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Tentativa de pensar o Direito em Paralaxe (Zizek) alexandremoraisdarosa@gmail.com Aviso: quem não tiver coragem de assinar os comentários aos posts, nem precisa mandar, pois não publico nada anônimo. Recomendo ligar para o Disk Denúncia...
Kindle - Meu livro novo
O meu livro Jurisdição do Real x Controle Penal: Direito & Psicanálise, via Literatura foi publicado pela http://www.kindlebook.com.br/ na Amazon.Não precisa ter o Kindle. Pode-se baixar o programa e ler o livro. CLIQUE AQUIAGORA O LIVRO PODE SER COMPRADO NA LIVRARIA CULTURA - CLIQUE AQUITambém pode ser comprado na LIVRARIA SARAIVA - CLIQUE AQUILIVROS LUMEN JURIS - CLIQUE AQUI
22/01/2012
Dora Martins e Cracolândia
A cracolândia na canção de Chico Buarque
Dora Martins
(3'25'' / 805 Kb) - Chico Buarque fez a canção Brejo da Cruz, em 1984, há mais de vinte e cinco anos, e, já então, anunciava a dita novidade: “a criançada a se alimentar de luz, meninos alucinados ficando azuis, e desencarnando lá no brejo da cruz....” O Brasil está cheio de brejos da cruz, não mais só com meninos, se alimentando do cheiro da cola e de luz, mas agora com mulheres grávidas, jovens, homens e mulheres, também alucinados, sem esperança, em busca, incessante e continua, de mais uma pedra de crack.
A chamada cracolândia de São Paulo apareceu na mídia por conta do balé descompassado no qual escorregaram os poderes públicos municipal e estadual, setores da saúde, da assistência social e a Polícia Militar, que no comando da orquestra tresloucada, usa não a batuta, mas o cassetetes, para todo lado. Tudo num cenário caótico, de falas desencontradas e políticos a querer tirar algum ganho com todo o caos. Os usuários de crack, bem se sabe, compõem a parcela mais excluída dos excluídos desta sociedade brasileira que se quer moderna, em franco desenvolvimento, como cantam os homens da economia, e tão consumista.
Tirar o usuário do mundo do crack é coisa difícil, complexa e que exige mais, muito mais do que tratamento, com ou sem internação (esta, nunca compulsória). É preciso possibilitar que o usuário, não mais usando a droga, encontre seu lugar na sociedade. É preciso dar ao cidadão sua cidadania, oferta de trabalho e marcos de dignidade; dar à criança a educação que merece, e ao jovem o caminho possível de seus sonhos.
De nada adianta limpar as ruas sujas do centro, dispersar a turba, ou tirar o “nóia” do crack e lhe dar uma sociedade que se embriaga em álcool e no cigarro, e um subemprego de mínimos, açoitando-o com o desejo enganoso de que felicidade é comprar um carro ou tv de plasma, em longas prestações... antes de terminarem essas parcelas de um sonho tão volátil, o menino, ou homem ou mulher, o jovem, sem projetos e sonhos, estará de volta ao crack.
Sem volteios, a sociedade brasileira precisa reconhecer seus males e não apenas querer esconder esses "milhões de seres que não mais se disfarçam tão bem" e, que antes de desencarnarem, ficando azuis, nos apontam que, já existiam eles, sim, muito antes, e que eram crianças, e que "comiam luz” neste triste e brasileiro brejo da cruz.
Dora Martins é Integrante da Associação Juízes para a Democracia.
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qui, 19/01/2012 - 14:31 — Dora Martins
"A chamada cracolândia de São Paulo apareceu na mídia por conta do balé descompassado no qual escorregaram os poderes públicos municipal e estadual, setores da saúde, da assistência social e a Polícia Militar."
(3'25'' / 805 Kb) - Chico Buarque fez a canção Brejo da Cruz, em 1984, há mais de vinte e cinco anos, e, já então, anunciava a dita novidade: “a criançada a se alimentar de luz, meninos alucinados ficando azuis, e desencarnando lá no brejo da cruz....” O Brasil está cheio de brejos da cruz, não mais só com meninos, se alimentando do cheiro da cola e de luz, mas agora com mulheres grávidas, jovens, homens e mulheres, também alucinados, sem esperança, em busca, incessante e continua, de mais uma pedra de crack.
A chamada cracolândia de São Paulo apareceu na mídia por conta do balé descompassado no qual escorregaram os poderes públicos municipal e estadual, setores da saúde, da assistência social e a Polícia Militar, que no comando da orquestra tresloucada, usa não a batuta, mas o cassetetes, para todo lado. Tudo num cenário caótico, de falas desencontradas e políticos a querer tirar algum ganho com todo o caos. Os usuários de crack, bem se sabe, compõem a parcela mais excluída dos excluídos desta sociedade brasileira que se quer moderna, em franco desenvolvimento, como cantam os homens da economia, e tão consumista.
Tirar o usuário do mundo do crack é coisa difícil, complexa e que exige mais, muito mais do que tratamento, com ou sem internação (esta, nunca compulsória). É preciso possibilitar que o usuário, não mais usando a droga, encontre seu lugar na sociedade. É preciso dar ao cidadão sua cidadania, oferta de trabalho e marcos de dignidade; dar à criança a educação que merece, e ao jovem o caminho possível de seus sonhos.
De nada adianta limpar as ruas sujas do centro, dispersar a turba, ou tirar o “nóia” do crack e lhe dar uma sociedade que se embriaga em álcool e no cigarro, e um subemprego de mínimos, açoitando-o com o desejo enganoso de que felicidade é comprar um carro ou tv de plasma, em longas prestações... antes de terminarem essas parcelas de um sonho tão volátil, o menino, ou homem ou mulher, o jovem, sem projetos e sonhos, estará de volta ao crack.
Sem volteios, a sociedade brasileira precisa reconhecer seus males e não apenas querer esconder esses "milhões de seres que não mais se disfarçam tão bem" e, que antes de desencarnarem, ficando azuis, nos apontam que, já existiam eles, sim, muito antes, e que eram crianças, e que "comiam luz” neste triste e brasileiro brejo da cruz.
Dora Martins é Integrante da Associação Juízes para a Democracia.
Congresso Mundial Mediação - Espanha 2012, outubro
http://www.worldmediationforum.com/?lang=es
La VIII Conferencia Internacional del WorldMediationForum – Spain 2012, será un espacio propicio para el intercambio de experiencias exitosas en Mediación y Resolución de Conflictos en distintos ámbitos: familia, empresa, escuela, universidad, policial, penal, intercultural, nuevas tecnologías, organizacional, sanitaria, comunitaria, penitenciaria, políticas públicas, laboral y la calidad de la mediación: formación inicial y continua, distribuidas en 8 sesiones simultáneas, donde cada participante asistirá a la temática de su interés.
Contaremos con la participación de mediadores internacionales, tales como Johan Galtung, quien ha mediado en los cinco continentes y mediadores de gran prestigio de América, Asia y Europa, entre otros.
Contardo Calligaris - Cracolândia
Todo aquele que quer salvar alguém é um canalha! Sempre. Curar pessoas é uma doença sem tratamento ou cura, justamente porque o sujeito está convencido de que o doente é o outro. Ele limpinho (imaginariamente) quer apagar a sujeira. Os Higienistas estão voltando, estão voltando os Higienistas... Quem não colou nas aulas de história sabe o que isso deu. Enfim....
Segue o texto do:
CONTARDO CALLIGARIS
Notas sobre a cracolândia
A escolha de se drogar é uma doença? Consideramos doente quem não se autorregula como nós?
Alguns leitores pediram que eu me posicionasse sobre a operação policial que tenta acabar com a cracolândia de São Paulo. Aqui vão três posicionamentos. 1) Sou contra violência e abusos repressivos (em tese, o governo também é).
2) Com ou sem internações não voluntárias, com ou sem a boa vontade de ONGs e igrejas, só uma ínfima parte dos drogados desistirá do crack e da errância pelas ruas da cidade.
3) E enfim, em tese, sou a favor do projeto de acabar com a cracolândia, mas não me orgulho disso, por duas razões: a primeira é que tenho carinho pelas sarjetas urbanas e ainda sinto falta da Times Square de Nova York nos anos 1970; a segunda pede uma explicação mais longa.
A operação cracolândia e o debate que a acompanha na imprensa ilustram as dificuldades do poder na modernidade. Num dos seus melhores seminários (o de 1975, "Os Anormais", Martins Fontes), Foucault mostra que esse poder oscila entre dois modelos: o da lepra e o da peste. Os diferentes e infratores podem ser retirados da circulação, fechados na prisão, na colônia agrícola, no antigo asilo. Esse é o modelo adotado para a lepra; ele segrega no lazareto.
Mas, às vezes, os diferentes e infratores, muito numerosos, espalham-se pelo tecido social de forma que sua segregação seria improvável. É o que acontecia no caso da peste. Os contaminados, então, não eram fechados em lazaretos afastados, mas a cidade era dividida em quadras, que eram vigiadas por, digamos, agentes sanitários: os doentes eram proibidos de deixar seu domicílio, e o governo administrava a vida (e a morte) deles dentro de suas próprias casas.
O modelo da peste tinha duas vantagens: ele permitia gerir intimamente a vida concreta das pessoas, e sua motivação aparente era nobre: "curá-las". Por isso, aliás, ele contaminou o modelo da lepra: quase não há mais detenção (modelo da lepra) que não cultive a ilusão de que ela será, para o detento, uma ocasião de redenção ou de cura (modelo da peste).
Hoje, podemos ser infratores e incômodos, mas raramente somos "ruins" e irrecuperáveis: seremos emendados pelos bons cuidados da sociedade, pois, de fato, éramos (ou melhor, estávamos) apenas "doentes". Será que este modelo nos deixa mais livres? Engano. Atrás da face indulgente do poder que se inspira no modelo da peste (o infrator estava doente, não fez por querer, está "desculpado"), esconde-se uma face especialmente tirânica: qualquer ato dissonante é reconhecido não como fruto de rebeldia ou originalidade, mas como efeito de uma patologia. Você é contra? Você é diferente? Pois bem, você está doente. Não há mais dissenso -só enfermos e loucos.
Voltemos à cracolândia. Talvez a toxicomania, uma vez instalada, seja uma espécie de doença. Mas a escolha inicial de se engajar na droga, será que é uma doença? Consideraremos doente (por alguma disfunção do córtex pré-frontal, por exemplo) qualquer sujeito que não se autorregule como a gente?
Anos atrás, jovem psicanalista, no norte da França, eu me ocupava de adolescentes "problemáticos" pelas drogas que consumiam, pela desistência escolar, por uma criminalidade difusa e pela violência contra os adultos que se opunham a suas vontades. Alguns eram filhos de excluídos, outros inventavam uma marginalidade própria, não herdada.
Um desses jovens escutou pacientemente enquanto eu tentava convencê-lo a frequentar as sessões de terapia e a aceitar a ajuda de uma assistente social, que facilitaria sua reinserção. Quando acabei, ele me disse, pausadamente, olho no olho: "O que lhe faz pensar que eu queira ter uma vida parecida com a sua?".
Conclusão. Podemos tentar curar os "noias", ou seja, esperar suprimi-los de um jeito mais radical do que apenas prendendo-os. De qualquer forma, agimos porque os achamos insalubres para nós.
E peço que ninguém pretenda me convencer que a dita cura, à diferença da segregação ou das porretadas, seria para o bem (ou para a dignidade) deles.
Detalhe. Originalmente, os modelos da lepra e da peste foram maneiras diferentes de lidar com o risco de um contágio. Quando tentamos "curar" vagabundos ou drogados talvez estejamos também reagindo ao risco de um contágio pelas margens sociais. Como assim?
Nunca estamos realmente convencidos de que temos razão de sermos bem pensantes e bem comportados. "Curar" à força os perdidos da cracolândia nos ajuda a evitar a sedução que sua "noite suja" exerce sobre nós.
ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris
Segue o texto do:
CONTARDO CALLIGARIS
Notas sobre a cracolândia
A escolha de se drogar é uma doença? Consideramos doente quem não se autorregula como nós?
Alguns leitores pediram que eu me posicionasse sobre a operação policial que tenta acabar com a cracolândia de São Paulo. Aqui vão três posicionamentos. 1) Sou contra violência e abusos repressivos (em tese, o governo também é).
2) Com ou sem internações não voluntárias, com ou sem a boa vontade de ONGs e igrejas, só uma ínfima parte dos drogados desistirá do crack e da errância pelas ruas da cidade.
3) E enfim, em tese, sou a favor do projeto de acabar com a cracolândia, mas não me orgulho disso, por duas razões: a primeira é que tenho carinho pelas sarjetas urbanas e ainda sinto falta da Times Square de Nova York nos anos 1970; a segunda pede uma explicação mais longa.
A operação cracolândia e o debate que a acompanha na imprensa ilustram as dificuldades do poder na modernidade. Num dos seus melhores seminários (o de 1975, "Os Anormais", Martins Fontes), Foucault mostra que esse poder oscila entre dois modelos: o da lepra e o da peste. Os diferentes e infratores podem ser retirados da circulação, fechados na prisão, na colônia agrícola, no antigo asilo. Esse é o modelo adotado para a lepra; ele segrega no lazareto.
Mas, às vezes, os diferentes e infratores, muito numerosos, espalham-se pelo tecido social de forma que sua segregação seria improvável. É o que acontecia no caso da peste. Os contaminados, então, não eram fechados em lazaretos afastados, mas a cidade era dividida em quadras, que eram vigiadas por, digamos, agentes sanitários: os doentes eram proibidos de deixar seu domicílio, e o governo administrava a vida (e a morte) deles dentro de suas próprias casas.
O modelo da peste tinha duas vantagens: ele permitia gerir intimamente a vida concreta das pessoas, e sua motivação aparente era nobre: "curá-las". Por isso, aliás, ele contaminou o modelo da lepra: quase não há mais detenção (modelo da lepra) que não cultive a ilusão de que ela será, para o detento, uma ocasião de redenção ou de cura (modelo da peste).
Hoje, podemos ser infratores e incômodos, mas raramente somos "ruins" e irrecuperáveis: seremos emendados pelos bons cuidados da sociedade, pois, de fato, éramos (ou melhor, estávamos) apenas "doentes". Será que este modelo nos deixa mais livres? Engano. Atrás da face indulgente do poder que se inspira no modelo da peste (o infrator estava doente, não fez por querer, está "desculpado"), esconde-se uma face especialmente tirânica: qualquer ato dissonante é reconhecido não como fruto de rebeldia ou originalidade, mas como efeito de uma patologia. Você é contra? Você é diferente? Pois bem, você está doente. Não há mais dissenso -só enfermos e loucos.
Voltemos à cracolândia. Talvez a toxicomania, uma vez instalada, seja uma espécie de doença. Mas a escolha inicial de se engajar na droga, será que é uma doença? Consideraremos doente (por alguma disfunção do córtex pré-frontal, por exemplo) qualquer sujeito que não se autorregule como a gente?
Anos atrás, jovem psicanalista, no norte da França, eu me ocupava de adolescentes "problemáticos" pelas drogas que consumiam, pela desistência escolar, por uma criminalidade difusa e pela violência contra os adultos que se opunham a suas vontades. Alguns eram filhos de excluídos, outros inventavam uma marginalidade própria, não herdada.
Um desses jovens escutou pacientemente enquanto eu tentava convencê-lo a frequentar as sessões de terapia e a aceitar a ajuda de uma assistente social, que facilitaria sua reinserção. Quando acabei, ele me disse, pausadamente, olho no olho: "O que lhe faz pensar que eu queira ter uma vida parecida com a sua?".
Conclusão. Podemos tentar curar os "noias", ou seja, esperar suprimi-los de um jeito mais radical do que apenas prendendo-os. De qualquer forma, agimos porque os achamos insalubres para nós.
E peço que ninguém pretenda me convencer que a dita cura, à diferença da segregação ou das porretadas, seria para o bem (ou para a dignidade) deles.
Detalhe. Originalmente, os modelos da lepra e da peste foram maneiras diferentes de lidar com o risco de um contágio. Quando tentamos "curar" vagabundos ou drogados talvez estejamos também reagindo ao risco de um contágio pelas margens sociais. Como assim?
Nunca estamos realmente convencidos de que temos razão de sermos bem pensantes e bem comportados. "Curar" à força os perdidos da cracolândia nos ajuda a evitar a sedução que sua "noite suja" exerce sobre nós.
ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris
16/01/2012
Samir Amim - Carta Maior - A 'farsa democrática' e o desafio de inventar a democracia futura
Internacional| 21/12/2011 | Copyleft
A 'farsa democrática' e o desafio de inventar a democracia futura
Ante o que chama de “a farsa democrática”, Samir Amin levanta uma questão essencial: “Assim sendo... Renunciar às eleições e aos processos eleitorais? A resposta dele é não. Mas questiona: como associar novas formas de democratização, ricas, inventivas, que deem às eleições outro uso, diferente do uso que as forças conservadoras previram para elas? Para Samir Amin, aí está o desafio que a esquerda precisa enfrentar em todo mundo.
Samir Amin
O voto universal é conquista recente, das lutas dos trabalhadores no século 19 em alguns países europeus (Inglaterra, França, Países Baixos e Bélgica), que aos poucos estendeu-se por todo o mundo. Hoje, desnecessário dizer, a reivindicação do poder supremo, delegado a uma Assembleia eleita, corretamente, em base pluripartidária – seja assembleia legislativa ou constituinte, segundo as circunstâncias – define a aspiração democrática e (supostamente, digo eu) garante a realização da democracia.
