Tentativa de pensar o Direito em Paralaxe (Zizek) alexandremoraisdarosa@gmail.com Aviso: quem não tiver coragem de assinar os comentários aos posts, nem precisa mandar, pois não publico nada anônimo. Recomendo ligar para o Disk Denúncia...
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29/08/2011
STJ - Informantivo 480
PRINCÍPIO. IDENTIDADE FÍSICA. JUIZ. SENTENÇA. FÉRIAS.
O princípio da identidade física do juiz passou a ser aplicado também no âmbito do Direito Penal a partir da Lei n. 11.719/2008, que incluiu o § 2º no art. 399 do CPP ao dispor que o magistrado que presidir a instrução criminal deverá proferir a sentença no feito. Contudo, o aludido princípio não tem aplicação absoluta. O STJ vem admitindo mitigação do aludido princípio nos casos de convocação, licença, promoção ou de outro motivo que impeça o juiz que tiver presidido a instrução de sentenciar o feito, aplicando, por analogia, o art. 132 do CPC. Assim, em razão do princípio da identidade física do juiz, a sentença deverá, em regra, ser proferida pelo magistrado que participou de produção das provas durante o processo criminal, admitindo-se, excepcionalmente, que juiz diverso o faça quando aquele estiver impossibilitado de realizar o ato em razão das hipóteses acima narradas. No caso, o juiz prolator de sentença encontrava-se em gozo de férias regulamentares. Daí, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por maioria, concedeu a ordem para anular a sentença proferida contra o paciente, pois caberia ao magistrado substituto fazê-lo, inexistindo motivos que justifiquem a prolação de sentença durante o período de descanso regulamentar. Precedente citado: HC 163.425-RO, DJe 6/9/2010. HC 184.838-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/8/2011.
Otelo volta a ser julgado em Curitiba, 50 anos depois
Otelo volta a ser julgado em Curitiba, 50 anos depois
Espetáculo reúne ator e juristas, misturando dramaturgia e Direito para sentenciar um dos crimes mais famosos da história
Um julgamento que nem Shakespeare poderia prever: este é o mote do espetáculo O Julgamento de Otelo, montagem que homenageia os 80 anos do Centro Acadêmico Hugo Simas (CAHS). No próximo dia 23 de setembro, juristas de renome sobem ao palco do Guairão para julgar o general mouro da literatura shakespeariana pelo assassinato de sua esposa, Desdêmona. Seria possível culpar Otelo pela morte da amada? Seria impulso, motivado pelas armações do traiçoeiro Iago? Ou será que o general poderia ser inocentado pelo homicídio que cometera tomado pela vingança?
A ideia de montar o espetáculo surge da proposta de resgate histórico da gestão O Tempo Não Para (CAHS 2010/2011). Isso porque O Julgamento de Otelo foi já foi realizado uma vez, há exatos 50 anos, pelo Centro Acadêmico, à época presidido pelo desembargador do Tribunal de Justiça, Munir Karam. O próprio desembargador, já aposentado, por sinal, coordena o evento ao lado do professor René Ariel Dotti, um dos maiores juristas do país. Aproveitando a data comemorativa dos 80 anos do Centro Acadêmico, a gestão do CAHS não demorou a solicitar a tutoria de ambos, pela experiência com a apresentação anterior.
A edição atual contará com o advogado Técio Lins e Silva na acusação, e o professor titular de direito penal da UFPR, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, como defesa. O juiz Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, do Tribunal do Júri de Curitiba, será o responsável pela presidência d’O Julgamento, e, como protagonista do espetáculo, o ator Danilo Avelleda interpretará o réu, Otelo. A direção cênica ficou por conta de José Plínio Taques Martins. E, para quem pensa que o resultado pode ser previsível, esta edição contará com um diferencial que, necessariamente, a torna diferente da anterior: enquanto a primeira teve o júri composto pelo modelo inglês, com doze participantes, a nova será feita pelo modelo brasileiro, composto por sete jurados. Deste modo, o empate, como no resultado da adaptação de 1961, fica impossibilitado.
Outro diferencial é que toda a renda líquida do evento será doada a uma instituição de caridade, o Centro de Educação Dom Pedro II. O espetáculo tem o apoio do HSBC, da OAB/PR, do Curso Prof. Luiz Carlos, da EMAP, do Teatro Guaíra e da Faculdade de Direito da UFPR. Os ingressos já estão à venda na bilheteria e site do Teatro Guaíra, no Tribunal do Júri, na Escola da Magistratura e com os membros do CAHS (Mayara, Amália, André Luiz, Ananda e Sérgio). O valor do ingresso é R$ 30 (trinta reais), sendo R$ 15 (quinze reais) a meia-entrada, para os estudantes.
Participe deste grande evento cultural e jurídico, que marcará época na já gloriosa história do Centro Acadêmico Hugo Simas.
O JULGAMENTO DE OTELO
Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto – Guairão
Endereço: Rua XV de Novembro, 971
Data: 23/09/2011
Horário: 20h30
Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada)
Locais de venda: Teatro Guaíra, Tribunal do Júri, EMAP e CAHS
Informações: contato@cahs.or
Liberdade de Expressão!!!
27/08/2011 | 21h06min
Justiça Federal concede liminar ao MPF e Defensoria Pública da União contra a FCF
FCF será multada em cem mil reais caso descumpra a ordemO texto da liminar cita o artigo 5º da Constituição Federal e a A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, documentos que estabelecem o direito de expressão. A decisão diz que a FCF será multada em R$ 100 mil caso impeça a entrada ou mande retirar do estádio placas ou faixas contra o presidente da CBF
A liminar foi concedida pelo juiz federal substituto Luciano Andraschko.
Leia a decisão na íntegra
Toque de recolher, juventude ou gado? , por Kenarik Boujikian Felippe
Toque de recolher, juventude ou gado?
Projeto de lei apresentado em agosto de 2011, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, quer tratar os adolescentes como gado, que se leva ao pasto e depois recolhe, mas com jovem, tem que ser diferente.
O projeto de lei, que fere todos os princípios que norteiam as normas vigentes, estabelece que será vedado aos menores de 18 anos desacompanhados de mãe, pai ou responsável, no período das 23h30 (vinte e três horas e trinta minutos) às 5h (cinco horas): transitar ou permanecer nas ruas; entrar ou permanecer em: restaurantes, bares, padarias, lanchonetes, cafés ou afins; boates, danceterias ou afins; lan houses, casas de fliperama ou afins; locais de freqüência coletiva.
Prevê a criação de equipes, que compostas por policiais civis ou militares, além de conselheiros tutelares, farão ronda, com a finalidade protetiva de recolher os menores de 18 (dezoito) anos que estiverem em situação de risco, que estejam expostos a qualquer tipo de: ilicitude; comportamento impróprio para sua faixa etária; insalubridade; situação degradante. Exemplifica situações de risco como as que envolvem as seguintes práticas: consumo de bebida alcoólica, cigarro ou qualquer outra droga, por menor de 18 (dezoito) anos; prostituição; audição de som em alto volume, propagado por veículos particulares ou estabelecimentos comerciais; condução de veículo automotor, por menores de 18 anos.
Em algumas cidades, de diversos estados, já existe lei municipal (inconstitucional), que têm a mesma formatação.
O tratamento que se pretende dar à juventude é a mesmo dispensado àqueles que cometeram crimes e foram condenados.
O direito fundamental de ir e vir está previsto na constituição federal e o estatuto jurídico do preso é exceção à regra, nos termos da própria constituição.
Assim, a Lei de Execução Penal prevê que podem ser impostas ao condenado no livramento condicional, como condição, recolher-se à habitação em hora fixada (artigo 132, parágrafo 2º); para o condenado que cumprirá a pena em regime aberto o juiz estabelece a condição de sair para o trabalho e retornar nos horários fixados (artigo 115, II); nas saídas temporárias, o juiz fixa a condição de recolhimento à residência visitada, no período noturno (artigo 124, II).
A limitação espacial, num estado democrático, é medida da maior gravidade.
A regra é o gozo do direito fundamental de ir e vir. Exceção constitucional ao direito de locomoção é a vigência do estado de sítio, quando será possível determinar a obrigação de permanência em localidade estabelecida, lembrando que esta medida exige a intervenção do Presidente, Conselho da República e Congresso Nacional, dada às suas conseqüências nefastas. Só pode ser decretada em razão da ineficiência do estado de defesa, comoção grave ou declaração de estado de guerra, e, ainda, deve ser por tempo determinado.
Nas cidades onde existe o “toque de recolher”, os jovens foram alçados à condição de condenados ou inimigos do estado.
Tratar a juventude, pela circunstância de serem crianças ou adolescentes, como condenados, é desrespeitar a natureza de humano das pessoas e não ver as crianças e os adolescentes como sujeitos de direito.
Alguns Tribunais já enfrentaram a matéria e foi declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Neste sentido, a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de junho de 2011, na ADIN 2010.014498-7, referente à lei municipal de Tubarão, relatada pelo desembargador Lédio Rosa de Andrade, que traz lição de Rosinei Paes Anselmo:
“Em pleno século XXI, deparamo-nos com práticas que remontam ao período medieval e ditatorial nas questões relacionadas ao direito da criança e do adolescente.
Questão que comprova essa situação é o toque de recolher – proibição de circulação de crianças e adolescentes nas ruas no período noturno, adotado em algumas cidades do país, por meio de lei municipal ou por portaria de juízes da infância e juventude.
A medida é um retrocesso que retoma o pensamento da idade média e do “período de chumbo”, segundo o qual os direitos e garantias individuais eram ignorados, notadamente no que diz respeito à criança e ao adolescente”.
O mesmo órgão já decidira, em março, em caráter liminar, a inconstitucionalidade da lei do “toque de proteger”, da cidade de Guaramirim, no processo 2010.060882-1, cujo relator foi o desembargador Eládio Torret Rocha, que apontou que “instituir toque de proteger (ou de recolher) tolhe o direito de ir, vir e ficar das crianças e dos adolescentes, implicando em negativa das suas qualidades de sujeitos de direito e, conseguintemente, em violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ele afirma:
“A clausura tem o efeito de lhe prejudicar o sadio desenvolvimento, eis que o priva da convivência com seus pares, cujas experiências, boas ou más, revelam-se imprescindíveis para a sua plena formação humana como indivíduo adulto. O sacrifício da liberdade física não condiz, ademais, com um Estado Constitucional e Democrático de Direito, o qual assenta-se sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e a supremacia dos direitos fundamentais. Muito ao contrário. Evidencia-se, nessa prática, instituto típico dos estados autoritários e policialescos, destinado à segregação dos estratos sociais pauperizados e, por isto mesmo, marginalizados, consubstanciando-se, pois, verdadeira limpeza social.
A salvaguarda de nossos jovens não perpassa o manietamento de seus direitos fundamentais, mas a atuação pontual e efetiva da família, da sociedade e do Estado – aqui compreendido em seus entes tripartites: União, Estados-membros e Municípios – em exigir e cumprir as suas atribuições, competências e responsabilidades sociais, econômicas e jurídicas em tema de infância e juventude”.
Não duvido que a medida tenha respaldo de parcela da sociedade, de pais que priorizam o mais cômodo, que abdicam das suas relações e responsabilidades, preferem não ver o irracional que nela esta contida, na medida que estas normas são originárias do perverso sentimento do medo, que segundo Lenine e Julieta Venegas:
“O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar”.
Preocupante saber que o “toque de recolher” foi idealizado em algumas cidades, por portaria do Poder Judiciário.
Mas alguns tribunais já decidiram pelo afastamento destas portarias e o Conselho Nacional de Justiça, em decisão de março de 2010, no processo 0002351-58.2009.2.00.0000 (200910000023514), promovido pelo Ministério Público de Minas Gerais, relator Ministro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, apontou que a portaria atenta contra qualquer sorte de razoabilidade, reduz o princípio da legalidade e extrapola os limites delineados pelo ECA e os excessos praticados pelo magistrado, usurpando, inclusive, competência privativa da União para legislar sobre direito civil, penal, comercial processual (artigo 22 da CF/88), as determinações de caráter geral estabelecidas pela Portaria ainda ofendem os artigos 5º, II; 227, §§3º e 4º e 229, todos da Carta Constitucional, além do artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Não podemos deixar de enxergar os malefícios que causam para a construção de uma República, que tem por fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º da CF), constituindo um de seus objetivos a promoção do bem estar de todos sem preconceito de idade e outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV da CF).
Se mantidas as normas e portarias estaremos a cercear o desenvolvimento natural de praticamente toda a infância e adolescência, dos jovens brasileiros, vitimizando-os, pois o estado colocará na conta da juventude, punindo-os, pela sua incapacidade de realizar políticas públicas de segurança, eficazes.
O que esperar de pessoas que não puderam ter um desenvolvimento sadio e seguro?
A medida está na lógica do estado policial. Suas raízes se fundam na relação de controle, que não está e nem pode estar ao alcance das relações humanas. A base para relações sadias deve ser a relação de confiança para que seja possível ter crianças e jovens efetivamente protegidas.
Interessante saber que encontramos no pensamento de muitos jovens, os fundamentos das decisões referidas. Colho como fonte, recente trabalho realizado na Escola Móbile, em São Paulo, por jovens do 9º ano, que não são atingidos por estas restrições, e que exercitaram a escrita de carta argumentativa sobre o tema. Destaco algumas passagens, que dizem mais do que qualquer coisa:
“Os adolescentes devem aprender a lidar com ela (liberdade) e com as responsabilidades que traz. Ao invés de criar uma lei que restrinja a liberdade dos adolescentes, seria infinitamente mais benéfico para a sociedade criar leis que ensinem o jovem a utilizar essa liberdade sem infringir a liberdade alheia. Além disso, é preciso constatar que se o adolescente não sabe ser livre, o futuro adulto também não saberá” (texto 2).
“A lei por Vossa Excelência implantada pode não ser a melhor maneira de evitar que os jovens se droguem, bebam ou deixem de estudar… Proibir os adolescentes de sair de casa após às 23h00 significa tirar deles …importante momento de socialização.
“Proibir os jovens de sair durante a noite não os impede de beber ou se drogar” (texto 3).
“Como somos todos obrigados a seguir os artigos da Constituição, creio que o toque pode ser considerado ilegal…para diminuir a quantidade de jovens envolvidos com drogas, prostituição e álcool, devem ser feitas campanhas para alertar os pais e estes não devem ser punidos pelos atos dos filhos.
Há sim aqueles que se envolvem com álcool, drogas e até mesmo prostituição, porém, há também os que não se utilizam destas drogas. É desvantagem para os segundos terem como punição o mesmo que os primeiros…o dever de cuidar dos adolescentes ser de seus próprios pais, e não do governo, sendo eles os responsáveis por dizer aos filhos quando devem voltar para dormir para não atrapalhar os estudos” ( texto 4).
“Todos estão em perigo quando se encontram nas ruas, problema esse de segurança pública, a qual deve ser urgentemente melhorada. Entretanto, apesar de a norma implantada objetivar a proteção do jovem, acaba intervindo em sua liberdade e agredindo o artigo 5º da Constituição….o jovem está pagando com sua liberdade pelos problemas de segurança. Além disso…penaliza a todos.
O governo não é responsável pelo controle do jovem, mas sim pela segurança oferecida a ele” (texto 5).
“Creio que o senhor saiba que não permitir a circulação dos jovens depois de certo horário desrespeita o artigo 5º da Constituição, que determina o “direito de ir e vir”.
Mas será que a lei está cumprindo totalmente seu objetivo ou está apenas sacrificando parte da liberdade dos jovens?….sabemos que o diálogo é algo muito importante durante a adolescência… O diálogo entre os jovens e os pais também é limitado pelo toque: as famílias acabam não discutindo sobre quais são as “partes boas” e as “partes ruins” de ficar sozinho à noite na rua, os males que as drogas podem fazer, entre outros assuntos… Entendo que sua intenção era proteger os jovens, por isso, sugiro que seja investido dinheiro em educação (para os adolescentes entenderem os males das drogas, por exemplo) e em rondas policiais noturnas… e dar mais segurança aos jovens que saem à noite sem más intenções” (texto 6).
“Tenho noção dos limites que existem para um Juiz… Essa (portaria) criada por Vossa Excelência é genérica, tendo efeito de lei, por atingir qualquer jovem de minha região. Como repito e o senhor sabe, não cabe a um Juiz criar uma lei, isso podendo ser considerado um crime contra as normas do país…O direito de ir e vir cabe tanto para adultos quanto para adolescentes” (texto 7).
“Esta lei pretende tirar a função educacional dos pais, alegando que estes não têm “controle” sobre seus filhos. Certo ou errado, é direito e obrigação dos pais avaliar o que é melhor para seus filhos e prepará-los para a vida.
Aliás, esta medida não é exatamente inovadora, pois a primeira via que os ditadores fazem… é decretar um toque de recolher… com a desculpa de estar “protegendo” o povo. Certamente sua intenção não é a mesma, mas o precedente é perigoso…esta regra precisa ser revogada. São necessárias outras medidas para “acolher” o povo” ( texto 10).
“A Constituição brasileira diz que é livre a locomoção no território nacional em tempos de paz. Nós estamos em tempos de paz, contudo a livre locomoção para os jovens foi restringida. Essa lei é, portanto, inconstitucional…argumento usado é que essa lei coloca horários para os adolescentes dormirem para que possam ter um bom rendimento escolar…não é certo que o jovem irá para a cama depois do toque…o horário de volta e o rendimento escolar é algo a ser discutido com os pais, não sendo necessária a intervenção do estado. Isso apenas enfraquece as relações familiares…o toque de recolher é uma medida que deve ser revogada. Deve-se pensar na liberdade do ser humano” (texto 11).
“Não são todos os adolescentes que se envolvem com delitos, drogas e brigas. Então, essa lei é injusta com os jovens que querem sair até tarde apenas para ir ao cinema, a restaurantes, shoppings, etc.
Também é uma questão de confiança entre pais e filhos: limitar brutalmente a liberdade dos adolescentes não é a solução para acabar com o envolvimento de menores de idade com drogas ou roubos. Os jovens devem aprender a serem responsáveis por conta própria, com suas próprias experiências, e não pela imposição dos pais ou do governo” (texto 12)
Não podemos seguir o caminho de criminalização da juventude. Sabemos quem serão os mais atingidos. Temos uma gigantesca normativa de proteção de direitos humanos, seja no âmbito internacional e nacional (especialmente a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e Adolescente). Já não passou da hora do Estado cumprir as suas obrigações com suas crianças e adolescentes?
