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30/10/2013

Palmadas e Suécia!

Após proibir palmadas, Suécia "sofre" com geração de crianças mimadas

A proibição das punições físicas a crianças foi incorporada ao código penal da Suécia em 1979


Marie Märestad (dir.) e seu marido concedem entrevista à agência AFP em outubro Foto: AFPMarie Märestad (dir.) e seu marido concedem entrevista à agência AFP em outubroFoto: AFP
A Suécia, primeira nação do mundo a proibir as palmadas na educação das crianças, se pergunta agora se não foi longe demais e criou uma geração de pequenos tiranos.
"De uma certa forma, as crianças na Suécia são extremamente mal educadas", afirma à AFP David Eberhard, psiquiatra e pai de seis filhos. "Eles gritam quando adultos conversam à mesa, interrompem as conversas sem parar e exigem o mesmo tratamento que os adultos", ressalta.
O livro "Como as crianças chegaram ao poder", escrito por Eberhard, explica porque a proibição das punições físicas - incorporada de forma pioneira ao código penal da Suécia em 1979 - levou, pouco a pouco, a uma interdição de qualquer forma de correção das crianças.
"É óbvio que é preciso escutar as crianças, mas na Suécia isso já foi longe demais. São elas que decidem tudo nas famílias: quando ir para a cama, o que comer, para onde ir nas férias, até qual canal de televisão assistir", avalia ele, considerando que as crianças suecas são mal preparadas para a vida adulta.
O comportamento das filhas levou o casal Märestad a procurar aconselhamento  Foto: AFPO comportamento das filhas levou o casal Märestad a procurar aconselhamento Foto: AFP
"Nós vemos muitos jovens que estão decepcionados com a vida: suas expectativas são muito altas e a vida se mostra mais difícil do que o esperado por eles. Isso se manifesta em distúrbios de ansiedade e gestos de autodestruição, que aumentaram de maneira espetacular na Suécia", diz o psiquiatra.
Suas teses são contestadas por outros especialistas, como o terapeuta familiar Martin Forster, que sustenta que, numa escala mundial, as crianças suecas estão entre as mais felizes. "A Suécia se inspirou sobretudo na ideia de que as crianças deveriam ser ouvidas e colocadas no centro das preocupações", afirma Forster. Segundo ele, "o fato de as crianças decidirem muitas coisas é uma questão de valores. Pontos de vista diferentes sobre a educação e a infância geram culturas diferentes".
O debate sobre o mau comportamento das crianças surge regularmente nas discussões sobre a escola, onde os problemas de socialização ficam mais evidente. 
É óbvio que é preciso escutar as crianças, mas na Suécia isso já foi longe demais. São elas que decidem tudo nas famílias
David EberhardPsiquiatra
No início de outubro, o jornalista Ola Olofsson relatou seu espanto após ter ido à sala de aula de sua filha. "Dois garotos se xingavam, e eu não fazia ideia de que com apenas 7 anos de idade era possível conhecer aquelas palavras. Quando eu tentei intervir, eles me insultaram e me disseram para eu ir cuidar da minha vida", conta à AFP.
Quase 800 internautas comentaram a crônica de Olofsson. Entre os leitores, um professor de escola primária relatou sua rotina ao passar tarefas a alunos de 4 e 5 anos: "Você acha que eu quero fazer isso?", disse um dos alunos. "Outro dia uma criança de quatro anos cuspiu na minha cara quando eu pedi para que ela parasse de subir nas prateleiras".
Após um estudo de 2010 sobre o bem estar das crianças, o governo sueco ofereceu aos pais em dificuldade um curso de educação chamado "Todas as crianças no centro". Sua filosofia: "laços sólidos entre pais e filhos são a base de uma educação harmoniosa de indivíduos confiantes e independentes na idade adulta".
Um de seus principais ensinamentos é que a punição não garante um bom comportamento a longo prazo, e que estabelecer limites que não devem ser ultrapassados, sob pena de punição, nem sempre é uma panaceia.
"Os pais são instruídos a adotar o ponto de vista da criança. Se nós queremos que ela coopere, a melhor forma de se obter isso é ter uma relação estreita", afirma a psicóloga Kajsa Lönn-Rhodin, uma das criadoras do curso governamental. "Eu acredito que é muito mais grave quando as crianças são mal-tratadas (...), quando elas recebem uma educação brutal", avalia.
Marie Märestad e o marido, pais de duas meninas, fizeram o curso em 2012, num momento em que eles não conseguiam mais controlar as crianças à mesa. "Nós descobrimos que provocávamos nelas muitas incertezas, que elas brigavam muito (...) Nós tínhamos muitas brigas pela manhã, na hora de colocar a roupa para sair", relembra essa mãe de 39 anos. "Nossa filha caçula fazia um escândalo e nada dava certo (...) Nós passamos por momentos muito difíceis, até decidirmos que seria bom se ouvíssemos especialistas, conselheiros", conta Märestad, que é personal trainer em Estocolmo.
O curso a ajudou a "não lutar em todas as frentes de batalha" e a dialogar melhor. Mas para ela, as crianças dominam a maior parte dos lares suecos. "Nós observamos muito isso nas famílias de nossos amigos, onde são as crianças que comandam".
Segundo Hugo Lagercrantz, professor de pediatria na universidade Karolinska, de Estocolmo, a forte adesão dos suecos aos valores de democracia e igualdade levou muitos a almejarem uma relação de igual para igual com seus filhos. "Os pais tentam ser muito democráticos (...) Eles deveriam se comportar como pais e tomar decisões, e não tentarem ser simpáticos o tempo todo", diz Lagercrantz.
Ele vê, contudo, algumas vantagens nesse estilo de educação. "As crianças suecas são muito francas e sabem expressar seu ponto de vista", afirma. "A Suécia não valoriza a hierarquia e, de uma certa forma, isso é bom. Sem dúvida, esta é uma das razões pelas quais o país está relativamente bem do ponto de vista econômico".