O próprio Marx investiu grandes esperanças nesse voto universal, “via pacífica possível rumo ao socialismo”. Já escrevi que, quanto a esse ponto, a história tem desmentido as esperanças de Marx (cf. Marx et la démocratie).
Creio que não é difícil identificar a razão do fracasso da democracia eleitoral: todas as sociedades, até hoje, são fundadas num duplo sistema de exploração do trabalho (sob diferentes formas) e de concentração do poder do Estado em benefício da classe dirigente. Essa realidade fundamental produziu uma relativa “despolitização/desculturação” de vastos segmentos da sociedade. E essa produção, concebida e posta em prática, em grande parte, para cumprir a função de sistema que se esperava que cumprisse, é, simultaneamente, a condição para que o sistema seja reproduzido, sem outras mudanças “se não as que se podem controlar e absorver, e são condição de estabilidade do próprio sistema.” O que se define como “o país profundo” significa, de fato, o país mais profundamente adormecido. Eleições e voto universal, nessas condições, é vitória garantida de todos os conservadorismos (ainda que reformistas).
Por isso jamais se viu mudança na história produzida por esse modo de governo fundado no “consenso” (conservador, consenso para nada mudar). Todas as mudanças de cunho realmente transformador da sociedade, mesmo as reformas (radicais) sempre foram produto de lutas, levadas avante por grupos que, em termos eleitorais, muitas vezes manifestaram-se como “minorias”. Sem a iniciativa dessas minorias que são o elemento motor da sociedade, não há mudança possível. As lutas em questão, assim empreendidas, sempre terminam – quando as alternativas que proponhas sejam clara e corretamente definidas – por arrastar as “maiorias” (silenciosas, no início), até serem consagradas pelo voto universão, que sempre vem depois – nunca antes – da vitória.
No nosso mundo contemporâneo, o “consenso” (a partir do qual o voto universal definiu as fronteiras) é mais conservador do que jamais antes. Nos centros do sistema mundial, esse consenso é pró-imperialista. Não no sentido de que implique necessariamente ódio ou desprezo a outros povos que são vítimas desse “consenso”, mas no sentido, mais banal, de que se aceita a punção da renda imperialista, porque ela é a condição de reprodução de toda a sociedade, garantia de sua “opulência”, sempre em contraste com a miséria dos outros. Nas periferias, as respostas dos povos ao desafio (à pauperização produzida pelo deslocamento da acumulação capitalista/imperialista) ainda são confusas, no sentido de que sempre veiculam uma dose de ilusões passadistas fatais.
Nessas condições, os poderes dominantes recorrem a “eleições” como o meio por excelência de refrear o movimento, de extinguir o potencial de radicalização das lutas. “Eleições: arapuca para tolos” (Élections, piège à cons) – diziam alguns em 1968, com bastante razão, confirmada por muitos fatos. Hoje, eleitas em altíssima velocidade, já há assembleias constituintes na Tunísia e no Egito: para estabilizar o país, “pôr fim à desordem”, quer dizer: mudar, para nada mudar.
Assim sendo... Renunciar às eleições? Não. Mas como associar novas formas de democratização, ricas, inventivas, que deem às eleições outro uso, diferente do uso que as forças conservadoras previram para elas. Aí está o desafio que temos de enfrentar.
O décor teatral da farsa democrática
Esse décor teatral foi inventado pelos pais fundadores dos EUA, com a intenção declarada com perfeita lucidez, de evitar que a democracia eleitoral não se transformasse em instrumento que o povo pudesse usar para questionar a ordem social fundada na propriedade privada (e na escravidão!). Nesse espírito, a Constituição está baseada na eleição de um presidente (uma espécie de “rei eleito”) que concentra os poderes essenciais. O “bipartidarismo” ao qual a campanha eleitoral presidencial leva inevitavelmente, tende então cada vez mais a ser o que sempre foi: expressão de um “partido único” – desde o final do século 19, o partido do capital dos monopólios – sempre em busca do voto de “clientelas” que, só elas, supõem-se diferentes umas das outras.
A farsa democrática manifesta-se também mediante uma possível “alternância” (no caso dos EUA, entre Democratas e Republicanos), sem que jamais se chegue a cogitar de real alternância, porque não se veem alternativas radicalmente diferentes. E, sem a possibilidade real de alternativa real, não há democracia. A farsa fundamenta-se na ideologia do “consenso” – que, por definição, nega o conflito real entre interesses diferentes e diferentes visões de futuro. A invenção das “primárias”, que convocam o conjunto do corpo eleitoral (membros ditos de direita ou de esquerda!) a manifestar-se para escolher cada um dos dois falsos adversários, só faz tornar ainda mais evidente a deriva rumo à aniquilação de qualquer potencial de renovação que houvesse nas eleições.
Jean Monnet, autêntico antidemocrata (motivo pelo qual é celebrado em Bruxelas como fundador da “nova democracia europeia”!), perfeitamente consciente do que queria (copiar o modelo dos EUA), empreendeu todos os esforços – tradição escrupulosamente mantida na União Europeia – para retirar todos os poderes das Assembleias eleitas, em benefício de “comitês de tecnocratas”.
Não há dúvidas de que a farsa democrática funciona satisfatoriamente bem nas sociedades opulentas da tríade imperialista (EUA, Europa Ocidental, Japão), porque é mantida pela renda imperialista (vide meu livro La loi de la valeur mondialisée [A lei mundializada do valor]). Mas a farsa democrática também é reforçada, em seu potencial para convencer, pelo consenso que há em torno da ideologia do “indivíduo” e pelo real respeito aos “direitos” (conquistados nas lutas, o que raramente alguém se lembra de assinalar); pela prática da independência do poder Judiciário (outra vez, o modelo dos EUA, fundado na eleição de juízes que, por isso, têm de ‘agradar’ “a opinião pública”, trabalha contra aquela independência); e pela complexa institucionalização da pirâmide, como garantia de direitos.
A história da farsa democrática na Europa continental nada teve de semelhante a esse fluxo de águas tranquilas que se viu nos EUA. No século 19 (e até, mesmo, 1945), os combates pela democracia, tanto os inspirados pela burguesia capitalista e classes médias, quanto os conduzidos pelas classes operárias e populares, tiveram de enfrentar as fortes resistências dos “antigos regimes”, o que explica os seus avanços e recuos caóticos. Para Marx, essa resistência teria sido obstáculo desconhecido nos EUA – com vantagem para os EUA. Estava errado. Não estimou corretamente que, num modo capitalista “puro” (como o dos EUA, se comparado ao europeu), a “sobredeterminação” das instâncias – quer dizer, evoluções próprias da superestrutura ideológica e política, que se ajustam automaticamente a evoluções que interessem aos monopólios capitalistas que governam da sociedade – facilmente produziria o que sociólogos convencionais chamam de “totalitarismo”. E “totalitarismo” é conceito que se aplica ao mundo capitalista, mais que a qualquer outro (vide o que escrevi sobre “subdeterminação” e as aberturas que oferece.)
No século 19 na Europa (mas também nos EUA nessa época, embora em grau menor), os blocos históricos construídos para assegurar o poder do capital eram forçados pelo peso de coisas complexas e mutáveis – a diversidade das classes e dos segmentos de classes. Por isso, os conflitos eleitorais davam então a impressão de que funcionassem realmente democraticamente. Mas progressivamente, com a dominação pelos monopólios substituindo a diversidade dos blocos capitalistas, aquela aparência de funcionamento democrático também se esvaiu. E o vírus liberal [orig. Le virus libéral], título de um de meus trabalhos] fez o resto do serviço: alinhar cada vez mais a Europa, ao modelo dos EUA.
O conflito entre as grandes potências capitalistas contribuiu para cimentar os segmentos dos blocos históricos, levando ao domínio pelo capital, mediante o recurso ao “nacionalismo”. Aconteceu até – especialmente, por exemplo, nos casos de Alemanha e Itália – de o “consenso nacionalista” substituir o programa democrático da revolução burguesa. Essa deriva está hoje quase completada.
Os partidos comunistas da 3ª Internacional tentaram, a seu modo, opor-se àquela deriva, apesar de a ‘alternativa’ proposta (o modelo soviético) ser bem pouco atraente. Tendo fracassado na tentativa de construir blocos alternativos duradouros, os comunistas afinal capitularam e renderam-se, submissos, ao sistema da farsa democrática eleitoral. Ao fazê-lo, a esquerda radical que seus herdeiros constituíram (na Europa, o grupo da esquerda unida ao parlamento de Bruxelas) renunciou a qualquer possibilidade de verdadeira “vitória eleitoral”; e passou a contentar-se com sobreviver nos assentos marginais reservados às “minorias” (5% ou 10%, no máximo, do “corpo eleitoral”). Transformada em eleitos marginais, cuja única preocupação é manter esses assentos miseráveis dentro do sistema – o que se chama “estratégia”, mas não é – a esquerda radical, de fato, renunciou a ser esquerda. Nem chega a surpreender, nessas circunstâncias, que a esquerda já faça o jogo dos demagogos neofascistas.
A submissão à farsa democrática é assumida por um discurso autodefinido como “pós-moderno” o qual, simplesmente, se recusa a reconhecer a importância dos efeitos de destruição. Que importariam as eleições? O essencial está acontecendo noutra parte, dizem, “na sociedade civil” (conceito confuso ao qual voltarei), onde os indivíduos estão convertidos em “sujeito da história”, como o vírus liberal diga que são – mesmo que não sejam! A “filosofia” de Negri, que já critiquei noutros artigos, manifesta essa deserção.
Mas a farsa democrática, que não é rejeitada nas sociedades opulentas da tríade imperialista, não funciona nas periferias do sistema. Aqui, na zona das tempestades, a ordem que há não tem legitimidade suficiente para estabilizar a sociedade. A alternativa desenhar-se-á então em filigrana nos “levantes do sul”, que marcaram o século 20 e seguem seus caminhos pelo século 21?
Teorias e práticas das vanguardas e dos despotismos iluminados
A tempestade é portadora potencial de avanços revolucionários, mas não é sinônimo imediato de revolução.
As respostas dos povos das periferias, inspiradas pelo ideal do socialismo radical – pelo menos na origem (Rússia, China, Vietnã, Cuba) – ou da libertação nacional e do progresso social (à época da Conferência de Bandoung na Ásia e na África[1], na América Latina), não são simples. Elas associam, em diferentes graus, componentes de vocação progressista universalista e outros, de natureza passadista. Destrinçar as interferências conflitantes e/ou complementares entre essas tendência ajudará a formular – adiante, nesse artigo – as formas possíveis de autênticos avanços democráticos.
Os marxismos históricos da 3ª Internacional (o marxismo-leninismo russo e o maoísmo chinês) rejeitaram deliberadamente e integralmente o passadismo. Optaram por uma visada voltada para o futuro, em espírito de emancipação no pleno sentido da palavra. Essa opção foi sem dúvida facilitada na Rússia, pela longa preparação que permitiu aos “ocidentalistas” (burgueses) vencer os “eslavófilos” e os “eurasianos” (aliados do Antigo Regime), na China, pela revolução dos Taipings (escrevi sobre isso em La Commune de Paris et la Révolution des Taipings).
Simultaneamente, esses marxismos históricos optaram, de saída, por uma conceptualização do papel das “vanguardas” na transformação das sociedades. Deram forma institucionalizada a essa opção, simbolizada pelo “partido”. Não se pode dizer que a opção tenha sido ineficaz. Bem ao contrário disso, ela com certeza esteve na base das vitórias daquelas revoluções. A hipótese de que a vanguarda minoritária ganharia o apoio da imensa maioria mostrou que tinha fundamento. Mas a história posterior se encarregaria de mostrar os limites dessa eficácia. Porque o fato de o essencial dos poderes se ter concentrado nas mãos dessas “vanguardas” não é absolutamente estranho às derivas posteriores dos sistemas “socialistas” que se pretendia criar e instituir.
A teoria da prática dos marxismos históricos em questão teriam sido práticas de “despotismos iluminados”? Não se pode saber, se não se fixar precisamente quais foram e o que progressivamente vieram a ser os objetivos desses despotismos iluminados. Em todo caso, foram, até o fim, “antipassadistas” – como o comprova o comportamento deles em relação à religião, declarada puro obscurantismo (já escrevi sobre essa questão em L’internationale de l’obscurantisme).
O conceito de “vanguarda” foi menos adotado nas sociedades revolucionárias consideradas que em outras sociedades. Estava na base do que vieram a ser os partidos comunistas de todo o mundo, dos anos 1920 aos anos 1980, e encontrou lugar nos regimes nacionais populares do Terceiro Mundo contemporâneo.
Por toda a parte, esse conceito de “vanguarda” dava à teoria e à ideologia importância decisiva, a qual, por sua vez, implicava valorizar o papel dos “intelectuais” (revolucionários, é claro), ou seja, da intelligentsia. Intelligentsia não é sinônimo de classes médias educadas, menos ainda de quadros, burocratas, tecnocratas ou universitários (as chamadas “elites”, no jargão anglo-saxão). Intelligentsia é um grupo social que não emerge como tal senão em condições especiais que se observam em algumas sociedades e passam a ser ativo importante, muitas vezes decisivo. Fora da Rússia e da China, encontra-se fenômeno análogo na França, na Itália e em outros países, mas com certeza não há nem na Grã-Bretanha nem nos EUA, nem, em geral, na Europa do Norte.
Na França, durante a maior parte do século 20, a intelligentsia teve lugar importante na história do país, reconhecido pelos melhores historiadores. Pode ter sido efeito indireto da Comuna de Paris, durante a qual o ideal da construção de um estágio mais avançado da civilização, ao sair do capitalismo, manifestou-se mais claramente que em qualquer outro ponto do mundo (cf. meu artigo sobre a Comuna).
Na Itália, o Partido comunista de antes do fascismo cumpriu funções análogas. Como Luciana Castallina observa com lucidez, os comunistas – uma vanguarda fortemente apoiada pela classe operária, mas sempre minoritária em termos eleitorais – realmente construíram, sozinhos, a democracia italiana. Tiveram, “na oposição” – à época – um poder real na sociedade, muito mais considerável do que teriam depois, “no governo”! O verdadeiro suicídio, que só se explica pela mediocridade dos líderes que sucederam Berlinguer, fez sumir, com eles mesmos, o Estado e a democracia na península.
Esse fenômeno da intelligentsia jamais existiu nos EUA e na Europa protestante do Norte. O que aqui se chama “a elite” – a seleção do termo é significativa – é composta exclusivamente de servidores do sistema, ainda que sejam “reformadores”. A filosofia empirista/pragmatista, que aqui ocupa toda a cena do pensamento social, com certeza reforçou os efeitos conservadores da reforma protestante cuja crítica propus noutro estudo (L’Eurocentrisme, modernité, religion, démocratie). O anarquista alemão Rudolf Rocker é dos raros pensadores europeus que expôs reflexão próxima da minha; mas a moda exige – por Weber e contra Marx – que a reforma protestante seja celebrada sem exame, como avanço progressista!
Nas sociedades periféricas em geral, além dos casos flagrantes de Rússia e China, e por idênticas razões, iniciativas das “vanguardas”, quase sempre intelligentsistas, favoreceram a reunião e o apoio de grandes maiorias populares. A forma mais frequente dessas cristalizações políticas cujas intervenções foram decisivas no “despertar do Sul” foi a do (ou dos) “populismo”. Teoria e prática traçadas pelas “elites” (à moda anglo-saxônica, “pró-sistema”), mas defendidas e em certo sentido reabilitadas por Ernesto Laclau com argumentos sólidos, boa parte dos quais assumirei.
É claro que há tantos “populismos” quanto experiências históricas chamadas “populistas”. Os populismos são frequentemente associados a personagens “carismáticos”, cuja “autoridade” do pensamento é aceita sem muita discussão. Os reais avanços (sociais ou nacionais) que lhes são associados em algumas condições levaram-me a classificar esses regimes como “nacionais populares”. Fique desde já claro que esses avanços jamais foram mantidos nem por uma prática democrática convencional, “burguesa”, menos ainda por um conjunto de práticas mais avançadas, como as que apresentarei, pelo menos nas linhas gerais possíveis, adiante, nesse artigo. Foi o caso da Turquia de Ataturk, que provavelmente iniciou o modelo para o Oriente Médio, depois do Egito nasserista, os regimes do partido Baas da primeira fase, da Argélia da FLN. Experiências análogas, em condições diferentes, foram desenvolvidas nos anos 1940 e 1950 na América Latina. A “fórmula”, porque responde a carências e possibilidades reais, está longe de ter perdido seu potencial de renovação.
Classificarei portanto de boa vontade como “nacionais populares” algumas experiências em curso na América Latina, sem deixar de assinalar que, no plano da democratização, essas experiências sem dúvida trouxeram avanços que não se viram nas que as precederam.
Propus algumas análises sobre as razões do sucesso dos avanços obtidos nesse quadro em alguns países do Oriente Médio (Afeganistão, Iêmen do Sul, Sudão, Iraque) que pareciam mais promissores que outros, mas também as razões dos fracassos dramáticos.