Liberdade é o componente necessário para que os seres humanos desfrutem da condição humana. Se queremos jovens que assumam a vida deste país não podemos deixar de vê-los, como são: sujeitos de direitos, dotados de todos os direitos e fundamentais e não objeto de intervenção do estado.
Não podemos esconder problemas, temos que resolvê-los.
Kenarik Boujikian Felippe, juíza de direito da 16ª Vara Criminal de SP, co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para Democracia.
26/08/2011
AJUFERGS divulga resultados da pesquisa sobre processo eletrônico e saúde dos magistrados
Assunto: AJUFERGS Informa - AJUFERGS divulga resultados da pesquisa sobre processo eletrônico e saúde dos magistrados
AJUFERGS divulga resultados da pesquisa sobre processo eletrônico e saúde dos magistrados
Em resposta à pesquisa realizada pela AJUFERGS sobre “a percepção dos magistrados federais do Rio Grande do Sul quanto às suas condições de saúde e aos recursos de informática que são disponibilizados para prestação jurisdicional”, a Associação informa os resultados e conclusões obtidos do total de 92 envelopes-respostas recebidos.
A pesquisa foi realizada por iniciativa da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (Ajufergs), que remeteu questionário de 45 perguntas a 167 associados em atividade. 92 associados responderam (55,09% de participação), no período compreendido entre 23/5 e 8/6/2011.
Entre outras constatações que constam do relatório da pesquisa, as respostas dos associados indicam que:
- 78,89% sentiram piora em sua saúde e seu bem-estar no trabalho com o processo eletrônico;
- 86,81% sentiram dificuldades de visão com o processo eletrônico;
- apenas 19,10% não sentiram dores físicas desde que começaram a trabalhar com o processo eletrônico;
- 95,56% acham que o processo eletrônico pode piorar sua saúde no futuro;
- nenhum associado se sente amplamente orientado para prevenir problemas de saúde decorrentes do processo eletrônico e apenas 8,79%acham receber orientação razoável/suficiente;
- 82,02% estão insatisfeitos com suas condições de trabalho em relação ao processo eletrônico ;
- 82,43% estão insatisfeitos quanto à visualização de documentos e autos eletrônicos no Eproc2;
- 78,21% estão insatisfeitos quanto às funcionalidades, opções e comandos do Eproc2.
O relatório, apresentado e aprovado na última reunião da Diretoria (12/8), está disponível para consulta na intranet da AJUFERGS, acessada com os respectivos logon e senha do associado, ou no final da notícia no site, link http://www.ajufergs.org.br/ noticia16082011.asp.
Os resultados finais dessa pesquisa serão então utilizados em iniciativas e projetos da AJUFERGS orientados para a melhoria de condições de trabalho e de saúde dos magistrados federais gaúchos.
:: Assessoria de Comunicação
:: AJUFERGS/ESMAFE-RS
:: (51) 3226.7057 - (51) 9965.1644:: www.ajufergs.org.br
:: AJUFERGS/ESMAFE-RS
:: (51) 3226.7057 - (51) 9965.1644:: www.ajufergs.org.br
25/08/2011
Alain Touraine
Texto publicado sexta, dia 28 de janeiro de 2011
Entrevistas
"A globalização destruiu totalmente o social"
Aos 85 anos de idade, o sociólogo francês Alain Touraine é um dos pensadores contemporâneos que há mais tempo oferece ideias originais para explicar o que acontece por este vasto mundo. Ainda nos anos 60, quando a fumaça saindo das chaminês era sinal de pujança econômica, ele foi dos primeiros a falar de uma sociedade pós-industrial, em que os serviços e não a industria seria a locomotiva do crescimento. Hoje em dia ele é um dos mais argutos intérpretes da recente crise global que abalou as finanças internacionais e fala de um mundo em que a sociedade e a política perdeu espaço para a economia. Para ele, depois que a globalização destruiu o social, são forças não-sociais, como a ecologia, o novo feminismo e o individualismo que devem moldar a sociedade moderna.
Sobre essas ideias versa a entrevista que Alain Touraine concedeu à jornalista Leila Sterenberg, do programa Milênio, do canal de televisão por assinatura Globo News, levada ao ar no último dia 17 de janeiro, e que a Consultor Jurídicotranscreve a seguir:
Leila Sterenberg — Heidegger, Derrida, Foucault, McLuhan, Bauman. Uma lista hipotética dos pensadores mais importantes da segunda metade do século 20 pode ser tão extensa quanto inglória, mas o nome do sociólogo francês Alain Touraine certamente estará nela. Criador do conceito de sociedade pós-industrial, que caracteriza a substituição de uma economia baseada na indústria para outra em que o setor de serviços tem um peso maior, Touraine foi um dos primeiros intelectuais a exercer um olhar crítico sobre os processos de privatização, internacionalização do capital, liberalismo econômico, mudanças sociais, tudo aquilo que seria chamado, décadas depois, de globalização. Com uma produção intelectual extensa — publicou cerca de 40 livros — ele se debruçou sobre analises que vão do movimento de maio de 68 e o seu comunismo utópico até discussões sobre a laicidade do Estado e a capacidade das sociedades em aceitar a diferença. Sua obra mais recente Après la Crise (Depois da Crise, em português), trata dos rumos da economia de mercado. É observador atento do que se passe no Brasil. Em sua visita mais recente fez críticas ao sistema político brasileiro, mas se mostrou otimista em relação a nosso futuro. Aos 85 anos o professor Alain Touraine é lúcido, franco e gentil. Ele recebeu a equipe do Milênio no Rio de Janeiro.
Leila Sterenberg — Em seu último livro, Après la Crise, o senhor explica como a crise econômica age nas tendências de longo prazo que transformam a sociedade. E o senhor veio ao Brasil para um seminário com o tema “A Queda e o Renascimento das Sociedades Ocidentais”. A crise econômica mundial que começou nos EUA em 2008 faz parte desse processo de queda e renascimento, e nós, neste momento, ainda estamos em queda ou já estamos no processo de renascimento?
Alain Touraine — O que eu quis dizer é que uma crise é algo normal, meu Deus! Nós podemos cair, um motor pode entrar em pane, nós podemos fazer uma bobagem. O que eu acho é que aquilo que estamos vivendo é bem mais do que uma crise. É algo de longo prazo com o qual vamos conviver, e que é a separação completa da economia e da sociedade. E eu ainda acrescento a isso, como consequência, a destruição do que chamamos de sociedade, já que o que chamamos de sociedade são instituições que usam recursos, com os quais fazemos escolas, estradas, sistemas de previdência social, aviões, o que se quiser. Bem, o que nós vivemos por trás da crise é a globalização, ou seja, o fato de que a economia mundial hoje está essencialmente ligada às finanças. A existência de empresas, em si, não é um problema. Mas nós não estamos mais em mundo de empresas, estamos em um mundo de mercado, de mercado globalizado, e ninguém pode controlar isso. Obama, com a ajuda dos europeus, conseguiu impedir a catástrofe, mas não conseguiu mudar o sistema, e os europeus conseguiram ainda menos. Consequentemente podemos dizer que, hoje, o sistema econômico-financeiro mundial não está controlado e não é controlável. Em outras palavras, a ideia de reforma social desapareceu, não faz mais sentido. Nós não podemos mais reformar isso.
Leila Sterenberg — As manifestações populares na Europa por causa das medidas de austeridade, o próprio crescimento da extrema direita na Europa, a posição ferrenha a Barack Obama nos EUA, representada pelo Tea Party, e o populismo nem sempre democrático na América Latina, tudo isso faz parte do mesmo fenômeno, são facetas dele?
Alain Touraine — Podemos dizer que sim, mas em nível bem geral. Porém, é preciso avaliá-los separadamente. O que me impressiona na Europa, há alguns anos, é o silêncio. Antes, havia lutas sociais contra a transnacionalização da produção etc. Desde 2007, desde que eclodiu a crise, não vemos quase nada. E o que aparece não são contraprojetos ou críticas, pois o pensamento político chegou a zero. O que aparece são condutas de recusa. Às vezes, uma recusa da extrema esquerda, mas, na maioria das vezes, é uma recusa da extrema direita. O maior movimento de opinião política da Europa hoje em dia é a xenofobia, em especial nos países do norte, nos países avançados, que tiveram reformas social-democráticas etc. Assusta-nos ver como foi na Suécia, que era o país social-democrata por excelência. Há alguns anos, era governada pela direita, mas acaba de incorporar a extrema direita à maioria parlamentar. E há um movimento que podemos chamar de fascista — embora a palavra não queira dizer muita coisa hoje em dia — extremamente xenófobo na região belga de Flandres. Eu não falo do Bloco Flamengo, que é a esquerda. Extrema esquerda ou extrema direita, pouco importa, mas a forma extremada do movimento flamengo. Hoje, não existem mais projetos sociais, não existe mais debate social. Que país discute a educação? Só dizem que vai mal. Que país discute a democracia? Só dizem que não existe mais. Entende? Estamos em uma situação histórica que, a meu ver, marca o fim daquilo que foi o modelo europeu, sob o qual muitas pessoas ainda vivem no mundo, de um jeito ou de outro, inclusive o Brasil, e a pergunta que fica é: hoje existem forças capazes de resistir ao vasto poder da economia financeira global? Esse é o problema. E, para dificultar ainda mais a solução do problema, eu acrescento: quais são as forças que não podem mais ser sociais, já que a globalização fez desaparecer, destruiu totalmente, o social? Então, são necessárias forças não sociais. Essa é a minha preocupação.
Leila Sterenberg — E quais seriam as forças não sociais?
Alain Touraine — Então, vamos lá. Eu vejo três forças em ação, mas uma delas, no momento está congelada, não atua. A força não social que tem mais importância hoje, inclusive no Brasil, é a ecologia. A ecologia não é algo social, é a vida ou a morte do planeta. Não é um problema cultural, mas de sobrevivência. Não é um problema social. E a prova disso é que vemos pessoas sensíveis ao tema da ecologia na direita, na esquerda, no centro, isso não importa. Os alemães são muito sensíveis ao tema, os americanos e os ingleses também. Discute-se isso na China, nas reuniões internacionais. Isso, a meu ver, é a primeira grande coisa. Que é real, presente. O segundo fator com o qual eu continuo a contar bastante – eu até escrevi um livro sobre isso há não muito tempo – é o novo feminismo. As mulheres conseguiram seus direitos etc., mas, quando conversamos com as mulheres hoje, quando trabalhamos com as mulheres, qualquer tipo de mulher, seja ela funcionária, operária, professora etc., elas representam efetivamente um novo modelo de sociedade. As mulheres têm esse modelo e o expressam facilmente, mas elas sumiram da vida política, e os estudos sobre as mulheres são sempre sobre violência, violência e violência. Antes, era a violência brutal. Agora, é o incesto, o estupro pelo marido... Ou seja, as formas mais extremas de violência que há. E não falamos mais de mulheres que atuam, como agente de mudança. O terceiro elemento é, no fundo, o mais interessante, porque é o mais decisivo, é o individualismo. O individualismo, por definição, não é social, pois se trata de definir o indivíduo de outra forma que não socialmente. Às vezes, o resultado é ruim, como o comunitarismo: todos somos iguais, homogêneos, com a mesma identidade. Deixemos isso de lado, pois é fácil julgá-lo, e é algo negativo. Vocês tem uma afirmação que sumiu por 150, 200 anos, que é a afirmação dos direitos. Os direitos, naturalmente, políticos, sociais, hoje em dia, direito à cultura, os direitos das mulheres, das minorias etc. Mas isso tudo se juntou e se tornou um princípio fundamental, que é lutar pelo direito de ter direitos. Essa frase não é minha, mas de Hannah Arendt, e eu acho que ela resume bem a força moral, ética e política que se constituiu em torno desse tema do valor universal não social, mais que social... Quando digo mais que social, quer dizer, por exemplo, que isso não está nos códigos, mas na Constituição, ou seja, acima do nível da lei ordinária. Então, eu queria dizer que, se vocês conseguirem desenvolver a estimular ainda mais a consciência ecológica, se vocês forem cada vez mais sensíveis à violência contra os seres humanos, de todos os tipos... Pois o mundo está cheio de massacres e genocídios, de gente morrendo de fome ou que são deixadas a morrer de fome. Então, aí, surge a pergunta: como isso tudo pode caminhar junto? E torna-se necessário um instrumento político para ligar isso tudo, mas, aí, nós não temos. Mesmo quando falamos de democracia, não sabemos mais do que falamos.
Leila Sterenberg — E o que o senhor pensa do Brasil politicamente, porque o senhor declarou que temos um sistema político horrível, corrupto. O que o senhor acha da maturidade democrática do Brasil?
Alain Touraine — Eu acho que historicamente, falando, o Brasil teve um sistema político horrível, com um populismo no limite do ridículo. Janio Quadros e Jango não foram muito brilhantes. Foi o colapso do sistema político, e, por muito tempo, houve incidentes famosos no Congresso, violência etc. Mas é preciso lembrar que o Brasil viveu 16 anos de uma formidável consolidação. Fernando Henrique Cardoso reconstruiu as instituições, começou a fazer as pessoas entrarem em uma casa reconstruída, e Lula, em seu segundo mandato, incluiu muitas outras pessoas. Então, o Brasil de hoje é um país que dispõe de uma infraestrutura e também de uma riqueza econômica que não tem nada a ver... O Brasil se tornou uma grande potência. O BRIC não quer dizer grande coisa, pois os países são muito diferentes uns dos outros, mas o Brasil é realmente uma grande potência. Mas com um sistema político que continua fraco. Não vou citar nenhum partido, mas há grandes partidos no Brasil aos quais nem adianta perguntar qual é seu programa, pois ele será “x” ou “y”, em aliança com este ou aquele partido.
Leila Sterenberg — Foi por isso que o senhor disse que existe o risco de o Brasil regredir?
Alain Touraine — Existe, perfeitamente, mas existe em todos os países... Existe um risco grande, depois desse esforço de consolidação, de reconstrução do Brasil e também de um período muito favorável do ponto de vista econômico, de vocês terem uma pressão do tipo populista. Com a saída de Lula – ou não, mas, em todo caso, fora da cadeira presidencial -, não sabemos se esse sistema político será capaz de resistir às demandas, de não ceder às pressões indiscriminadas, sejam elas boas ou ruins. Eu estou otimista. Mais uma vez, eu acho que o Brasil de hoje, dentre os novos grandes países, as novas grandes potências, é o país que tem mais argumentos nas mãos e que mais tem construído uma civilização. Isso me impressiona muito no Brasil. É verdade que a opinião pública reconhece os países que criam símbolos e aqueles que não criam. Se você diz “Uruguai”, tudo bem que é um país pequeno, mas nada nos vem à mente. Se você diz “Brasil”, imediatamente... Entende? De “Garota de Ipanema” até "Lula", passando por várias coisas, as escolas de samba etc.
Leila Sterenberg — O futebol!
Alain Touraine — E o futebol, claro. Mas, enfim, há vários símbolos nacionais, e eu acho que, hoje, estamos em um ponto em que a consciência nacional é fundamental para a modernização de um país?
Leila Sterenberg — Como o senhor vê a nova presidente?
Alain Touraine — Eu não vejo, pois não a conheço. Ninguém a conhece, ela tem um passado que foi lembrado, ela provavelmente é uma pessoa mais política. A ideia que me vem em mente é que Lula era – falando da pessoa – um sindicalista, e ela é uma política. E, sendo política, deve ser mais radical, enquanto, com um sindicalista como Lula, era possível negociar. E ele negociou em nível mundial, foi um negociador formidável. Então, obviamente, deve haver um crescimento da vontade política, dos esforços necessários e, consequentemente, uma certa tensão política. Mas eu acho que a tensão política é algo positivo.
Leila Sterenberg — Com uma mulher que quase se tornou presidente da França, Ségolène Royal, o senhor escreveu em 2008 o livro Si La Gauche Veut dês Idées” (Se a esquerda quisesse ideias, em português), com propostas para uma nova esquerda na França. Ele chama a atenção para um nome que é cada vez mais forte no Partido Socialista, que é o de Dominique Strauss-Kahn, que é o diretor-geral do Fundo Monetário Internacional. É possível que vejamos, em 2012, um candidato do Partido Socialista saído do primeiro escalão do FMI e...?
Alain Touraine — O que não é uma garantia de esquerda.
Leila Sterenberg — Pois é. Há um paradoxo nisso?
Alain Touraine — Há um paradoxo. Que vou resumir da seguinte maneira: atualmente, a lógica das coisas é que Sarkozy perca. Ele é muito impopular, só tem 25% a 30% de apoio. A coisa pode mudar em um ano, mas, atualmente, ele é muito impopular. Qual é a dificuldade que há pela frente? Pela primeira vez, a ideia de um presidente de esquerda não é um sonho, é uma realidade. Qual é a dificuldade? Para que haja um presidente de esquerda, o presidente, o candidato, não pode ser demais à esquerda e seu programa tem que ser bem de esquerda. Porque as pessoas têm muita raiva do governo atual. Como reunir o centro-esquerda e a esquerda da esquerda? Você falou de Strauss-Kahn, mas, no Partido Socialista, não há operários. Há alguns patrões, há vários engenheiros, mas não operários. Então, é um partido que não tem base hoje em dia. Porque as classes médias intelectuais, que votam no Partido Socialista, são vítimas da evolução social atual e dos esforços financeiros necessários que sobrecarregam os médios, não os pequenos, que não têm dinheiro, nem os grandes, que dão um jeito para não pagar imposto ou para pagar menos do que deveriam. Então, ainda há uma fragilidade da oposição socialista. Mas ela é menos absoluta na Itália.
Leila Sterenberg — O que está acontecendo?