As Ciências Sociais contra os Direitos Sociais: O que é isso FFLCH? Jorge Luiz Souto Maior

As Ciências Sociais contra os Direitos Sociais:
O que é isso FFLCH?

Jorge Luiz Souto Maior(*)

  
Que a greve causa transtornos ninguém há de negar. Que a greve quebra a normalidade, também é fato. E, por consequência, que haja resistência à greve, sobretudo daqueles que, direta ou indiretamente, são atingidos por ela, é compreensível. Aliás, há de se reconhecer que mesmo os grevistas, que se sacrificam na greve, pois precisam se organizar e se submeter aos ataques daqueles que são alvo imediato da greve, os quais se valem, inclusive, de estruturas repressivas para tanto, não vislumbram a greve como um objetivo de vida, reconhecendo-a, unicamente, como um instrumento necessário para a luta.
Agora, que professores ligados às ciências sociais e humanas se reúnam para organizar um Manifesto contra a greve, aí temos uma novidade que vale a pena examinar, na medida em que é de conhecimento geral que o estágio atual da sociedade, no que se refere à criação de direitos sociais e à ampliação das possibilidades de atuação democrática, resulta de inúmeras greves, que, em outros tempos, já chegaram a gerar o sacrifício de muitas vidas.
É impossível não reconhecer no instituto da greve, que, por meio da própria experiência, adquiriu o status de um direito fundamental, ligado à livre manifestação, e do qual advêm o direito à associação e o direito à sindicalização, o mais importante instrumento de modificação da realidade social em prol daqueles que se situam em posição de inferioridade ou vulnerabilidade no arranjo sócio-econômico do mundo capitalista, isso quando não se organizam para uma ação política de natureza revolucionária, sendo certo que a própria greve, de índole reivindicatória, pode se constituir um embrião desta última luta.
Os valores que permeiam a sociedade atual são fruto de greves e de mobilizações sociais históricas como o trabalhismo, o feminismo, o pacifismo, os movimentos contra o racismo e contra a discriminação religiosa, e, mais presentemente, pela preservação ambiental, incluindo a luta pelos direitos dos animais.
Não se pode olvidar que todos esses movimentos foram rechaçados pelas estruturas de poder, voltadas à preservação do “status quo”, mas que mesmo assim, como resultado do embate, proporcionaram a construção de uma nova realidade, tendo assumido papel extremamente relevante para tanto as atentas e profundas análises de historiadores e sociólogos, que souberam superar a racionalidade reacionária, advinda, sobretudo, da ciência jurídica.
A questão intrigante é que o papel de resistência aos avanços sociais sempre foi reservado ao Direito e um Manifesto recentemente assinado por mais de 150 professores da FFLCH-USP parece pretender uma inversão neste posicionamento histórico.
O fato é que várias decisões judiciais começam a acatar de forma mais efetiva e ampla o conceito do direito de greve, como se verificou, por exemplo, nos processos ns. 114.01.2011.011948-2 (1ª. Vara da Fazenda Pública de Campinas); 00515348420125020000 (Seção de Dissídios Coletivos do TRT2); e 1005270-72.2013.8.26.0053 (12ª. Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo).
De tais decisões extraem-se valores como o reconhecimento da legitimidade das greves de estudantes, dos métodos de luta, incluindo a ocupação, e do conteúdo político das reivindicações, decisões estas, aliás, proferidas sob o amparo de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, na qual se consagrou a noção constitucional de que a greve é destinada aos trabalhadores em geral, sem distinções, e que a estes “compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender”, sendo fixado também o pressuposto de que mesmo a lei não pode restringir a greve, cabendo à lei, isto sim, protegê-la. Esta decisão consignou de forma cristalina que estão “constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, gr eves políticas, greves de protesto” (Mandado de Injunção 712, Min. Relator Eros Roberto Grau).
Trilhando o caminho dessa decisão, recentemente, o Min. Luiz Fux, também do STF, impôs novo avanço à compreensão do direito de greve, reformando decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) no que tange ao corte de ponto dos professores da rede estadual em greve. Em sua decisão, argumentou o Ministro: "A decisão reclamada, autorizativa do governo fluminense a cortar o ponto e efetuar os descontos dos profissionais da educação estadual, desestimula e desencoraja, ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos servidores, verdadeira garantia fundamental" (Reclamação 16.535).
Além disso, a Justiça do Trabalho, em decisões reiteradas de primeiro e segundo graus, tem ampliado o sentido do direito de greve como sendo um “direito de causar prejuízo”, extraindo a situação de “normalidade”, com inclusão do direito ao piquete, conforme decisões proferidas na 4ª. Vara do Trabalho de Londrina (processo n. 10086-2013-663-09-00-4), no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª. Região (processo n. 0921-2006-009-17-00-0), na Vara do Trabalho de Eunápolis/BA (processo n. 0000306-71-20130-5-05-0511), todas sob o amparo de outra recente decisão do Supremo Tribunal Federal, esta da lavra do Min. Dias Toffoli (Reclamação n. 16.337), que assegurou a competência da Justiça do Trabalho para tratar de questões que envolvem o direito de greve, nos termos da Súmula Vinculante n. 23, do STF , integrando o piquete a tal conceito.
Bem se vê, portanto, que o aludido Manifesto busca atrair para as ciências sociais o papel reacionário que historicamente se atribuía às ciências jurídicas.