Seja como for, é preciso não generalizar nem simplificar, como faze a maioria dos comentaristas ocidentais obcecados pela “questão democrática”, ela mesma já reduzida à fórmula do que descrevi como “farsa democrática”. Nos países da periferia, essa farsa assume muitas vezes traços de extrema caricatura. Sem serem “democratas”, alguns líderes de regimes nacionais populares foram “grandes reformadores” (progressistas), carismáticos ou não. Nasser é um belo exemplo. Mas outros nada foram além de polichinelos inconsistentes, como Gaddafi, ou déspotas vulgares “não iluminados” (e, além disso, sem qualquer carisma), como Ben Ali, Moubarak e vários outros. De fato, esses ditadores não conduziram experiências nacionais populares. Nada fizeram além de organizar a pilhagem de seus países por máfias associadas pessoalmente ao próprio ditador. Nesse sentido, foram, como Suharto e Marcos, agentes executivos das potências imperialistas as quais, além do mais, sustentaram seus poderes até o final.
O passadismo, inimigo da democracia
Os limites de cada uma e de todas as experiências nacionais populares (ou “populistas”) dignas do nome originam-se nas condições objetivas que caracterizam as sociedades da periferia do mundo capitalista/imperialista contemporâneo. São experiências diversas, evidentemente. Mas além da diversidade há convergências importantes que permitem projetar alguma luz sobre as razões de seus sucessos além de seus recuos.
A persistência de aspirações “passadistas” não é produto do “atrasismo” sólido dos povos considerados (o discurso habitual sobre o tema), mas meio para que se possa aferir corretamente o desafio. Todos os povos e nações das periferias não só foram submetidos a uma feroz exploração econômica pelo capital imperialista, mas também foram, por isso mesmo, submetidos a uma também feroz agressão cultural. A dignidade da cultura, da língua, dos costumes, da história foi-lhes negada com muito visível desprezo. Não surpreende que essas vítimas do colonialismo externo ou interno (os povos nativos da América) associem naturalmente a libertação social e política à restauração da dignidade nacional.
Mas, por sua vez, essas aspirações legítimas induzem também a que os povos se voltem para o passado, e exclusivamente para o passado, na esperança de lá encontrarem a resposta às questões de hoje e de amanhã. Há risco real de o movimento de despertar e de libertação de vários povos acabar preso em impasses trágicos, no caso de o “passadismo” ser tomado como eixo central da renovação buscada.
A história do Egito contemporâneo ilustra à perfeição a transformação da complementaridade necessária entre a perspectiva universalista aberta para o futuro e associada à restauração da dignidade do passado, num conflito entre duas opções formuladas em termos absolutos: ou bem “ocidentalizar-se” (no sentido vulgar do termo, renegando o passado), ou bem “voltar ao passado” (sem crítica).
O vice-rei Mohamed Ali (1804-1849) e os quedivas[2] até os anos 1870s optaram por uma modernização aberta à adoção de fórmulas de modelos europeus. Não se pode dizer que essa opção fosse uma “ocidentalização” de pacotilha. Os chefes do estado egípcio davam importância à industrialização modernizante do país, não à adoção, unicamente, do modelo de consumo dos europeus. Interiorizaram a assimilação dos modelos europeus associando-os à renovação da cultura nacional e contribuindo para fazê-la mover-se no sentido do laicismo, e a prova está nos seus esforços para apoiar a renovação da língua. Claro que o modelo europeu em questão era o modelo capitalista e sem dúvida não avaliavam a exata medida do caráter imperialista daquele modelo. Mas não se pode recriminá-los por isso. E quando o quediva Ismail proclamou seu objetivo – “fazer do Egito um país europeu” – ultrapassou Ataturk em 50 anos; e planejava associar aquela “europeização” ao renascimento nacional, não à negação desse renascimento.
As insuficiências da Nahda [“Renascimento Árabe”] cultural da época (sua incapacidade para compreender o que fora o Renascimento europeu), e o caráter “passadista” que dominava os conceitos da Nahda, sobre os quais escrevi, não são segredo para ninguém.
Saldo disso é precisamente a visão predominantemente passadista que se imporá ao movimento de renovação nacional no final do século 19. Ofereci uma explicação para isso: a derrota do projeto “modernista” que ocupara o proscênio entre 1800 e 1870 levou o Egito a regredir. E a ideologia da recusa daquele declínio cristalizou-se naquele momento de regressão, com todas as deformações que isso implicava. Os fundadores no novo Partido Nacional (Al hisb al watani), no final do século 19, Mustafá Kamel e Mohamed Farid, escolheram o passadismo como eixo central de seu combate, como se vê, dentre outras evidências, em suas ilusões “otomanistas” (apoiar-se em Istambul contra os ingleses).
A história provaria o erro dessa escolha. A revolução nacional e popular de 1919-1920 não foi conduzida pelo Partido Nacionalista, mas por seu adversário “modernista”, o Partido Wafd. Taha Hussein retoma então o slogan do quediva Ismail: “europeizar o Egito”; apoiar para essa finalidade a nova Universidade e marginalizar o Azhar [uma das principais mesquitas e entidades islâmicas do Egito].
A tendência passadista, herdada do Partido Nacionalista, logo deslizaria para a insignificância. Seu líder – Ahmad Hussein –, nos anos 1930 já não passa de chefe de um partido minúsculo, que pouco depois seria atraído pelo fascismo. Mas a tendência passadista reapareceria fortemente presente, outra vez, entre os oficiais livres que, em 1952, derrubariam o rei.
As ambiguidades do projeto de Nasser são o resultado desse recuo, no debate sobre a natureza do desafio. Nasser tenta associar alguma modernização, que mais uma vez não era de pacotilha, fundada na industrialização, ao apoio a algumas das ilusões passadistas. Pouco importa que o projeto de Nasser inscreva-se – ou tenha suposto que se inscrevesse – numa perspectiva “socialista”, evidentemente desconhecida no século 19. A atração que o passadismo exercia sobre ele continua lá. As opções relacionadas à “modernização do Azhar”, que já critiquei, são prova disso.
O conflito entre as visões “modernistas, universalistas” de uns e as visões “passadistas integralistas” de outros ainda ocupam o proscênio no Egito. As primeiras são defendidas, principalmente, pela esquerda radical (no Egito, de tradição comunista, forte nos anos imediatamente posteriores à II Guerra Mundial), ouvidas pelas classes médias esclarecidas, sindicatos operários e, ainda mais, pelas novas gerações. O passadismo tende mais à direita, com os Irmãos da Fraternidade Muçulmana, que adotou posições extremas na interpretação mais arcaica do Islã (promovida pela Arábia Saudita), o wahabismo.
Não é difícil chamar a atenção para o contraste que há entre essa evolução, que fechou o Egito num impasse, e a via adotada pela China depois da revolução dos Taipings[3], que o maoísmo retomou e aprofundou: a construção do futuro passa pela crítica radical do passado. “A emergência” no mundo moderno e, portanto, a proposição de respostas eficazes ao desafio, inclusive o engajamento na via da democratização – cujas linhas gerais exporei adiante, nesse artigo – são condicionadas pela recusa a fazer do passadismo o eixo central da renovação.
Não é pois por acaso que a China está hoje na vanguarda dos países “emergentes”. Tampouco é acaso que, na região do Oriente Médio, a Turquia, não o Egito, inclua-se no mesmo pelotão. A Turquia – mesmo a do Partido AKP “islâmico” – beneficia-se da ruptura que, ao seu tempo, foi o kemalismo. Mas a diferença entre a China e a Turquia é diferença decisiva: a escolha “modernista” da China já se inscreve numa perspectiva que se deseja “socialista” (e a China está em conflito com o hegemonismo dos EUA, quer dizer, com o imperialismo coletivo da Tríade), perspectiva que veicula oportunidades de progresso, enquanto a “modernidade” da Turquia contemporânea, que não cogita de sair da lógica da globalização contemporânea, é via sem futuro. Seu sucesso é só aparente e provisório.
A associação entre a tendência modernista e a tendência passadista que se encontra em todos os países do grande Sul (as periferias), evidentemente em fórmulas diversas. A confusão produzida por essa associação aparece numa de suas manifestações mais visíveis na profusão de discursos ineptos sobre “as formas do passado que se pretendiam democráticas”, trazidas a nu, sem crítica. A Índia independente faz o elogio dos panchayat [4]; os muçulmanos, da shura; os africanos, da “árvore que fala”, como se essas formas da vida social do passado tivessem algo a ver com os desafios do mundo moderno. A Índia é a maior democracia (por número de eleitores) do planeta? Ou essa democracia eleitoral ainda é e continuará a ser farsa, enquanto não se fizer a crítica radical do sistema de castas (herdado, também ele, do passado), até aboli-lo? A shura continua a ser veículo para pôr em ação a Xaria, interpretada no sentido mais reacionário, inimigo da democracia.
Os povos da América Latina enfrentam hoje esse mesmo problema. Compreende-se facilmente a legitimidade das reivindicações “dos indígenas”, se se sabe o que foi o colonialismo interno ibérico. Alguns discursos indigenistas pouco criticam os passados locais envolvidos na questão. Mas outros, sim, criticam aqueles passados e fazem avançar os conceitos ao associar, de modo radicalmente progressista, as exigências universalistas e o potencial que se acumula na evolução do que se herda do passado. Nesse sentido, os debates bolivianos são, provavelmente, muito ricos. A análise crítica dos discursos indigenistas em questão, feita por François Houtart (El concepto de Sumai Kwasai) acende nossas lanternas. A ambiguidade aparece muito destacada nesse estudo notável, que passa em revista o que me parece ser a provável totalidade dos discursos sobre o tema.
A contribuição – negativa – do passadismo na construção do mundo moderno é de tal ordem, que pode ser detectada não só nos povos das periferias. Na Europa, além de seu quarto noroeste, as burguesias estavam enfraquecidas demais para engajar-se em revoluções como na Inglaterra ou na França. O objetivo “nacional” – particularmente na Alemanha e na Itália, depois também na direção do leste e do sul do continente – serviu como meio de mobilização e de guarda-chuva para compromissos “meio-burgueses/meio velhos regimes”. O passadismo mobilizado aqui não foi “religioso”, mas “étnico”, fundado numa definição etnocêntrica da nação (na Alemanha) ou numa leitura mitológica da história romana (na Itália). O desastre está aí à vista – o fascismo e o nazismo –, a ilustrar o caráter arquirreacionário, com certeza antidemocrático, do passadismo nessas formas “nacionais”.
A alternativa universalista: a autêntica e plena democratização e a perspectiva socialista
Falarei aqui de democratização, não de democracia. A democracia, reduzida como está nas fórmulas impostas pelos poderes dominantes, já não passa de farsa. A farsa eleitoral produz um parlamento “esgoto” impotente, com o governo como único responsável frente ao FMI e à OMC, quer dizer, frente aos instrumentos dos monopólios da tríade imperialista. A farsa democrática está agora completada pelo “discurso-dos-direitos-do-homemista”, que insiste no respeito ao direito de protestar, sob a estrita condição de que o protesto jamais ponha em questão o poder supremo dos monopólios. E o protesto também já foi criminalizado, associado, como foi, ao “terrorismo”.
A democratização, concebida em contraponto como plena, quer dizer, dizendo respeito a todos os aspectos da vida, inclusive, claro, à gestão da economia, tem de ser processo sem fronteiras e sem limites, produzido pelas lutas e pela imaginação criadora dos povos. A democratização só tem sentido e autenticidade, se mobiliza essas potências inventivas, na perspectiva de construir um estágio mais avançado da civilização humana. Não pode pois vir fechada num formulário (“blue print”) prêt-à-porter. Nem por isso é desnecessário propor algumas linhas diretrizes do movimento, quanto ao rumo geral e para que se definam objetivos estratégicos possíveis, etapa a etapa.
A luta pela democratização é luta. Exige portanto mobilização, organização, escolha de ações, visão estratégica, sentido de tática, politização das lutas. Claro que essas formas não podem ser decretadas antes, a partir de dogmas santificados. Mas é indispensável identificá-las e não há como fugir disso. Porque se trata, bem claramente, de forçar o sistema de poder que aí está a recuar, tendo, como objetivo, substituí-lo por outro sistema de poderes. Sem dúvida, deve-se abandonar a fórmula da “revolução” que substitui de vez o poder do capital pelo poder do povo, santificado. São possíveis avanços revolucionários, fundados sobre os avanços de novos poderes, populares, reais, que fazem recuar os que continuarem a defender os princípios que reproduzem a desigualdade. Além do mais, Marx jamais formulou qualquer teoria “da revolução solene e solução definitiva”. Sempre, ao contrário, insistiu na longa transição caracterizada por esse conflito de poderes: os velhos em declínio e os novos em formação.
Abandonar a questão do poder é jogar fora o bebê com a água do banho. Acreditar que a sociedade possa ser transformada sem destruição, ainda que progressista, do sistema do poder que há, é crença da mais completa ingenuidade. Porque os poderes que há, longe de serem “desconstituídos” pela mudança social, são sempre capazes de capturar o novo, submetê-lo, integrá-lo como reforço – não como enfraquecimento – do poder do capital.
A triste deriva do “ecologismo”, que é hoje campo aberto à expansão do capital, é prova disso. Eludir a questão do poder, é pôr os movimentos numa situação que não lhes permite passar à ofensiva, condená-los a posições defensivas, de resistir às ofensivas dos que têm o poder e privá-los, portanto, da iniciativa. (...)
As lutas sociais e políticas (indissociáveis) poder-se-iam propor-se alguns grandes objetivos estratégicos, que apresentarei (adiante) ao debate teórico e político, confrontado sempre à prática das lutas, aos seus avanços e recuos.
Para começar, reforçar os poderes dos trabalhadores nos seus locais de trabalho, nas suas lutas cotidianas contra o capital. É, digamos, a vocação dos sindicatos. Sim, mas só se os sindicatos forem instrumentos de lutas reais. O que já não são, sobretudo os “grandes sindicatos”, pressupostos “fortes”, porque se assemelham a grandes maiorias entre os trabalhadores envolvidos. Essa força aparente é a verdadeira fraqueza dos sindicatos, porque os sindicatos creem-se obrigados a “ajustar-se” às reivindicações consensuais, sempre muito, muito modestas. Quem se surpreende por as classes operárias na Alemanha e na Grã-Bretanha (países de “sindicatos fortes”, como se ouve dizer) terem aceito ajustes drásticos que o capital lhes impôs ao longo dos últimos 30 anos, enquanto os “sindicatos franceses”, minoritários e considerados fracos, – conseguiram resistir melhor (ou menos mal)? Essa realidade nos lembra, simplesmente, que as organizações de militantes, sempre minoritárias por definição (a classe não pode ser constituída só de militantes!), conseguem, muito mais que os sindicatos “de massa” (e, portanto, de não militantes), arrastar maiorias para as lutas.
Outro terreno de lutas possíveis para estabelecer poderes novos, são os poderes locais. Nesse domínio, contudo, não farei generalizações rápidas, seja pela afirmação de que a descentralização é sempre um avanço democrático, seja, pelo contrário, pela afirmação de que a centralização é necessária para “mudar o poder”. A descentralização pode ser capturada por “sumidades locais”, em geral tão reacionárias quanto os agentes do poder central. Mas a descentralização também pode, conforme as estratégias postas em ação pelas forças progressistas em luta e as condições locais – favoráveis aqui, desfavoráveis ali –, completar e substituir os avanços na criação de novos poderes populares. A Comuna de Paris incluiu, com seu projeto de federalismo comunal. Os communards sabiam que retomavam, nessa questão, a tradição montagnarde dos Jacobinos de 1793. Porque esses, diferente do que se diz sem pensar (quantas vezes já se ouviu dizer que os “centralistas” jacobinos completaram a obra da Monarquia?!), foram federalistas (como esquecer a Festa da Federação?). A “centralização” foi obra posterior da reação termidoriana, concluída por Bonaparte.
A “descentralização” continua a ser termo dúbio, oposto como absoluto a outro termo absoluto, “centralização”. Associar um ao outro é desafio que está posto, nos combates pela democratização.
A questão dos poderes múltiplos – locais e centrais – é crucialmente importante nos países “heterogêneos”, ou por alguma razão histórica, ou qualquer outra. Nos países andinos e, mais geralmente, na América dita latina – e que deveria ser chamada de indo-afro-latina – a construção de poderes específicos (e dizer específicos é dizer que gozam de alguma margem de autonomia real) é condição para o renascimento das nações indígenas, renascimento sem o qual a emancipação social não tem sentido algum.
O feminismo e o ecologismo são outros terrenos de conflitos entre as forças sociais engajadas na perspectiva da emancipação global da sociedade e os poderes conservadores ou reformistas dedicados a perpetuar as condições da reprodução capitalista. Não cabe, evidentemente, considerá-los lutas “específicas”, porque as reivindicações aparentemente específicas que essas lutas promovem e a transformação global da sociedade são indissociáveis. Mas nem todos os movimentos feministas e ecologistas entendem assim.
A articulação das lutas nos diversos terrenos aqui evocados – e em outros – convida a construir formas institucionalizadas da interdependência entre todos os campos. Trata-se, uma vez mais, de mostrar imaginação criadora. Não é necessário esperar que a legislação vigente o permita, para criar sistemas institucionalizados (“informais”, se não sempre “ilegais”) por exemplo de negociação social permanente e “obrigatória” de fato, empregados/patronato; por exemplo de controle, que imponha a paridade homem/mulher; por exemplo, que toda decisão importante de investimento (privado ou estatal) seja submetido a avaliação séria, do ponto de vista ecológico.
