal?

Patrick Mariano –
Esse é o aspecto mais dramático da realidade carcerária hoje. Os dados do Ministério da Justiça indicam que temos uma população carcerária formada, em sua maioria, por pobres com baixíssima escolaridade. Pior, muitos deles nem lá deveriam estar se fossem respeitados seus direitos. Ou seja, a pena de prisão, numa sociedade de classes, tem foco preciso e determinado: os do andar de baixo. Um erro frequente que vemos é querer compensar a balança punitiva com bodes expiatórios: cai um banqueiro na prisão, logo se exige que de lá ele nunca saia, mesmo que seja preciso passar por cima de seus direitos constitucionais. Não, isso não resolve nada, só agrava o problema! Pois, no dia em que os direitos constitucionalmente assegurados não valerem para os de cima, os pobres estarão nas valas dos cemitérios.

Só se faz justiça social garantindo que os pobres tenham seus direitos respeitados da mesma forma que aqueles que possuem melhores condições financeiras. Para isso é preciso ampliar as defensorias públicas e rediscutir a questão da punição e classe social. Nos dois projetos há, felizmente, uma tentativa de alteração dos crimes patrimoniais sem violência diminuindo penas, e isso é positivo. Por outro lado, aumentam-se penas dos crimes cometidos pelo andar de cima, e isso não é bom; é cair no canto da sereia relatado há pouco.

IHU On-Line – Nas discussões acerca da reforma do Código Penal, percebe uma tentativa de criminalizar ou até mesmo enquadrar como ato de terrorismo condutas movidas por propósitos sociais e reivindicatórios, como luta pela terra, greve, ocupação de prédios públicos? Nesse sentido, os movimentos sociais seriam criminalizados? Qual é a legitimidade dessas mudanças?

Patrick Mariano –
No projeto da Câmara felizmente isso não existe. No do Senado, por pressão de setores jurídicos preocupados com organismos internacionais como o Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, acabou entrando, embora com uma saída de blindagem para os movimentos sociais. Entendemos que mesmo com essa blindagem – que não garante coisa alguma, pois o Código Florestal nos deu uma medida da força da bancada ruralista no Congresso – é um absurdo querer tipificar o terrorismo no Brasil e, se isso for adiante, na falta de terroristas como no seriado do Jack Bauer, não tenha dúvidas de que integrantes de movimentos que reivindicam políticas públicas como terra, educação, moradia e trabalho tenham suas ações tipificadas como terrorismo, até porque não são raros os casos de aplicação da Lei de Segurança Nacional contra esses movimentos, em pleno Estado de Direito Democrático.

IHU On-Line – A proposta de reforma do Código Penal sugere alguma alteração entre o trabalho das delegacias, Ministério Público e Judiciário? Questões como celeridade processual, questões de provas, crimes que prescrevem ou não, crimes inafiançáveis ou não, serão contempladas de que maneira na proposta de reforma?

Patrick Mariano –
Sobre esse aspecto, seria importante que o novo Código de Processo Penal – CPP, trabalho bem feito por uma Comissão de Juristas, voltasse a tramitar. A proposta busca adequar o CPP à Constituição da República de 1988, atacando nossa matriz inquisitória, infelizmente ainda presente na lei e na mentalidade dos atores jurídicos.

IHU On-Line – Que mudanças são urgentes no atual Código Penal, para que ele fique em sintonia com a Constituição de 1988?

Patrick Mariano –
Mudanças urgentes seriam aquelas que corrigiriam distorções do sistema como penas desproporcionais, fruto da legislação de pânico. Para ficar em sintonia com a Constituição de 1988, auge da democracia brasileira, seria imprescindível um debate profundo sobre o que queremos com o instituto da prisão; precisaríamos nos perguntar por que razão nossas cadeias estão abarrotadas de pobres, ou por que ainda se encarcera quem quer matar a fome. Deveríamos nos questionar a respeito da influência dos meios de comunicação de massa na disseminação do medo e quem ganha com tudo isso. Qual a sociedade que queremos? Uma sociedade justa, fraterna e solidária ou uma sociedade que segrega, exclui, faz sofrer e prejulga o outro?

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Patrick Mariano –
Espero que na tramitação outros aspectos sejam levados em conta, e não somente o pragmatismo. É preciso trazer para o debate o conhecimento acadêmico, da doutrina, das correntes de pensamento do direito penal e da criminologia e os impactos no sistema carcerário. Somente assim será possível revelar as nódoas de um punitivismo seletivo e desumanizante, tornando a discussão sobre um novo Código digna de uma sociedade que se pretende justa, fraterna e solidária.