É evidente que as decisões acima não refletem, ainda, o pensamento único, ou mesmo majoritário, no âmbito do Judiciário, sobre essas questões, mas, certamente, pode-se traçar uma linha evolutiva no sentido da ampliação do conceito do direito de greve, garantindo-lhe uma posição privilegiada na relação com os demais direitos, sobretudo os de índole liberal, notadamente o direito de ir e vir, que não pode, como nenhum outro, ser valorado em abstrato e sem inserção no contexto dos demais direitos sociais.
O desafio atual da ciência jurídica está, exatamente, no questionamento acerca da persistência do direito individual de trabalhar quando uma greve, na qualidade de autêntico direito coletivo, é deflagrada, ainda mais considerando os termos da própria Lei n. 7.783/89 (que é bastante restritiva do direito de greve, diga-se de passagem) que estabelece, em seu art. 9º., que a continuação dos serviços deve ser definida mediante acordo entre o sindicato patronal ou o empregador diretamente com o sindicato ou a comissão de negociação, mesmo no que se refere aos “serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da emp resa quando da cessação do movimento”. Ou seja, para a lei, a tentativa do empregador de manter-se funcionando normalmente, sem negociar com os trabalhadores em greve, valendo-se das posições individualizadas dos ditos “fura-greves”, representa ato ilícito, que afronta o direito de greve.
A decisão de trabalhar, ou não, no período de greve não pertence a cada trabalhador, individualmente considerado. Daí porque, também, apresenta-se como legítima toda forma, pacífica (ou seja, que não chega à agressão física), de impedir que o trabalho, para além das necessidades inadiáveis, continue sendo executado, seja por vontade individual de um trabalhador (ou vários), seja pela contratação, por parte do empregador, de empregados para a execução dos serviços, não se admitindo até mesmo que empregados de outras categorias, como terceirizados, por exemplo, supram as eventuais necessidades de mera produção dos empregadores no período.
Assim, piquetes e até ocupações pacíficas no local de trabalho se justificam para que se faça prevalecer, em concreto, o legítimo e efetivo exercício do direito de greve, na medida em que se veja ameaçado por atos ilícitos do empregador que, valendo-se de pressão aberta ou velada com relação aos grevistas e sugerindo premiações aos que não aderirem à greve, tenta destruir a greve sem se dispor ao necessário diálogo com os trabalhadores, sendo certo que o diálogo somente adquire nível de equilíbrio quando os que se situam em posição de inferioridade buscam a ação coletiva.
Qualquer tipo de ameaça ao grevista ou promessa de prêmio ou promoção aos não grevistas constitui ato anti-sindical, tal como definido na Convenção 98 da OIT (ratificada pelo Brasil, em 1952), que justifica, até, a apresentação de queixa junto ao Comitê de Liberdade Sindical da referida Organização.
Essa é a tensão atual vivenciada pelo Direito com relação à greve e o que menos se precisa neste instante, pensando na evolução dos arranjos sociais, é que o saber das ciências sociais venha a público levantar bandeiras reacionárias, que, mesmo sob a retórica de se firmar a favor do direito de greve, opõe-se ao piquete e aniquila a greve como meio de luta.
A oposição menos ainda se justifica no contexto histórico da USP, onde as recentes lutas de estudantes, servidores e professores, desde 2007, foram bastante exitosas e serviram, inclusive, como importante paradigma para a própria reformulação da ciência jurídica em torno do direito de greve, transpondo os muros da Universidade. A injustificada resistência despreza, também, o quanto as mobilizações, no acúmulo das experiências, favoreceram a produção do conhecimento em torno das questões políticas, sociais, econômicas e acadêmicas que envolvem a estrutura da Universidade e sua relação com a sociedade em geral e a ordem jurídico-democrática, experiências estas que, inclusive, possibilitaram o desenvolvimento de consciência crítica e efetivo exercício da ética, da solidariedade e da organiz ação coletiva. Mais importante, ainda, as lutas permitiram a compreensão sobre a ligação dos interesses entre estudantes e trabalhadores, com inclusão dos antes invisíveis trabalhadores terceirizados.
É interessante perceber a contradição do Manifesto, que se baseia na lógica da individualidade, mas que, ao mesmo tempo, se socorre da ação coletiva, buscando a legitimação do argumento pelo número de assinaturas, mas fazendo-o sem respeito a qualquer esfera institucionalizada de deliberação coletiva, desprezando, pois, a via pública da ação política, ao mesmo tempo em que se auto-proclama representante de corrente majoritária, ainda que não apresente embasamento técnico científico para tal afirmação.
Em suma, no atual estágio da luta pela consagração do Direito Constitucional de greve, como preceito fundamental, o que se espera é que a resistência não venha da ciência social, vez que das estruturas de poder, considerando os interesses de parte do segmento econômico e do próprio governo, as gritas já são, historicamente, muito fortes.
Por fim, há de considerar, no caso concreto da luta da USP, que no momento em que se está tentando derrubar as estruturas arcaicas e autoritárias da Universidade, atraindo uma racionalidade democrática e ao mesmo tempo sensível às questões sociais, e esta luta não começou ontem e não tem sido nada fácil, perpassando gerações, apresenta-se, no mínimo, como valor bastante mesquinho a vontade de manter a “normalidade”...
Como já preconizado por José Martí, “Si no luchas, ten al menos la decencia de respetar a quienes si lo hacen”!
São Paulo, 29 de outubro de 2013.