Alain Touraine — Há um esgotamento dos modelos políticos, e eu acho que a responsabilidade dos intelectuais nisso é muito grande, porque, em uma país como a França ou a Itália, um pouco no Brasil, muito na Argentina, na Venezuela e em outros países, os intelectuais fizeram a política do pior. Na América Latina, a maioria dos intelectuais disse: “Nós dependemos do capitalismo internacional, então não podemos fazer nada.” Os intelectuais franceses gostam muito de falar o mesmo: “Não podemos fazer nada. Somos dominados, manipulados etc.” E essa atitude é desastrosa politicamente e faz com que exista ainda em países como a França, todo um vocabulário político que data de 100 anos atrás — ou, no mínimo, 50 anos, mas está mais para 100 anos — e que não tem nenhuma capacidade de mobilização. Nós não podemos sobreviver às mudanças atuais sem idéias novas de uma maneira que corresponda à realidade e que inspire confiança. Então, o que eu diria hoje do mundo ocidental é que essas doenças são bem menos doenças da mão, das pernas ou dos pés, do que são da cabeça. Em outras palavras, se eu assumo uma posição radical ou até excessiva sobre a situação, dizendo que há todo um sistema que ruiu do ponto de vista econômico, é preciso ver que o grande obstáculo hoje em dia – como eu dizia, um pouco para o Brasil, mas muito mais para os europeus – é a renovação das idéias e do pessoal, dos político, dos intelectuais, dos sindicatos, de tudo. A Europa é uma região sem voz, que não fala. Hoje, eu tenderia mais a dizer que, se o modelo europeu – ou seja, a união da sociedade e da economia, com a política unindo tudo isso -, se o modelo europeu puder renascer, neste momento, é mais provável que seja fora da Europa. Na Europa, eu estou pessimista, pois, afinal de contas, fatos são fatos, o mundo está em pleno crescimento, com exceção da Europa, dos EUA e de parte do mundo árabe. Em outras palavras, os europeus e os americanos – mas os europeus mais claramente – giram em torno de 0% a 1% de crescimento, enquanto o mundo todo cresce a 5%, e a China cresce a 8%, 9%, 10%. Se pensarmos em 10, 20 anos, vemos uma reversão completa.
Leila Sterenberg — Esse crescimento da China, que, aliás, não é uma democracia, o senhor tem medo desse crescimento?
Alain Touraine — Não, eu nunca tenho medo do crescimento. Eu acho que o crescimento é sempre bom, e vocês, latinos-americanos, em especial, vivem da China atualmente. A Argentina vive completamente da China. O Brasil vende para a China alimentos, mas também metais. A vantagem do Brasil é que ele criou um mercado interno, ele implantou uma indústria, e, nos últimos 15 anos, também houve um grande movimento de integração de parte da população. Mas a África só vive... E a África hoje tem uma taxa de crescimento, ao menos aparente... É preciso levar em conta que a população cresce muito rápido. Mas a África está se recuperando, e são os chineses que administram o comércio internacional dos países africanos. Eu poderia encontrar exemplos em toda parte, mas eu acho que, em escala mundial, para salvar um modelo que podemos chamar de “civilizado”, hoje, os olhares se voltam em especial para a Índia e o Brasil.
Sobre essas ideias versa a entrevista que Alain Touraine concedeu à jornalista Leila Sterenberg, do programa Milênio, do canal de televisão por assinatura Globo News, levada ao ar no último dia 17 de janeiro, e que a Consultor Jurídicotranscreve a seguir:
Leila Sterenberg — Heidegger, Derrida, Foucault, McLuhan, Bauman. Uma lista hipotética dos pensadores mais importantes da segunda metade do século 20 pode ser tão extensa quanto inglória, mas o nome do sociólogo francês Alain Touraine certamente estará nela. Criador do conceito de sociedade pós-industrial, que caracteriza a substituição de uma economia baseada na indústria para outra em que o setor de serviços tem um peso maior, Touraine foi um dos primeiros intelectuais a exercer um olhar crítico sobre os processos de privatização, internacionalização do capital, liberalismo econômico, mudanças sociais, tudo aquilo que seria chamado, décadas depois, de globalização. Com uma produção intelectual extensa — publicou cerca de 40 livros — ele se debruçou sobre analises que vão do movimento de maio de 68 e o seu comunismo utópico até discussões sobre a laicidade do Estado e a capacidade das sociedades em aceitar a diferença. Sua obra mais recente Après la Crise (Depois da Crise, em português), trata dos rumos da economia de mercado. É observador atento do que se passe no Brasil. Em sua visita mais recente fez críticas ao sistema político brasileiro, mas se mostrou otimista em relação a nosso futuro. Aos 85 anos o professor Alain Touraine é lúcido, franco e gentil. Ele recebeu a equipe do Milênio no Rio de Janeiro.
Leila Sterenberg — Em seu último livro, Après la Crise, o senhor explica como a crise econômica age nas tendências de longo prazo que transformam a sociedade. E o senhor veio ao Brasil para um seminário com o tema “A Queda e o Renascimento das Sociedades Ocidentais”. A crise econômica mundial que começou nos EUA em 2008 faz parte desse processo de queda e renascimento, e nós, neste momento, ainda estamos em queda ou já estamos no processo de renascimento?
Alain Touraine — O que eu quis dizer é que uma crise é algo normal, meu Deus! Nós podemos cair, um motor pode entrar em pane, nós podemos fazer uma bobagem. O que eu acho é que aquilo que estamos vivendo é bem mais do que uma crise. É algo de longo prazo com o qual vamos conviver, e que é a separação completa da economia e da sociedade. E eu ainda acrescento a isso, como consequência, a destruição do que chamamos de sociedade, já que o que chamamos de sociedade são instituições que usam recursos, com os quais fazemos escolas, estradas, sistemas de previdência social, aviões, o que se quiser. Bem, o que nós vivemos por trás da crise é a globalização, ou seja, o fato de que a economia mundial hoje está essencialmente ligada às finanças. A existência de empresas, em si, não é um problema. Mas nós não estamos mais em mundo de empresas, estamos em um mundo de mercado, de mercado globalizado, e ninguém pode controlar isso. Obama, com a ajuda dos europeus, conseguiu impedir a catástrofe, mas não conseguiu mudar o sistema, e os europeus conseguiram ainda menos. Consequentemente podemos dizer que, hoje, o sistema econômico-financeiro mundial não está controlado e não é controlável. Em outras palavras, a ideia de reforma social desapareceu, não faz mais sentido. Nós não podemos mais reformar isso.
Leila Sterenberg — As manifestações populares na Europa por causa das medidas de austeridade, o próprio crescimento da extrema direita na Europa, a posição ferrenha a Barack Obama nos EUA, representada pelo Tea Party, e o populismo nem sempre democrático na América Latina, tudo isso faz parte do mesmo fenômeno, são facetas dele?
Alain Touraine — Podemos dizer que sim, mas em nível bem geral. Porém, é preciso avaliá-los separadamente. O que me impressiona na Europa, há alguns anos, é o silêncio. Antes, havia lutas sociais contra a transnacionalização da produção etc. Desde 2007, desde que eclodiu a crise, não vemos quase nada. E o que aparece não são contraprojetos ou críticas, pois o pensamento político chegou a zero. O que aparece são condutas de recusa. Às vezes, uma recusa da extrema esquerda, mas, na maioria das vezes, é uma recusa da extrema direita. O maior movimento de opinião política da Europa hoje em dia é a xenofobia, em especial nos países do norte, nos países avançados, que tiveram reformas social-democráticas etc. Assusta-nos ver como foi na Suécia, que era o país social-democrata por excelência. Há alguns anos, era governada pela direita, mas acaba de incorporar a extrema direita à maioria parlamentar. E há um movimento que podemos chamar de fascista — embora a palavra não queira dizer muita coisa hoje em dia — extremamente xenófobo na região belga de Flandres. Eu não falo do Bloco Flamengo, que é a esquerda. Extrema esquerda ou extrema direita, pouco importa, mas a forma extremada do movimento flamengo. Hoje, não existem mais projetos sociais, não existe mais debate social. Que país discute a educação? Só dizem que vai mal. Que país discute a democracia? Só dizem que não existe mais. Entende? Estamos em uma situação histórica que, a meu ver, marca o fim daquilo que foi o modelo europeu, sob o qual muitas pessoas ainda vivem no mundo, de um jeito ou de outro, inclusive o Brasil, e a pergunta que fica é: hoje existem forças capazes de resistir ao vasto poder da economia financeira global? Esse é o problema. E, para dificultar ainda mais a solução do problema, eu acrescento: quais são as forças que não podem mais ser sociais, já que a globalização fez desaparecer, destruiu totalmente, o social? Então, são necessárias forças não sociais. Essa é a minha preocupação.
Leila Sterenberg — E quais seriam as forças não sociais?
Alain Touraine — Então, vamos lá. Eu vejo três forças em ação, mas uma delas, no momento está congelada, não atua. A força não social que tem mais importância hoje, inclusive no Brasil, é a ecologia. A ecologia não é algo social, é a vida ou a morte do planeta. Não é um problema cultural, mas de sobrevivência. Não é um problema social. E a prova disso é que vemos pessoas sensíveis ao tema da ecologia na direita, na esquerda, no centro, isso não importa. Os alemães são muito sensíveis ao tema, os americanos e os ingleses também. Discute-se isso na China, nas reuniões internacionais. Isso, a meu ver, é a primeira grande coisa. Que é real, presente. O segundo fator com o qual eu continuo a contar bastante – eu até escrevi um livro sobre isso há não muito tempo – é o novo feminismo. As mulheres conseguiram seus direitos etc., mas, quando conversamos com as mulheres hoje, quando trabalhamos com as mulheres, qualquer tipo de mulher, seja ela funcionária, operária, professora etc., elas representam efetivamente um novo modelo de sociedade. As mulheres têm esse modelo e o expressam facilmente, mas elas sumiram da vida política, e os estudos sobre as mulheres são sempre sobre violência, violência e violência. Antes, era a violência brutal. Agora, é o incesto, o estupro pelo marido... Ou seja, as formas mais extremas de violência que há. E não falamos mais de mulheres que atuam, como agente de mudança. O terceiro elemento é, no fundo, o mais interessante, porque é o mais decisivo, é o individualismo. O individualismo, por definição, não é social, pois se trata de definir o indivíduo de outra forma que não socialmente. Às vezes, o resultado é ruim, como o comunitarismo: todos somos iguais, homogêneos, com a mesma identidade. Deixemos isso de lado, pois é fácil julgá-lo, e é algo negativo. Vocês tem uma afirmação que sumiu por 150, 200 anos, que é a afirmação dos direitos. Os direitos, naturalmente, políticos, sociais, hoje em dia, direito à cultura, os direitos das mulheres, das minorias etc. Mas isso tudo se juntou e se tornou um princípio fundamental, que é lutar pelo direito de ter direitos. Essa frase não é minha, mas de Hannah Arendt, e eu acho que ela resume bem a força moral, ética e política que se constituiu em torno desse tema do valor universal não social, mais que social... Quando digo mais que social, quer dizer, por exemplo, que isso não está nos códigos, mas na Constituição, ou seja, acima do nível da lei ordinária. Então, eu queria dizer que, se vocês conseguirem desenvolver a estimular ainda mais a consciência ecológica, se vocês forem cada vez mais sensíveis à violência contra os seres humanos, de todos os tipos... Pois o mundo está cheio de massacres e genocídios, de gente morrendo de fome ou que são deixadas a morrer de fome. Então, aí, surge a pergunta: como isso tudo pode caminhar junto? E torna-se necessário um instrumento político para ligar isso tudo, mas, aí, nós não temos. Mesmo quando falamos de democracia, não sabemos mais do que falamos.
Leila Sterenberg — E o que o senhor pensa do Brasil politicamente, porque o senhor declarou que temos um sistema político horrível, corrupto. O que o senhor acha da maturidade democrática do Brasil?
Alain Touraine — Eu acho que historicamente, falando, o Brasil teve um sistema político horrível, com um populismo no limite do ridículo. Janio Quadros e Jango não foram muito brilhantes. Foi o colapso do sistema político, e, por muito tempo, houve incidentes famosos no Congresso, violência etc. Mas é preciso lembrar que o Brasil viveu 16 anos de uma formidável consolidação. Fernando Henrique Cardoso reconstruiu as instituições, começou a fazer as pessoas entrarem em uma casa reconstruída, e Lula, em seu segundo mandato, incluiu muitas outras pessoas. Então, o Brasil de hoje é um país que dispõe de uma infraestrutura e também de uma riqueza econômica que não tem nada a ver... O Brasil se tornou uma grande potência. O BRIC não quer dizer grande coisa, pois os países são muito diferentes uns dos outros, mas o Brasil é realmente uma grande potência. Mas com um sistema político que continua fraco. Não vou citar nenhum partido, mas há grandes partidos no Brasil aos quais nem adianta perguntar qual é seu programa, pois ele será “x” ou “y”, em aliança com este ou aquele partido.
Leila Sterenberg — Foi por isso que o senhor disse que existe o risco de o Brasil regredir?
Alain Touraine — Existe, perfeitamente, mas existe em todos os países... Existe um risco grande, depois desse esforço de consolidação, de reconstrução do Brasil e também de um período muito favorável do ponto de vista econômico, de vocês terem uma pressão do tipo populista. Com a saída de Lula – ou não, mas, em todo caso, fora da cadeira presidencial -, não sabemos se esse sistema político será capaz de resistir às demandas, de não ceder às pressões indiscriminadas, sejam elas boas ou ruins. Eu estou otimista. Mais uma vez, eu acho que o Brasil de hoje, dentre os novos grandes países, as novas grandes potências, é o país que tem mais argumentos nas mãos e que mais tem construído uma civilização. Isso me impressiona muito no Brasil. É verdade que a opinião pública reconhece os países que criam símbolos e aqueles que não criam. Se você diz “Uruguai”, tudo bem que é um país pequeno, mas nada nos vem à mente. Se você diz “Brasil”, imediatamente... Entende? De “Garota de Ipanema” até "Lula", passando por várias coisas, as escolas de samba etc.
Leila Sterenberg — O futebol!
Alain Touraine — E o futebol, claro. Mas, enfim, há vários símbolos nacionais, e eu acho que, hoje, estamos em um ponto em que a consciência nacional é fundamental para a modernização de um país?
Leila Sterenberg — Como o senhor vê a nova presidente?
Alain Touraine — Eu não vejo, pois não a conheço. Ninguém a conhece, ela tem um passado que foi lembrado, ela provavelmente é uma pessoa mais política. A ideia que me vem em mente é que Lula era – falando da pessoa – um sindicalista, e ela é uma política. E, sendo política, deve ser mais radical, enquanto, com um sindicalista como Lula, era possível negociar. E ele negociou em nível mundial, foi um negociador formidável. Então, obviamente, deve haver um crescimento da vontade política, dos esforços necessários e, consequentemente, uma certa tensão política. Mas eu acho que a tensão política é algo positivo.
Leila Sterenberg — Com uma mulher que quase se tornou presidente da França, Ségolène Royal, o senhor escreveu em 2008 o livro Si La Gauche Veut dês Idées” (Se a esquerda quisesse ideias, em português), com propostas para uma nova esquerda na França. Ele chama a atenção para um nome que é cada vez mais forte no Partido Socialista, que é o de Dominique Strauss-Kahn, que é o diretor-geral do Fundo Monetário Internacional. É possível que vejamos, em 2012, um candidato do Partido Socialista saído do primeiro escalão do FMI e...?
Alain Touraine — O que não é uma garantia de esquerda.
Leila Sterenberg — Pois é. Há um paradoxo nisso?
Alain Touraine — Há um paradoxo. Que vou resumir da seguinte maneira: atualmente, a lógica das coisas é que Sarkozy perca. Ele é muito impopular, só tem 25% a 30% de apoio. A coisa pode mudar em um ano, mas, atualmente, ele é muito impopular. Qual é a dificuldade que há pela frente? Pela primeira vez, a ideia de um presidente de esquerda não é um sonho, é uma realidade. Qual é a dificuldade? Para que haja um presidente de esquerda, o presidente, o candidato, não pode ser demais à esquerda e seu programa tem que ser bem de esquerda. Porque as pessoas têm muita raiva do governo atual. Como reunir o centro-esquerda e a esquerda da esquerda? Você falou de Strauss-Kahn, mas, no Partido Socialista, não há operários. Há alguns patrões, há vários engenheiros, mas não operários. Então, é um partido que não tem base hoje em dia. Porque as classes médias intelectuais, que votam no Partido Socialista, são vítimas da evolução social atual e dos esforços financeiros necessários que sobrecarregam os médios, não os pequenos, que não têm dinheiro, nem os grandes, que dão um jeito para não pagar imposto ou para pagar menos do que deveriam. Então, ainda há uma fragilidade da oposição socialista. Mas ela é menos absoluta na Itália.
Leila Sterenberg — O que está acontecendo?
Alain Touraine — Há um esgotamento dos modelos políticos, e eu acho que a responsabilidade dos intelectuais nisso é muito grande, porque, em uma país como a França ou a Itália, um pouco no Brasil, muito na Argentina, na Venezuela e em outros países, os intelectuais fizeram a política do pior. Na América Latina, a maioria dos intelectuais disse: “Nós dependemos do capitalismo internacional, então não podemos fazer nada.” Os intelectuais franceses gostam muito de falar o mesmo: “Não podemos fazer nada. Somos dominados, manipulados etc.” E essa atitude é desastrosa politicamente e faz com que exista ainda em países como a França, todo um vocabulário político que data de 100 anos atrás — ou, no mínimo, 50 anos, mas está mais para 100 anos — e que não tem nenhuma capacidade de mobilização. Nós não podemos sobreviver às mudanças atuais sem idéias novas de uma maneira que corresponda à realidade e que inspire confiança. Então, o que eu diria hoje do mundo ocidental é que essas doenças são bem menos doenças da mão, das pernas ou dos pés, do que são da cabeça. Em outras palavras, se eu assumo uma posição radical ou até excessiva sobre a situação, dizendo que há todo um sistema que ruiu do ponto de vista econômico, é preciso ver que o grande obstáculo hoje em dia – como eu dizia, um pouco para o Brasil, mas muito mais para os europeus – é a renovação das idéias e do pessoal, dos político, dos intelectuais, dos sindicatos, de tudo. A Europa é uma região sem voz, que não fala. Hoje, eu tenderia mais a dizer que, se o modelo europeu – ou seja, a união da sociedade e da economia, com a política unindo tudo isso -, se o modelo europeu puder renascer, neste momento, é mais provável que seja fora da Europa. Na Europa, eu estou pessimista, pois, afinal de contas, fatos são fatos, o mundo está em pleno crescimento, com exceção da Europa, dos EUA e de parte do mundo árabe. Em outras palavras, os europeus e os americanos – mas os europeus mais claramente – giram em torno de 0% a 1% de crescimento, enquanto o mundo todo cresce a 5%, e a China cresce a 8%, 9%, 10%. Se pensarmos em 10, 20 anos, vemos uma reversão completa.