Para ler mais:


http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/511782-reforma-do-codigo-penal-qual-a-sociedade-que-queremos-entrevista-especial-com-patrick-mariano-gomes

Criminologia e Cinema

http://www.criminologiacritica.com.br/e-book/criminologia.pdf

STJ Informativo

COMPETÊNCIA. AGÊNCIA DE CORREIOS COMUNITÁRIA.  

Nos crimes praticados contra agências da ECT a fixação da competência depende da natureza econômica do serviço prestado. Quando é explorado diretamente pela empresa pública, a competência é da Justiça Federal. Se a exploração for feita por particular, mediante franquia, a Justiça estadual será a competente. No caso, trata-se de uma Agência de Correios Comunitária operada mediante convênio, em que há interesse recíproco dos agentes na atividade desempenhada, inclusive da empresa pública. Assim, a Seção entendeu que prevalece o interesse público ou social no funcionamento do serviço postal por parte da empresa pública federal e por isso há maior similitude com as agências próprias. Dessa forma, a competência será da Justiça Federal. CC 122.596-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 8/8/2012.

RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. INTERRUPÇÃO DE PRAZO.   

A Seção, por maioria, constatou a intempestividade dos embargos de divergência em que se reconheceu como relativa a presunção de violência no crime de estupro praticado contra menores de quatorze anos, sob o fundamento de que teria havido consentimento das vítimas. No caso, houve a interposição de agravo regimental contra o acórdão que assentou ser absoluta a presunção de violência, e por ser manifestamente incabível (em razão de ser erro grosseiro e inescusável sua interposição contra decisão colegiada), não houve suspensão nem interrupção do prazo para outros recursos. Após o não conhecimento do agravo regimental, foram opostos embargos declaratórios, os quais foram rejeitados, o que culminou na interposição dos embargos de divergência. Dessa forma, a Seção entendeu que os declaratórios não poderiam integrar o referido acórdão porque se destinavam a esclarecer a decisão do regimental e se fossem para atacar o acórdão seriam intempestivos. Também não poderia ser aplicado o princípio da fungibilidade recursal com o intuito do agravo ser recebido como declaratórios, porque seriam intempestivos. Portanto, o julgamento do agravo regimental e dos embargos de declaração não reabriu a possibilidade dos embargos de divergência disporem sobre o mérito do acórdão em questão, visto que o prazo para sua interposição não foi suspenso nem interrompido. Assim, no caso, restabeleceu-se a decisão da Quinta Turma que entendeu ser absoluta a presunção de violência em estupro contra menor de quatorze anos. Precedentes citados do STF: AI 744.297-SP, DJe 5/2/2010; RE 588.378-RJ, DJe 30/4/2010; do STJ: EDcl no AgRg no RMS 36.247-PR, DJe 10/4/2012, e AgRg no Ag 1.001.896-SP, DJe 16/6/2008. EDcl nos EREsp 1.021.634-SP, Rel. originária Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Gilson Dipp, julgados em 8/8/2012.



   PENHORABILIDADE DA POUPANÇA. DEVEDOR TITULAR DE VÁRIAS CADERNETAS.  

A impenhorabilidade prevista no art. 649, X, do CPC refere-se ao montante de 40 salários mínimos, considerando a totalidade do valor depositado em caderneta de poupança, independentemente do número de cadernetas titularizadas pelo devedor. No caso, o executado tinha seis cadernetas de poupança. O tribunal a quo determinou a penhora de uma das cadernetas de poupança ao fundamento de que o devedor mantinha várias aplicações de mesma natureza, sem considerar o valor total dos depósitos. A Min. Relatora asseverou ser indiferente o número de cadernetas de poupança titularizadas pelo devedor, pois o critério fixado por lei, apesar de ambíguo, diz respeito ao total do montante depositado. Registrou, ainda, que o limite de 40 salários mínimos foi adotado como o valor mínimo necessário para manutenção digna do executado. Assim, para a realização da penhora de poupança, deve-se apurar o valor de todas as aplicações em caderneta de poupança titularizadas pelo devedor e realizar a constrição apenas sobre o valor que exceder o limite legal de 40 salários mínimos. REsp 1.231.123-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/8/2012.

CADASTRO DE INADIMPLENTES. BAIXA DA INSCRIÇÃO. RESPONSABILIDADE. PRAZO.  