(*) Professor Livre-Docente do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP. Juiz do Trabalho. Membro da AJD – Associação Juízes para a Democracia.

28/10/2013

STJ - Informativo - 527

Seleção de JOrge Andrade

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE CRIME DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS.


Não comprovada a procedência estrangeira de DVDs em laudo pericial, a confissão do acusado de que teria adquirido os produtos no exterior não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime de violação de direito autoral previsto no art. 184, § 2º, do CP. Preliminarmente, embora o STF tenha se manifestado pela existência de repercussão geral acerca da definição de competência para processamento de crime de reprodução ilegal de CDs e DVDs em face da eventual transnacionalidade do delito (RE 702.560-PR), a matéria ainda não foi dirimida. Nesse contexto, conforme decisões exaradas neste Tribunal, caracterizada a transnacionalidade do crime de violação de direito autoral, deve ser firmada a competência da Justiça Federal para conhecer da matéria, nos termos do art. 109, V, da CF. Contudo, caso o laudo pericial não constate a procedência estrangeira dos produtos adquiridos, a mera afirmação do acusado não é suficiente para o deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal. Ademais, limitando-se a ofensa aos interesses particulares dos titulares de direitos autorais, não há que falar em competência da Justiça Federal por inexistir lesão ou ameaça a bens, serviços ou interesses da União. Precedentes citados: CC 125.286-PR, Terceira Seção, Dje 1/2/2013, e CC 125.281-PR, Terceira Seção, DJe 6/12/2012. CC 127.584-PR, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12/6/2013.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO PENAL REFERENTE AOS CRIMES DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO ENVOLVENDO DIREITOS INDÍGENAS.


Compete à Justiça Federal – e não à Justiça Estadual – processar e julgar ação penal referente aos crimes de calúnia e difamação praticados no contexto de disputa pela posição de cacique em comunidade indígena. O conceito de direitos indígenas, previsto no art. 109, XI, da CF/88, para efeito de fixação da competência da Justiça Federal, é aquele referente às matérias que envolvam a organização social dos índios, seus costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, compreendendo, portanto, a hipótese em análise. Precedentes citados: CC 105.045-AM, DJe 1º/7/2009; e CC 43.155-RO, DJ 30/11/2005. CC 123.016-TO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/6/2013.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE AÇÕES PENAIS RELATIVAS A DESVIO DE VERBAS ORIGINÁRIAS DO SUS.