Leila Sterenberg — Esse crescimento da China, que, aliás, não é uma democracia, o senhor tem medo desse crescimento?
Alain Touraine — Não, eu nunca tenho medo do crescimento. Eu acho que o crescimento é sempre bom, e vocês, latinos-americanos, em especial, vivem da China atualmente. A Argentina vive completamente da China. O Brasil vende para a China alimentos, mas também metais. A vantagem do Brasil é que ele criou um mercado interno, ele implantou uma indústria, e, nos últimos 15 anos, também houve um grande movimento de integração de parte da população. Mas a África só vive... E a África hoje tem uma taxa de crescimento, ao menos aparente... É preciso levar em conta que a população cresce muito rápido. Mas a África está se recuperando, e são os chineses que administram o comércio internacional dos países africanos. Eu poderia encontrar exemplos em toda parte, mas eu acho que, em escala mundial, para salvar um modelo que podemos chamar de “civilizado”, hoje, os olhares se voltam em especial para a Índia e o Brasil.
SISPENAS
O SISPENAS é um banco de dados que sistematiza e organiza informações sobre os crimes previstos na legislação penal brasileira, suas respectivas penas e os benefícios que eventualmente possam ser concedidos para cada um desses crimes.
Além de tornar mais clara e acessível a relação entre o conjunto de tipos penais e benefícios já positivados no nosso ordenamento, o banco de dados auxilia a formulação de alterações legislativas por meio de simulações (por exemplo, é possível saber quais crimes serão considerados de menor potencial ofensivo se for aprovado um projeto de lei de altera de dois para três anos o limite da pena máxima previsto no art. 61 da Lei nº. 9.099/1995).
A pesquisa pode ser realizada de diferentes formas: por artigo, benefício, ano de criação de leis, penas máximas e mínimas ou palavras-chave. Para iniciar a pesquisa, basta clicar em um dos ícones acima.
A pesquisa em “tipos penais” permite consultar os crimes que constam no Código Penal (Decreto-lei n. 2.848/1940 e suas alterações) e em 55 leis penais especiais em vigor. O ícone “benefícios” sistematiza os seguintes institutos jurídicos: composição civil dos danos; transação penal; suspensão condicional do processo; substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e/ou por pena de multa; suspensão condicional da pena; limite de cumprimento de pena e livramento condicional. Por fim, a “pesquisa avançada” (ou “filtro”, depende da terminologia que utilizarmos) possibilita o cruzamento entre o conjunto de tipos e o conjunto de benefícios, disponibilizando dois tipos de consulta: (i) para um dado benefício, verifica a quais tipos ele se aplica; (ii) para um dado tipo, verifica quais benefícios podem ser aplicados
Além de tornar mais clara e acessível a relação entre o conjunto de tipos penais e benefícios já positivados no nosso ordenamento, o banco de dados auxilia a formulação de alterações legislativas por meio de simulações (por exemplo, é possível saber quais crimes serão considerados de menor potencial ofensivo se for aprovado um projeto de lei de altera de dois para três anos o limite da pena máxima previsto no art. 61 da Lei nº. 9.099/1995).
A pesquisa pode ser realizada de diferentes formas: por artigo, benefício, ano de criação de leis, penas máximas e mínimas ou palavras-chave. Para iniciar a pesquisa, basta clicar em um dos ícones acima.
A pesquisa em “tipos penais” permite consultar os crimes que constam no Código Penal (Decreto-lei n. 2.848/1940 e suas alterações) e em 55 leis penais especiais em vigor. O ícone “benefícios” sistematiza os seguintes institutos jurídicos: composição civil dos danos; transação penal; suspensão condicional do processo; substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e/ou por pena de multa; suspensão condicional da pena; limite de cumprimento de pena e livramento condicional. Por fim, a “pesquisa avançada” (ou “filtro”, depende da terminologia que utilizarmos) possibilita o cruzamento entre o conjunto de tipos e o conjunto de benefícios, disponibilizando dois tipos de consulta: (i) para um dado benefício, verifica a quais tipos ele se aplica; (ii) para um dado tipo, verifica quais benefícios podem ser aplicados
No Balanço de Perdas e Danos. - Um tributo a Patrícia Acioli - Jorge Luiz Souto Maior
No Balanço de Perdas e Danos.
- Um tributo a Patrícia Acioli -
Jorge Luiz Souto Maior(*)
Acho que chegou a hora de fazer um balanço das perdas e dos danos sofridos em decorrência dos últimos fatos. É bem verdade que ao longo de anos “já tivemos muitos desenganos, já tivermos muito que chorar”[1], mas desta vez a perversidade está se esmerando.
O difícil mesmo é definir por onde começar. Se bem que, por que, afinal, atrair para si a obrigação de conferir um ar de roteiro a uma histórica caótica? Melhor mesmo é ir sem rumo, tomando o cuidado de não pegar uma barca furada como Transporte e de não viajar como se estivesse a Turismo em um jatinho do agronegócio.
A questão é que de repente surgiu a notícia de que um “maluco” assassinou 77 pessoas dentre jovens que estavam em um acampamento para um encontro do Partido Trabalhista na Noruega.
O tal “maluco” escreveu um texto com cerca de 1.500 páginas, com a denominação: “Uma Declaração de Independência Européia”. E, como não poderia deixar de ser, sobrou para o Brasil, um país “disfuncional”.
No texto, o sujeito condena o que chamou de “revolução marxista brasileira” – pois é, sobrou também, como sempre, para o Marx. A dita “revolução marxista” seria a responsável pela mistura de raças, a qual, por sua vez, constituiria a explicação para que no Brasil existam “altos níveis de corrupção, falta de produtividade e conflitos eternos entre as várias culturas”. Já, “mulatos e mestiços” seriam integrados a “subtribos”.
O assassinato das pessoas na ilha de Utoeya, Oslo, teria por objetivo, segundo o executor, evitar que a mesma miscigenação ocorresse na Noruega.
Após ser preso, perante um juiz, o assassino confessou ser o autor do massacre, mas não se declarou culpado, pois, segundo acredita, precisava ter cometido estes atos para enviar "um forte sinal" aos noruegueses, buscando, de certo modo, impedir que a Noruega se tornasse um Brasil.
Disse, também, que pretendia induzir a maior perda possível ao governista Partido Trabalhista, para que este não conseguisse recrutar novos filiados.
Dentre os planos do tal sujeito estava a pretensão de aparecer na Corte com um uniforme e aproveitar o momento para fazer uma longa defesa de sua tese, com os argumentos que justificavam o cometimento dos crimes, os quais teriam sido, conforme justifica, “atrocidades necessárias”, o que eliminaria, na lógica que criara, a possibilidade de sua punição.
Trágico, não? Trágico, e muito. Mas, igualmente trágico é constatar que a “lógica” do maluco – que é totalmente desprovida de fundamento – está, em certo sentido, muito próxima da nossa realidade.
Por exemplo. Não é de hoje que lemos nos jornais notícias sobre corrupção. E, novamente, estamos afundando nesse mar de lamas, que assola, no momento, o Transporte, o Turismo e a Agricultura. Mas, como já se pode saber, não haverá punições concretas no sentido da prisão dos corruptos, acompanhada da necessária restituição do dinheiro furtado aos cofres públicos. E temos, então, que conviver com o argumento de que a perda do cargo político ocupado já é um grande avanço, pois nunca antes na história desse país os atos de corrupção se tornaram públicos...
Só que nesse assunto, como em vários outros, nenhuma evolução que não atinja o ideal está perdoada. A corrupção, cumpre compreender, não representa apenas o furto qualificado do patrimônio público, trata-se de uma autêntica bomba que destrói por completo a possibilidade de instituição do pacto de solidariedade propugnado pelo Estado Social. Ora, sem que o próprio Estado respeite as regras do jogo, os particulares vêem-se livres para agir da mesma forma, apoiando-se nos exemplos de impunidade e no cômodo argumento de que não vão cumprir a sua parte porque, afinal, o Estado não cumpriu a sua.
Um dia desses, ao meu lado, um sujeito contava vantagem para o outro, que reclamava do quanto pagava de impostos. Disse o primeiro: “Isso não ocorre comigo. Eu sou PJ. No meu ramo, todo mundo é PJ. E essa nova empresa para quem trabalho, permitiu-me ser uma PJ de eventos e não de atendimentos como antes e agora eu só pago 6% de imposto de renda.”
Desse modo, dentro da mesma lógica, o que devia ser público, de todos, vai para a privada. E, não se percebe, mas é dessa mesma “lógica” que vem o jargão, muito utilizado em processos de licitação pública, conforme se revelou recentemente: "É para o governo, joga o valor por três, tudo vezes três"[2]. Enquanto isso, pessoas morrem nos corredores dos hospitais por falta de condições de atendimento e crianças subnutridas, semi-analfabetas, não encontram projetos sociais de qualidade, instituídos na rede pública, para se engajar. E, sem esperança, a criminalidade começa cada vez mais cedo:
Meninas fazem arrastão em lojas da Vila Mariana
Josmar Jozino
(do Agora)
Um grupo de oito a 10 meninas com idades entre 7 e 11 anos sai de Diadema, no ABC, para promover arrastões em lojas da Vila Mariana (zona sul de São Paulo).
Foram pelo menos 20 ataques. O mais recente aconteceu no último dia 26, na rua Domingos de Moraes, segundo o capitão Flávio Baptista, 38 anos, comandante da 2ª Companhia do 12º Batalhão.
O oficial disse que as crianças são pobres, saem de ônibus de Diadema e se reúnem entre a rua Joaquim Távora e a Estação Ana Rosa do Metrô.[3]
Aliás, não é sequer correto falar em mera “criminalidade” para se referir ao fato em questão, pois não se trata de simples delinqüência na medida em que está envolto em um complexo contexto de intensos desajustes sócio-econômico-culturais, como, ademais, não se pode referir do mesmo modo ao que se passou recentemente na Inglaterra e no Chile.
A irracionalidade comprometida em manter a falta de compreensão exata dos problemas pelos quais passa a humanidade tenta fazer crer que as revoltas na Inglaterra foram fruto de jovens baderneiros. Este tema, aliás, acabou trazendo um exemplo claríssimo da dificuldade que a razão enfrenta para se fazer valer, quando em entrevista, conferida, em 11 de agosto último, pelo sociólogo Sílvio Caccia Bava à Globo News, os entrevistadores, impregnados pela irracionalidade, tentavam, de todo modo, passar a imagem de que a ocorrência inglesa representava, unicamente, uma atitude de “vândalos”, e o entrevistado, com bastante classe, diga-se de passagem, buscava lhes explicar, com análise racional e profunda dos fatos, que o evento estava ligado à desesperança dos jovens da região de Tottenham, onde o nível de desemprego atinge a 35% da população de 16 a 25 anos; à discriminação sofrida pelos moradores da região, basicamente pobres, negros e de outras nacionalidad
es que não a inglesa; à atitude intimidatória da polícia frente àquelas pessoas, fazendo abordagens e revistas sem qualquer motivação específica; ao descontentamento decorrente do assassinato, pela polícia, de um jovem, Mark, em uma dessas averiguações; e ao descaso dos agentes públicos em dar explicações sobre o ocorrido a 300 (trezentas) pessoas – familiares e vizinhos do Mark, que foram, em passeata, até a Polícia e lá foram deixadas, sem resposta, por mais de 04 (quatro) horas, resultando na revolta, então verificada, que fora, conforme sua explicação, motivada, assim, pela “falta de canais políticos” para apresentação de demandas por parte daquela população discriminada, que estava sendo vítima, ainda, em virtude da crise econômica, do corte dos custos, em 75%, com os projetos sociais na região, que provocou o fechamento de 8 dos 13 dos “Centros de Cultura Jovem”. Esse quadro, traduzido pela discriminação, pela desesperança e p
elo corte de políticas sociais, gerou a “revolta” dos jovens... E, mesmo assim, ou seja, mesmo diante da resposta, sucintamente muito bem explicada, os entrevistadores, não querendo ouvir o que estava sendo dito, continuaram insistindo na “tese” do vandalismo dos jovens, perguntando como, afinal, “a sociedade” poderia se proteger daquelas pessoas, acabando por produzirem, então, por intermédio de uma das entrevistadoras, que parecia sair de um filme de ficção, a pérola típica da lógica irracional: “Se não são marginais como você está falando. Quem são esses jovens? São estudantes que estavam em férias em seguiram o fluxo da violência?” Caccia, com outras palavras, e ainda com muita paciência, teve que dizer tudo de novo, e diante da nova pergunta, que insistia na versão da delinqüência, Sílvio Caccia precisou explicar: “Essas indicações são um termômetro na sociedade. Se você percebe que um ato de violência em um determinado luga
r permite que isso se espraie para outras cidades da Inglaterra e que se amplie em Londres esse conflito é porque debaixo desse tecido social há muita tensão, há muito conflito, há muita dificuldade para sobrevivência”.
E a demonstrar que, efetivamente, há muita sujeira por baixo do tapete, ou, do tecido social, como aludido por Caccia, e que os revoltosos não são marginais, no dia 10 de agosto, 100 mil estudantes no Chile foram às ruas pleiteando o cumprimento de suas reivindicações: uma garantia constitucional de qualidade e gratuidade do ensino público, proibição do lucro nas instituições que recebem aportes do Estado; e desmunicipalização da gestão educacional[4], tendo havido confrontos violentos com a polícia local.
Entre nós, a promiscuidade semântica entre burocracias governamentais corruptas e ordem pública destrói a coesão necessária à viabilidade de um projeto de nação.
Claro, nem todos estão ligados a essa lógica, mas de um jeito, ou de outro, se vêem envolvidos por ela. Como uma empresa que contrata trabalhadores e os respeita enquanto cidadãos pode concorrer – no mercado, que é impessoal e objetivamente carrasco – com outra que, impunemente, contrata PJs? Como pessoas que venderam a alma ao Diabo, visualizando vantagem econômica na perda da sua própria condição humana, vão conseguir ver os outros como seus semelhantes da espécie humana?
E, em meio a tudo isso, vem uma grande empresa multinacional e lança o bordão, “os bons são maioria”, tentando espalhar um otimismo irracional para incrementar suas vendas e difundir a idéia de que os problemas da humanidade são apenas frutos de opções pessoais e que a melhora da realidade social depende meramente da bondade. De todo modo, ainda que se acreditasse que os bons são maioria, a minoria que está tomando conta do mundo, incluindo a mesma empresa citada, transmite para a sociedade os parâmetros que lhe garantiram o sucesso: individualismo; empreendedorismo egoísta; competitividade; extração de vantagens a qualquer custo; desrespeito ao outro, como parte do processo da conquista pessoal; desconsideração plena da importância dos projetos sociais da efetiva distribuição de rendas e da socialização dos bens de produção.
É assim que o círculo gira sem freio em um processo aderente e auto-destrutivo. A empresa que ganha a concorrência de uma obra pública, mesmo com superfaturamento, não leva para si toda a diferença entre o custo da obra e o valor pago pelo Estado, pois que necessita dividi-la com a estrutura da corrupção. Ganhar a concorrência licitatória não é o suficiente. É preciso, então, extrair o lucro pela fórmula clássica da exploração da força de trabalho. O negócio é contratar uma empreiteira, que subempreita, subempreita e subempreita, até se chegar a um José da Silva ME, tão peão quanto aqueles a quem contrata para trabalhar 12 (doze) horas por dia, sem registro em Carteira etc. Nas construções do PAC e outras por aí (da usina de Jirau ao Maracanã) vão se produzindo subcidadania, mutilados, órfãos, viúvos e viúvas, em número bem superior aos 77 da Noruega.
Mas, como justifica a “lógica” perversa da irracionalidade, “a culpa é desses ‘peões’ que não sabem usar EPIs”, “que tomam pinga em vez de café”, ou “do José da Silva ME., o empregador, que não cumpriu o seu dever de zelar pela segurança nas obras”...
E as estruturas superiores dos poderes políticos e econômicos, onde tudo começou, restam ilesas, vez que detêm a seu favor a “terceirização”, na forma da subcontratação, que é um processo de produção legitimado pela retórica da modernidade, pela qual se permite a transferência contínua de responsabilidades de forma a obscurecer as relações entre o capital e o trabalho, desfavorecendo os que se encontram no final da rede criada, pois uns vão explorando os outros, e, ao final, não se tem mais a percepção de onde e por qual motivo tudo começou.
Há pouco tempo, a Cosan – o maior grupo sucroalcooleiro do Brasil, que incorpora as marcas Da Barra, Esso, Mobil e União – foi incluída na lista suja do Ministério do Trabalho pela utilização de trabalho em condições análogas de escravo em sua rede de produção. Em fiscalização ocorrida em 2007, 42 trabalhadores foram encontrados em condições semelhantes a de escravos na usina Junqueira, em Igarapava, extremo norte de São Paulo.
A defesa da Cosan pautou-se pelo típico argumento que advém da perversidade da terceirização. A Cosan alegou que quem era a responsável por aqueles trabalhadores era a “empresa” José Luiz Bispo Colheita - ME, que prestava serviços na usina.
E para passar por vítima, apresentando-se para a sociedade como arauto da legalidade e do respeito aos direitos sociais, afirmou que assim que tomou conhecimento da situação tratou de excluir a “empresa” José Luiz Bispo Colheita – ME da sua lista de fornecedores.
Agora, mais recentemente, o fenômeno se repete. De forma “surpreendente”, “descobriu-se” que havia trabalho em condições análogas à de escravo na rede de produção da Zara, uma das maiores marcas de roupas do mundo.
A Zara contratou, no Brasil, a “empresa” AHA, para a confecção de suas roupas. Mesmo sem estrutura econômica compatível, a AHA “contratava” serviços de 33 oficinas, onde se costuravam roupas da Zara. Em duas dessas oficiais, fiscais do Ministério do Trabalho encontraram 16 bolivianos adultos e cinco crianças, que viviam e trabalhavam no mesmo ambiente: sem ventilação, com fiação elétrica exposta, cômodos apertados e sujos. O chuveiro não tinha água quente e as cadeiras usadas pelos costureiros eram improvisadas com espuma e almofadas. Sem registro, os trabalhadores eram submetidos a jornadas de 14 a 16 horas. Segundo as investigações, a AHA pagava à oficina, em média, R$6,00 por peça, a qual foi encontrada, por reportagem da Repórter Brasil, sendo vendida por R$139, em loja da zona oeste, em São Paulo[5]. As anotações encontradas no local mostram que o valor pago pela confecção de uma peça era dividido em partes iguais para o costureiro, o d
ono da oficina e para a manutenção da casa.