Avanços reais nas direções propostas aqui criam uma dualidade de poderes – como a que Marx imaginou para a longa transição do socialismo ao comunismo, etapa mais avançada da civilização humana. Esses avanços levariam as “eleições” por sufrágio universal a tomar rumo completamente diferente do previsto na democracia-farsa. Mas aqui, outra vez, só fazem sentido eleições que se realizem depois das vitórias, nunca antes.
As propostas aqui sugeridas – e muitas outras possíveis – não se inscrevem no discurso dominante sobre “a sociedade civil”. De fato, andam no sentido oposto. O discurso sobre “a sociedade civil”, parente próximo dos delírios do “pós-modernismo” à Negri, é herdeiro direto da tradição da ideologia do consenso à moda dos EUA que sempre o promoveu em todo o planeta, retomado sem crítica por dezenas de milhares de ONGs e por seus representantes que se impõem em grandes números nos Fóruns Sociais. Essa ideologia aceita o regime (vale dizer: o capitalismo dos monopólios), no que tem de essencial – e serve de modo muito útil ao poder do capital. Como que lhe azeita as engrenagens. Assim o próprio capital gera uma falsa “oposição” sem qualquer capacidade para mudar o mundo. Por mais que aquela falsa “oposição” se apresente como agente de mudança, nada jamais muda.
Três conclusões
1. O vírus liberal tem efeitos devastadores. Produziu um “ajuste ideológico” que serve muito bem à expansão capitalista a qual sempre gera mais barbárie. Mas convenceu grandes maiorias – inclusive nas gerações mais novas – de que é hora de “viver no presente”, colher o que o imediato oferece, esquecer o passado, não pensar no futuro, sob o pretexto de que a imaginação utópica engendraria monstros. Convenceu vastas maiorias de que o sistema que há seria compatível com “o desenvolvimento do indivíduo” (o que absolutamente ele não é). Formulações acadêmicas pretensamente “novas” – os “pós”, pós-modernismo, pós-colonialismo, estudos culturais, elucubrações à Negri – garantem alvarás de legitimidade à capitulação do espírito crítico e da imaginação inventiva.
O desarranjo que essa prática de submissão interiorizada implica está, sem dúvida, na origem, dentre outros, da “renovação religiosa” (ressurgimento de interpretações religiosas e pararreligiosas conservadoras e reacionárias, “comunitaristas”, ritualistas. O “monoteísmo” dá o braço, sem problema algum, ao “moneyteísmo” – assunto sobre o qual já escrevi.
Excluo evidentemente as interpretações religiosas que mobilizam o sentido que dão à espiritualidade, para legitimar a tomada de posição ao lado das forças sociais que lutam por emancipação. Mas as forças religiosas reacionárias são majoritárias, as forças religiosas progressistas são minoritárias, quando não marginalizadas. Outras formulações ideológicas não menos reacionárias também preenchem o vazio criado pelo vírus liberal: por exemplo, dentre outros, todos os “nacionalismos” e os comunitarismos étnicos e paraétnicos.
2. A diversidade é, muito felizmente, bela realidade do mundo. Mas elogiar a diversidade ‘em si’ leva a confusões perigosas.
De minha parte, proponho que se considerem à parte as “diversidades herdadas” (do passado), que, afinal, é o que são, e que só depois de demorado exame crítico poderão ser (ou não) reconhecidas eficazes para o projeto de emancipação. Proponho que não se misturem essas diversidades e outras – que visam a inventar o futuro e lutar pela emancipação. Porque também há diversidades cá do nosso lado, de análises e substratos culturais e ideológicos e propostas de estratégias de luta.
Na 1ª Internacional, lá estavam Marx, Proudhon, Bakunin. A 5ª Internacional deve fazer da diversidade um trunfo. Imagino que não pode “eliminar”, mas deve reunir e integrar: marxistas de diferentes escolas (inclusive alguns passavelmente “dogmáticos”); reformadores radicais autênticos que, mesmo assim, preferem reforçar objetivos viáveis mais próximos que perspectivas distantes; teólogos da libertação; pensadores e militantes que queiram inscrever as renovações nacionais que promovem, na perspectiva da emancipação universal; feministas e ecologistas que também se inscrevam nessa perspectiva. A condição fundamental que permitirá que esse reagrupamento de combatentes realmente trabalhe pela mesma causa é a tomada de consciência do caráter imperialista do sistema que há. A 5ª Internacional tem de ser muito claramente anti-imperialista. Não se pode satisfazer com “intervenções humanitárias” com as quais os poderes dominantes tentam substituir a solidariedade e o apoio às lutas de libertação dos povos, das nações e dos estados das periferias. Além desse reagrupamento, devem-se buscar alianças amplas com todas as forças e movimentos em luta contra as derivas da democracia-farsa.
3. Se insisto na dimensão anti-imperialista dos combates a fazer, é porque essa é a condição da possibilidade de construir uma convergência entre as lutas do Norte e do Sul do planeta. Já disse que a fraqueza – pelo mínimo que se diga – da consciência anti-imperialista no Norte é a principal causa da limitação dos avanços que os povos das periferias conseguiram até agora, e mais ainda de seus recuos.
Construir a perspectiva de convergência das lutas é empreitada difícil. É preciso não subestimar os perigos mortais que há nessas dificuldades.
No Norte, uma dessas dificuldades é a adesão ainda grande à ideologia do consenso que legitima a farsa democrática, aceitavam graças aos efeitos corruptores do rentismo imperialista. Mesmo assim, a própria ofensiva do capital dos monopólios contra os próprios trabalhadores do Norte, que está em curso, poderia ajudar na direção de os trabalhadores tomarem consciência de que os monopólios imperialistas são inimigos comuns, de todos. Os movimentos que se estão criando e reconstruindo em tempos politizados e organizados conseguirão fazer ver que os monopólios capitalistas têm de ser expropriados e nacionalizados na direção de serem socializados? Se não nos aproximarmos desse ponto de ruptura, o poder de última instância dos monopólios do capitalismo/imperialismo continuará intacto. As derrotas que o Sul poderia infligir àqueles monopólios, fazendo recuar a sangria operada pelo rentismo imperialista só reforçariam as chances de os povos do Sul livrarem-se também de suas cadeias.
Mas no Sul persiste o conflito de expressões da visão do futuro: universalistas ou passadistas? Enquanto esse conflito não se decidir a favor dos primeiros, os povos do Sul só conseguirão obter, em suas lutas de libertação, vitórias frágeis, limitadas e vulneráveis.
O bloco histórico progressista universalista só ganhará corpo, se se fizerem avanços sérios no Norte e no Sul, nos rumos aqui sugeridos.
Original em francês
http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=6413
Referências
Para referências que podem ajudar o leitor a refazer o percurso da formação dos conceitos utilizados nesse texto (em francês e inglês), verhttp://www.pambazuka.org/fr/category/features/74822/print.
NTs
[1] Na Conferência de Bandung (18-24/4/1955), reuniram-se na Indonésia, os líderes de 29 estados asiáticos (Afeganistão, Arábia Saudita, Birmânia, Camboja, Laos, Líbano, Ceilão, República Popular da China, Filipinas, Japão, Índia, Paquistão, Turquia, Síria, Israel, República Democrática do Vietnã, Irã, Iraque, Vietnã do Sul, Nepal, Iêmen do Norte) e africanos (Etiópia, Líbia, Libéria e Egito), países que, juntos, tinham então população total de 1,35 bilhões de habitantes (mais emhttp://www.britannica.com/EBchecked/topic/51624/Bandung-Conference[NTs]).
[2] Quediva (do persa “soberano”; خديوي em árabe) era o título de vice-rei conferido pelo Império Otomano ao paxá do Egito (mais emhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Quediva [NTs]).
[3] Guerra civil, no sul da China, que durou de 1850 a 1864, liderada por um cristão convertido, Hong Xiuquan, que se apresentava como irmão mais jovem de Jesus Cristo, contra a dinastia Qing, dos Manchu. Houve cerca de 20 milhões de mortos, sobretudo civis, num dos conflitos militares mais mortais de toda a história. Mao Tse Tung, em Política e Tática, fala dessa revolta de Taiping, como um dos primeiros levantes revolucionários heróicos contra um regime feudal corrupto [NTs, com informações dehttp://en.wikipedia.org/wiki/Taiping_Rebellion].
[4] Panchayat, lit. “assembleia” (ayat) de “cinco” (panch) anciãos sábios e respeitados, escolhidos e aceitos por comunidades locais. Governos contemporâneos da Índia descentralizaram várias funções administrativas para o nível local, dando poder político a gram panchayats eleitos [NTs, com informações de http://en.wikipedia.org/wiki/Panchayati_raj].
Tradução: Coletivo de Tradutores Vila Vudu
O próprio Marx investiu grandes esperanças nesse voto universal, “via pacífica possível rumo ao socialismo”. Já escrevi que, quanto a esse ponto, a história tem desmentido as esperanças de Marx (cf. Marx et la démocratie).
Creio que não é difícil identificar a razão do fracasso da democracia eleitoral: todas as sociedades, até hoje, são fundadas num duplo sistema de exploração do trabalho (sob diferentes formas) e de concentração do poder do Estado em benefício da classe dirigente. Essa realidade fundamental produziu uma relativa “despolitização/desculturação” de vastos segmentos da sociedade. E essa produção, concebida e posta em prática, em grande parte, para cumprir a função de sistema que se esperava que cumprisse, é, simultaneamente, a condição para que o sistema seja reproduzido, sem outras mudanças “se não as que se podem controlar e absorver, e são condição de estabilidade do próprio sistema.” O que se define como “o país profundo” significa, de fato, o país mais profundamente adormecido. Eleições e voto universal, nessas condições, é vitória garantida de todos os conservadorismos (ainda que reformistas).
Por isso jamais se viu mudança na história produzida por esse modo de governo fundado no “consenso” (conservador, consenso para nada mudar). Todas as mudanças de cunho realmente transformador da sociedade, mesmo as reformas (radicais) sempre foram produto de lutas, levadas avante por grupos que, em termos eleitorais, muitas vezes manifestaram-se como “minorias”. Sem a iniciativa dessas minorias que são o elemento motor da sociedade, não há mudança possível. As lutas em questão, assim empreendidas, sempre terminam – quando as alternativas que proponhas sejam clara e corretamente definidas – por arrastar as “maiorias” (silenciosas, no início), até serem consagradas pelo voto universão, que sempre vem depois – nunca antes – da vitória.
No nosso mundo contemporâneo, o “consenso” (a partir do qual o voto universal definiu as fronteiras) é mais conservador do que jamais antes. Nos centros do sistema mundial, esse consenso é pró-imperialista. Não no sentido de que implique necessariamente ódio ou desprezo a outros povos que são vítimas desse “consenso”, mas no sentido, mais banal, de que se aceita a punção da renda imperialista, porque ela é a condição de reprodução de toda a sociedade, garantia de sua “opulência”, sempre em contraste com a miséria dos outros. Nas periferias, as respostas dos povos ao desafio (à pauperização produzida pelo deslocamento da acumulação capitalista/imperialista) ainda são confusas, no sentido de que sempre veiculam uma dose de ilusões passadistas fatais.
Nessas condições, os poderes dominantes recorrem a “eleições” como o meio por excelência de refrear o movimento, de extinguir o potencial de radicalização das lutas. “Eleições: arapuca para tolos” (Élections, piège à cons) – diziam alguns em 1968, com bastante razão, confirmada por muitos fatos. Hoje, eleitas em altíssima velocidade, já há assembleias constituintes na Tunísia e no Egito: para estabilizar o país, “pôr fim à desordem”, quer dizer: mudar, para nada mudar.
Assim sendo... Renunciar às eleições? Não. Mas como associar novas formas de democratização, ricas, inventivas, que deem às eleições outro uso, diferente do uso que as forças conservadoras previram para elas. Aí está o desafio que temos de enfrentar.
O décor teatral da farsa democrática
Esse décor teatral foi inventado pelos pais fundadores dos EUA, com a intenção declarada com perfeita lucidez, de evitar que a democracia eleitoral não se transformasse em instrumento que o povo pudesse usar para questionar a ordem social fundada na propriedade privada (e na escravidão!). Nesse espírito, a Constituição está baseada na eleição de um presidente (uma espécie de “rei eleito”) que concentra os poderes essenciais. O “bipartidarismo” ao qual a campanha eleitoral presidencial leva inevitavelmente, tende então cada vez mais a ser o que sempre foi: expressão de um “partido único” – desde o final do século 19, o partido do capital dos monopólios – sempre em busca do voto de “clientelas” que, só elas, supõem-se diferentes umas das outras.
A farsa democrática manifesta-se também mediante uma possível “alternância” (no caso dos EUA, entre Democratas e Republicanos), sem que jamais se chegue a cogitar de real alternância, porque não se veem alternativas radicalmente diferentes. E, sem a possibilidade real de alternativa real, não há democracia. A farsa fundamenta-se na ideologia do “consenso” – que, por definição, nega o conflito real entre interesses diferentes e diferentes visões de futuro. A invenção das “primárias”, que convocam o conjunto do corpo eleitoral (membros ditos de direita ou de esquerda!) a manifestar-se para escolher cada um dos dois falsos adversários, só faz tornar ainda mais evidente a deriva rumo à aniquilação de qualquer potencial de renovação que houvesse nas eleições.
Jean Monnet, autêntico antidemocrata (motivo pelo qual é celebrado em Bruxelas como fundador da “nova democracia europeia”!), perfeitamente consciente do que queria (copiar o modelo dos EUA), empreendeu todos os esforços – tradição escrupulosamente mantida na União Europeia – para retirar todos os poderes das Assembleias eleitas, em benefício de “comitês de tecnocratas”.
Não há dúvidas de que a farsa democrática funciona satisfatoriamente bem nas sociedades opulentas da tríade imperialista (EUA, Europa Ocidental, Japão), porque é mantida pela renda imperialista (vide meu livro La loi de la valeur mondialisée [A lei mundializada do valor]). Mas a farsa democrática também é reforçada, em seu potencial para convencer, pelo consenso que há em torno da ideologia do “indivíduo” e pelo real respeito aos “direitos” (conquistados nas lutas, o que raramente alguém se lembra de assinalar); pela prática da independência do poder Judiciário (outra vez, o modelo dos EUA, fundado na eleição de juízes que, por isso, têm de ‘agradar’ “a opinião pública”, trabalha contra aquela independência); e pela complexa institucionalização da pirâmide, como garantia de direitos.
A história da farsa democrática na Europa continental nada teve de semelhante a esse fluxo de águas tranquilas que se viu nos EUA. No século 19 (e até, mesmo, 1945), os combates pela democracia, tanto os inspirados pela burguesia capitalista e classes médias, quanto os conduzidos pelas classes operárias e populares, tiveram de enfrentar as fortes resistências dos “antigos regimes”, o que explica os seus avanços e recuos caóticos. Para Marx, essa resistência teria sido obstáculo desconhecido nos EUA – com vantagem para os EUA. Estava errado. Não estimou corretamente que, num modo capitalista “puro” (como o dos EUA, se comparado ao europeu), a “sobredeterminação” das instâncias – quer dizer, evoluções próprias da superestrutura ideológica e política, que se ajustam automaticamente a evoluções que interessem aos monopólios capitalistas que governam da sociedade – facilmente produziria o que sociólogos convencionais chamam de “totalitarismo”. E “totalitarismo” é conceito que se aplica ao mundo capitalista, mais que a qualquer outro (vide o que escrevi sobre “subdeterminação” e as aberturas que oferece.)
No século 19 na Europa (mas também nos EUA nessa época, embora em grau menor), os blocos históricos construídos para assegurar o poder do capital eram forçados pelo peso de coisas complexas e mutáveis – a diversidade das classes e dos segmentos de classes. Por isso, os conflitos eleitorais davam então a impressão de que funcionassem realmente democraticamente. Mas progressivamente, com a dominação pelos monopólios substituindo a diversidade dos blocos capitalistas, aquela aparência de funcionamento democrático também se esvaiu. E o vírus liberal [orig. Le virus libéral], título de um de meus trabalhos] fez o resto do serviço: alinhar cada vez mais a Europa, ao modelo dos EUA.
O conflito entre as grandes potências capitalistas contribuiu para cimentar os segmentos dos blocos históricos, levando ao domínio pelo capital, mediante o recurso ao “nacionalismo”. Aconteceu até – especialmente, por exemplo, nos casos de Alemanha e Itália – de o “consenso nacionalista” substituir o programa democrático da revolução burguesa. Essa deriva está hoje quase completada.
Os partidos comunistas da 3ª Internacional tentaram, a seu modo, opor-se àquela deriva, apesar de a ‘alternativa’ proposta (o modelo soviético) ser bem pouco atraente. Tendo fracassado na tentativa de construir blocos alternativos duradouros, os comunistas afinal capitularam e renderam-se, submissos, ao sistema da farsa democrática eleitoral. Ao fazê-lo, a esquerda radical que seus herdeiros constituíram (na Europa, o grupo da esquerda unida ao parlamento de Bruxelas) renunciou a qualquer possibilidade de verdadeira “vitória eleitoral”; e passou a contentar-se com sobreviver nos assentos marginais reservados às “minorias” (5% ou 10%, no máximo, do “corpo eleitoral”). Transformada em eleitos marginais, cuja única preocupação é manter esses assentos miseráveis dentro do sistema – o que se chama “estratégia”, mas não é – a esquerda radical, de fato, renunciou a ser esquerda. Nem chega a surpreender, nessas circunstâncias, que a esquerda já faça o jogo dos demagogos neofascistas.