O credor é responsável pelo pedido de baixa da inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, contados da efetiva quitação do débito, sob pena de incorrer em negligência e consequente responsabilização por danos morais. Isso porque o credor tem o dever de manter os cadastros dos serviços de proteção ao crédito atualizados. Quanto ao prazo, a Min. Relatora definiu-o pela aplicação analógica do art. 43, § 3º, do CDC, segundo o qual o consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. O termo inicial para a contagem do prazo para baixa no registro deverá ser do efetivo pagamento da dívida. Assim, as quitações realizadas mediante cheque, boleto bancário, transferência interbancária ou outro meio sujeito a confirmação, dependerão do efetivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor. A Min. Relatora ressalvou a possibilidade de estipulação de outro prazo entre as partes, desde que não seja abusivo, especialmente por tratar-se de contratos de adesão. Precedentes citados: REsp 255.269-PR, DJ 16/4/2001; REsp 437.234-PB, DJ 29/9/2003; AgRg no Ag 1.094.459-SP, DJe 1º/6/2009, e AgRg no REsp 957.880-SP, DJe 14/3/2012. REsp 1.149.998-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/8/2012.



   PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. INTERESSE DO MENOR.  

O registro espontâneo e consciente da paternidade – mesmo havendo sérias dúvidas sobre a ascendência genética – gera a paternidade socioafetiva, que não pode ser desconstituída posteriormente, em atenção à primazia do interesse do menor. A Min. Relatora consignou que, no caso, apesar de lamentável a falta de convivência entre o pai e a criança, tal situação não é suficiente para rediscutir o registro realizado de forma consciente e espontânea. Ressaltou, ainda, que o reconhecimento de inexistência de vínculo genético não pode prevalecer sobre o status da criança (gerado pelo próprio pai registral há mais de 10 anos), em atenção à primazia do interesse do menor. Ademais, a prevalência da filiação socioafetiva em detrimento da verdade biológica, no caso, tão somente dá vigência à cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Precedente citado: REsp 1.259.460-SP, DJe 29/6/12. REsp 1.244.957-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/8/2012.

QUALIFICADORA. LESÃO CORPORAL CONTRA HOMEM. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.  

O aumento de pena do § 9º do art. 129 do CP, alterado pela Lei n. 11.340/2006, aplica-se às lesões corporais cometidas contra homem no âmbito das relações domésticas. Apesar da Lei Maria da Penha ser destinada à proteção da mulher, o referido acréscimo visa tutelar as demais desigualdades encontradas nas relações domésticas. In casu, o paciente empurrou seu genitor, que com a queda sofreu lesões corporais. Assim, não há irregularidade em aplicar a qualificadora de violência doméstica às lesões corporais contra homem. Contudo, os institutos peculiares da citada lei só se aplicam quando a vítima for mulher. RHC 27.622-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/8/2012.

17/08/2012

Nelson Hungria - conferir

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Comissão da Verdade - artigos interessantes


 

“Não quero ser como todo mundo, quero ser eu!” Clara Maria Roman Borges


“Não quero ser como todo mundo, quero ser eu!”


Clara Maria Roman Borges - Mestre e Doutora em Direito pela UFPR. Professora de Direito Processual Penal no Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR. Advogada.


Todos os dias, sofremos com a autoritária imposição da tecnologia para mediar nossa relação com o mundo. É certo que muitas vezes tal mediação nos traz conforto, permite-nos ter informações rápidas e conecta-nos com outras culturas.

Entretanto, se por um lado essas facilidades proporcionadas pela tecnologia seduzem muitos, igualmente provocam repulsa em tantos outros. Já dizia Michel Foucault, onde há dominação, também há resistência.

Carros, celulares, computadores, tablets e redes sociais são intermediários entre nós e o mundo real ou muitas vezes substituem este por um mundo virtual. Assim, as sensações passam a ser cuidadosamente produzidas e manipuladas por todo este aparato na medida em que somos direcionados por filtros, ícones e gadgets, no momento do nosso contato com a realidade ou na maior parte do tempo com a imagem dela projetada no mundo virtual. Noutras palavras, somente sentimos aquilo que pode ser encontrado pelos filtros, traduzido no universo pictórico dos ícones e simplificado pelo instrumental dos gadgets.