Compete à Justiça Federal processar e julgar as ações penais relativas a desvio de verbas originárias do Sistema Único de Saúde (SUS), independentemente de se tratar de valores repassados aos Estados ou Municípios por meio da modalidade de transferência “fundo a fundo” ou mediante realização de convênio. Isso porque há interesse da União na regularidade do repasse e na correta aplicação desses recursos, que, conforme o art. 33, § 4º, da Lei 8.080/1990, estão sujeitos à fiscalização federal, por meio do Ministério da Saúde e de seu sistema de auditoria. Dessa forma, tem aplicação à hipótese o disposto no art. 109, IV, da CF, segundo o qual aos juízes federais compete processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Incide, ademais, o entendimento contido na Súmula 208 do STJ, de acordo com a qual compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal. Cabe ressaltar, a propósito, que o fato de os Estados e Municípios terem autonomia para gerenciar a verba destinada ao SUS não elide a necessidade de prestação de contas ao TCU, tampouco exclui o interesse da União na regularidade do repasse e na correta aplicação desses recursos. AgRg no CC 122.555-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 14/8/2013.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APRECIAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL NO JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL.


O STJ, no julgamento de recurso especial, pode buscar na própria CF o fundamento para acolher ou rejeitar alegação de violação do direito infraconstitucional ou para conferir à lei a interpretação que melhor se ajuste ao texto constitucional, sem que isso importe em usurpação de competência do STF. No atual estágio de desenvolvimento do direito, é inconcebível a análise encapsulada dos litígios, de forma estanque, como se os diversos ramos jurídicos pudessem ser compartimentados, não sofrendo, assim, ingerências do direito constitucional. Assim, não parece possível ao STJ analisar as demandas que lhe são submetidas sem considerar a própria CF, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Constituição. Nesse contexto, aumenta a responsabilidade do STJ em demandas que exijam solução transversal, interdisciplinar e que abranjam, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente. Com efeito, a partir da EC 45/2004, o cenário tornou-se objetivamente diverso daquele que antes circunscrevia a interposição de recursos especial e extraordinário, pois, se anteriormente todos os fundamentos constitucionais utilizados nos acórdãos eram impugnáveis – e deviam ser, nos termos da Súmula 126 do STJ – mediante recurso extraordinário, agora, somente as questões que, efetivamente, ostentarem repercussão geral (art. 102, § 3º, da CF) é que podem ascender ao STF (art. 543-A, § 1º, do CPC). REsp 1.335.153-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/5/2013.

DIREITO PENAL. SUBSIDIARIEDADE DO TIPO DO ART. 37 EM RELAÇÃO AO DO ART. 35 DA LEI 11.343/2006.


Responderá apenas pelo crime de associação do art. 35 da Lei 11.343/2006 – e não pelo mencionado crime em concurso com o de colaboração como informante, previsto no art. 37 da mesma lei – o agente que, já integrando associação que se destine à prática do tráfico de drogas, passar, em determinado momento, a colaborar com esta especificamente na condição de informante. A configuração do crime de associação para o tráfico exige a prática, reiterada ou não, de condutas que visem facilitar a consumação dos crimes descritos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei 11.343/2006, sendo necessário que fique demonstrado o ânimo associativo, um ajuste prévio referente à formação de vínculo permanente e estável. Por sua vez, o crime de colaboração como informante constitui delito autônomo, destinado a punir específica forma de participação na empreitada criminosa, caracterizando-se como colaborador aquele que transmite informação relevante para o êxito das atividades do grupo, associação ou organização criminosa destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei 11.343/2006. O tipo penal do art. 37 da referida lei (colaboração como informante) reveste-se de verdadeiro caráter de subsidiariedade, só ficando preenchida a tipicidade quando não se comprovar a prática de crime mais grave. De fato, cuidando-se de agente que participe do próprio delito de tráfico ou de associação, a conduta consistente em colaborar com informações já será inerente aos mencionados tipos. A referida norma incriminadora tem como destinatário o agente que colabora como informante com grupo, organização criminosa ou associação, desde que não tenha ele qualquer envolvimento ou relação com atividades daquele grupo, organização criminosa ou associação em relação ao qual atue como informante. Se a prova indica que o agente mantém vínculo ou envolvimento com esses grupos, conhecendo e participando de sua rotina, bem como cumprindo sua tarefa na empreitada comum, a conduta não se subsume ao tipo do art. 37, podendo configurar outros crimes, como o tráfico ou a associação, nas modalidades autoria e participação. Com efeito, o exercício da função de informante dentro da associação é próprio do tipo do art. 35 da Lei 11.343/2006 (associação), no qual a divisão de tarefas é uma realidade para consecução do objetivo principal. Portanto, se a prova dos autos não revela situação em que a conduta do paciente seja específica e restrita a prestar informações ao grupo criminoso, sem qualquer outro envolvimento ou relação com as atividades de associação, a conduta estará inserida no crime de associação, o qual é mais abrangente e engloba a mencionada atividade. Dessa forma, conclui-se que só pode ser considerado informante, para fins de incidência do art. 37 da Lei 11.343/2006, aquele que não integre a associação, nem seja coautor ou partícipe do delito de tráfico. Nesse contexto, considerar que o informante possa ser punido duplamente – pela associação e pela colaboração com a própria associação da qual faça parte –, além de contrariar o princípio da subsidiariedade, revela indevido bis in idem, punindo-se, de forma extremamente severa, aquele que exerce função que não pode ser entendida como a mais relevante na divisão de tarefas do mundo do tráfico. HC 224.849-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/6/2013.