A submissão à farsa democrática é assumida por um discurso autodefinido como “pós-moderno” o qual, simplesmente, se recusa a reconhecer a importância dos efeitos de destruição. Que importariam as eleições? O essencial está acontecendo noutra parte, dizem, “na sociedade civil” (conceito confuso ao qual voltarei), onde os indivíduos estão convertidos em “sujeito da história”, como o vírus liberal diga que são – mesmo que não sejam! A “filosofia” de Negri, que já critiquei noutros artigos, manifesta essa deserção.
Mas a farsa democrática, que não é rejeitada nas sociedades opulentas da tríade imperialista, não funciona nas periferias do sistema. Aqui, na zona das tempestades, a ordem que há não tem legitimidade suficiente para estabilizar a sociedade. A alternativa desenhar-se-á então em filigrana nos “levantes do sul”, que marcaram o século 20 e seguem seus caminhos pelo século 21?
Teorias e práticas das vanguardas e dos despotismos iluminados
A tempestade é portadora potencial de avanços revolucionários, mas não é sinônimo imediato de revolução.
As respostas dos povos das periferias, inspiradas pelo ideal do socialismo radical – pelo menos na origem (Rússia, China, Vietnã, Cuba) – ou da libertação nacional e do progresso social (à época da Conferência de Bandoung na Ásia e na África[1], na América Latina), não são simples. Elas associam, em diferentes graus, componentes de vocação progressista universalista e outros, de natureza passadista. Destrinçar as interferências conflitantes e/ou complementares entre essas tendência ajudará a formular – adiante, nesse artigo – as formas possíveis de autênticos avanços democráticos.
Os marxismos históricos da 3ª Internacional (o marxismo-leninismo russo e o maoísmo chinês) rejeitaram deliberadamente e integralmente o passadismo. Optaram por uma visada voltada para o futuro, em espírito de emancipação no pleno sentido da palavra. Essa opção foi sem dúvida facilitada na Rússia, pela longa preparação que permitiu aos “ocidentalistas” (burgueses) vencer os “eslavófilos” e os “eurasianos” (aliados do Antigo Regime), na China, pela revolução dos Taipings (escrevi sobre isso em La Commune de Paris et la Révolution des Taipings).
Simultaneamente, esses marxismos históricos optaram, de saída, por uma conceptualização do papel das “vanguardas” na transformação das sociedades. Deram forma institucionalizada a essa opção, simbolizada pelo “partido”. Não se pode dizer que a opção tenha sido ineficaz. Bem ao contrário disso, ela com certeza esteve na base das vitórias daquelas revoluções. A hipótese de que a vanguarda minoritária ganharia o apoio da imensa maioria mostrou que tinha fundamento. Mas a história posterior se encarregaria de mostrar os limites dessa eficácia. Porque o fato de o essencial dos poderes se ter concentrado nas mãos dessas “vanguardas” não é absolutamente estranho às derivas posteriores dos sistemas “socialistas” que se pretendia criar e instituir.
A teoria da prática dos marxismos históricos em questão teriam sido práticas de “despotismos iluminados”? Não se pode saber, se não se fixar precisamente quais foram e o que progressivamente vieram a ser os objetivos desses despotismos iluminados. Em todo caso, foram, até o fim, “antipassadistas” – como o comprova o comportamento deles em relação à religião, declarada puro obscurantismo (já escrevi sobre essa questão em L’internationale de l’obscurantisme).
O conceito de “vanguarda” foi menos adotado nas sociedades revolucionárias consideradas que em outras sociedades. Estava na base do que vieram a ser os partidos comunistas de todo o mundo, dos anos 1920 aos anos 1980, e encontrou lugar nos regimes nacionais populares do Terceiro Mundo contemporâneo.
Por toda a parte, esse conceito de “vanguarda” dava à teoria e à ideologia importância decisiva, a qual, por sua vez, implicava valorizar o papel dos “intelectuais” (revolucionários, é claro), ou seja, da intelligentsia. Intelligentsia não é sinônimo de classes médias educadas, menos ainda de quadros, burocratas, tecnocratas ou universitários (as chamadas “elites”, no jargão anglo-saxão). Intelligentsia é um grupo social que não emerge como tal senão em condições especiais que se observam em algumas sociedades e passam a ser ativo importante, muitas vezes decisivo. Fora da Rússia e da China, encontra-se fenômeno análogo na França, na Itália e em outros países, mas com certeza não há nem na Grã-Bretanha nem nos EUA, nem, em geral, na Europa do Norte.
Na França, durante a maior parte do século 20, a intelligentsia teve lugar importante na história do país, reconhecido pelos melhores historiadores. Pode ter sido efeito indireto da Comuna de Paris, durante a qual o ideal da construção de um estágio mais avançado da civilização, ao sair do capitalismo, manifestou-se mais claramente que em qualquer outro ponto do mundo (cf. meu artigo sobre a Comuna).
Na Itália, o Partido comunista de antes do fascismo cumpriu funções análogas. Como Luciana Castallina observa com lucidez, os comunistas – uma vanguarda fortemente apoiada pela classe operária, mas sempre minoritária em termos eleitorais – realmente construíram, sozinhos, a democracia italiana. Tiveram, “na oposição” – à época – um poder real na sociedade, muito mais considerável do que teriam depois, “no governo”! O verdadeiro suicídio, que só se explica pela mediocridade dos líderes que sucederam Berlinguer, fez sumir, com eles mesmos, o Estado e a democracia na península.
Esse fenômeno da intelligentsia jamais existiu nos EUA e na Europa protestante do Norte. O que aqui se chama “a elite” – a seleção do termo é significativa – é composta exclusivamente de servidores do sistema, ainda que sejam “reformadores”. A filosofia empirista/pragmatista, que aqui ocupa toda a cena do pensamento social, com certeza reforçou os efeitos conservadores da reforma protestante cuja crítica propus noutro estudo (L’Eurocentrisme, modernité, religion, démocratie). O anarquista alemão Rudolf Rocker é dos raros pensadores europeus que expôs reflexão próxima da minha; mas a moda exige – por Weber e contra Marx – que a reforma protestante seja celebrada sem exame, como avanço progressista!
Nas sociedades periféricas em geral, além dos casos flagrantes de Rússia e China, e por idênticas razões, iniciativas das “vanguardas”, quase sempre intelligentsistas, favoreceram a reunião e o apoio de grandes maiorias populares. A forma mais frequente dessas cristalizações políticas cujas intervenções foram decisivas no “despertar do Sul” foi a do (ou dos) “populismo”. Teoria e prática traçadas pelas “elites” (à moda anglo-saxônica, “pró-sistema”), mas defendidas e em certo sentido reabilitadas por Ernesto Laclau com argumentos sólidos, boa parte dos quais assumirei.
É claro que há tantos “populismos” quanto experiências históricas chamadas “populistas”. Os populismos são frequentemente associados a personagens “carismáticos”, cuja “autoridade” do pensamento é aceita sem muita discussão. Os reais avanços (sociais ou nacionais) que lhes são associados em algumas condições levaram-me a classificar esses regimes como “nacionais populares”. Fique desde já claro que esses avanços jamais foram mantidos nem por uma prática democrática convencional, “burguesa”, menos ainda por um conjunto de práticas mais avançadas, como as que apresentarei, pelo menos nas linhas gerais possíveis, adiante, nesse artigo. Foi o caso da Turquia de Ataturk, que provavelmente iniciou o modelo para o Oriente Médio, depois do Egito nasserista, os regimes do partido Baas da primeira fase, da Argélia da FLN. Experiências análogas, em condições diferentes, foram desenvolvidas nos anos 1940 e 1950 na América Latina. A “fórmula”, porque responde a carências e possibilidades reais, está longe de ter perdido seu potencial de renovação.
Classificarei portanto de boa vontade como “nacionais populares” algumas experiências em curso na América Latina, sem deixar de assinalar que, no plano da democratização, essas experiências sem dúvida trouxeram avanços que não se viram nas que as precederam.
Propus algumas análises sobre as razões do sucesso dos avanços obtidos nesse quadro em alguns países do Oriente Médio (Afeganistão, Iêmen do Sul, Sudão, Iraque) que pareciam mais promissores que outros, mas também as razões dos fracassos dramáticos.
Seja como for, é preciso não generalizar nem simplificar, como faze a maioria dos comentaristas ocidentais obcecados pela “questão democrática”, ela mesma já reduzida à fórmula do que descrevi como “farsa democrática”. Nos países da periferia, essa farsa assume muitas vezes traços de extrema caricatura. Sem serem “democratas”, alguns líderes de regimes nacionais populares foram “grandes reformadores” (progressistas), carismáticos ou não. Nasser é um belo exemplo. Mas outros nada foram além de polichinelos inconsistentes, como Gaddafi, ou déspotas vulgares “não iluminados” (e, além disso, sem qualquer carisma), como Ben Ali, Moubarak e vários outros. De fato, esses ditadores não conduziram experiências nacionais populares. Nada fizeram além de organizar a pilhagem de seus países por máfias associadas pessoalmente ao próprio ditador. Nesse sentido, foram, como Suharto e Marcos, agentes executivos das potências imperialistas as quais, além do mais, sustentaram seus poderes até o final.
O passadismo, inimigo da democracia
Os limites de cada uma e de todas as experiências nacionais populares (ou “populistas”) dignas do nome originam-se nas condições objetivas que caracterizam as sociedades da periferia do mundo capitalista/imperialista contemporâneo. São experiências diversas, evidentemente. Mas além da diversidade há convergências importantes que permitem projetar alguma luz sobre as razões de seus sucessos além de seus recuos.
A persistência de aspirações “passadistas” não é produto do “atrasismo” sólido dos povos considerados (o discurso habitual sobre o tema), mas meio para que se possa aferir corretamente o desafio. Todos os povos e nações das periferias não só foram submetidos a uma feroz exploração econômica pelo capital imperialista, mas também foram, por isso mesmo, submetidos a uma também feroz agressão cultural. A dignidade da cultura, da língua, dos costumes, da história foi-lhes negada com muito visível desprezo. Não surpreende que essas vítimas do colonialismo externo ou interno (os povos nativos da América) associem naturalmente a libertação social e política à restauração da dignidade nacional.
Mas, por sua vez, essas aspirações legítimas induzem também a que os povos se voltem para o passado, e exclusivamente para o passado, na esperança de lá encontrarem a resposta às questões de hoje e de amanhã. Há risco real de o movimento de despertar e de libertação de vários povos acabar preso em impasses trágicos, no caso de o “passadismo” ser tomado como eixo central da renovação buscada.
A história do Egito contemporâneo ilustra à perfeição a transformação da complementaridade necessária entre a perspectiva universalista aberta para o futuro e associada à restauração da dignidade do passado, num conflito entre duas opções formuladas em termos absolutos: ou bem “ocidentalizar-se” (no sentido vulgar do termo, renegando o passado), ou bem “voltar ao passado” (sem crítica).
O vice-rei Mohamed Ali (1804-1849) e os quedivas[2] até os anos 1870s optaram por uma modernização aberta à adoção de fórmulas de modelos europeus. Não se pode dizer que essa opção fosse uma “ocidentalização” de pacotilha. Os chefes do estado egípcio davam importância à industrialização modernizante do país, não à adoção, unicamente, do modelo de consumo dos europeus. Interiorizaram a assimilação dos modelos europeus associando-os à renovação da cultura nacional e contribuindo para fazê-la mover-se no sentido do laicismo, e a prova está nos seus esforços para apoiar a renovação da língua. Claro que o modelo europeu em questão era o modelo capitalista e sem dúvida não avaliavam a exata medida do caráter imperialista daquele modelo. Mas não se pode recriminá-los por isso. E quando o quediva Ismail proclamou seu objetivo – “fazer do Egito um país europeu” – ultrapassou Ataturk em 50 anos; e planejava associar aquela “europeização” ao renascimento nacional, não à negação desse renascimento.
As insuficiências da Nahda [“Renascimento Árabe”] cultural da época (sua incapacidade para compreender o que fora o Renascimento europeu), e o caráter “passadista” que dominava os conceitos da Nahda, sobre os quais escrevi, não são segredo para ninguém.
Saldo disso é precisamente a visão predominantemente passadista que se imporá ao movimento de renovação nacional no final do século 19. Ofereci uma explicação para isso: a derrota do projeto “modernista” que ocupara o proscênio entre 1800 e 1870 levou o Egito a regredir. E a ideologia da recusa daquele declínio cristalizou-se naquele momento de regressão, com todas as deformações que isso implicava. Os fundadores no novo Partido Nacional (Al hisb al watani), no final do século 19, Mustafá Kamel e Mohamed Farid, escolheram o passadismo como eixo central de seu combate, como se vê, dentre outras evidências, em suas ilusões “otomanistas” (apoiar-se em Istambul contra os ingleses).
A história provaria o erro dessa escolha. A revolução nacional e popular de 1919-1920 não foi conduzida pelo Partido Nacionalista, mas por seu adversário “modernista”, o Partido Wafd. Taha Hussein retoma então o slogan do quediva Ismail: “europeizar o Egito”; apoiar para essa finalidade a nova Universidade e marginalizar o Azhar [uma das principais mesquitas e entidades islâmicas do Egito].
A tendência passadista, herdada do Partido Nacionalista, logo deslizaria para a insignificância. Seu líder – Ahmad Hussein –, nos anos 1930 já não passa de chefe de um partido minúsculo, que pouco depois seria atraído pelo fascismo. Mas a tendência passadista reapareceria fortemente presente, outra vez, entre os oficiais livres que, em 1952, derrubariam o rei.
As ambiguidades do projeto de Nasser são o resultado desse recuo, no debate sobre a natureza do desafio. Nasser tenta associar alguma modernização, que mais uma vez não era de pacotilha, fundada na industrialização, ao apoio a algumas das ilusões passadistas. Pouco importa que o projeto de Nasser inscreva-se – ou tenha suposto que se inscrevesse – numa perspectiva “socialista”, evidentemente desconhecida no século 19. A atração que o passadismo exercia sobre ele continua lá. As opções relacionadas à “modernização do Azhar”, que já critiquei, são prova disso.
O conflito entre as visões “modernistas, universalistas” de uns e as visões “passadistas integralistas” de outros ainda ocupam o proscênio no Egito. As primeiras são defendidas, principalmente, pela esquerda radical (no Egito, de tradição comunista, forte nos anos imediatamente posteriores à II Guerra Mundial), ouvidas pelas classes médias esclarecidas, sindicatos operários e, ainda mais, pelas novas gerações. O passadismo tende mais à direita, com os Irmãos da Fraternidade Muçulmana, que adotou posições extremas na interpretação mais arcaica do Islã (promovida pela Arábia Saudita), o wahabismo.
Não é difícil chamar a atenção para o contraste que há entre essa evolução, que fechou o Egito num impasse, e a via adotada pela China depois da revolução dos Taipings[3], que o maoísmo retomou e aprofundou: a construção do futuro passa pela crítica radical do passado. “A emergência” no mundo moderno e, portanto, a proposição de respostas eficazes ao desafio, inclusive o engajamento na via da democratização – cujas linhas gerais exporei adiante, nesse artigo – são condicionadas pela recusa a fazer do passadismo o eixo central da renovação.
Não é pois por acaso que a China está hoje na vanguarda dos países “emergentes”. Tampouco é acaso que, na região do Oriente Médio, a Turquia, não o Egito, inclua-se no mesmo pelotão. A Turquia – mesmo a do Partido AKP “islâmico” – beneficia-se da ruptura que, ao seu tempo, foi o kemalismo. Mas a diferença entre a China e a Turquia é diferença decisiva: a escolha “modernista” da China já se inscreve numa perspectiva que se deseja “socialista” (e a China está em conflito com o hegemonismo dos EUA, quer dizer, com o imperialismo coletivo da Tríade), perspectiva que veicula oportunidades de progresso, enquanto a “modernidade” da Turquia contemporânea, que não cogita de sair da lógica da globalização contemporânea, é via sem futuro. Seu sucesso é só aparente e provisório.
A associação entre a tendência modernista e a tendência passadista que se encontra em todos os países do grande Sul (as periferias), evidentemente em fórmulas diversas. A confusão produzida por essa associação aparece numa de suas manifestações mais visíveis na profusão de discursos ineptos sobre “as formas do passado que se pretendiam democráticas”, trazidas a nu, sem crítica. A Índia independente faz o elogio dos panchayat [4]; os muçulmanos, da shura; os africanos, da “árvore que fala”, como se essas formas da vida social do passado tivessem algo a ver com os desafios do mundo moderno. A Índia é a maior democracia (por número de eleitores) do planeta? Ou essa democracia eleitoral ainda é e continuará a ser farsa, enquanto não se fizer a crítica radical do sistema de castas (herdado, também ele, do passado), até aboli-lo? A shura continua a ser veículo para pôr em ação a Xaria, interpretada no sentido mais reacionário, inimigo da democracia.