Alguns não se importam, até porque se encontram hipnotizados pelo entretenimento proporcionado pela tecnologia, que mascara inclusive a solidão causada pela totalitária mediação de nossas relações com pessoas reais, realizada pela mesma tecnologia. Como constatou Baumann, as fronteiras entre o real e o imaginário já não existem mais, a diferença entre o falso e o verdadeiro não tem mais significado algum , e neste contexto somos consolados pela sensação de comunidade feliz que nos traz o mundo virtual. Em suma, muitos foram absorvidos por um ciclo vicioso em que a tecnologia os afasta das pessoas de verdade e oferece como remédio para a consequente solidão, a companhia de pessoas virtuais criadas pela própria tecnologia, as quais são sempre felizes e belas.

Nesta sociedade pós-moderna, em que o homem se descobre não apenas social, mas digitalmente social, a maioria dos indivíduos tem uma vida dependente das redes sociais, passa horas conversando com pessoas que sequer tem certeza da existência real. Todos parecem sempre bem-sucedidos, lindos e felizes em seus perfis, a exposição da intimidade é uma forma de vender-se como indivíduo atraente e boa parte das relações travadas neste ambiente são de uma artificialidade evidente, o que indica que jamais subsistiriam as agruras do dia-a-dia. Ora, todos somos em certa medida feios, acordamos descabelados, temos momentos tristes, introspectivos e somos interessantes justamente porque não revelamos alguns detalhes de nossa intimidade. As relações amorosas e de amizade que nos marcam intensamente são exatamente aquelas em que o outro conhece também o nosso lado B, numa saudosa referência aos charmosos discos de vinil. Além disso, aqueles que pensam ser a rede social um ambiente propício para o debate sério de temas importantes, estão enganados, a maioria utiliza o espaço virtual para diversão, para travar contatos descompromissados, para desabafar ou bisbilhotar a intimidade dos outros. Pouco conheço desses lugares, mas jamais tive notícia de ou fui apresentada a uma discussão interessante que tivesse sido travada no perfil de alguém, sempre tomo conhecimento de frivolidades desfiladas neste espaço.

O grande problema é que as redes sociais se impõem a todos e recusar um convite para entrar neste mundo virtual significa uma ofensa à evolução humana. Como disse Bauman, quem não participa de redes sociais nos dias atuais encontra-se fora da comunidade e a morte social é certa . A exclusão para aqueles que resistem a esta mediação tecnológica com o mundo real é inevitável, pois todo mundo à sua volta oferece a internet como única via de comunicação.

Entretanto existem alguns que insistem em não utilizar constantemente o aparato tecnológico, burlam o trânsito que impõe horas de contato com o mundo através do vidro do carro escurecido pela película, mantêm-se o máximo que podem distantes de um celular (cuja função se restringe normalmente a realizar ligações), não possuem tablets, preferem os livros ao invés do google search e não sabem, nem querem saber, para que servem os gadgets.

A reivindicação desses heróis da resistência, porque viver longe da tecnologia e resistir aos apelos do mundo virtual são atitudes heroicas em nossa sociedade, é de que precisam ter contato com o real, precisam sentir, precisam tocar, precisam ver e estabelecer relações marcadas por emoções que ganham resposta no corpo, no tom de voz, nas expressões do outro. Para essas pessoas, a sensação de passar os dedos sobre as paredes arabescas do palácio de Alhambra e sentir a ranhura do trabalho do escultor, jamais se comparará a foto digitalmente disponibilizada deste local na rede; ver a luz de uma pintura de El Greco pessoalmente, o brilho no rosto dos amados, nunca terá o mesmo encanto quando mediado pelo aparato tecnológico.

Além disso, aqueles que desesperadamente tentam escapar das imposições da mediação tecnológica protestam por manter sua identidade, por preservar sua intimidade, por se relacionar com amigos de carne e osso. Em nome desse fugidio contato com o real é que resistem, para proteger aquilo que os faz únicos, para garantir seu espaço de privacidade (querem ficar tristes, felizes, solteiros, casados, amargos, feios, sem que todos saibam disso), para ter amores, amigos, inimigos a quem possam encarar. Não querem seguidores, mas questionadores; não querem ser curtidos ou descurtidos, querem ser amados ou odiados.

Enfim, como respondeu uma dessas pessoas que resistem ao totalistarismo tecnológico, redutor de nossas formas de comunicação com o outro, ao ser censurada por não ter um perfil no facebook: - Não quero ser como todo mundo, quer ser eu!

A prova da sufocante ditadura da tecnologia é o fato de que a divulgação deste texto exige a sua submissão aos procedimentos daquela e a sujeição da sua autora à respectiva mediação.