DIREITO PENAL. REQUISITOS PARA A COMUTAÇÃO DA PENA.


Na hipótese em que decreto presidencial de comutação de pena estabeleça, como requisito para a concessão desta, o não cometimento de falta grave durante determinado período, a prática de falta grave pelo apenado em momento diverso não constituirá, por si só, motivo apto a justificar a negativa de concessão do referido benefício pelo juízo da execução. Com efeito, não cabe ao magistrado criar pressupostos não previstos no decreto presidencial, para que não ocorra violação do princípio da legalidade. De fato, preenchidos os requisitos estabelecidos no mencionado decreto, não há como condicionar ou impedir a concessão da comutação da pena ao reeducando sob nenhum outro fundamento, tendo a sentença natureza jurídica meramente declaratória. Precedentes citados:

STJ - Informativo 528



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TEORIA DA CAUSA MADURA.
No exame de apelação interposta contra sentença que tenha julgado o processo sem resolução de mérito, o Tribunal pode julgar desde logo a lide, mediante a aplicação do procedimento previsto no art. 515, § 3º, do CPC, na hipótese em que não houver necessidade de produção de provas (causa madura), ainda que, para a análise do recurso, seja inevitável a apreciação do acervo probatório contido nos autos. De fato, o art. 515, § 3º, do CPC estabelece, como requisito indispensável para que o Tribunal julgue diretamente a lide, que a causa verse questão exclusivamente de direito. Entretanto, a regra do art. 515, § 3º, deve ser interpretada em consonância com a preconizada pelo art. 330, I, cujo teor autoriza o julgamento antecipado da lide “quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência”. Desse modo, se não há necessidade de produção de provas, ainda que a questão seja de direito e de fato, poderá o Tribunal julgar a lide no exame da apelação interposta contra a sentença que julgara extinto o processo sem resolução de mérito. Registre-se, a propósito, que configura questão de direito, e não de fato, aquela em que o Tribunal tão somente extrai o direito aplicável de provas incontroversas, perfeitamente delineadas, construídas com observância do devido processo legal, caso em que não há óbice para que incida a regra do art. 515, § 3º, porquanto discute, em última análise, a qualificação jurídica dos fatos ou suas consequências legais. EREsp 874.507-SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 19/6/2013.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE AÇÃO PENAL REFERENTE À PRÁTICA DE CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL POR MEIO DE SOCIEDADE QUE DESENVOLVA A ATIVIDADE DE FACTORING.
Compete à Justiça Federal processar e julgar a conduta daquele que, por meio de pessoa jurídica instituída para a prestação de serviço de factoring, realize, sem autorização legal, a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, sob a promessa de que estes receberiam, em contrapartida, rendimentos superiores aos aplicados no mercado. Isso porque a referida conduta se subsume, em princípio, ao tipo do art. 16 da Lei 7.492/1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), consistente em fazer “operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio”. Ademais, nessa hipótese, apesar de o delito haver sido praticado por meio de pessoa jurídica criada para a realização de atividade de factoring, deve-se considerar ter esta operado como verdadeira instituição financeira, justificando-se, assim, a fixação da competência na Justiça Federal. CC 115.338-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/6/2013.