Os povos da América Latina enfrentam hoje esse mesmo problema. Compreende-se facilmente a legitimidade das reivindicações “dos indígenas”, se se sabe o que foi o colonialismo interno ibérico. Alguns discursos indigenistas pouco criticam os passados locais envolvidos na questão. Mas outros, sim, criticam aqueles passados e fazem avançar os conceitos ao associar, de modo radicalmente progressista, as exigências universalistas e o potencial que se acumula na evolução do que se herda do passado. Nesse sentido, os debates bolivianos são, provavelmente, muito ricos. A análise crítica dos discursos indigenistas em questão, feita por François Houtart (El concepto de Sumai Kwasai) acende nossas lanternas. A ambiguidade aparece muito destacada nesse estudo notável, que passa em revista o que me parece ser a provável totalidade dos discursos sobre o tema.
A contribuição – negativa – do passadismo na construção do mundo moderno é de tal ordem, que pode ser detectada não só nos povos das periferias. Na Europa, além de seu quarto noroeste, as burguesias estavam enfraquecidas demais para engajar-se em revoluções como na Inglaterra ou na França. O objetivo “nacional” – particularmente na Alemanha e na Itália, depois também na direção do leste e do sul do continente – serviu como meio de mobilização e de guarda-chuva para compromissos “meio-burgueses/meio velhos regimes”. O passadismo mobilizado aqui não foi “religioso”, mas “étnico”, fundado numa definição etnocêntrica da nação (na Alemanha) ou numa leitura mitológica da história romana (na Itália). O desastre está aí à vista – o fascismo e o nazismo –, a ilustrar o caráter arquirreacionário, com certeza antidemocrático, do passadismo nessas formas “nacionais”.
A alternativa universalista: a autêntica e plena democratização e a perspectiva socialista
Falarei aqui de democratização, não de democracia. A democracia, reduzida como está nas fórmulas impostas pelos poderes dominantes, já não passa de farsa. A farsa eleitoral produz um parlamento “esgoto” impotente, com o governo como único responsável frente ao FMI e à OMC, quer dizer, frente aos instrumentos dos monopólios da tríade imperialista. A farsa democrática está agora completada pelo “discurso-dos-direitos-do-homemista”, que insiste no respeito ao direito de protestar, sob a estrita condição de que o protesto jamais ponha em questão o poder supremo dos monopólios. E o protesto também já foi criminalizado, associado, como foi, ao “terrorismo”.
A democratização, concebida em contraponto como plena, quer dizer, dizendo respeito a todos os aspectos da vida, inclusive, claro, à gestão da economia, tem de ser processo sem fronteiras e sem limites, produzido pelas lutas e pela imaginação criadora dos povos. A democratização só tem sentido e autenticidade, se mobiliza essas potências inventivas, na perspectiva de construir um estágio mais avançado da civilização humana. Não pode pois vir fechada num formulário (“blue print”) prêt-à-porter. Nem por isso é desnecessário propor algumas linhas diretrizes do movimento, quanto ao rumo geral e para que se definam objetivos estratégicos possíveis, etapa a etapa.
A luta pela democratização é luta. Exige portanto mobilização, organização, escolha de ações, visão estratégica, sentido de tática, politização das lutas. Claro que essas formas não podem ser decretadas antes, a partir de dogmas santificados. Mas é indispensável identificá-las e não há como fugir disso. Porque se trata, bem claramente, de forçar o sistema de poder que aí está a recuar, tendo, como objetivo, substituí-lo por outro sistema de poderes. Sem dúvida, deve-se abandonar a fórmula da “revolução” que substitui de vez o poder do capital pelo poder do povo, santificado. São possíveis avanços revolucionários, fundados sobre os avanços de novos poderes, populares, reais, que fazem recuar os que continuarem a defender os princípios que reproduzem a desigualdade. Além do mais, Marx jamais formulou qualquer teoria “da revolução solene e solução definitiva”. Sempre, ao contrário, insistiu na longa transição caracterizada por esse conflito de poderes: os velhos em declínio e os novos em formação.
Abandonar a questão do poder é jogar fora o bebê com a água do banho. Acreditar que a sociedade possa ser transformada sem destruição, ainda que progressista, do sistema do poder que há, é crença da mais completa ingenuidade. Porque os poderes que há, longe de serem “desconstituídos” pela mudança social, são sempre capazes de capturar o novo, submetê-lo, integrá-lo como reforço – não como enfraquecimento – do poder do capital.
A triste deriva do “ecologismo”, que é hoje campo aberto à expansão do capital, é prova disso. Eludir a questão do poder, é pôr os movimentos numa situação que não lhes permite passar à ofensiva, condená-los a posições defensivas, de resistir às ofensivas dos que têm o poder e privá-los, portanto, da iniciativa. (...)
As lutas sociais e políticas (indissociáveis) poder-se-iam propor-se alguns grandes objetivos estratégicos, que apresentarei (adiante) ao debate teórico e político, confrontado sempre à prática das lutas, aos seus avanços e recuos.
Para começar, reforçar os poderes dos trabalhadores nos seus locais de trabalho, nas suas lutas cotidianas contra o capital. É, digamos, a vocação dos sindicatos. Sim, mas só se os sindicatos forem instrumentos de lutas reais. O que já não são, sobretudo os “grandes sindicatos”, pressupostos “fortes”, porque se assemelham a grandes maiorias entre os trabalhadores envolvidos. Essa força aparente é a verdadeira fraqueza dos sindicatos, porque os sindicatos creem-se obrigados a “ajustar-se” às reivindicações consensuais, sempre muito, muito modestas. Quem se surpreende por as classes operárias na Alemanha e na Grã-Bretanha (países de “sindicatos fortes”, como se ouve dizer) terem aceito ajustes drásticos que o capital lhes impôs ao longo dos últimos 30 anos, enquanto os “sindicatos franceses”, minoritários e considerados fracos, – conseguiram resistir melhor (ou menos mal)? Essa realidade nos lembra, simplesmente, que as organizações de militantes, sempre minoritárias por definição (a classe não pode ser constituída só de militantes!), conseguem, muito mais que os sindicatos “de massa” (e, portanto, de não militantes), arrastar maiorias para as lutas.
Outro terreno de lutas possíveis para estabelecer poderes novos, são os poderes locais. Nesse domínio, contudo, não farei generalizações rápidas, seja pela afirmação de que a descentralização é sempre um avanço democrático, seja, pelo contrário, pela afirmação de que a centralização é necessária para “mudar o poder”. A descentralização pode ser capturada por “sumidades locais”, em geral tão reacionárias quanto os agentes do poder central. Mas a descentralização também pode, conforme as estratégias postas em ação pelas forças progressistas em luta e as condições locais – favoráveis aqui, desfavoráveis ali –, completar e substituir os avanços na criação de novos poderes populares. A Comuna de Paris incluiu, com seu projeto de federalismo comunal. Os communards sabiam que retomavam, nessa questão, a tradição montagnarde dos Jacobinos de 1793. Porque esses, diferente do que se diz sem pensar (quantas vezes já se ouviu dizer que os “centralistas” jacobinos completaram a obra da Monarquia?!), foram federalistas (como esquecer a Festa da Federação?). A “centralização” foi obra posterior da reação termidoriana, concluída por Bonaparte.
A “descentralização” continua a ser termo dúbio, oposto como absoluto a outro termo absoluto, “centralização”. Associar um ao outro é desafio que está posto, nos combates pela democratização.
A questão dos poderes múltiplos – locais e centrais – é crucialmente importante nos países “heterogêneos”, ou por alguma razão histórica, ou qualquer outra. Nos países andinos e, mais geralmente, na América dita latina – e que deveria ser chamada de indo-afro-latina – a construção de poderes específicos (e dizer específicos é dizer que gozam de alguma margem de autonomia real) é condição para o renascimento das nações indígenas, renascimento sem o qual a emancipação social não tem sentido algum.
O feminismo e o ecologismo são outros terrenos de conflitos entre as forças sociais engajadas na perspectiva da emancipação global da sociedade e os poderes conservadores ou reformistas dedicados a perpetuar as condições da reprodução capitalista. Não cabe, evidentemente, considerá-los lutas “específicas”, porque as reivindicações aparentemente específicas que essas lutas promovem e a transformação global da sociedade são indissociáveis. Mas nem todos os movimentos feministas e ecologistas entendem assim.
A articulação das lutas nos diversos terrenos aqui evocados – e em outros – convida a construir formas institucionalizadas da interdependência entre todos os campos. Trata-se, uma vez mais, de mostrar imaginação criadora. Não é necessário esperar que a legislação vigente o permita, para criar sistemas institucionalizados (“informais”, se não sempre “ilegais”) por exemplo de negociação social permanente e “obrigatória” de fato, empregados/patronato; por exemplo de controle, que imponha a paridade homem/mulher; por exemplo, que toda decisão importante de investimento (privado ou estatal) seja submetido a avaliação séria, do ponto de vista ecológico.
Avanços reais nas direções propostas aqui criam uma dualidade de poderes – como a que Marx imaginou para a longa transição do socialismo ao comunismo, etapa mais avançada da civilização humana. Esses avanços levariam as “eleições” por sufrágio universal a tomar rumo completamente diferente do previsto na democracia-farsa. Mas aqui, outra vez, só fazem sentido eleições que se realizem depois das vitórias, nunca antes.
As propostas aqui sugeridas – e muitas outras possíveis – não se inscrevem no discurso dominante sobre “a sociedade civil”. De fato, andam no sentido oposto. O discurso sobre “a sociedade civil”, parente próximo dos delírios do “pós-modernismo” à Negri, é herdeiro direto da tradição da ideologia do consenso à moda dos EUA que sempre o promoveu em todo o planeta, retomado sem crítica por dezenas de milhares de ONGs e por seus representantes que se impõem em grandes números nos Fóruns Sociais. Essa ideologia aceita o regime (vale dizer: o capitalismo dos monopólios), no que tem de essencial – e serve de modo muito útil ao poder do capital. Como que lhe azeita as engrenagens. Assim o próprio capital gera uma falsa “oposição” sem qualquer capacidade para mudar o mundo. Por mais que aquela falsa “oposição” se apresente como agente de mudança, nada jamais muda.
Três conclusões
1. O vírus liberal tem efeitos devastadores. Produziu um “ajuste ideológico” que serve muito bem à expansão capitalista a qual sempre gera mais barbárie. Mas convenceu grandes maiorias – inclusive nas gerações mais novas – de que é hora de “viver no presente”, colher o que o imediato oferece, esquecer o passado, não pensar no futuro, sob o pretexto de que a imaginação utópica engendraria monstros. Convenceu vastas maiorias de que o sistema que há seria compatível com “o desenvolvimento do indivíduo” (o que absolutamente ele não é). Formulações acadêmicas pretensamente “novas” – os “pós”, pós-modernismo, pós-colonialismo, estudos culturais, elucubrações à Negri – garantem alvarás de legitimidade à capitulação do espírito crítico e da imaginação inventiva.
O desarranjo que essa prática de submissão interiorizada implica está, sem dúvida, na origem, dentre outros, da “renovação religiosa” (ressurgimento de interpretações religiosas e pararreligiosas conservadoras e reacionárias, “comunitaristas”, ritualistas. O “monoteísmo” dá o braço, sem problema algum, ao “moneyteísmo” – assunto sobre o qual já escrevi.
Excluo evidentemente as interpretações religiosas que mobilizam o sentido que dão à espiritualidade, para legitimar a tomada de posição ao lado das forças sociais que lutam por emancipação. Mas as forças religiosas reacionárias são majoritárias, as forças religiosas progressistas são minoritárias, quando não marginalizadas. Outras formulações ideológicas não menos reacionárias também preenchem o vazio criado pelo vírus liberal: por exemplo, dentre outros, todos os “nacionalismos” e os comunitarismos étnicos e paraétnicos.
2. A diversidade é, muito felizmente, bela realidade do mundo. Mas elogiar a diversidade ‘em si’ leva a confusões perigosas.
De minha parte, proponho que se considerem à parte as “diversidades herdadas” (do passado), que, afinal, é o que são, e que só depois de demorado exame crítico poderão ser (ou não) reconhecidas eficazes para o projeto de emancipação. Proponho que não se misturem essas diversidades e outras – que visam a inventar o futuro e lutar pela emancipação. Porque também há diversidades cá do nosso lado, de análises e substratos culturais e ideológicos e propostas de estratégias de luta.
Na 1ª Internacional, lá estavam Marx, Proudhon, Bakunin. A 5ª Internacional deve fazer da diversidade um trunfo. Imagino que não pode “eliminar”, mas deve reunir e integrar: marxistas de diferentes escolas (inclusive alguns passavelmente “dogmáticos”); reformadores radicais autênticos que, mesmo assim, preferem reforçar objetivos viáveis mais próximos que perspectivas distantes; teólogos da libertação; pensadores e militantes que queiram inscrever as renovações nacionais que promovem, na perspectiva da emancipação universal; feministas e ecologistas que também se inscrevam nessa perspectiva. A condição fundamental que permitirá que esse reagrupamento de combatentes realmente trabalhe pela mesma causa é a tomada de consciência do caráter imperialista do sistema que há. A 5ª Internacional tem de ser muito claramente anti-imperialista. Não se pode satisfazer com “intervenções humanitárias” com as quais os poderes dominantes tentam substituir a solidariedade e o apoio às lutas de libertação dos povos, das nações e dos estados das periferias. Além desse reagrupamento, devem-se buscar alianças amplas com todas as forças e movimentos em luta contra as derivas da democracia-farsa.
3. Se insisto na dimensão anti-imperialista dos combates a fazer, é porque essa é a condição da possibilidade de construir uma convergência entre as lutas do Norte e do Sul do planeta. Já disse que a fraqueza – pelo mínimo que se diga – da consciência anti-imperialista no Norte é a principal causa da limitação dos avanços que os povos das periferias conseguiram até agora, e mais ainda de seus recuos.
Construir a perspectiva de convergência das lutas é empreitada difícil. É preciso não subestimar os perigos mortais que há nessas dificuldades.
No Norte, uma dessas dificuldades é a adesão ainda grande à ideologia do consenso que legitima a farsa democrática, aceitavam graças aos efeitos corruptores do rentismo imperialista. Mesmo assim, a própria ofensiva do capital dos monopólios contra os próprios trabalhadores do Norte, que está em curso, poderia ajudar na direção de os trabalhadores tomarem consciência de que os monopólios imperialistas são inimigos comuns, de todos. Os movimentos que se estão criando e reconstruindo em tempos politizados e organizados conseguirão fazer ver que os monopólios capitalistas têm de ser expropriados e nacionalizados na direção de serem socializados? Se não nos aproximarmos desse ponto de ruptura, o poder de última instância dos monopólios do capitalismo/imperialismo continuará intacto. As derrotas que o Sul poderia infligir àqueles monopólios, fazendo recuar a sangria operada pelo rentismo imperialista só reforçariam as chances de os povos do Sul livrarem-se também de suas cadeias.
Mas no Sul persiste o conflito de expressões da visão do futuro: universalistas ou passadistas? Enquanto esse conflito não se decidir a favor dos primeiros, os povos do Sul só conseguirão obter, em suas lutas de libertação, vitórias frágeis, limitadas e vulneráveis.
O bloco histórico progressista universalista só ganhará corpo, se se fizerem avanços sérios no Norte e no Sul, nos rumos aqui sugeridos.
Original em francês
http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=6413
Referências
Para referências que podem ajudar o leitor a refazer o percurso da formação dos conceitos utilizados nesse texto (em francês e inglês), verhttp://www.pambazuka.org/fr/category/features/74822/print.
NTs
[1] Na Conferência de Bandung (18-24/4/1955), reuniram-se na Indonésia, os líderes de 29 estados asiáticos (Afeganistão, Arábia Saudita, Birmânia, Camboja, Laos, Líbano, Ceilão, República Popular da China, Filipinas, Japão, Índia, Paquistão, Turquia, Síria, Israel, República Democrática do Vietnã, Irã, Iraque, Vietnã do Sul, Nepal, Iêmen do Norte) e africanos (Etiópia, Líbia, Libéria e Egito), países que, juntos, tinham então população total de 1,35 bilhões de habitantes (mais emhttp://www.britannica.com/EBchecked/topic/51624/Bandung-Conference[NTs]).
[2] Quediva (do persa “soberano”; خديوي em árabe) era o título de vice-rei conferido pelo Império Otomano ao paxá do Egito (mais emhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Quediva [NTs]).
[3] Guerra civil, no sul da China, que durou de 1850 a 1864, liderada por um cristão convertido, Hong Xiuquan, que se apresentava como irmão mais jovem de Jesus Cristo, contra a dinastia Qing, dos Manchu. Houve cerca de 20 milhões de mortos, sobretudo civis, num dos conflitos militares mais mortais de toda a história. Mao Tse Tung, em Política e Tática, fala dessa revolta de Taiping, como um dos primeiros levantes revolucionários heróicos contra um regime feudal corrupto [NTs, com informações dehttp://en.wikipedia.org/wiki/Taiping_Rebellion].
[4] Panchayat, lit. “assembleia” (ayat) de “cinco” (panch) anciãos sábios e respeitados, escolhidos e aceitos por comunidades locais. Governos contemporâneos da Índia descentralizaram várias funções administrativas para o nível local, dando poder político a gram panchayats eleitos [NTs, com informações de http://en.wikipedia.org/wiki/Panchayati_raj].