E a Zara veio a público dizendo-se “surpresa” com a descoberta e que já havia tomado as providências para que o fornecedor regularizasse a situação, como se já não estivesse devidamente regular, na perspectiva da terceirização! E, pior, a Zara se comprometeu a reforçar a fiscalização do sistema de produção no Brasil, como se o problema fosse ligado à forma de exploração do trabalho no Brasil. Mais uma vez, sobrou para o Brasil. Mas, também, convenhamos, o Brasil merece, pois ninguém foi preso e a Zara (que teve faturamento de 12,5 bilhões de euros no ano passado), pelo que se pode prever, ainda vai sair dessa de boazinha, dando-nos lição de moral e continuando com suas lojas lotadas...
A Zara, conclusivamente, disse: “Estamos trabalhando junto com o MTE para a erradicação total destas práticas que violam não só nosso rígido Código de Conduta, como também a legislação trabalhista brasileira e internacional.” AHVA!
E daqui a pouco vão descobrir que em outras grandes redes de produção ocorre o mesmo fenômeno da superexploração do trabalho humano e teremos, novamente, que assistir às demonstrações de “surpresa” do capitalista e do consumidor! Talvez descubram que há exploração sexual de menores no lucrativo turismo brasileiro; que há trabalho em condições análogas à de escravo em muitas casas de família; que há uma enorme gama de motoristas de caminhão – e ajudantes – trabalhando de 12 a 16 horas por dia, sete dias por semana, meses a fio, pondo em risco a sua saúde e a de todos que trafegam nas estradas do país; que há médicos residentes sendo explorados em hospitais, realizando plantões de até 24 horas; que os próprios médicos, de profissionais liberais, foram transformados em trabalhadores proletários, incluídos ao conceito de mão-de-obra barata para a exploração capitalista da saúde; que há vigilantes, enfermeiras e vários outros profissiona
is cumprindo jornadas de trabalho de 12 horas, sem intervalo para refeição e descanso, sem descanso semanal e sem direito a feriados; que há milhões de terceirizados no Brasil sendo tratados como coisa invisível e mendigando direitos; que há inúmeros trabalhadores submetidos a um sistema perverso de banco de horas, com alterações constantes de horários de trabalho, o que lhes nega a mínima previsibilidade sobre a própria vida; que várias empresas não pagam, propositalmente, direitos trabalhistas e depois se valem de acordos na Justiça, em reclamações por elas próprias incentivadas, para legitimarem sua conduta ilegal; que a lei de recuperação judicial se transformou em argumento fácil do “calote”; que se inventou o capitalismo sem riscos, onde há exploração do trabalho e extração de lucros, sem garantias sociais: empresas descapitalizadas, atuando no mercado e explorando o trabalho alheio, valendo-se de “factorings”, galpões alugados e máq
uinas financiadas em Bancos, que se valem de garantias reais ou fiduciárias, e que são, não raro, empresas estrangeiras sem sede própria no país, atuando por meio de “procuradores”, que, depois da constituição de dívidas, simplesmente somem, deixando por aqui um rastro de prejudicados...
Mas, há quem já saiba que o trabalho prestado, para ser remunerado posteriormente, exige garantias. Os atletas profissionais de futebol da Espanha, por exemplo, deflagraram greve, travando o início do campeonato daquele país, enquanto não obtiverem garantias suficientes de que os salários serão efetivamente pagos, sendo que cerca de 200 atletas já sofrem com a falta de pagamento de seus salários.
E, para demonstrar que o dinheiro é problema sempre (quando é pouco e quando é muito), nos EUA, inversamente, quem está em greve (locaute) são os empregadores, que querem diminuir de 57% para 50% a participação dos jogadores nas receitas do campeonato de basquete da NBA, pleiteando, também, a fixação de um “salário máximo”, isto é, um teto para o valor dos salários, impedindo, assim, a manutenção de elencos muito caros.
Voltando ao aspecto das premonições, em breve haverão de descobrir, quem sabe, que revista íntima agride a condição humana, pois não há nenhuma maneira de se invadir a intimidade alheia de forma “impessoal” como alguns têm decidido e que, de todo modo, a agressão já se consolida na própria acusação informal, disfarçada em “mera” desconfiança quanto à pontencialidade do furto...
Talvez se descubra, também, que o argumento técnico-jurídico, patrocinado pelo Supremo Tribunal Federal, da irresponsabilidade do Estado frente aos contratos de prestação de serviços, feitos por intermédio de licitação, representa, apenas, mais uma forma de favorecer as práticas de supressão de direitos trabalhistas e de abertura de espaços institucionalizados para a corrupção e que nenhuma atividade econômica, por mais lucrativa que possa parecer, pode ser mantida em funcionamento quando apoiada no desrespeito da condição humana dos trabalhadores e na sua desconsideração enquanto cidadãos titulares de direitos.
Ah, e já que se falou em corrupção, não sei se alguém sabe, mas recentemente, no Brasil, perderam o cargo quatro Ministros de Estado, em razão de casos de corrupção em suas pastas. Só que o dinheiro, voltando para os cofres públicos, ninguém viu! Talvez esteja no mesmo lugar onde foram parar os mais de 140 milhões de reais ainda não recuperados do assalto ao Banco Central em Recife...
E mais premonições: as obras dos estádios de futebol para Copa de 2014 no Brasil vão atrasar e, na última hora, sob o argumento de não se pode passar uma imagem de desorganização do país para o mundo, o Estado vai financiar o pagamento das obras em valores ainda mais superfaturados...
Dessas irracionalidades em propulsão as perversidades vão se alimentando: assistimos há pouco tempo a elaboração de um manifesto para evitar a construção de uma estação de metrô em um bairro em São Paulo, partindo do argumento de que a estação traria “gente diferenciada” para o bairro; vimos, também, um pai mandar matar a filha para não mais pagar a pensão alimentícia...
Aí, em lampejo de racionalismo, a OIT, neste ano, editou a Convenção 189 da OIT que confere cidadania plena às trabalhadoras domésticas. Mas, voltando à normalidade da irracionalidade, que ratificação que nada! Ao menos até agora...
E, de repente, no meio de todo esse imbróglio – e até que estava demorando – alguém se lembrou de atacar a Justiça do Trabalho, para que não esquecêssemos que o problema do Brasil não está em nenhum desses fatos, mas na existência de direitos consagrados aos trabalhadores na CLT e na Constituição Federal – aquela que foi modificada, na calada da noite, fora do processo eleitoral, pelo ex-um tanto de coisa, Nelson Jobim, e que não recebeu nenhuma punição por isso, mesmo tendo confessado o crime, abertamente, em forma de escárnio à sociedade brasileira, enquanto ainda ocupava o cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal.
O ataque à Justiça do Trabalho veio de que forma? O que disse o agressor (Marcelo Rehder)?[6] Fazendo o cálculo de que a Justiça do Trabalho gera o custo de R$61,24 para cada brasileiro, disse, em uma tese de meia página – bem menor que a do norueguês –, que “se o Estado resolvesse pagar todas as reclamações trabalhistas, sairia mais barato do que manter a estrutura da Justiça do Trabalho em funcionamento”.
Segundo suas contas, “em 2010, a despesa foi de R$61,24 para cada brasileiro, 8,64% a mais do que no ano anterior (R$ 56,37), totalizando R$11,680 bilhões. Em igual período, foram pagos aos reclamantes R$11,287 bilhões, ou 10,3% mais que em 2009.”
Para auxiliá-lo na frente de batalha, trouxe à baila o argumento de Almir Pazzianoto Pinto – sempre, ele, que já foi, vale lembrar, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho – no sentido de que: "Não será criando novas varas que se vai resolver o problema". Afinal, como dissera, em reforço retórico: "Quanto mais botequim, mais pinguço - ou seja, a afluência de processos aumenta."
Trágico, não? Trágico, e muito!
Poder-se-ia, é claro, trazer contra-argumentos à “lógica” dessas pessoas, dizendo, por exemplo, que o pagamento pelo Estado das dívidas trabalhistas, deixando isentos os particulares que constituíram as dívidas, representaria transferir para todos a dívida de alguns irresponsáveis; que muito mais custoso do que fazer valer a justiça é deixar que a injustiça impere; que muito mais caro, para o Estado, do que a efetivação dos direitos trabalhistas é manter as estruturas voltadas à proteção do direito de propriedade, que atinge uma parcela ínfima da sociedade brasileira; que os trabalhadores brasileiros, cidadãos como quaisquer outros, merecem, no mínimo respeito, sendo que a fórmula básica de por abaixo esse pressuposto é a de tratá-los como números e, pior ainda, como “pinguços”, ainda que sem intenção de fazê-lo, conforme infeliz analogia. Aliás, se mais reclamações existirem em razão da criação de novas Varas aí sim é que essas se
justificam, pois que o fato demonstra que há, então, em nossa realidade, como todo mundo sabe, uma demanda reprimida por justiça.
E, até se poderia dizer que se crítica a Justiça do Trabalho merece, em razão dos números apresentados, é a de que se cumprisse de forma ainda mais eficaz o seu dever de fazer valer, sem concessões, os direitos dos trabalhadores, não homologando acordos espúrios, punindo exemplarmente os que desrespeitam a lei e fazendo interpretações da legislação trabalhista de forma mais consentânea com os postulados dos direitos sociais, o valor que estaria transferindo para os trabalhadores seria muito superior ao noticiado.
Fato é que não se devem apresentar contra-argumentos a esse tipo de manifestação irracional, sob pena de admiti-lo como integrado ao contexto da racionalidade humana. Estabelecer um diálogo a partir dessa espécie de argumentação seria o mesmo que tentar explicar para o norueguês as razões pelas quais ele está errado; que, no Brasil, Marx nunca foi literatura dominante; que jamais houve na sociedade brasileira uma “revolução marxista”, muito pelo contrário, já que estamos entre as nações de pior distribuição da riqueza produzida do planeta; que a utilização retórica das próprias “razões” não é suficiente para excluir a culpabilidade; e que, por mais argumentos que uma pessoa possa ter, ainda que lógicos, ninguém pode sair por aí matando pessoas...
De todo modo, não basta reduzir esse tipo de argumentação à sua insignificância. É preciso, também, advertir para os danos que a irracionalidade tem gerado para humanidade, pondo em destaque o quanto a somatória de equívocos argumentativos tem dificultado, no Brasil, a construção de um autêntico sentido de nação.
A partir dessa irracionalidade, que é difundida abertamente, com ares de intelectualidade, nos moldes da tese do norueguês, e que se apóia na busca de soluções individualistas, na linha do levar vantagem para satisfação pessoal por meio da aquisição de bens materiais, é que o desrespeito aos direitos sociais, que são essenciais para a tentativa de construção de uma sociedade justa dentro do modelo capitalista de produção, encontra as mais estapafúrdias justificativas. É comum, em audiências trabalhistas, ver o empregador dizer para o juiz (que está ali para fazer valer a lei), que não cumpriu a lei, ou seja, que não respeitou os direitos do trabalhador porque a lei lhe gera muito custo, e que se tivesse que pagar todos os direitos teria que fechar a loja etc., como se o cumprimento da lei, o respeito ao direito alheio, fosse um ato de opção. Quando muito, algum empregador desse tipo, que não respeita a lei, assume o erro, mas não ao ponto de se sentir
culpado pelo ato. A culpa, alega, é do mercado. No geral, esse tipo de empregador, reforçado pelos argumentos da irracionalidade dominante, tende a considerar que o erro está na lei e assim sua atitude não constituiria nenhuma culpa. E, não raro, o juiz se alia ao tal empregador e convence o empregado a aceitar em receber valor inferior ao que lhe seria devido pelo completo cumprimento de seus direitos, o que, de certo modo, representa, no contexto geral, um ato de traição com relação ao outro tipo de empregador, que respeita os direitos de seus empregados, que os respeita como seres humanos e que acredita que cumprir a lei é uma obrigação de todos.
As audiências trabalhistas, assim, diante dos argumentos que se apresentam dentro da lógica de que tudo vale para a justificativa do ilícito cometido, parecem com a situação, inicialmente relatada, do crime premeditado, praticado com convicção, sem sentimento de culpa, e apoiado em tese jurídica... Como é duro, para quem ainda guarda um pouco da racionalidade humana, ouvir a sustentação da defesa de que o empregado perdeu o braço no trabalho porque cometeu ato inseguro e que, portanto, foi exclusivamente do empregado a culpa pelo ocorrido!
A partir do imperativo da razão e da constatação da existência dos enormes desajustes de nossa sociedade, como é difícil, no Brasil, ter que continuar ouvindo, de forma cíclica, o argumento de que são os direitos de um trabalhador, que recebe, em média, R$600,00/R$800,00 por mês, que impedem o desenvolvimento do país.
Ora, o capitalismo, que se apresenta como arauto da inteligência humana, merece argumentos melhores que este. Qual inteligência é necessária desenvolver para se chegar à conclusão de que menos custo do trabalho gera maior lucro para as empresas? E o problema é que nem mesmo essa lógica simplória pode prevalecer. Matematicamente, se alguém gasta menos lhe sobra mais dinheiro. Mas, do ponto de vista do capitalismo, enquanto sistema econômico-social, o lucro não está representado, simplesmente, pelo menor custo, vez que o valor investido na produção exige a comercialização do produto, advindo daí, da diferença entre arrecadação e custo, o lucro. De um ponto de vista simplório, se o custo é menor essa diferença pode ser maior, mas pode ser menor, ou nem existir, se o produto não for comercializado pelo preço e na quantidade prevista. É por isso que o lucro, a diferença entre valor do produto e o custo da produção, não é uma equação matemática, j
á que o valor de mercado do produto e a sua efetiva comercialização dependem de uma série enorme de variantes. Exigem, sobretudo, um mercado consumidor aquecido, o que só existe em realidades de alta circulação da moeda, motivada, principalmente, por políticas de altos salários e estabilidade das relações sociais, que permite realização de planos de vida e compras a crédito. Neste sentido, o maior custo de produção, determinado pelo aumento do salário, pode gerar, por mais paradoxal que possa parecer, maior lucro. A redução constante dos patamares do custo do trabalho, a partir da diminuição do ganho da classe trabalhadora, tende a diminuir, progressivamente, o mercado de consumo. E mesmo a redução do custo paralelo referente às políticas sociais pode gerar desajustes organizacionais que inviabilizam a própria vida social.
Os direitos dos trabalhadores, de todo modo, não são meramente custos, pois que representam a fixação de um patamar civilizatório, necessário à evolução da própria condição humana. Não há, portanto, argumento econômico que possa justificar a eliminação das garantias históricas da limitação da jornada de trabalho, do descanso semanal remunerado, dos períodos de descanso intra e entrejornadas, do salário mínimo, da proteção da salubridade no ambiente de trabalho, das garantias especiais de emprego, da proteção da infância, da preservação de uma maternidade saudável, das políticas de emprego etc.
Então, quando se tenta atacar o Direito do Trabalho pelo viés de seu custo, o que se produz é mais uma irracionalidade que alimenta a descrença na evolução da humanidade no contexto da sociedade capitalista. A irracionalidade é tão grande que se chega a acreditar que tal argumento é posto em defesa do capitalismo quando, na verdade, quando muito, interessa unicamente a empresas determinadas, para práticas imediatistas, sobretudo às multinacionais, cuja produção é voltada ao mercado exterior.
Mas, por que pensar? Para que buscar saídas coerentes e racionais para os dilemas da sociedade? A sociedade já está atolada na irracionalidade mesmo... Muito mais simples resolver os próprios problemas que os de todo mundo, não é mesmo?
O problema é que ou a humanidade evolui como um todo ou, simplesmente, não evoluirá. Ademais, de que vale obter sucesso econômico, comprar um carrão e um apartamentão, e ter que mandar blindar o carro, fazer seguro do apartamento, abandonar as práticas de convívio social, não mais andar pelas ruas, não deixar o filho sair sozinho, perder, enfim, a esperança na humanidade e não sofrer mais com o sofrimento alheio?
A saída há muito foi dada e está consignada no projeto da constituição de um Estado Democrático de Direito Social, baseado na necessária eficácia da racionalidade que vislumbra, de forma constante, a elevação da condição humana.
Como consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948:
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. (grifou-se)
Infelizmente, no entanto, não se tem dado a devida atenção a este preceito e a irracionalidade, que se tem alastrado pelo comodismo, está nos conduzindo, cada vez mais fundo, a um campo extremamente perigoso e complexo dos comprometimentos promíscuos, das conivências, das reciprocidades, dos vínculos obscuros, ou da mera indiferença, onde fazer a coisa certa parece um desafio, ou mesmo, um ato de coragem. Na somatória das lógicas irrefletidas forma-se um pacto entre a mediocridade, a irracionalidade, a indiferença, a insensibilidade, o egoísmo e a desonestidade.
Assim, pagar imposto é coisa de otário. Ficar no trânsito sem transbordar para o acostamento, quando não autorizado, é atitude de lerdo. Atravessar a rua na faixa de pedestre, perda de tempo. Respeitar os limites de velocidade, sem radar acusando, atitude de Mané. Não utilizar do “status” sócio-político-econômico para obter alguma vantagem pessoal, impensável. Atuar profissionalmente, na busca de cumprir o papel institucional de fazer do direito um instrumento de construção da justiça social, mera pretensão romântica. Registrar o empregado, pagar-lhe todos os direitos, demonstração de ignorância plena de como são as coisas na realidade...
E olha que não se está falando de uma lógica que é perversa apenas na perspectiva daqueles que ostentam posições privilegiadas na sociedade. É evidente que a mesma irracionalidade invade os próprios trabalhadores e os excluídos. Não raramente se verá empregados considerando que respeitar, plenamente, obrigações no trabalho é ato de “puxa-saco”; superiores hierárquicos assediando outros trabalhadores; vendedores enganando clientes, para obtenção de vantagem pessoal, embora, em muitas situações, estejam obrigados a tanto, como forma de manter o emprego, já que o empregador, também este, na rede de produção que se forma, de grandes marcas engolindo pequenos produtores, está submetido a cumprir metas.