Decisão Garantista e Certa. Parabéns Iomar.


Autos n° 006.12.002469-7
Ação: Auto de Prisão Em Flagrante/Indiciário
Indiciado: Diogo Brunken
 
 
DECISÃO
 
Cuida-se de Auto de Prisão em Flagrante no qual Policiais Militares responsáveis pela prisão relataram à Autoridade Policial que em investigações preliminares feitas por colegas policiais de farda de Joinville e por meio de informações anônimas se averiguou ser o conduzido um dos suspeitos pela morte (latrocínio) de um PM havida no dia 4 de agosto de 2012 em Joinville, além de outros roubos naquela Comarca. Segundo asseveram os militares, também obtiveram informações de que o conduzido estaria escondido nesta Comarca de Barra Velha, com a pistola subtraída do militar morto, pesando contra o conduzido, ainda, um mandado de prisão por tráfico de drogas. Por essas razões, uma equipe de Policiais Militares de Joinville se dirigiram até o local indicado e lá efetuaram a prisão. Busca efetuada no interior da residência, localizaram a pistola dentro de uma mochila, além de 200 gramas de maconha. Aduziram que a arma apreendida é possivelmente subtraída do policial vítima do roubo e que os indícios até aqui apontam para o conduzido.    
 
A prisão em flagrante, no caso, é ilegal.
 
O conduzido não teve assistência de advogado.
 
O artigo 5º, inciso XI, da Constituição da República, assegura, como direito fundamental, a inviolabilidade do domicílio, garantia esta que somente é excepcionada nas hipóteses de flagrante próprio, desastre ou para prestar socorro, de consentimento expresso e comprovado do morador, ou, durante o dia, por determinação judicial. Portanto, no caso, a ação policial somente estaria legitimada se houvesse mandado judicial para busca e apreensão na residência do indiciado, se houvesse flagrante próprio ou se estivesse demonstrado nos autos o expresso consentimento do morador da residência onde as drogas e armas foram apreendidas.
 
No entanto, não havia determinação judicial, não há prova de que o conduzido haja autorizado o ingresso da polícia na residência e tampouco a situação fática descrita nos autos configura flagrante próprio, mas sim flagrante em crime permanente. Destaco que, em que pese o tráfico de entorpecentes e posse de armas sejam delitos permanentes, o ingresso na residência sem mandado judicial não estava autorizado, porque o que se protrai no tempo, como é o caso do crime permanente, não tem a urgência que justificaria a quebra da garantia da inviolabilidade de domicílio, sem a devida determinação judicial. Ora, se havia fundada razão para se acreditar que o indiciado, investigado em Joinville, estava no local, a Polícia Militar deveria haver noticiado a suspeita à Polícia Civil ou ao Ministério Público para que, realizada investigação a respeito, houvesse a representação pela busca e apreensão na residência, seguindo-se, então, o devido processo legal.
 
Analisando os autos, verifico que o único trabalho investigativo realizado pelos Policiais Militares foi breve campana, que fundamentou o ingresso na residência. Não se pode dizer que este breve acompanhamento à residência do indiciado seja razão suficiente sequer para autorizar a expedição de mandado de busca e apreensão, e menos ainda para o ingresso na residência sem o devido mandado judicial.

A quantidade de drogas por si só não indicia a traficância de forma absoluta. Não existe nenhum elemento de prova que aponte para o comércio ilícito de entorpecentes. A atuação policial está baseada, em verdade, em mera denúncia anônima, em suposições, em palavras como provavelmente, grande chance, indícios e investigações preliminares.
 
Sabe-se que a Polícia Militar ao assim agir está buscando coibir o incremento da criminalidade e o faz da maneira que lhe é possível, diante dos meios materiais e de pessoal que estão sendo fornecidos pelo Estado. No entanto, não é aceitável que a busca pelo resultado (redução da criminalidade) justifique e fundamente a quebra e a violação de garantias constitucionais. Não se pode admitir que os fins (coibir a criminalidade) justifiquem os meios (investigações criminais e ações policiais ao arrepio da lei e da Constituição Federal). Sobre a impossibilidade de quebra da inviolabilidade do domicílio nas hipóteses de crime permanente, cito e adoto como razões de decidir a doutrina de Alexandre Morais da Rosa (Tráfico e Flagrante: apreensão da droga sem mandado. Uma prática (in)tolerável? inserta em http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/2010/03/trafico-sem-mandado.html ).
 