Tradução: Coletivo de Tradutores Vila Vudu
Coluna do Lenio Streck - Não se concorda com tudo, mas é divertida e bem escrita
Amigos: eis a minha coluna de O SUL de 24 de dezembro. Como disse, estou ficando conservador. Abraços.
O FUTEBOL, A EPISTEMOLOGIA E O PCdoB
December 25th, 2011 | Author: clarissa
Coluna publicada no Jornal O Sul, no dia 24/12/2011, por Lenio Streck.
A CARTA DO PCdoB AO KAMARADA KIM IL-SUNG – O COMUNISCO FAKE DO PCdoB
No Brasil as coisas são fake. O capitalismo é de fancaria, porque as (grandes) empresas dependem do BNDEs e do Estado (lato sensu – incentivos fiscais, renúncias, anistias etc.). A indústria automobilística é a que mais lucra no mundo. E cobra os maiores preços. E não coloca air bag. Mas põe chassis fraquinhos, fraquinhos. Os consumidores são desrespeitados pelo capitalismo de terrae brasilis. Disque 1, se você é trouxa; 2, Se for idiota; 3, se quiser voltar ao menu…! A indústria de carros não gosta dos consumidores. A GOL também não. A Câmara de Vereadores de POA também não gosta dos eleitores. Mas já estou misturando os assuntos. É que o espaço é curto. Queria mesmo dizer que, se o nosso capitalismo é fake, o “nosso comunismo” é ultrafake. Os Kamaradas (동무) do PCdoB dizem, em carta, que o Grande Lider Kim Jong Il, pai do Querido Lider Kim Il-Sung e pai do agora entronado Kim Il Sung (é de avô para neto!) são lutadores pelo socialismo e contra o imperialismo e pela “democracia de massas”. O que é isto, companheiro? A Coréia do Norte é exemplo de quê? Mesmo quem tem simpatia pela esquerda “perde os butiás do bolso” com essa “carta de solidariedade à tristeza do povo norte-coreano” pela morte do “querido líder”. Chamo a isto de “fator sniff” (é uma onomatopéia, gente). E as frases (da carta) sobre o Partido dos Trabalhadores da Coréia do Norte? O incrível é que isso “não pega” nos Kamaradas do PCdoB. Efeito “teflon”. São comunistas pós-modernos. Esperando Godot…! Por isso, estoco não só comida, mas também ideologia. Já está faltando. Ainda vão vender isso no black. A propósito: quem entregará a “carta” ao povo norte-coreano? Resposta simples: o povo norte-coreano é um-todo-unido-com-o-Partido (assim, com os hífens). São uma coisa só. São tão unidos que em alemão a palavra é Verschmelzung – “fundidos” ou “misturados” (hoje meu sarcasmo passou dos limites, eu confesso!). Dizer mais o quê?
(IN)SEGURANÇA E (I)MOBILIDADE URBANA
Andando pelas grandes cidades da Alemanha, vê-se que o trânsito flui. E quase não se vê guardas na rua. Nem bloquinhos em suas mãos. E lendo sobre a segurança pública, vê-se que na Alemanha as prisões funcionam (entendam o que quero dizer com isso, por favor!). Não são depósitos de presos e nem masmorras medievais (leiam a minha coluna anterior, por favor, para entenderem melhor a discussão). E não há progressão de regime (que não é ruim, mas, no Brasil, é usada para desovar presos, para não precisar investir; ou alguém acha que se concede progressão de regime por “questões humanitárias”? Na verdade, é um cálculo puramente econômico!). E também não há indultos (não que os indultos sejam um “mal em si”; ocorre que, no Brasil, os indultos obedecem a cálculos de econômica, para “fazer” novas vagas nos presídios). E também não se concedem habeas corpus porque não há vagas nos presídios (imaginemos um autor de assalto ou latrocínio que não pode ser preso por falta de vagas – há vários exemplos disso no Rio Grande do Sul, o que me motivou, em 2009, a representar ao Procurador-Geral da República pela Intervenção Federal no RS, que, aliás, até hoje não se pronunciou a respeito…!). E as leis são duras (para todos e não só para o “andar de baixo”). Ao contrário do que diz o Dr. Marivaldo (do Ministério da Justiça). Ele é contra “penas mais duras”. Diz que não adianta. Seria bom que o Dr. Marivaldo passasse algum tempo em países como a Alemanha. E poderia trazer junto com ele o Secretário da Imobilidade Urbana de Porto Alegre. Juntos, poderiam reavaliar alguns conceitos. Os dois poderiam dizer: sim, mas em países como a Alemanha, a coisa funciona. Concordo. Mas, vejam: você estão no Brasil. Sejam criativos. E não se escondam atrás de jargões e frases de efeito do tipo “as prisões não regeneram; o problema é a impunidade” (de quem, cara pálida? Do andar de baixo ou do de cima?); ou, ainda, o trânsito não flui porque há carros demais…!). Indignemo-nos, os três (o Dr. Marivaldo, o Secretário e eu)! E vamos estocar ideias.
O FUTEBOL, AS “DUAS LINHAS DE QUATRO” E A EPISTEMOLOGIA
O jogo Santos e Barcelona acendeu a luz amarela da crônica esportiva. Dias e dias de flatus vocis (palavras ao vento). Incrível. Over dose de Neymar; over dose de “esquemas táticos”; over dose sobre a família dos jogadores. Até a cor das cuecas do Neymar mostraram. Gosto de futebol. Mas, por favor… Néscios de toda monta se metem a falar de coisas que são pura ficção. São os “neoepistemólogos” do futebol (na próxima coluna explico o que é “epistemologia”!). Oh, o técnico tal (chamado de “professor” – vejam o Roth é professor…!) joga com 3-6-1… Céus. E o Prof. Muricy? Jogou com três zagueiros fixos? Uau! Imagino os “três zagueiros fixos”…! Que “esquema”! E o pai do Neymar, o que acha disso? Pausa para ouvir o amigo de infância do primo do porteiro do prédio do… Neymar. Fulano, grita um neoepistemólogo cheio de gás, “qual é o esquema do Santos”? Seria melhor com duas linhas de quatro, acrescenta. E ficam horas falando sobre algo que qualquer jogador, com um drible ou um lançamento, acaba com a “teoria”. O Mazembe, que ganhou em 2010 do Internacional, que o diga. O “professor” Celso, o Roth(o), jogou com duas linhas de quatro… ou, sei lá, com 1-5-3-1…! Endeusam técnicos que nada mais são dos que motivadores. Ou personagens de livros de auto-ajuda. Ou alguém acredita que exista mesmo um “esquema tático”? Uma coisa é um jogador “ter posição”. Outra coisa é “matematizar” algo que é arte. Futebol é arte. Não há uma teoria sobre o futebol. Não dá para fazer epistemologia sobre o futebol. Pelo menos não é possível (epistemologizar o futebol) se se entender a epistemologia pelos modelos clássicos. Mas, quem vai entender isso? Se a maioria dos repórteres ou comentaristas tem dificuldade em fazer raciocínios abstratos e “fazer metáforas”, como exigir uma reflexão mais aprofundada sobre esse belo fenômeno artístico que é o futebol? Enfim… Os comentários sobre futebol não tem passado de flatus vocis. Sim, flatus vocis (para quem não sabe o sentido, recomendo ler Guilherme de Ockam, que não é um jogador vindo das categorias de base do Boca Junior, repatriado desde cedo para o Barcelona…!). Vou estocar imagens dos comentaristas da Sport TV…! E vender para o Monty Python.
FELIZ NATAL
Para todos os meus leitores, Feliz Natal e Grande 2012. E evitem o 8º. pecado, a ingratidão. Que feio é ser ingrato. Conheço muita gente assim. Pensem sempre na fábula do sapo e do escorpião. No meio do caminho, o escorpião não resiste…! Mas resistam aos “alacraus” (aracnídeos artrópodes)! Saludos!
A CARTA DO PCdoB AO KAMARADA KIM IL-SUNG – O COMUNISCO FAKE DO PCdoB
No Brasil as coisas são fake. O capitalismo é de fancaria, porque as (grandes) empresas dependem do BNDEs e do Estado (lato sensu – incentivos fiscais, renúncias, anistias etc.). A indústria automobilística é a que mais lucra no mundo. E cobra os maiores preços. E não coloca air bag. Mas põe chassis fraquinhos, fraquinhos. Os consumidores são desrespeitados pelo capitalismo de terrae brasilis. Disque 1, se você é trouxa; 2, Se for idiota; 3, se quiser voltar ao menu…! A indústria de carros não gosta dos consumidores. A GOL também não. A Câmara de Vereadores de POA também não gosta dos eleitores. Mas já estou misturando os assuntos. É que o espaço é curto. Queria mesmo dizer que, se o nosso capitalismo é fake, o “nosso comunismo” é ultrafake. Os Kamaradas (동무) do PCdoB dizem, em carta, que o Grande Lider Kim Jong Il, pai do Querido Lider Kim Il-Sung e pai do agora entronado Kim Il Sung (é de avô para neto!) são lutadores pelo socialismo e contra o imperialismo e pela “democracia de massas”. O que é isto, companheiro? A Coréia do Norte é exemplo de quê? Mesmo quem tem simpatia pela esquerda “perde os butiás do bolso” com essa “carta de solidariedade à tristeza do povo norte-coreano” pela morte do “querido líder”. Chamo a isto de “fator sniff” (é uma onomatopéia, gente). E as frases (da carta) sobre o Partido dos Trabalhadores da Coréia do Norte? O incrível é que isso “não pega” nos Kamaradas do PCdoB. Efeito “teflon”. São comunistas pós-modernos. Esperando Godot…! Por isso, estoco não só comida, mas também ideologia. Já está faltando. Ainda vão vender isso no black. A propósito: quem entregará a “carta” ao povo norte-coreano? Resposta simples: o povo norte-coreano é um-todo-unido-com-o-Partido (assim, com os hífens). São uma coisa só. São tão unidos que em alemão a palavra é Verschmelzung – “fundidos” ou “misturados” (hoje meu sarcasmo passou dos limites, eu confesso!). Dizer mais o quê?
(IN)SEGURANÇA E (I)MOBILIDADE URBANA
Andando pelas grandes cidades da Alemanha, vê-se que o trânsito flui. E quase não se vê guardas na rua. Nem bloquinhos em suas mãos. E lendo sobre a segurança pública, vê-se que na Alemanha as prisões funcionam (entendam o que quero dizer com isso, por favor!). Não são depósitos de presos e nem masmorras medievais (leiam a minha coluna anterior, por favor, para entenderem melhor a discussão). E não há progressão de regime (que não é ruim, mas, no Brasil, é usada para desovar presos, para não precisar investir; ou alguém acha que se concede progressão de regime por “questões humanitárias”? Na verdade, é um cálculo puramente econômico!). E também não há indultos (não que os indultos sejam um “mal em si”; ocorre que, no Brasil, os indultos obedecem a cálculos de econômica, para “fazer” novas vagas nos presídios). E também não se concedem habeas corpus porque não há vagas nos presídios (imaginemos um autor de assalto ou latrocínio que não pode ser preso por falta de vagas – há vários exemplos disso no Rio Grande do Sul, o que me motivou, em 2009, a representar ao Procurador-Geral da República pela Intervenção Federal no RS, que, aliás, até hoje não se pronunciou a respeito…!). E as leis são duras (para todos e não só para o “andar de baixo”). Ao contrário do que diz o Dr. Marivaldo (do Ministério da Justiça). Ele é contra “penas mais duras”. Diz que não adianta. Seria bom que o Dr. Marivaldo passasse algum tempo em países como a Alemanha. E poderia trazer junto com ele o Secretário da Imobilidade Urbana de Porto Alegre. Juntos, poderiam reavaliar alguns conceitos. Os dois poderiam dizer: sim, mas em países como a Alemanha, a coisa funciona. Concordo. Mas, vejam: você estão no Brasil. Sejam criativos. E não se escondam atrás de jargões e frases de efeito do tipo “as prisões não regeneram; o problema é a impunidade” (de quem, cara pálida? Do andar de baixo ou do de cima?); ou, ainda, o trânsito não flui porque há carros demais…!). Indignemo-nos, os três (o Dr. Marivaldo, o Secretário e eu)! E vamos estocar ideias.
O FUTEBOL, AS “DUAS LINHAS DE QUATRO” E A EPISTEMOLOGIA
O jogo Santos e Barcelona acendeu a luz amarela da crônica esportiva. Dias e dias de flatus vocis (palavras ao vento). Incrível. Over dose de Neymar; over dose de “esquemas táticos”; over dose sobre a família dos jogadores. Até a cor das cuecas do Neymar mostraram. Gosto de futebol. Mas, por favor… Néscios de toda monta se metem a falar de coisas que são pura ficção. São os “neoepistemólogos” do futebol (na próxima coluna explico o que é “epistemologia”!). Oh, o técnico tal (chamado de “professor” – vejam o Roth é professor…!) joga com 3-6-1… Céus. E o Prof. Muricy? Jogou com três zagueiros fixos? Uau! Imagino os “três zagueiros fixos”…! Que “esquema”! E o pai do Neymar, o que acha disso? Pausa para ouvir o amigo de infância do primo do porteiro do prédio do… Neymar. Fulano, grita um neoepistemólogo cheio de gás, “qual é o esquema do Santos”? Seria melhor com duas linhas de quatro, acrescenta. E ficam horas falando sobre algo que qualquer jogador, com um drible ou um lançamento, acaba com a “teoria”. O Mazembe, que ganhou em 2010 do Internacional, que o diga. O “professor” Celso, o Roth(o), jogou com duas linhas de quatro… ou, sei lá, com 1-5-3-1…! Endeusam técnicos que nada mais são dos que motivadores. Ou personagens de livros de auto-ajuda. Ou alguém acredita que exista mesmo um “esquema tático”? Uma coisa é um jogador “ter posição”. Outra coisa é “matematizar” algo que é arte. Futebol é arte. Não há uma teoria sobre o futebol. Não dá para fazer epistemologia sobre o futebol. Pelo menos não é possível (epistemologizar o futebol) se se entender a epistemologia pelos modelos clássicos. Mas, quem vai entender isso? Se a maioria dos repórteres ou comentaristas tem dificuldade em fazer raciocínios abstratos e “fazer metáforas”, como exigir uma reflexão mais aprofundada sobre esse belo fenômeno artístico que é o futebol? Enfim… Os comentários sobre futebol não tem passado de flatus vocis. Sim, flatus vocis (para quem não sabe o sentido, recomendo ler Guilherme de Ockam, que não é um jogador vindo das categorias de base do Boca Junior, repatriado desde cedo para o Barcelona…!). Vou estocar imagens dos comentaristas da Sport TV…! E vender para o Monty Python.
FELIZ NATAL
Para todos os meus leitores, Feliz Natal e Grande 2012. E evitem o 8º. pecado, a ingratidão. Que feio é ser ingrato. Conheço muita gente assim. Pensem sempre na fábula do sapo e do escorpião. No meio do caminho, o escorpião não resiste…! Mas resistam aos “alacraus” (aracnídeos artrópodes)! Saludos!
Teletrabalho - REsolução Interessante
Resolução Administrativa n. 215/2011
Institui e regulamenta o trabalho remoto de forma definitiva no âmbito do TRT da 23ª Região.
CERTIFICO que o egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região na Décima Oitava Sessão Ordinária, hoje realizada, sob a presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Osmair Couto, Presidente, com a presença dos Excelentíssimos Senhores Desembargadores Tarcísio Régis Valente, Vice-Presidente, Roberto Benatar, João Carlos Ribeiro de Souza, Maria Beatriz Theodoro Gomes, Leila Conceição da Silva Calvo, Maria Berenice Carvalho Castro Souza e da Excelentíssima Senhora Procuradora do Trabalho, Eliney Bezerra Veloso,
Considerando os termos da proposição apresentada pelo Exmo. Senhor Desembargador-Presidente Osmair Couto – Protocolo Administrativo n. 116508.2011;
R E S O L V E U, por unanimidade:
Art. 1º. Instituir e regulamentar o trabalho remoto de forma definitiva no âmbito do TRT da 23ª Região.
Art. 2º. Considera-se atividade passível de trabalho remoto aquela que pode ser exercida fora das dependências do Tribunal.
Art. 3º. O servidor interessado em praticar o trabalho remoto, cuja atividade seja compatível com tal instituto, deverá, primeiramente, solicitar ao Centro Integrado de Saúde e à Secretaria de Tecnologia da Informação visitas técnicas de profissionais de ambas as unidades para avaliar suas instalações domésticas com vistas a verificar se são seguras, tanto do ponto de vista ergonômico quanto tecnológico, nos termos dos anexos que acompanham esta Resolução.
§ 1º. Os servidores responsáveis pelas visitas técnicas deverão atestar, em documento assinado por ambos, se a estação de trabalho instalada na residência do servidor é ou não segura para realização do trabalho remoto, nos termos dos anexos que acompanham esta Resolução.
§ 2º. O documento mencionado no parágrafo anterior deverá ser entregue ao servidor que pretende exercer o trabalho remoto.
Art. 4º. Caso aprovada a estação de trabalho instalada na residência do servidor, este deverá submeter requerimento ao responsável pela unidade a que estiver subordinado para prévia autorização do trabalho remoto, devendo instruí-lo com os seguintes documentos:
I - cópia do atestado emitido por ocasião da visita técnica (§ 1º do art. 3º);
II - termo de responsabilidade assinado pelo servidor comprometendo-se a manter inalteradas suas instalações de trabalho da forma como aprovadas na visita técnica.