E a lógica das metas, da administração empresarial, atinge o Judiciário, que, assim, perde a noção de seu papel enquanto entidade voltada à demonstração, para a sociedade, da eficácia da ordem jurídica.
Nem mesmo no mundo do crime explícito a lógica se altera. Em São Paulo, os assaltantes já atacaram 500 caixas eletrônicos. O que querem? Dinheiro. Alguns, para satisfação de necessidades vitais de sobrevivência, ou como forma de insurgência contra o modelo. Mas, muitos, a maioria, por certo, para vivenciar as benesses materiais da mesma sociedade corrupta e injusta.
Dentro dessas complexidades todas, quem quiser fazer a coisa certa e expor as correlações implícitas entre mediocridade e desonestidade será taxado de inconveniente ou de alguém que está querendo aparecer...
Essa, ademais, não é uma conclusão frívola, jogada em uma tese acadêmica. Trata-se da mais pura realidade. O destino trágico da juíza Patrícia Acioli, que, para cumprir o seu dever, teve que pagar com a própria vida, é a prova incontestável dessa afirmação. Sua atuação destoou do pacto de silêncio frente a determinados desarranjos sociais e teve que ser, ela, silenciada. Um silêncio, ademais, que se espraiou pela própria comunidade jurídica e pela sociedade em geral, que não promoveram uma autêntica revolta, o que, numa perspectiva da atuação racional, comprometida com a justiça, seria de se esperar.
Aliás, para que o lampejo de racionalidade e de compromisso com a correção não replicasse em vários outros juízes, partindo do exemplo da juíza Acioli, o Desembargador Siro Darlan de Oliveira, da 7ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro, tratou logo de pôr as coisas no seu devido lugar, apregoando: “Doravante, será mais do que suficiente um olhar de soslaio do réu para que o juiz assine – trêmulo, mas de pronto – o alvará de soltura. Eu, no lugar de qualquer deles, assinaria. Você não?”
O mais grave é que na volta à “normalidade”, a irracionalidade parece reforçada em suas “convicções”, ciosa de que não deve mesmo nenhuma obrigação para com a compreensão humana, ditada pela razão e pela ética.
Não é à toa, portanto, que na seqüência de tantas barbaridades, o Presidente do Clube de Futebol com a segunda maior torcida do país, composta, exatamente, pelas pessoas mais vitimadas pelo sistema econômico vigente, vem a público, no sentido de reforçar os vínculos que lhe permitiram obter financiamento para a construção do Itaquerão, estádio do Corinthians, onde se realizará, segundo os “acertos” feitos até aqui, a abertura da Copa do Mundo de Futebol de 2014, para externar mais um clássico da irracionalidade convicta, inconseqüente, perversa e agressiva: “Sou amigo do Ricardo Teixeira mesmo. Sou amigo da Globo mesmo, apesar de ser gângster!”
E o Sarney, hein? Aquele que há algum tempo revelou o cometimento de “atos secretos” no Senado e que, não tendo recebido nenhuma punição por isso, nem institucional, nem popular, passou a considerar que não precisa mesmo realizar mais nada secretamente. Vai para a “sua ilha” em helicóptero da Polícia Militar do Maranhão, dando “carona” para o empreiteiro, Henry Duailibe Filho, que possui contratos milionários com o Estado e diz que tem direito a transporte oficial!
E os empresários da FIESP, considerando que todo mundo é idiota, e até com boas razões para sua crença, vem a público para dizer que “aceitam” a instituição, pelo Supremo Tribunal Federal, do aviso prévio proporcional – que, na verdade, trata-se de um preceito com previsão constitucional –, desde que se o faça de modo a conferir “um dia”, ou “três”, a mais que os já consagrados 30 (trinta) dias após cada ano trabalhado pelo empregado, o que possibilitaria, na melhor das hipóteses, um aviso prévio de 90 (noventa) dias depois de 20 anos de trabalho para o mesmo empregador, isto se o empregador não for um pequeno ou micro empresário, ao qual tal obrigação não atingiria. Esta parcela do empresariado está convicta de que ninguém está percebendo a sua estratégia de “aceitar” o aviso prévio proporcional – e de forma tão restrita – para não se discutir o que efetivamente interessa à melhoria das relações de trabalho no Brasil que
é a efetivação do comando constitucional que instituiu a impossibilidade de cessação do vínculo de emprego por ato arbitrário do empregador, nos moldes da Convenção 158, da OIT.
E, diante dessas ondas renovadas de irracionalidades, dissimulações, engodos, o negócio é destruir todos que busquem trazer de volta à racionalidade. Mas, ao contrário do norueguês ou dos executores da juíza Acioli, para se atingir o mesmo objetivo, desenvolve-se, alternativamente, uma estratégia mais sutil. Não é preciso matar, com balas de revólver. Basta utilizar dos mesmos mecanismos de difusão da irracionalidade para patrocinar campanhas difamatórias ou ataques institucionais sobre aqueles que se apresentam como obstáculos ao império da irracionalidade, da mediocridade, do comodismo e das benesses, como se deu, recentemente, com o juiz argentino, Eugenio Raúl Zaffaroni, e com o juiz Espanhol, Baltasar Garzón, que lutaram, em seus países, pela eficácia dos Direitos Humanos.
Desenvolvem-se, conforme diria a lógica perversa da irracionalidade, “formas civilizadas de impedir que essas pessoas obstruam o percurso natural das coisas”.
No balanço de tantas perdas, que constituem graves danos para a evolução humana, este é o momento, por mais doloroso que seja, de fazer imperar a racionalidade humana. De evitar que o medo prevaleça. De impedir que a irracionalidade triunfe. De se manter racional diante de tantas atrocidades. E de, pelo uso da razão, não ser pessimista. Afinal, na lógica autodestrutiva da irracionalidade, ideologicamente comprometida com a preservação dos privilégios econômicos e políticos de alguns poucos, em detrimento do todo social, vende-se a idéia da inexorabilidade ditada pelo deus mercado, que conduz à acomodação, à indiferença, à insensibilidade, à insinceridade, à dissimulação, ao individualismo, ao egoísmo e à visualização do outro apenas como trampolim para se alcançar melhor posição na estrutura social. A insensibilidade conduz à postura do “je suis desolé”, de pessoas que mesmo sem saber qual o problema do outro já sabem de ante-mão que nã
o podem ajudá-lo, ainda que se digam “desolados” com a situação, ainda que – o que é pior – profissionalmente tenham como função efetivar os preceitos do Direito Social.
A lógica desse “(des)convívio” social, que extrai as pessoas cada vez mais de si mesmas, projetadas que estão nos bens que possuem ou nos títulos da “nobreza” capitalista que compram ou que adquirem em um “jogo meritório” profundamente desigual, leva a uma insatisfação constante, já que quanto mais o homem se vê nos objetos que deseja, menos vê a si próprio, e tanto maior é a sua insatisfação quanto mais desenvolvidos são o “marketing” e os processos produtivos, que inventam, a cada dia, novos objetos de desejo, para os mesmos consumidores. Outro dia, fiquei sabendo que a realização do sonho de consumo de um apartamento de luxo não é uma situação plenamente satisfatória para o ego capitalista, vez que o adquirente pode ser (ou se sentir) discriminado no elevador por outra pessoa que mora em um andar situado mais acima. É a lógica da irracionalidade se reproduzindo de forma ilimitada...
Uma forma eficiente de se desapegar dessa lógica é verificar o quanto são irracionais os argumentos daqueles que cometem atrocidades, que convivem bem com as injustiças ou mesmo que as tentam justificar. Perceberemos, assim, o quanto a busca da razão é importante. Afinal, se nos deixarmos levar pelo embalo caótico da irracionalidade é possível, que, sem perceber, acabemos considerando que matar o adversário é uma forma segura de ganhar um debate; que acabar com a Justiça do Trabalho é a fórmula matemática exata de se eliminarem os conflitos entre o capital e o trabalho; que a inexistência de custo com juízes e servidores possibilitará um superávit promissor para o país; que a eliminação dos direitos dos trabalhadores conferirá sucesso econômico ao Brasil; que o fechamento dos botequins é o modo eficiente de extinguir a embriaguês e que todos os problemas do país estarão resolvidos sem os “pinguços”; que a modificação de textos da Constituiç
ão, fora do processo eleitoral, não é nada além que mero ato de esperteza; que se os juízes, que procuram fazer valer a ordem jurídica pautada pelos preceitos fundamentais do Direito Social, forem assassinados ou destruídos moral ou institucionalmente, todos os demais juízes, pelo medo, deixarão de cumprir o seu dever e que sem esses juízes todos os cidadãos conviverão em harmonia, pois, afinal, o que nos atrapalha são esses tais Direitos Humanos; até se chegar ao ponto – que pode nem ser o ápice da irracionalidade – de afirmar que a solução para a violência social está no controle da natalidade entre os pobres[7]...
Ainda que se diga, como forma de tentar impedir qualquer mudança concreta nessa irracionalidade que beneficia a alguns poucos que estão bem situados na estrutura social, que essa é uma manifestação messiânica, hipócrita, sonhadora, romântica etc., o presente texto presta-se à afirmação de que não podemos permitir que se dê qualquer tipo de razão ao norueguês; que não seremos tachados, sem objeção, de um país “disfuncional” e muito menos irracional; que não são intransponíveis os entraves à construção de uma sociedade justa neste país, ainda que o comodismo, a insensibilidade, a indiferença, a desesperança e a desonestidade militem contra; que a ordem jurídica social continuará prevalecendo pelas mãos de todos que prezam a razão; que não ficaremos calados diante das ameaças ao Estado Democrático de Direito Social; que não há motivo para temores, porque, afinal, não há muito o que perder em uma realidade que seja marcada pelo caos; que
, mesmo com tantos obstáculos, devemos continuar produzindo a racionalidade necessária para superar os dilemas da elevação da condição humana no modelo de produção capitalista; que nenhuma lógica irracional perversa vai ser posta impunemente; que, enfim, a vida de Patrícia Acioli não terá sido em vão.
São Paulo, 24 de agosto de 2011.
(*) Juiz do Trabalho, titular da 3ª. Vara do Trabalho de Jundiaí/SP. Professor Associado de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP. Membro da Associação Juízes para a Democracia – AJD.
[1]. “Desesperar, jamais”. Composição de Ivan Lins e Vitor Martins.
[2]. Empresário, Humberto Silva Gomes, em diálogo gravado com autorização judicial e publicado pelo Jornal Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ poder/959499-foragido-de- operacao-da-pf-esta-em-miami- diz-familia.shtml. Acesso: 23/08/11.
[3]. Disponível em: http://www.agora.uol.com.br/ saopaulo/ult10103u953077. shtml. Acesso: 22/08/11.
[4]. Disponível em: http://www.cartacapital.com. br/internacional/o-que-esta- por-tras-das-revoltas-no- chile. Acesso: 22/08/11.
[5]. “No dia seguinte à ação, 27 de junho, a reportagem foi até uma loja da Zara na Zona Oeste de São Paulo (SP), e encontrou uma blusa semelhante, fabricada originalmente na Espanha, sendo vendida por R$ 139.” Disponível em: http://www.reporterbrasil.org. br/exibe.php?id=1925. Acesso: 23/08/11.
[6]. Disponível em: http://www.estadao.com.br/ noticias/impresso,justica-do- trabalho-custa-r-6124-a-cada- brasileiro,758497,0.htm Acesso: 18/08/11.
[7]. Segundo Antônio Salim Curiati, Deputado Estadual do PP, em São Paulo, conforme reportagem publicada no Jornal Folha de São Paulo, ed. de 24/08/11, p. C-3.
- Um tributo a Patrícia Acioli -
Jorge Luiz Souto Maior(*)
Acho que chegou a hora de fazer um balanço das perdas e dos danos sofridos em decorrência dos últimos fatos. É bem verdade que ao longo de anos “já tivemos muitos desenganos, já tivermos muito que chorar”[1], mas desta vez a perversidade está se esmerando.
O difícil mesmo é definir por onde começar. Se bem que, por que, afinal, atrair para si a obrigação de conferir um ar de roteiro a uma histórica caótica? Melhor mesmo é ir sem rumo, tomando o cuidado de não pegar uma barca furada como Transporte e de não viajar como se estivesse a Turismo em um jatinho do agronegócio.
A questão é que de repente surgiu a notícia de que um “maluco” assassinou 77 pessoas dentre jovens que estavam em um acampamento para um encontro do Partido Trabalhista na Noruega.
O tal “maluco” escreveu um texto com cerca de 1.500 páginas, com a denominação: “Uma Declaração de Independência Européia”. E, como não poderia deixar de ser, sobrou para o Brasil, um país “disfuncional”.
No texto, o sujeito condena o que chamou de “revolução marxista brasileira” – pois é, sobrou também, como sempre, para o Marx. A dita “revolução marxista” seria a responsável pela mistura de raças, a qual, por sua vez, constituiria a explicação para que no Brasil existam “altos níveis de corrupção, falta de produtividade e conflitos eternos entre as várias culturas”. Já, “mulatos e mestiços” seriam integrados a “subtribos”.
O assassinato das pessoas na ilha de Utoeya, Oslo, teria por objetivo, segundo o executor, evitar que a mesma miscigenação ocorresse na Noruega.
Após ser preso, perante um juiz, o assassino confessou ser o autor do massacre, mas não se declarou culpado, pois, segundo acredita, precisava ter cometido estes atos para enviar "um forte sinal" aos noruegueses, buscando, de certo modo, impedir que a Noruega se tornasse um Brasil.
Disse, também, que pretendia induzir a maior perda possível ao governista Partido Trabalhista, para que este não conseguisse recrutar novos filiados.
Dentre os planos do tal sujeito estava a pretensão de aparecer na Corte com um uniforme e aproveitar o momento para fazer uma longa defesa de sua tese, com os argumentos que justificavam o cometimento dos crimes, os quais teriam sido, conforme justifica, “atrocidades necessárias”, o que eliminaria, na lógica que criara, a possibilidade de sua punição.
Trágico, não? Trágico, e muito. Mas, igualmente trágico é constatar que a “lógica” do maluco – que é totalmente desprovida de fundamento – está, em certo sentido, muito próxima da nossa realidade.
Por exemplo. Não é de hoje que lemos nos jornais notícias sobre corrupção. E, novamente, estamos afundando nesse mar de lamas, que assola, no momento, o Transporte, o Turismo e a Agricultura. Mas, como já se pode saber, não haverá punições concretas no sentido da prisão dos corruptos, acompanhada da necessária restituição do dinheiro furtado aos cofres públicos. E temos, então, que conviver com o argumento de que a perda do cargo político ocupado já é um grande avanço, pois nunca antes na história desse país os atos de corrupção se tornaram públicos...
Só que nesse assunto, como em vários outros, nenhuma evolução que não atinja o ideal está perdoada. A corrupção, cumpre compreender, não representa apenas o furto qualificado do patrimônio público, trata-se de uma autêntica bomba que destrói por completo a possibilidade de instituição do pacto de solidariedade propugnado pelo Estado Social. Ora, sem que o próprio Estado respeite as regras do jogo, os particulares vêem-se livres para agir da mesma forma, apoiando-se nos exemplos de impunidade e no cômodo argumento de que não vão cumprir a sua parte porque, afinal, o Estado não cumpriu a sua.
Um dia desses, ao meu lado, um sujeito contava vantagem para o outro, que reclamava do quanto pagava de impostos. Disse o primeiro: “Isso não ocorre comigo. Eu sou PJ. No meu ramo, todo mundo é PJ. E essa nova empresa para quem trabalho, permitiu-me ser uma PJ de eventos e não de atendimentos como antes e agora eu só pago 6% de imposto de renda.”
Desse modo, dentro da mesma lógica, o que devia ser público, de todos, vai para a privada. E, não se percebe, mas é dessa mesma “lógica” que vem o jargão, muito utilizado em processos de licitação pública, conforme se revelou recentemente: "É para o governo, joga o valor por três, tudo vezes três"[2]. Enquanto isso, pessoas morrem nos corredores dos hospitais por falta de condições de atendimento e crianças subnutridas, semi-analfabetas, não encontram projetos sociais de qualidade, instituídos na rede pública, para se engajar. E, sem esperança, a criminalidade começa cada vez mais cedo:
Meninas fazem arrastão em lojas da Vila Mariana
Josmar Jozino
(do Agora)
Um grupo de oito a 10 meninas com idades entre 7 e 11 anos sai de Diadema, no ABC, para promover arrastões em lojas da Vila Mariana (zona sul de São Paulo).
Foram pelo menos 20 ataques. O mais recente aconteceu no último dia 26, na rua Domingos de Moraes, segundo o capitão Flávio Baptista, 38 anos, comandante da 2ª Companhia do 12º Batalhão.
O oficial disse que as crianças são pobres, saem de ônibus de Diadema e se reúnem entre a rua Joaquim Távora e a Estação Ana Rosa do Metrô.[3]
Aliás, não é sequer correto falar em mera “criminalidade” para se referir ao fato em questão, pois não se trata de simples delinqüência na medida em que está envolto em um complexo contexto de intensos desajustes sócio-econômico-culturais, como, ademais, não se pode referir do mesmo modo ao que se passou recentemente na Inglaterra e no Chile.