O discurso de que a sensação de impunidade é a causa do incremento da criminalidade é senso comum e pode ser ouvido e lido diariamente na imprensa, sendo repetido pela população em geral. Disse-se que o Estado deve punir a fim de coibir a prática de crimes. No entanto, não se discute a real razão do aumento da criminalidade, ou seja, a ausência de políticas sociais realmente comprometidas com a educação e a melhoria das condições de vida da maioria da população brasileira. O salário mínimo é inconstitucional e não consegue garantir a existência com um mínimo de dignidade. A garantia de uma existência digna, com emprego, alimentação, educação, saúde e moradia para todos os cidadãos é a solução para a redução da criminalidade.
 
No entanto, o que se vivencia em nosso País é um Estado cada vez mais reduzido, sem nenhuma garantia aos direitos sociais e totalmente sucateado no que se refere à segurança pública. A segurança pública como um todo está sucateada. As investigações policiais, quando feitas, não raro são anuladas diante da não observância das garantias e direitos fundamentais dos envolvidos. Não se realizam perícias por falta de estrutura dos Institutos de Perícia, não se investiga por falta de estrutura da Polícia Civil e invariavelmente ilegalidades são cometidas sob a justificativa de combater a impunidade e reduzir a criminalidade. Ocorre que as investigações criminais mal conduzidas, apressadas, no afã de dar a resposta que a sociedade espera, são causas de impunidades. Isso porque, em um Estado Democrático de Direito, não se admite que prisões sejam realizadas ilegalmente e que cidadãos sejam processados e condenados sem que se observe o devido processo legal. A respeito do assunto, recente artigo publicado no Jornal de Santa Catarina, de minha autoria (Iolmar Alves Baltazar), elucida a questão, e dele transcrevo o seguinte excerto (Investigações Criminais, inserta em http://www.clicrbs.com.br/jsc/sc/impressa/4,182,3631021,18770):
 
Investigações policiais importantes têm sido anuladas pelo Judiciário, a exemplo da Operação Satiagraha, gerando sensação de impunidade. Recentemente, rumorosa denúncia contra o ex-governador Leonel Pavan foi rejeitada. Em 20 de dezembro, ao conceder habeas corpus ao coronel Djalma Beltrami, acusado de receber propina de traficantes de São Gonçalo (RJ), o desembargador Paulo Rangel registrou perplexamente que "investigação não é brinquedo de polícia".
O sistema jurídico brasileiro, desde 1988, está estruturado sob um regime republicano e democrático, calcado em garantias constitucionais. No entanto, ainda convivemos com renitentes procedimentos e práticas criminais inquisitoriais que produzem dissonâncias insanáveis no plano da validade das provas produzidas. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Jorge Mussi, quando da invalidação da operação Castelo de Areia, assentou que "essa volúpia desenfreada de se construir arremedos de prova acaba por ferir de morte a Constituição". Logo, são inservíveis denúncias anônimas, escutas ilegais, torturas, invasões de domicílio e quaisquer abusos de autoridade. Para o combate da criminalidade, forçoso concluir que os fins não justificam os meios, sob o risco de revivermos barbáries contra a humanidade.
 
Além disso, mas não menos importante, não há elementos outros nos autos, além das alegadas e inservíveis denúncias anônimas e suposições, que indiciem a prática do delito de tráfico pelo réu, fato que deverá ser melhor amadurecido durante a instrução do feito, a ser realizada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, em sendo o caso.
 
 Na verdade, a violação do domicílio caso venha a ser confirmada poderá macular, por derivação, a própria prova da materialidade dos crimes de tráfico de drogas e posse de armas, devendo preponderar, portanto, o estado de inocência.
 
Em cognição sumária, não há indicativos de que a entrada dos policiais na residência do acusado se deu por autorização expressa e comprovável, conforme ensina Guilherme de Souza Nucci, na nota 42 do seu Código de Processo Penal Comentado:
 
Consentimento do morador e cessação da autorização: sem mandado judicial, ausente o flagrante, ou com mandado judicial, ausente o flagrante, mas à noite, somente pode ingressar a polícia no domicílio, se houver consentimento do morador. Essa autorização deve ser, como já mencionado, expressa e comprovável, inadmitindo-se a forma tácita ou presumida. Por outro lado, já que o executor está sem mandado judicial ou, possuindo-o, procede à diligência durante a noite, a qualquer momento pode o morador interromper o consentimento dado, expulsando os agentes da autoridade de seu domicílio. 
(9 edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 542)
 
Neste norte, considerando que a entrada no local não foi franqueada pelo dono da residência, imprescindível era a policia estar municiada previamente de mandado judicial, o que, de igual forma, não consta nos autos.
 