Art. 5º. Autorizado o trabalho remoto pelo superior hierárquico, este deverá informar à Secretaria de Gestão de Pessoas para os devidos assentamentos funcionais: o nome do servidor autorizado a trabalhar fora das dependências do Tribunal, a função por ele exercida e a data de início do trabalho remoto, bem assim eventual término quando este ocorrer.
Art. 6º. A autorização a que se refere o artigo antecedente é ato discricionário do responsável pela unidade, que poderá indeferi-la se entender que a iniciativa é contrária aos interesses da unidade ou incompatível com as atividades do servidor.
Art. 7º. O gerenciamento das rotinas inerentes ao trabalho remoto, o quantitativo de servidores participantes de cada unidade e a forma de controle ficarão a cargo exclusivo do responsável pela unidade.
Parágrafo único. Em razão do caráter de controle de jornada aberta, os servidores autorizados a exercer o trabalho remoto não terão direito à compensação de jornada, tampouco ao pagamento de horas extraordinárias.
Art. 8º. O servidor que estiver autorizado a trabalhar remotamente e que necessite levar processos e documentos oficiais para sua residência deverá assinar controle interno de anotação de carga e respectivo termo de responsabilidade pela guarda dos documentos e processos.
Art. 9º. Durante a realização do trabalho remoto o servidor deve estar disponível para comparecer às dependências do Tribunal sempre que houver interesse da Administração.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo o servidor deve:
I - manter telefones de contato permanentemente atualizados e ativos;
II - consultar diariamente a sua caixa postal individual de correio eletrônico institucional.
Art. 10. Será automaticamente cancelada a autorização nas seguintes hipóteses:
I – quando modificada a atividade funcional que autoriza a prestação do serviço fora das dependências do órgão;
II – quando modificada a lotação, com mudança de chefia imediata;
III – quando o servidor não cumprir os prazos fixados para realização dos trabalhos ou para a devolução dos autos à unidade, salvo por motivo devidamente justificado;
IV – quando o servidor alterar sua estação de trabalho em descumprimento ao termo de responsabilidade mencionado no inciso II do art. 4º;
V – por juízo de conveniência e oportunidade da Administração.
Art. 11. Eventuais despesas com instalações e equipamentos para a realização do trabalho remoto ficarão sob a inteira responsabilidade do servidor, sem nenhum subsídio ou ressarcimento pelo Tribunal.
Esta Resolução Administrativa entrará em vigor na data de sua publicação.
Obs.:
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Ausente o Exmo. Senhor Desembargador Edson Bueno de Souza em razão do afastamento para realização de curso de Doutorado conforme RA n. 113/2011.
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Cuiabá-MT, quinta-feira, 24 de novembro de 2011.
José Lopes da Silva Júnior
Secretário do Tribunal Pleno
ANEXO I – Resolução Administrativa n. 215/2011
ORIENTAÇÕES ERGONÔMICAS
O trabalho em domicílio deve ser considerado como sendo aquele realizado no mesmo local em que se tem uma vida cotidiana familiar. Importante destacar que a escolha em realizar o trabalho em domicílio não deve ser um fator que traga prejuízo ao bem estar, o que pode ocorrer em virtude de inversão de horários de trabalho, trabalho excessivo em períodos curtos, visando maiores períodos de tempo livre, trabalho sem pausas com carga horária que ultrapassa as 8 horas diárias.
Importante que o teletrabalho, ou trabalho remoto, seja realizado em posto de trabalho de uso individual para que as adaptações realizadas não sejam modificadas por outros usuários daquele ambiente.
O que se segue são orientações ergonômicas para adaptação dos postos de trabalho individuais e relativas à forma mais ideal de realização das tarefas visando minimizar o risco de doença osteomuscular relacionada ao trabalho.
1- Recomendações gerais para postura, mobiliário e equipamentos de informática
1.1 - Monitor
- Colocá-lo logo a sua frente e não em uma posição lateral;
- O monitor deve estar posicionado lateral (perpendicular) à fonte de luz natural (janela) e não de frente ou de costas (tente posicionar o monitor de forma que a lateral fique voltada para a janela);
- Para determinar uma distância confortável de visualização, estique o braço em direção ao monitor e observe a posição da sua mão, que deve estar aberta. Coloque o monitor perto dessa posição. Se necessário, aproxime ou afaste o monitor até poder visualizar o texto exibido de forma nítida e confortável;
- A altura do monitor deve possibilitar que a primeira linha do texto fique na altura dos olhos;
- Muitos modelos de computador permitem colocar o monitor em cima da unidade do sistema, para regular sua altura. Caso fique muito alto dessa forma, ao invés de colocar o monitor sobre a CPU, utilize livros ou outros recursos para regular a altura ideal;
- O monitor deverá estar plano, e não inclinado para frente ou para trás;
- Minimize a distância entre seu monitor e quaisquer documentos que você precise consultar durante o trabalho. Utilize um suporte para processos, que pode ser um suporte de notebook e coloque-o, de preferência, entre o teclado e o monitor;
- Ajuste a iluminação do monitor para minimizar o excesso de luminosidade na tela. Se por acaso precisar pensar, não fique olhando o monitor, pois vai cansar inutilmente a sua vista. Para descanso visual, focalize um objeto ou paisagem distante por um minuto;
- Atente-se ao fato de que o monitor ao longo de anos de uso fica menos nítido, exigindo um esforço maior nos olhos. Quem o utiliza diariamente pode não notar a diferença porque vai se habituando gradualmente ao desgaste do monitor;
- Se você utiliza lentes bifocais, trifocais ou lentes de adição progressiva, é especialmente importante ajustar corretamente a altura do seu monitor. Evite inclinar a cabeça para trás a fim de visualizar a tela com a parte inferior das lentes, pois isso pode levar à fadiga muscular no pescoço e na coluna. Como alternativa, experimente abaixar seu monitor e, se isso não funcionar, considere obter óculos especialmente criados para uso com o computador.
1.2 - Cadeira
- Uma boa cadeira é fundamental. Como regra, procure um modelo que possibilite o maior número possível de ajustes (altura do assento, altura e inclinação do encosto, apoio de braços, bordas arredondadas, tecido e espuma confortáveis);
- As cadeiras devem possuir encosto de tamanho médio para garantir uma melhor distribuição do peso corporal e um melhor relaxamento da musculatura;
- Proporcione espaço suficiente para os joelhos e pernas debaixo do espaço de trabalho. Evite pontos concentrados de pressão debaixo da coxa, perto do joelho e na parte de trás da perna;
- O assento da cadeira não deve atingir a curvatura do joelho, deve terminar antes do joelho. A superfície do assento deve acomodar a compleição humana e a borda frontal arredondada aliviar a pressão na região poplítea (curvatura do joelho);
- Distribua o peso de maneira uniforme e use todo o assento e todo o encosto para apoiar o corpo. Ideal que o encosto consiga apoiar a coluna lombar e dorsal até a altura das escápulas.
1.3 - Teclado e mouse
- O teclado e o “mouse” são dispositivos que influenciam diretamente na sua saúde e podem provocar uma maior ou menor fadiga. Procure utilizar teclados ergonômicos, planos e com teclas macias que diminuem a fadiga e aumentam a velocidade de digitação. O “mouse” deve ser um modelo baixo, com sensor óptico que exige um menor esforço do pulso;
- O teclado e o "mouse" devem também estar posicionados ao nível da altura dos cotovelos. Durante o trabalho é importante que o punho fique reto, em posição neutra. Utilize apoios de silicone para punhos, tanto junto ao teclado como junto ao “mouse”;
- Mantenha os braços junto ao corpo e os cotovelos alinhados com o tronco; não é necessário que estejam “colados” no corpo;
- Ao utilizar um “mouse” coloque o dispositivo logo à direita ou à esquerda do teclado e próximo à frente dele. Não coloque o “mouse” mais distante do que o teclado;
- Você também pode achar confortável colocar o mouse entre o seu corpo e frente do teclado. Nesse caso, a mesa de trabalho deve ter profundidade suficiente para que o monitor e o teclado possam ficar recuados, em uma posição na qual os antebraços fiquem totalmente apoiados na mesa;
- Se você utiliza uma bandeja de teclado, verifique se a largura dela é suficiente para acomodar o “mouse”, que deve ficar ao lado do teclado.
1.4 - Suporte para os antebraços
- Algumas cadeiras têm áreas acolchoadas para descansar os braços. Você pode achar confortável, apoiar os antebraços nessas áreas acolchoadas enquanto digita, utiliza o “mouse” ou faz pausas;
- Se a sua mesa de trabalho tiver profundidade suficiente, pode ser confortável usar a mesa como uma área de apoio (movendo o teclado e monitor para trás para criar um espaço confortável para os antebraços);
- O suporte para antebraços da cadeira ou da mesa de trabalho estará adequadamente ajustado para digitação quando seus ombros estiverem relaxados e cada antebraço estiver apoiado de maneira igual e ainda livre para se mover durante a digitação e os pulsos estiverem em uma posição neutra e confortável. O suporte não estará adequadamente ajustado se os ombros estiverem elevados ou caídos, se você sentir pressão em um ou em ambos os cotovelos, se os cotovelos estiverem voltados para fora, se os pulsos, antebraços ou cotovelos estiverem fixos durante a digitação ou se os pulsos estiverem perceptivelmente flexionados;
- Uma outra opção é usar suportes para antebraços somente quando em pausa, permitindo que seus antebraços e mãos se movimentem livremente ao digitar ou usar o mouse. Neste caso, o suporte estará adequadamente ajustado quando estiver ligeiramente abaixo da posição de digitação.
1.5 - Mesa
- Não organize a sua área de trabalho de forma que você precise se inclinar repetidamente para a frente para ver e alcançar itens utilizados com freqüência, como livros, papéis ou telefone;
- Escolha uma superfície de trabalho com largura suficiente para acomodar os equipamentos do computador e demais itens necessários para o seu trabalho.
2 - Uso de notebook
- Em caso de uso de notebook utilize um suporte para erguer o monitor ou coloque-o sobre livros. Utilize “mouse” e teclado separados, seguindo as orientações gerais (essa é uma dica muito importante para quando for trabalhar durante longos períodos).
3 - Ajustando o posto de trabalho
- Altura do assento: a altura do cotovelo deve ser aproximadamente igual à altura da base do teclado;
- Ângulos do encosto da cadeira e suporte para a região lombar: as costas devem ficar bem apoiadas;
- Altura do teclado: a base do teclado deve ficar aproximadamente na mesma altura dos cotovelos;
- Inclinação do teclado: os pulsos devem ficar em uma posição neutra e confortável;
- Mouse: deve ser colocado logo à direita ou à esquerda do teclado;
- Os pés devem ficar bem apoiados. Use descanso para os pés, se necessário;
- Suporte para documentos, telefone e materiais de referência: os itens utilizados com mais freqüência devem estar em um local de fácil acesso,evite movimentos rotacionais de tronco para alcançar objetos, use o recurso giratório da cadeira.
4 - Orientações Gerais
- Vamos nos habituar a dar pausas no trabalho. Pode exigir autodisciplina e organização, mas é importante, mesmo que o seu espaço de trabalho seja ergonômico. Ao fim de duas horas ao computador, levante-se e descanse 10-15 minutos. Levante-se e estique o corpo, ou dê alguns passos. Se puder pratique os exercícios de alongamento e de relaxamento. Se não puder fazê-lo, organize as suas tarefas de modo a executá-las intercaladamente – assim alternará os músculos e tendões que usa em cada uma delas;
- A fim de prevenir a fadiga visual, feche os olhos durante alguns segundos e foque ocasionalmente paisagens ou objetos distantes (a 6m ou mais). Pode também fazer pequenos exercícios de alongamento e relaxamento - valem, sobretudo, pela mudança de posição;
- Se você se esquecer de fazer os intervalos, use um alarme.
4.1- Evitar:
- Sentar em cima da perna (em forma de 4);
- Ver TV deitado de lado no sofá;
- Usar notebook na cama ou sofá;
- Apoiar os cotovelos na mesa;
- Ler deitado na cama;
- Digitar com os braços suspensos;
- Levantar peso sem flexionar os joelhos;
- Sentar com a perna cruzada;
Apoiar o telefone entre o ombro e o pescoço;
- Evitar mesa e cadeiras com quinas vivas (quadradas); as bordas das mesas e cadeiras devem ser arredondadas;
- Evite colocar caixas e outros itens debaixo da mesa de trabalho de forma a não limitar o espaço para suas pernas. O ideal é que você consiga se movimentar à vontade em sua mesa.
ANEXO II - Resolução Administrativa n. 215/2011
ORIENTAÇÕES QUANTO À SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO
O trabalho em domicílio deve ser analisado considerando também os aspectos da segurança da informação. Importante destacar que os riscos à segurança da informação imputados ao trabalho em domicílio dependem da forma como este é realizado, e sobretudo dos recursos tecnológicos e aspectos técnicos empregados.
O trabalho em domicílio, on-line, ou seja, conectado diretamente à rede de computadores do Tribunal, permite que o usuário tenha a seu dispor o acesso aos recursos computacionais da rede do Tribunal, como se naquele ambiente estivesse fisicamente atuando. Nesta modalidade de trabalho o computador utilizado pelo trabalhador domiciliar torna-se parte da rede do Tribunal, o que requer os mesmos cuidados dispensados às estações de trabalhos utilizadas no ambiente de rede do Tribunal.
No trabalho domiciliar do tipo on-line também se faz necessário o uso de recursos de infraestrutura de TI para que o usuário possa se conectar à rede do Tribunal. Esta infraestrutura divide-se em duas partes: infraestrutura de rede do lado cliente, ou seja, da residência do usuário, e da infraestrutura de rede do Tribunal. Quanto à infraestrutura do Tribunal, temos capacidade de acesso à Internet suficiente para várias conexões simultâneas e dispomos de uma solução de conexão remota utilizada no serviço denominada “Gabinete Virtual”, que tem requisitos de segurança aceitáveis.
Ainda que o trabalho em domicílio se limite à elaboração de textos ou planilhas utilizando-se programas editores padrões de mercado, de forma off-line, ou seja, sem conexão com a rede do Tribunal, existem aspectos que devem ser considerados: arquivos resultantes do trabalho em domicílio devem estar protegidos de ameaças, tais como a ação de programas maliciosos – vírus - e de acesso por pessoas não autorizadas. A ação de programas maliciosos pode resultar na perda do trabalho realizado, destruindo ou alterando os arquivos manipulados. Arquivos de texto ou planilhas podem sofrer alterações indesejadas e serem contaminados, transformando-se em ameaças de contaminação quando ingressados no ambiente computacional do Tribunal e, por este motivo, uma atenção especial deve ser dada ao mecanismo de transferência dos arquivos manipulados na residência do usuário para o Tribunal.
Os documentos manipulados e ou armazenados na estações de trabalho domiciliar podem ainda sofrer acesso por pessoas não autorizadas, seja por acesso físico direto ou acesso remoto caso o computador utilizado tenha alguma vulnerabilidade que permita tal acesso.
Isto significa que as estações de trabalho utilizadas no trabalho em domicílio, seja em modo on-line ou off-line, devam no mínimo possuir os seguintes requisitos:
- Possuir software antivírus certificado pela ICSA LABS (www.icsalabs.com) e atualizado diariamente, tais como McAfee, Kaspersky, Panda, Norton, Avast, AVG e Microsoft Security Essentials;
- Possuir software atualizado de firewall, homologado por esse Tribunal, tal como o Microsoft Windows Firewall ou outro software de firewall cujo fabricante seja um dos fabricantes de antivírus homologados pela ICSA LABS (www.icsalabs.com), inclusive aqueles que funcionarem integrados a solução antivírus;
- Possuir instalado apenas programas legalmente adquiridos e devidamente licenciados quando assim exigido pelo fabricante;
- Possuir senha de acesso e não ser de uso coletivo; e
- Não ser utilizado para atividades de elevado risco de comprometimento da estação, tal como navegação em sites não confiáveis, jogos em rede e uso de programas de compartilhamento de arquivos, dentre outros.
Além destes requisitos é necessário que o usuário tenha o mínimo de conhecimento para manter a estação de trabalho livre de ameaças, evitando-se a instalação ou execução de programas desconhecidos, ou obtidos de fontes não confiáveis.
Cabe-nos ressaltar que o uso de programa antivírus é de grande importância para se manter a segurança em uma estação de trabalho, porém este não protege o computador de todos os programas maliciosos, mas tão somente da maioria dos programas já identificados e incorporados aos mecanismos de proteção de cada fabricante de antivírus. Destarte, ressaltamos a necessidade do uso consciente dos recursos computacionais, das boas práticas e cautela por parte do usuário.
Considerando os aspectos acima mencionados sugerimos que o trabalho em domicílio seja realizado utilizando estações de trabalho fornecidas e devidamente preparadas por este Tribunal, e que sejam utilizadas estritamente para as atividades laborais relacionadas a este Tribunal.
Por fim, o usuário que pretender realizar trabalho remoto deverá assinar otermo de responsabilidade, tomando ciência destas recomendação, da Política de Segurança deste Tribunal e suas normas complementares, comprometendo-se acumpri-las, sob pena de serem responsabilizados pelos danos causados em função do seu descumprimento.
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