A irracionalidade comprometida em manter a falta de compreensão exata dos problemas pelos quais passa a humanidade tenta fazer crer que as revoltas na Inglaterra foram fruto de jovens baderneiros. Este tema, aliás, acabou trazendo um exemplo claríssimo da dificuldade que a razão enfrenta para se fazer valer, quando em entrevista, conferida, em 11 de agosto último, pelo sociólogo Sílvio Caccia Bava à Globo News, os entrevistadores, impregnados pela irracionalidade, tentavam, de todo modo, passar a imagem de que a ocorrência inglesa representava, unicamente, uma atitude de “vândalos”, e o entrevistado, com bastante classe, diga-se de passagem, buscava lhes explicar, com análise racional e profunda dos fatos, que o evento estava ligado à desesperança dos jovens da região de Tottenham, onde o nível de desemprego atinge a 35% da população de 16 a 25 anos; à discriminação sofrida pelos moradores da região, basicamente pobres, negros e de outras nacionalidad
es que não a inglesa; à atitude intimidatória da polícia frente àquelas pessoas, fazendo abordagens e revistas sem qualquer motivação específica; ao descontentamento decorrente do assassinato, pela polícia, de um jovem, Mark, em uma dessas averiguações; e ao descaso dos agentes públicos em dar explicações sobre o ocorrido a 300 (trezentas) pessoas – familiares e vizinhos do Mark, que foram, em passeata, até a Polícia e lá foram deixadas, sem resposta, por mais de 04 (quatro) horas, resultando na revolta, então verificada, que fora, conforme sua explicação, motivada, assim, pela “falta de canais políticos” para apresentação de demandas por parte daquela população discriminada, que estava sendo vítima, ainda, em virtude da crise econômica, do corte dos custos, em 75%, com os projetos sociais na região, que provocou o fechamento de 8 dos 13 dos “Centros de Cultura Jovem”. Esse quadro, traduzido pela discriminação, pela desesperança e p
elo corte de políticas sociais, gerou a “revolta” dos jovens... E, mesmo assim, ou seja, mesmo diante da resposta, sucintamente muito bem explicada, os entrevistadores, não querendo ouvir o que estava sendo dito, continuaram insistindo na “tese” do vandalismo dos jovens, perguntando como, afinal, “a sociedade” poderia se proteger daquelas pessoas, acabando por produzirem, então, por intermédio de uma das entrevistadoras, que parecia sair de um filme de ficção, a pérola típica da lógica irracional: “Se não são marginais como você está falando. Quem são esses jovens? São estudantes que estavam em férias em seguiram o fluxo da violência?” Caccia, com outras palavras, e ainda com muita paciência, teve que dizer tudo de novo, e diante da nova pergunta, que insistia na versão da delinqüência, Sílvio Caccia precisou explicar: “Essas indicações são um termômetro na sociedade. Se você percebe que um ato de violência em um determinado luga
r permite que isso se espraie para outras cidades da Inglaterra e que se amplie em Londres esse conflito é porque debaixo desse tecido social há muita tensão, há muito conflito, há muita dificuldade para sobrevivência”.
E a demonstrar que, efetivamente, há muita sujeira por baixo do tapete, ou, do tecido social, como aludido por Caccia, e que os revoltosos não são marginais, no dia 10 de agosto, 100 mil estudantes no Chile foram às ruas pleiteando o cumprimento de suas reivindicações: uma garantia constitucional de qualidade e gratuidade do ensino público, proibição do lucro nas instituições que recebem aportes do Estado; e desmunicipalização da gestão educacional[4], tendo havido confrontos violentos com a polícia local.
Entre nós, a promiscuidade semântica entre burocracias governamentais corruptas e ordem pública destrói a coesão necessária à viabilidade de um projeto de nação.
Claro, nem todos estão ligados a essa lógica, mas de um jeito, ou de outro, se vêem envolvidos por ela. Como uma empresa que contrata trabalhadores e os respeita enquanto cidadãos pode concorrer – no mercado, que é impessoal e objetivamente carrasco – com outra que, impunemente, contrata PJs? Como pessoas que venderam a alma ao Diabo, visualizando vantagem econômica na perda da sua própria condição humana, vão conseguir ver os outros como seus semelhantes da espécie humana?
E, em meio a tudo isso, vem uma grande empresa multinacional e lança o bordão, “os bons são maioria”, tentando espalhar um otimismo irracional para incrementar suas vendas e difundir a idéia de que os problemas da humanidade são apenas frutos de opções pessoais e que a melhora da realidade social depende meramente da bondade. De todo modo, ainda que se acreditasse que os bons são maioria, a minoria que está tomando conta do mundo, incluindo a mesma empresa citada, transmite para a sociedade os parâmetros que lhe garantiram o sucesso: individualismo; empreendedorismo egoísta; competitividade; extração de vantagens a qualquer custo; desrespeito ao outro, como parte do processo da conquista pessoal; desconsideração plena da importância dos projetos sociais da efetiva distribuição de rendas e da socialização dos bens de produção.
É assim que o círculo gira sem freio em um processo aderente e auto-destrutivo. A empresa que ganha a concorrência de uma obra pública, mesmo com superfaturamento, não leva para si toda a diferença entre o custo da obra e o valor pago pelo Estado, pois que necessita dividi-la com a estrutura da corrupção. Ganhar a concorrência licitatória não é o suficiente. É preciso, então, extrair o lucro pela fórmula clássica da exploração da força de trabalho. O negócio é contratar uma empreiteira, que subempreita, subempreita e subempreita, até se chegar a um José da Silva ME, tão peão quanto aqueles a quem contrata para trabalhar 12 (doze) horas por dia, sem registro em Carteira etc. Nas construções do PAC e outras por aí (da usina de Jirau ao Maracanã) vão se produzindo subcidadania, mutilados, órfãos, viúvos e viúvas, em número bem superior aos 77 da Noruega.
Mas, como justifica a “lógica” perversa da irracionalidade, “a culpa é desses ‘peões’ que não sabem usar EPIs”, “que tomam pinga em vez de café”, ou “do José da Silva ME., o empregador, que não cumpriu o seu dever de zelar pela segurança nas obras”...
E as estruturas superiores dos poderes políticos e econômicos, onde tudo começou, restam ilesas, vez que detêm a seu favor a “terceirização”, na forma da subcontratação, que é um processo de produção legitimado pela retórica da modernidade, pela qual se permite a transferência contínua de responsabilidades de forma a obscurecer as relações entre o capital e o trabalho, desfavorecendo os que se encontram no final da rede criada, pois uns vão explorando os outros, e, ao final, não se tem mais a percepção de onde e por qual motivo tudo começou.
Há pouco tempo, a Cosan – o maior grupo sucroalcooleiro do Brasil, que incorpora as marcas Da Barra, Esso, Mobil e União – foi incluída na lista suja do Ministério do Trabalho pela utilização de trabalho em condições análogas de escravo em sua rede de produção. Em fiscalização ocorrida em 2007, 42 trabalhadores foram encontrados em condições semelhantes a de escravos na usina Junqueira, em Igarapava, extremo norte de São Paulo.
A defesa da Cosan pautou-se pelo típico argumento que advém da perversidade da terceirização. A Cosan alegou que quem era a responsável por aqueles trabalhadores era a “empresa” José Luiz Bispo Colheita - ME, que prestava serviços na usina.
E para passar por vítima, apresentando-se para a sociedade como arauto da legalidade e do respeito aos direitos sociais, afirmou que assim que tomou conhecimento da situação tratou de excluir a “empresa” José Luiz Bispo Colheita – ME da sua lista de fornecedores.
Agora, mais recentemente, o fenômeno se repete. De forma “surpreendente”, “descobriu-se” que havia trabalho em condições análogas à de escravo na rede de produção da Zara, uma das maiores marcas de roupas do mundo.
A Zara contratou, no Brasil, a “empresa” AHA, para a confecção de suas roupas. Mesmo sem estrutura econômica compatível, a AHA “contratava” serviços de 33 oficinas, onde se costuravam roupas da Zara. Em duas dessas oficiais, fiscais do Ministério do Trabalho encontraram 16 bolivianos adultos e cinco crianças, que viviam e trabalhavam no mesmo ambiente: sem ventilação, com fiação elétrica exposta, cômodos apertados e sujos. O chuveiro não tinha água quente e as cadeiras usadas pelos costureiros eram improvisadas com espuma e almofadas. Sem registro, os trabalhadores eram submetidos a jornadas de 14 a 16 horas. Segundo as investigações, a AHA pagava à oficina, em média, R$6,00 por peça, a qual foi encontrada, por reportagem da Repórter Brasil, sendo vendida por R$139, em loja da zona oeste, em São Paulo[5]. As anotações encontradas no local mostram que o valor pago pela confecção de uma peça era dividido em partes iguais para o costureiro, o d
ono da oficina e para a manutenção da casa.
E a Zara veio a público dizendo-se “surpresa” com a descoberta e que já havia tomado as providências para que o fornecedor regularizasse a situação, como se já não estivesse devidamente regular, na perspectiva da terceirização! E, pior, a Zara se comprometeu a reforçar a fiscalização do sistema de produção no Brasil, como se o problema fosse ligado à forma de exploração do trabalho no Brasil. Mais uma vez, sobrou para o Brasil. Mas, também, convenhamos, o Brasil merece, pois ninguém foi preso e a Zara (que teve faturamento de 12,5 bilhões de euros no ano passado), pelo que se pode prever, ainda vai sair dessa de boazinha, dando-nos lição de moral e continuando com suas lojas lotadas...
A Zara, conclusivamente, disse: “Estamos trabalhando junto com o MTE para a erradicação total destas práticas que violam não só nosso rígido Código de Conduta, como também a legislação trabalhista brasileira e internacional.” AHVA!
E daqui a pouco vão descobrir que em outras grandes redes de produção ocorre o mesmo fenômeno da superexploração do trabalho humano e teremos, novamente, que assistir às demonstrações de “surpresa” do capitalista e do consumidor! Talvez descubram que há exploração sexual de menores no lucrativo turismo brasileiro; que há trabalho em condições análogas à de escravo em muitas casas de família; que há uma enorme gama de motoristas de caminhão – e ajudantes – trabalhando de 12 a 16 horas por dia, sete dias por semana, meses a fio, pondo em risco a sua saúde e a de todos que trafegam nas estradas do país; que há médicos residentes sendo explorados em hospitais, realizando plantões de até 24 horas; que os próprios médicos, de profissionais liberais, foram transformados em trabalhadores proletários, incluídos ao conceito de mão-de-obra barata para a exploração capitalista da saúde; que há vigilantes, enfermeiras e vários outros profissiona
is cumprindo jornadas de trabalho de 12 horas, sem intervalo para refeição e descanso, sem descanso semanal e sem direito a feriados; que há milhões de terceirizados no Brasil sendo tratados como coisa invisível e mendigando direitos; que há inúmeros trabalhadores submetidos a um sistema perverso de banco de horas, com alterações constantes de horários de trabalho, o que lhes nega a mínima previsibilidade sobre a própria vida; que várias empresas não pagam, propositalmente, direitos trabalhistas e depois se valem de acordos na Justiça, em reclamações por elas próprias incentivadas, para legitimarem sua conduta ilegal; que a lei de recuperação judicial se transformou em argumento fácil do “calote”; que se inventou o capitalismo sem riscos, onde há exploração do trabalho e extração de lucros, sem garantias sociais: empresas descapitalizadas, atuando no mercado e explorando o trabalho alheio, valendo-se de “factorings”, galpões alugados e máq
uinas financiadas em Bancos, que se valem de garantias reais ou fiduciárias, e que são, não raro, empresas estrangeiras sem sede própria no país, atuando por meio de “procuradores”, que, depois da constituição de dívidas, simplesmente somem, deixando por aqui um rastro de prejudicados...
Mas, há quem já saiba que o trabalho prestado, para ser remunerado posteriormente, exige garantias. Os atletas profissionais de futebol da Espanha, por exemplo, deflagraram greve, travando o início do campeonato daquele país, enquanto não obtiverem garantias suficientes de que os salários serão efetivamente pagos, sendo que cerca de 200 atletas já sofrem com a falta de pagamento de seus salários.
E, para demonstrar que o dinheiro é problema sempre (quando é pouco e quando é muito), nos EUA, inversamente, quem está em greve (locaute) são os empregadores, que querem diminuir de 57% para 50% a participação dos jogadores nas receitas do campeonato de basquete da NBA, pleiteando, também, a fixação de um “salário máximo”, isto é, um teto para o valor dos salários, impedindo, assim, a manutenção de elencos muito caros.
Voltando ao aspecto das premonições, em breve haverão de descobrir, quem sabe, que revista íntima agride a condição humana, pois não há nenhuma maneira de se invadir a intimidade alheia de forma “impessoal” como alguns têm decidido e que, de todo modo, a agressão já se consolida na própria acusação informal, disfarçada em “mera” desconfiança quanto à pontencialidade do furto...
Talvez se descubra, também, que o argumento técnico-jurídico, patrocinado pelo Supremo Tribunal Federal, da irresponsabilidade do Estado frente aos contratos de prestação de serviços, feitos por intermédio de licitação, representa, apenas, mais uma forma de favorecer as práticas de supressão de direitos trabalhistas e de abertura de espaços institucionalizados para a corrupção e que nenhuma atividade econômica, por mais lucrativa que possa parecer, pode ser mantida em funcionamento quando apoiada no desrespeito da condição humana dos trabalhadores e na sua desconsideração enquanto cidadãos titulares de direitos.
Ah, e já que se falou em corrupção, não sei se alguém sabe, mas recentemente, no Brasil, perderam o cargo quatro Ministros de Estado, em razão de casos de corrupção em suas pastas. Só que o dinheiro, voltando para os cofres públicos, ninguém viu! Talvez esteja no mesmo lugar onde foram parar os mais de 140 milhões de reais ainda não recuperados do assalto ao Banco Central em Recife...
E mais premonições: as obras dos estádios de futebol para Copa de 2014 no Brasil vão atrasar e, na última hora, sob o argumento de não se pode passar uma imagem de desorganização do país para o mundo, o Estado vai financiar o pagamento das obras em valores ainda mais superfaturados...
Dessas irracionalidades em propulsão as perversidades vão se alimentando: assistimos há pouco tempo a elaboração de um manifesto para evitar a construção de uma estação de metrô em um bairro em São Paulo, partindo do argumento de que a estação traria “gente diferenciada” para o bairro; vimos, também, um pai mandar matar a filha para não mais pagar a pensão alimentícia...
Aí, em lampejo de racionalismo, a OIT, neste ano, editou a Convenção 189 da OIT que confere cidadania plena às trabalhadoras domésticas. Mas, voltando à normalidade da irracionalidade, que ratificação que nada! Ao menos até agora...
E, de repente, no meio de todo esse imbróglio – e até que estava demorando – alguém se lembrou de atacar a Justiça do Trabalho, para que não esquecêssemos que o problema do Brasil não está em nenhum desses fatos, mas na existência de direitos consagrados aos trabalhadores na CLT e na Constituição Federal – aquela que foi modificada, na calada da noite, fora do processo eleitoral, pelo ex-um tanto de coisa, Nelson Jobim, e que não recebeu nenhuma punição por isso, mesmo tendo confessado o crime, abertamente, em forma de escárnio à sociedade brasileira, enquanto ainda ocupava o cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal.
O ataque à Justiça do Trabalho veio de que forma? O que disse o agressor (Marcelo Rehder)?[6] Fazendo o cálculo de que a Justiça do Trabalho gera o custo de R$61,24 para cada brasileiro, disse, em uma tese de meia página – bem menor que a do norueguês –, que “se o Estado resolvesse pagar todas as reclamações trabalhistas, sairia mais barato do que manter a estrutura da Justiça do Trabalho em funcionamento”.
Segundo suas contas, “em 2010, a despesa foi de R$61,24 para cada brasileiro, 8,64% a mais do que no ano anterior (R$ 56,37), totalizando R$11,680 bilhões. Em igual período, foram pagos aos reclamantes R$11,287 bilhões, ou 10,3% mais que em 2009.”
Para auxiliá-lo na frente de batalha, trouxe à baila o argumento de Almir Pazzianoto Pinto – sempre, ele, que já foi, vale lembrar, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho – no sentido de que: "Não será criando novas varas que se vai resolver o problema". Afinal, como dissera, em reforço retórico: "Quanto mais botequim, mais pinguço - ou seja, a afluência de processos aumenta."
Trágico, não? Trágico, e muito!
Poder-se-ia, é claro, trazer contra-argumentos à “lógica” dessas pessoas, dizendo, por exemplo, que o pagamento pelo Estado das dívidas trabalhistas, deixando isentos os particulares que constituíram as dívidas, representaria transferir para todos a dívida de alguns irresponsáveis; que muito mais custoso do que fazer valer a justiça é deixar que a injustiça impere; que muito mais caro, para o Estado, do que a efetivação dos direitos trabalhistas é manter as estruturas voltadas à proteção do direito de propriedade, que atinge uma parcela ínfima da sociedade brasileira; que os trabalhadores brasileiros, cidadãos como quaisquer outros, merecem, no mínimo respeito, sendo que a fórmula básica de por abaixo esse pressuposto é a de tratá-los como números e, pior ainda, como “pinguços”, ainda que sem intenção de fazê-lo, conforme infeliz analogia. Aliás, se mais reclamações existirem em razão da criação de novas Varas aí sim é que essas se
justificam, pois que o fato demonstra que há, então, em nossa realidade, como todo mundo sabe, uma demanda reprimida por justiça.
E, até se poderia dizer que se crítica a Justiça do Trabalho merece, em razão dos números apresentados, é a de que se cumprisse de forma ainda mais eficaz o seu dever de fazer valer, sem concessões, os direitos dos trabalhadores, não homologando acordos espúrios, punindo exemplarmente os que desrespeitam a lei e fazendo interpretações da legislação trabalhista de forma mais consentânea com os postulados dos direitos sociais, o valor que estaria transferindo para os trabalhadores seria muito superior ao noticiado.
Fato é que não se devem apresentar contra-argumentos a esse tipo de manifestação irracional, sob pena de admiti-lo como integrado ao contexto da racionalidade humana. Estabelecer um diálogo a partir dessa espécie de argumentação seria o mesmo que tentar explicar para o norueguês as razões pelas quais ele está errado; que, no Brasil, Marx nunca foi literatura dominante; que jamais houve na sociedade brasileira uma “revolução marxista”, muito pelo contrário, já que estamos entre as nações de pior distribuição da riqueza produzida do planeta; que a utilização retórica das próprias “razões” não é suficiente para excluir a culpabilidade; e que, por mais argumentos que uma pessoa possa ter, ainda que lógicos, ninguém pode sair por aí matando pessoas...
De todo modo, não basta reduzir esse tipo de argumentação à sua insignificância. É preciso, também, advertir para os danos que a irracionalidade tem gerado para humanidade, pondo em destaque o quanto a somatória de equívocos argumentativos tem dificultado, no Brasil, a construção de um autêntico sentido de nação.