Não se pode admitir, imaginar, que alguém ilegalmente preso haja livremente franqueado o acesso à residência, tido como asilo inviolável, a não ser que se concorde com um modelo inquisitorial, com uma atuação policialesca à margem da Constituição Federal.
 
Logo, diante da ausência de qualquer hipótese prevista no artigo 5º, incisos X e XI, da Constituição da República Federativa do Brasil, o que deverá ser comprovado estreme de dúvidas, os elementos até então colhidos estão a demonstrar, em cognição sumária, que pode ter realmente havido ofensa à garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, configurando, pois, prova ilícita, por derivação, todos os demais elementos probatórios colhidos após a entrada dos policiais na residência, inclusive a apreensão da droga e armas no interior da residência, o que poderá macular de invalidade, infelizmente, por falha do Estado, a própria materialidade dos crimes.
 
Acerca do assunto, já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, de acordo com o entendimento do ministro Celso de Mello:
 
BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) - SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO CONCEITO DE "CASA" - CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL.
Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes.
Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF).
ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.
A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo.
A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. 
(HC 93050 MC/RJ - MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS, Relator Min. CELSO DE MELLO. Julgamento em 30/11/2007 e publicação em 5/12/2007)

 Dessa forma, e caso fique comprovada a invasão, não há se dizer que, ao final, com a apreensão da droga e armas, com o suposto flagrante, tudo acabou sanado. Isso porque o flagrante restou contaminado com a eiva da invalidade de cunho constitucional (invasão ilegal de domicílio), cabendo as seguintes palavras do Ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça, acerca do malferimento do devido processo legal, quando da invalidação da chamada Operação Castelo de Areia: se a prova é natimorta, passemos desde logo o atestado de óbito... Essa volúpia desenfreada de se construir arremedos de prova acaba por ferir de morte a Constituição.
 
Vale ressaltar, ainda, a lição trazida por Tales Castelo Branco:
 
Não se pode encampar, sob o nome de flagrante, diligências policiais mais ou menos felizes, que venham, porventura, a descobrir e prender, com alguma presteza, indigitados autores de crimes. É preciso não confundir os efeitos probatórios que possam resultar de tais diligências, quanto ao mérito da ação, e as consequências processuais, rigorosíssimas, decorrentes da flagrância, em si mesma considerada. Pois que esta, nos crimes inafiançáveis, sujeita o acusado à prisão, contemporaneamente ao delito. (...) A flagrância, em qualquer de suas formas, por isso mesmo que se apóia na imediata sucessão dos fatos, não comporta, dentro da relatividade dos juízos humanos, dúvidas sérias quanto à autoria. Daí a grande prudência com que se deve haver a justiça, em não confundi-la com diligências policiais, post delictum, cujo valor probante, por mais forte que pareça não se encadeie em elos objetivos, que entrelacem, indissoluvelmente, no tempo e no espaço, a prisão e a atualidade ainda palpitante do crime.
(Da prisão em flagrante, 5 edição, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 54)
 
Acerca do assunto, já se posicionou o STF:
 
A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação da ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. Ser, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.
(HC 93.050-RJ, 2ª. T. Rel. Celso de Mello, 10.6.2008, v.u).
 
A atuação policial ao arrepio da lei e da constituição acaba contribuindo para a sensação de impunidade dos cidadãos, já que todo o trabalho de apuração se tornará inválido em Juízo, garante dos direitos fundamentais de quem quer que seja. Por essa razão, urge que a polícia trabalhe muito mais a área de inteligência, mão mais se admitindo persecução com base em violações a direitos fundamentais ou de forma truculenta, abusiva. Esse sentimento, a propósito, foi retratado pelos editoriais dos principais jornais do país (Estado de São Paulo, em 12.6.2011, e Folha de São Paulo, em 13.6.2011) após o reconhecimento de nulidade da Operação Satiagraha pelo STJ envolvendo o banqueiro Daniel Dantas.
 
 Pois bem. Diante de todo o exposto, e porque sou juiz de pobres e ricos, indistintamente, além de fiel à Constituição Federal, haja vista indícios de que pode realmente ter havido violação à norma constitucional (violação do domicílio), o que poderá redundar no reconhecimento da obtenção da prova da materialidade dos crimes por meio ilícito, ainda que por derivação, o que não se conformaria com o devido processo legal, tenho que deva preponderar, por ora, o estado de inocência do acusado, à luz do regime garantista constitucional.
 