DIREITO CIVIL. APLICABILIDADE DA TEORIA DA PERDA DA CHANCE.
A emissora responsável pela veiculação de programa televisivo de perguntas e respostas deve indenizar, pela perda de uma chance, o participante do programa que, apesar de responder corretamente a pergunta sobre determinado time de futebol, tenha sido indevidamente desclassificado, ao ter sua resposta considerada errada por estar em desacordo com parte fantasiosa de livro adotado como bibliografia básica para as perguntas formuladas. De fato, nos contratos de promessa de recompensa por concurso, vale a regra geral de que os concorrentes, ao participarem do concurso, sabem de suas condições e a elas se submetem. Dentre essas condições, está a de se submeter ao pronunciamento dos julgadores do concurso. Entretanto, em casos excepcionalíssimos, é possível que se reconheça a nulidade desse julgamento. Na situação em análise, houve erro no julgamento, o qual foi efetuado em discordância com a verdade dos fatos – fundando-se apenas na parte fictícia de livro adotado contratualmente como bibliografia básica –, configurando-se, assim, hipótese excepcionalíssima apta a afastar a incidência da regra da infalibilidade do julgador. Ademais, o concurso era sobre determinado clube de futebol – e não sobre o livro adotado como bibliografia –, razão pela qual inadmissível exigir que o participante respondesse erradamente, afastando-se da realidade dos fatos atinentes ao clube. Nesse contexto, deve ser aplicada a regra da boa-fé objetiva em prol do participante e em detrimento da organizadora do certame, ao mesmo tempo em que há de ser aplicada a regra segundo a qual o contrato será interpretado em detrimento do estipulante. REsp 1.383.437-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 13/8/2013.

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TITULAR DE BLOG PELOS DANOS DECORRENTES DA PUBLICAÇÃO EM SEU SITE DE ARTIGO DE AUTORIA DE TERCEIRO.
O titular de blog é responsável pela reparação dos danos morais decorrentes da inserção, em seu site, por sua conta e risco, de artigo escrito por terceiro. Isso porque o entendimento consagrado na Súmula 221 do STJ, que afirma serem “civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”, é aplicável em relação a todas as formas de imprensa, alcançado, assim, também o serviço de informação prestado por meio da internet. Nesse contexto, cabe ao titular do blog exercer o controle editorial das matérias a serem postadas, de modo a evitar a propagação de opiniões pessoais que contenham ofensivos à dignidade pessoal e profissional de outras pessoas. REsp 1.381.610-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/9/2013.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. REPARAÇÃO CIVIL DOS DANOS DECORRENTES DE CRIME.
Para que seja fixado na sentença valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, com base no art. 387, IV, do CPP, é necessário pedido expresso do ofendido ou do Ministério Público e a concessão de oportunidade de exercício do contraditório pelo réu. Precedentes citados: REsp 1.248.490-RS, Quinta Turma, DJe 21/5/2012; e Resp 1.185.542-RS, Quinta Turma, DJe de 16/5/2011. REsp 1.193.083-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/08/2013, DJe 27/8/2013.

Rio, dia 12.11.13 - Família, Direito e Psicanálise - EMERJ - FIca a dica

INSCRIÇÕES GRATUITAS
PARA EFEITO DE OBTENÇÃO DO CERTIFICADO, OPCIONAL E PAGO, FAZ-SE NECESSÁRIA A INSCRIÇÃO PELO LINK:

CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS
EMERJ – FÓRUNS PERMANENTES
C O N V I T E
A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, o Presidente do Fórum Permanente de Direito e Psicanálise, Desembargador Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho CONVIDAM os Magistrados, Promotores de Justiça, Procuradores do Estado e do Município, Defensores Públicos, Advogados, Estagiários da EMERJ, servidores e demais interessados para a 6ª Reunião do Fórum, que abordará o tema “FAMÍLIA, DIREITO E PSICANÁLISE”, a realizar-se no dia 12 de novembro de 2013, de 9:30 às 12 horas, no Auditório Paulo Roberto Leite Ventura, situado na Rua Dom Manuel, n° 25, 1° andar, Centro, RJ, conforme a programação abaixo:

Abertura: Des. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho– Presidente do Fórum Permanente de Direito e Psicanálise
Palestras:
O DIREITO AO AFETO
Dra. Andréa Pachá – Juíza de Direito do TJERJ e Vice-Presidente do Fórum de Direito e Psicanálise

ABANDONO AFETIVO: DO DIREITO À PSICANÁLISE
Dr. Julio Cezar de Oliveira Braga – Advogado e Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade.

Debatedores:
Dr. Rubens Casara – Membro do Fórum de Direito e Psicanálise
Dr. Antonio Pedro Melchior – Membro do Fórum de Direito e Psicanálise

Encerramento: Des. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho
LOCAL:
Auditório Paulo Roberto Leite Ventura,- Rua Dom Manuel, n° 25, 1° andar, Centro, RJ

Informações: 3133-3369/3133-3380
Inscrições: exclusivas pelo site da EMERJ (www.emerj.tjrj.jus.br).