A partir dessa irracionalidade, que é difundida abertamente, com ares de intelectualidade, nos moldes da tese do norueguês, e que se apóia na busca de soluções individualistas, na linha do levar vantagem para satisfação pessoal por meio da aquisição de bens materiais, é que o desrespeito aos direitos sociais, que são essenciais para a tentativa de construção de uma sociedade justa dentro do modelo capitalista de produção, encontra as mais estapafúrdias justificativas. É comum, em audiências trabalhistas, ver o empregador dizer para o juiz (que está ali para fazer valer a lei), que não cumpriu a lei, ou seja, que não respeitou os direitos do trabalhador porque a lei lhe gera muito custo, e que se tivesse que pagar todos os direitos teria que fechar a loja etc., como se o cumprimento da lei, o respeito ao direito alheio, fosse um ato de opção. Quando muito, algum empregador desse tipo, que não respeita a lei, assume o erro, mas não ao ponto de se sentir
culpado pelo ato. A culpa, alega, é do mercado. No geral, esse tipo de empregador, reforçado pelos argumentos da irracionalidade dominante, tende a considerar que o erro está na lei e assim sua atitude não constituiria nenhuma culpa. E, não raro, o juiz se alia ao tal empregador e convence o empregado a aceitar em receber valor inferior ao que lhe seria devido pelo completo cumprimento de seus direitos, o que, de certo modo, representa, no contexto geral, um ato de traição com relação ao outro tipo de empregador, que respeita os direitos de seus empregados, que os respeita como seres humanos e que acredita que cumprir a lei é uma obrigação de todos.
As audiências trabalhistas, assim, diante dos argumentos que se apresentam dentro da lógica de que tudo vale para a justificativa do ilícito cometido, parecem com a situação, inicialmente relatada, do crime premeditado, praticado com convicção, sem sentimento de culpa, e apoiado em tese jurídica... Como é duro, para quem ainda guarda um pouco da racionalidade humana, ouvir a sustentação da defesa de que o empregado perdeu o braço no trabalho porque cometeu ato inseguro e que, portanto, foi exclusivamente do empregado a culpa pelo ocorrido!
A partir do imperativo da razão e da constatação da existência dos enormes desajustes de nossa sociedade, como é difícil, no Brasil, ter que continuar ouvindo, de forma cíclica, o argumento de que são os direitos de um trabalhador, que recebe, em média, R$600,00/R$800,00 por mês, que impedem o desenvolvimento do país.
Ora, o capitalismo, que se apresenta como arauto da inteligência humana, merece argumentos melhores que este. Qual inteligência é necessária desenvolver para se chegar à conclusão de que menos custo do trabalho gera maior lucro para as empresas? E o problema é que nem mesmo essa lógica simplória pode prevalecer. Matematicamente, se alguém gasta menos lhe sobra mais dinheiro. Mas, do ponto de vista do capitalismo, enquanto sistema econômico-social, o lucro não está representado, simplesmente, pelo menor custo, vez que o valor investido na produção exige a comercialização do produto, advindo daí, da diferença entre arrecadação e custo, o lucro. De um ponto de vista simplório, se o custo é menor essa diferença pode ser maior, mas pode ser menor, ou nem existir, se o produto não for comercializado pelo preço e na quantidade prevista. É por isso que o lucro, a diferença entre valor do produto e o custo da produção, não é uma equação matemática, j
á que o valor de mercado do produto e a sua efetiva comercialização dependem de uma série enorme de variantes. Exigem, sobretudo, um mercado consumidor aquecido, o que só existe em realidades de alta circulação da moeda, motivada, principalmente, por políticas de altos salários e estabilidade das relações sociais, que permite realização de planos de vida e compras a crédito. Neste sentido, o maior custo de produção, determinado pelo aumento do salário, pode gerar, por mais paradoxal que possa parecer, maior lucro. A redução constante dos patamares do custo do trabalho, a partir da diminuição do ganho da classe trabalhadora, tende a diminuir, progressivamente, o mercado de consumo. E mesmo a redução do custo paralelo referente às políticas sociais pode gerar desajustes organizacionais que inviabilizam a própria vida social.
Os direitos dos trabalhadores, de todo modo, não são meramente custos, pois que representam a fixação de um patamar civilizatório, necessário à evolução da própria condição humana. Não há, portanto, argumento econômico que possa justificar a eliminação das garantias históricas da limitação da jornada de trabalho, do descanso semanal remunerado, dos períodos de descanso intra e entrejornadas, do salário mínimo, da proteção da salubridade no ambiente de trabalho, das garantias especiais de emprego, da proteção da infância, da preservação de uma maternidade saudável, das políticas de emprego etc.
Então, quando se tenta atacar o Direito do Trabalho pelo viés de seu custo, o que se produz é mais uma irracionalidade que alimenta a descrença na evolução da humanidade no contexto da sociedade capitalista. A irracionalidade é tão grande que se chega a acreditar que tal argumento é posto em defesa do capitalismo quando, na verdade, quando muito, interessa unicamente a empresas determinadas, para práticas imediatistas, sobretudo às multinacionais, cuja produção é voltada ao mercado exterior.
Mas, por que pensar? Para que buscar saídas coerentes e racionais para os dilemas da sociedade? A sociedade já está atolada na irracionalidade mesmo... Muito mais simples resolver os próprios problemas que os de todo mundo, não é mesmo?
O problema é que ou a humanidade evolui como um todo ou, simplesmente, não evoluirá. Ademais, de que vale obter sucesso econômico, comprar um carrão e um apartamentão, e ter que mandar blindar o carro, fazer seguro do apartamento, abandonar as práticas de convívio social, não mais andar pelas ruas, não deixar o filho sair sozinho, perder, enfim, a esperança na humanidade e não sofrer mais com o sofrimento alheio?
A saída há muito foi dada e está consignada no projeto da constituição de um Estado Democrático de Direito Social, baseado na necessária eficácia da racionalidade que vislumbra, de forma constante, a elevação da condição humana.
Como consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948:
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. (grifou-se)
Infelizmente, no entanto, não se tem dado a devida atenção a este preceito e a irracionalidade, que se tem alastrado pelo comodismo, está nos conduzindo, cada vez mais fundo, a um campo extremamente perigoso e complexo dos comprometimentos promíscuos, das conivências, das reciprocidades, dos vínculos obscuros, ou da mera indiferença, onde fazer a coisa certa parece um desafio, ou mesmo, um ato de coragem. Na somatória das lógicas irrefletidas forma-se um pacto entre a mediocridade, a irracionalidade, a indiferença, a insensibilidade, o egoísmo e a desonestidade.
Assim, pagar imposto é coisa de otário. Ficar no trânsito sem transbordar para o acostamento, quando não autorizado, é atitude de lerdo. Atravessar a rua na faixa de pedestre, perda de tempo. Respeitar os limites de velocidade, sem radar acusando, atitude de Mané. Não utilizar do “status” sócio-político-econômico para obter alguma vantagem pessoal, impensável. Atuar profissionalmente, na busca de cumprir o papel institucional de fazer do direito um instrumento de construção da justiça social, mera pretensão romântica. Registrar o empregado, pagar-lhe todos os direitos, demonstração de ignorância plena de como são as coisas na realidade...
E olha que não se está falando de uma lógica que é perversa apenas na perspectiva daqueles que ostentam posições privilegiadas na sociedade. É evidente que a mesma irracionalidade invade os próprios trabalhadores e os excluídos. Não raramente se verá empregados considerando que respeitar, plenamente, obrigações no trabalho é ato de “puxa-saco”; superiores hierárquicos assediando outros trabalhadores; vendedores enganando clientes, para obtenção de vantagem pessoal, embora, em muitas situações, estejam obrigados a tanto, como forma de manter o emprego, já que o empregador, também este, na rede de produção que se forma, de grandes marcas engolindo pequenos produtores, está submetido a cumprir metas.
E a lógica das metas, da administração empresarial, atinge o Judiciário, que, assim, perde a noção de seu papel enquanto entidade voltada à demonstração, para a sociedade, da eficácia da ordem jurídica.
Nem mesmo no mundo do crime explícito a lógica se altera. Em São Paulo, os assaltantes já atacaram 500 caixas eletrônicos. O que querem? Dinheiro. Alguns, para satisfação de necessidades vitais de sobrevivência, ou como forma de insurgência contra o modelo. Mas, muitos, a maioria, por certo, para vivenciar as benesses materiais da mesma sociedade corrupta e injusta.
Dentro dessas complexidades todas, quem quiser fazer a coisa certa e expor as correlações implícitas entre mediocridade e desonestidade será taxado de inconveniente ou de alguém que está querendo aparecer...
Essa, ademais, não é uma conclusão frívola, jogada em uma tese acadêmica. Trata-se da mais pura realidade. O destino trágico da juíza Patrícia Acioli, que, para cumprir o seu dever, teve que pagar com a própria vida, é a prova incontestável dessa afirmação. Sua atuação destoou do pacto de silêncio frente a determinados desarranjos sociais e teve que ser, ela, silenciada. Um silêncio, ademais, que se espraiou pela própria comunidade jurídica e pela sociedade em geral, que não promoveram uma autêntica revolta, o que, numa perspectiva da atuação racional, comprometida com a justiça, seria de se esperar.
Aliás, para que o lampejo de racionalidade e de compromisso com a correção não replicasse em vários outros juízes, partindo do exemplo da juíza Acioli, o Desembargador Siro Darlan de Oliveira, da 7ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro, tratou logo de pôr as coisas no seu devido lugar, apregoando: “Doravante, será mais do que suficiente um olhar de soslaio do réu para que o juiz assine – trêmulo, mas de pronto – o alvará de soltura. Eu, no lugar de qualquer deles, assinaria. Você não?”
O mais grave é que na volta à “normalidade”, a irracionalidade parece reforçada em suas “convicções”, ciosa de que não deve mesmo nenhuma obrigação para com a compreensão humana, ditada pela razão e pela ética.
Não é à toa, portanto, que na seqüência de tantas barbaridades, o Presidente do Clube de Futebol com a segunda maior torcida do país, composta, exatamente, pelas pessoas mais vitimadas pelo sistema econômico vigente, vem a público, no sentido de reforçar os vínculos que lhe permitiram obter financiamento para a construção do Itaquerão, estádio do Corinthians, onde se realizará, segundo os “acertos” feitos até aqui, a abertura da Copa do Mundo de Futebol de 2014, para externar mais um clássico da irracionalidade convicta, inconseqüente, perversa e agressiva: “Sou amigo do Ricardo Teixeira mesmo. Sou amigo da Globo mesmo, apesar de ser gângster!”
E o Sarney, hein? Aquele que há algum tempo revelou o cometimento de “atos secretos” no Senado e que, não tendo recebido nenhuma punição por isso, nem institucional, nem popular, passou a considerar que não precisa mesmo realizar mais nada secretamente. Vai para a “sua ilha” em helicóptero da Polícia Militar do Maranhão, dando “carona” para o empreiteiro, Henry Duailibe Filho, que possui contratos milionários com o Estado e diz que tem direito a transporte oficial!
E os empresários da FIESP, considerando que todo mundo é idiota, e até com boas razões para sua crença, vem a público para dizer que “aceitam” a instituição, pelo Supremo Tribunal Federal, do aviso prévio proporcional – que, na verdade, trata-se de um preceito com previsão constitucional –, desde que se o faça de modo a conferir “um dia”, ou “três”, a mais que os já consagrados 30 (trinta) dias após cada ano trabalhado pelo empregado, o que possibilitaria, na melhor das hipóteses, um aviso prévio de 90 (noventa) dias depois de 20 anos de trabalho para o mesmo empregador, isto se o empregador não for um pequeno ou micro empresário, ao qual tal obrigação não atingiria. Esta parcela do empresariado está convicta de que ninguém está percebendo a sua estratégia de “aceitar” o aviso prévio proporcional – e de forma tão restrita – para não se discutir o que efetivamente interessa à melhoria das relações de trabalho no Brasil que
é a efetivação do comando constitucional que instituiu a impossibilidade de cessação do vínculo de emprego por ato arbitrário do empregador, nos moldes da Convenção 158, da OIT.
E, diante dessas ondas renovadas de irracionalidades, dissimulações, engodos, o negócio é destruir todos que busquem trazer de volta à racionalidade. Mas, ao contrário do norueguês ou dos executores da juíza Acioli, para se atingir o mesmo objetivo, desenvolve-se, alternativamente, uma estratégia mais sutil. Não é preciso matar, com balas de revólver. Basta utilizar dos mesmos mecanismos de difusão da irracionalidade para patrocinar campanhas difamatórias ou ataques institucionais sobre aqueles que se apresentam como obstáculos ao império da irracionalidade, da mediocridade, do comodismo e das benesses, como se deu, recentemente, com o juiz argentino, Eugenio Raúl Zaffaroni, e com o juiz Espanhol, Baltasar Garzón, que lutaram, em seus países, pela eficácia dos Direitos Humanos.
Desenvolvem-se, conforme diria a lógica perversa da irracionalidade, “formas civilizadas de impedir que essas pessoas obstruam o percurso natural das coisas”.
No balanço de tantas perdas, que constituem graves danos para a evolução humana, este é o momento, por mais doloroso que seja, de fazer imperar a racionalidade humana. De evitar que o medo prevaleça. De impedir que a irracionalidade triunfe. De se manter racional diante de tantas atrocidades. E de, pelo uso da razão, não ser pessimista. Afinal, na lógica autodestrutiva da irracionalidade, ideologicamente comprometida com a preservação dos privilégios econômicos e políticos de alguns poucos, em detrimento do todo social, vende-se a idéia da inexorabilidade ditada pelo deus mercado, que conduz à acomodação, à indiferença, à insensibilidade, à insinceridade, à dissimulação, ao individualismo, ao egoísmo e à visualização do outro apenas como trampolim para se alcançar melhor posição na estrutura social. A insensibilidade conduz à postura do “je suis desolé”, de pessoas que mesmo sem saber qual o problema do outro já sabem de ante-mão que nã
o podem ajudá-lo, ainda que se digam “desolados” com a situação, ainda que – o que é pior – profissionalmente tenham como função efetivar os preceitos do Direito Social.
A lógica desse “(des)convívio” social, que extrai as pessoas cada vez mais de si mesmas, projetadas que estão nos bens que possuem ou nos títulos da “nobreza” capitalista que compram ou que adquirem em um “jogo meritório” profundamente desigual, leva a uma insatisfação constante, já que quanto mais o homem se vê nos objetos que deseja, menos vê a si próprio, e tanto maior é a sua insatisfação quanto mais desenvolvidos são o “marketing” e os processos produtivos, que inventam, a cada dia, novos objetos de desejo, para os mesmos consumidores. Outro dia, fiquei sabendo que a realização do sonho de consumo de um apartamento de luxo não é uma situação plenamente satisfatória para o ego capitalista, vez que o adquirente pode ser (ou se sentir) discriminado no elevador por outra pessoa que mora em um andar situado mais acima. É a lógica da irracionalidade se reproduzindo de forma ilimitada...
Uma forma eficiente de se desapegar dessa lógica é verificar o quanto são irracionais os argumentos daqueles que cometem atrocidades, que convivem bem com as injustiças ou mesmo que as tentam justificar. Perceberemos, assim, o quanto a busca da razão é importante. Afinal, se nos deixarmos levar pelo embalo caótico da irracionalidade é possível, que, sem perceber, acabemos considerando que matar o adversário é uma forma segura de ganhar um debate; que acabar com a Justiça do Trabalho é a fórmula matemática exata de se eliminarem os conflitos entre o capital e o trabalho; que a inexistência de custo com juízes e servidores possibilitará um superávit promissor para o país; que a eliminação dos direitos dos trabalhadores conferirá sucesso econômico ao Brasil; que o fechamento dos botequins é o modo eficiente de extinguir a embriaguês e que todos os problemas do país estarão resolvidos sem os “pinguços”; que a modificação de textos da Constituiç
ão, fora do processo eleitoral, não é nada além que mero ato de esperteza; que se os juízes, que procuram fazer valer a ordem jurídica pautada pelos preceitos fundamentais do Direito Social, forem assassinados ou destruídos moral ou institucionalmente, todos os demais juízes, pelo medo, deixarão de cumprir o seu dever e que sem esses juízes todos os cidadãos conviverão em harmonia, pois, afinal, o que nos atrapalha são esses tais Direitos Humanos; até se chegar ao ponto – que pode nem ser o ápice da irracionalidade – de afirmar que a solução para a violência social está no controle da natalidade entre os pobres[7]...
Ainda que se diga, como forma de tentar impedir qualquer mudança concreta nessa irracionalidade que beneficia a alguns poucos que estão bem situados na estrutura social, que essa é uma manifestação messiânica, hipócrita, sonhadora, romântica etc., o presente texto presta-se à afirmação de que não podemos permitir que se dê qualquer tipo de razão ao norueguês; que não seremos tachados, sem objeção, de um país “disfuncional” e muito menos irracional; que não são intransponíveis os entraves à construção de uma sociedade justa neste país, ainda que o comodismo, a insensibilidade, a indiferença, a desesperança e a desonestidade militem contra; que a ordem jurídica social continuará prevalecendo pelas mãos de todos que prezam a razão; que não ficaremos calados diante das ameaças ao Estado Democrático de Direito Social; que não há motivo para temores, porque, afinal, não há muito o que perder em uma realidade que seja marcada pelo caos; que
, mesmo com tantos obstáculos, devemos continuar produzindo a racionalidade necessária para superar os dilemas da elevação da condição humana no modelo de produção capitalista; que nenhuma lógica irracional perversa vai ser posta impunemente; que, enfim, a vida de Patrícia Acioli não terá sido em vão.
São Paulo, 24 de agosto de 2011.
(*) Juiz do Trabalho, titular da 3ª. Vara do Trabalho de Jundiaí/SP. Professor Associado de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP. Membro da Associação Juízes para a Democracia – AJD.
[1]. “Desesperar, jamais”. Composição de Ivan Lins e Vitor Martins.
[2]. Empresário, Humberto Silva Gomes, em diálogo gravado com autorização judicial e publicado pelo Jornal Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/
[3]. Disponível em: http://www.agora.uol.com.br/
[4]. Disponível em: http://www.cartacapital.com.
[5]. “No dia seguinte à ação, 27 de junho, a reportagem foi até uma loja da Zara na Zona Oeste de São Paulo (SP), e encontrou uma blusa semelhante, fabricada originalmente na Espanha, sendo vendida por R$ 139.” Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.
[6]. Disponível em: http://www.estadao.com.br/
[7]. Segundo Antônio Salim Curiati, Deputado Estadual do PP, em São Paulo, conforme reportagem publicada no Jornal Folha de São Paulo, ed. de 24/08/11, p. C-3.
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