Além disso, a consideração da certidão de antecedentes criminais caracterizaria duplo e injurídico sancionamento (non bis in idem), além de indesejado e inconstitucional (diante da intangibilidade da coisa julgada) conteúdo estigmatizante. Como já motivei em várias decisões anteriores envolvendo fatos dessa natureza, a partir da Constituição Federal de 1988, devemos trabalhar, ordinariamente, com o direito penal do fato e não com o direito penal do autor. Sobre essa distinção, que é importante, leia-se doutrina de Zaffaroni, Política Criminal Latinoamericana, p. 166. Sobre o assunto, transcrevo:
 
 
Os modelos deterministas, descaracterizados desde a opção pelo modelo penal garantista, produziram, segundo Ferrajoli, desde o século passado, uma crise regressiva no conteúdo da culpabilidade, seja pela opção em substituí-la pela noção de periculosidade do réu ou na elaboração de outras figuras similares de qualificação da personalidade (modelos de culpabilidade pela conduta de vida).
(Aplicação da Pena e Garantismo, Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho, Lumen Juris, 3 edição, 2004, p. 38)
 
Quanto à garantia da ordem pública, por seu turno, como bem aponta Aury Lopes Júnior:
 
Muitas vezes a prisão preventiva vem fundada na cláusula genérica garantia da ordem pública, mas tendo como recheio uma argumentação sobre a necessidade de segregação para o reestabelecimento da credibilidade das instituições. É uma falácia. Nem as instituições são tão frágeis a ponto de se verem ameaçadas por um delito, nem a prisão é um instrumento apto para esse fim, em caso de eventual necessidade de proteção. (...) Noutra dimensão, é preocupante – sob o ponto de vista das conquistas democráticas obtidas – que a crença nas instituições jurídicas dependa da prisão de pessoas. Quando os poderes públicos precisam lançar mão da prisão para legitimar-se, a doença é grave, e anuncia um grave retrocesso para o estado policialesco e autoritário, incompatível com o nível de civilidade alcançado. Na mais das vezes, esse discurso é sintoma de que estamos diante de um juiz comprometido com a verdade, ou seja, alguém que, julgando-se do bem (e não se discutem as boas intenções), emprega uma cruzada contra os hereges, abandonado o que há de mais digno da magistratura, que é o papel de garantidor dos direitos fundamentais do imputado. Como muito bem destacou o Min. Eros Grau (HC 95.009-4) 'o combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário). (...) No que tange à prisão preventiva para em nome da ordem pública sob o argumento de risco de reiteração de delitos, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal. Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os casos de vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros. (...) A prisão para garantia da ordem pública sob o argumento de perigo de reiteração bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro, que nos proteja do que pode (ou não) vir a ocorrer. Nem o direito penal, menos ainda o processo, está legitimado à pseudotutela do futuro (que é aberto, indeterminado, imprevisível). Além de inexistir um periculosômetro (tomando emprestada a expressão de ZAFFARONI), é um argumento inquisitório, pois irrefutável. Como provar que amanhã, se permancer solto, não cometerei um crime? Uma prova impossível de ser feita, tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei. Trata-se de recusar o papel de juízes videntes, pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal...
 (Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, v. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 110-111)
 
Em conclusão, para a devida validade da denúncia anônima, imprescindível que ela venha acompanhada de ulteriores elementos investigativos aptos a comprovar a veracidade da informação, colhidos pelos meios hábeis do ponto de vista legal e constitucional a compor um conjunto probatório, o que não existe no caso (diante da invasão de domicílio sem mandado judicial e de investigações precárias do ponto de vista da legalidade que beiram o abuso de autoridade).

Isso posto, RELAXO a prisão do conduzido. Expeça-se alvará de soltura, salvo se por outro motivo estiver preso.
 
Abra-se vista ao Ministério Público, inclusive para se manifestar acerca da competência.

Tendo em vista a informação (folha 32) de que o conduzido está foragido do sistema prisional de outra Comarca, providencie-se, com brevidade, o seu recambiamento, oficiando-se, em acréscimo, para este fim, ao Juízo da Execução Criminal de Criciúma.
 
Intimem-se. Cumpra-se. 
 
 
                                               Barra Velha (SC), 14 de agosto de 2012.
 
 
 
Iolmar Alves Baltazar
Juiz Substituto

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