Serão concedidas horas de estágio pela OAB/RJ para estudantes de Direito participantes do evento.
Poderão ser concedidas horas de atividade de capacitação pela Escola de Administração Judiciária aos serventuários que participarem do evento (de acordo com a Resolução nº 12/2012, art.2º, inciso II, art 3º inciso II, do Conselho da Magistratura).

Novo Livro Daniel Nicory - Crítica ao controle penal das drogas ilícitas. JusPodivm

Caros amigos,
Entro em contato para informar que o meu novo livro, "Crítica ao Controle Penal das Drogas Ilícitas", publicado pela Editora Juspodivm por meio do selo editorial da Faculdade Baiana de Direito, já está à venda na internet, no link abaixo:
Neste novo trabalho, tentei conciliar o meu engajamento na campanha pela reforma da Política de Drogas com a minha experiência prática como Defensor Público, para oferecer aos leitores um material que, mantendo a utilidade para o jurista prático, não abrisse mão de um olhar crítico sobre as nossas opções legislativas e sobre as distorções da aplicação da Lei de Drogas no Brasil, num contexto de reconhecimento internacional da falência da Política de Guerra às Drogas, e de consolidação de um movimento, também internacional, que pleiteia a sua mudança por uma estratégia mais racional e humana.
Aqui na Bahia, estão programadas duas pré-vendas da obra, uma durante a Semana Jurídica da Faculdade Baiana de Direito, da qual participarei no dia 29/10 (terça-feira) e outra durante o IV Congresso Internacional da Associação Brasileira Multidisciplinar sobre Drogas (ABRAMD), que ocorrerá no Teatro UNEB entre os dias 30/10 e 02/11, do qual participarei no dia 31/10 (quinta-feira), pela manhã. Em ambos os casos, a minha exposição tratará, direta ou indiretamente, dos assuntos discutidos no livro.
O lançamento oficial está previsto para o dia 06/12, também em Salvador, no Seminário Internacional do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas da Universidade Federal da Bahia (CETAD-UFBA)
Por fim, aproveito para compartilhar, abaixo, a apresentação do livro, por Pedro Abramovay, e o seu prefácio, por Luciana Boiteux Rodrigues,
Abraços a todos,

Daniel Nicory

APRESENTAÇÃO

O tema da análise da legislação de drogas foi por muito tempo negligenciado na literatura científica brasileira. De um lado, obras dogmáticas que se limitavam a descrever o texto legal e apontar direções jurisprudenciais. De outro, muito menos frequentes, corajosas visões críticas sobre a legislação de drogas que não encontravam eco no debate público nem na comunidade jurídica.
O momento é outro. As consequências negativas da política de drogas baseada na repressão parecem muito mais evidentes.
No Brasil, como este trabalho mostra, vimos a população carcerária ligada às drogas sofrer uma verdadeira explosão nos últimos anos sem que isso trouxesse qualquer benefício para a saúde pública ou para a redução da violência.
No plano internacional, rompeu-se o silêncio sobre o fracasso da política de guerra às drogas. Em um movimento iniciado por ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso, César Gavíria e Ernesto Zedillo e seguido por presidentes em exercício como Juan Manuel Santos, da Colômbia e José Mujica do Uruguai, vozes de peso passaram a criticar duramente as convenções internacionais e propor alternativas sobre o tema.
O presente livro está absolutamente sintonizado com este momento. Trata o tema das drogas com a seriedade que ele merece, com uma rigorosa abordagem sobre as questões dogmáticas da nossa legislação bem como uma arguta visão crítica e analítica dos impactos desta legislação no Brasil.
Os méritos deste trabalho certamente estão ligados à trajetória de seu autor, Daniel Nicory do Prado. Defensor Público, Nicory do Prado tem profundo conhecimento dos debates doutrinários e jurisprudenciais que estão sendo travados no momento, mas, além disso, justamente por atuar na defesa dos necessitados, o autor não separa a análise dogmática dos efeitos perversos que a atual legislação tem sobre os mais pobres.
Além disso, Daniel Nicory do Prado tem sido figura importante no debate de alternativas à atual legislação, participando de comissões de revisão da lei de drogas. O livro reflete claramente esta preocupação de apontar novos rumos possíveis para os problemas encontrados.
Somente um trabalho como este, escrito em um momento de ruptura com o discurso único sobre drogas, e tendo por autor quem concilia a vivência prática com a postura crítica, poderia ter alcançado o resultado de conciliar teses doutrinarias que podem claramente ser utilizadas nos tribunais com a problematização real de como o tema das drogas é tratado na legislação brasileira.

Pedro Abramovay
Mestre em Direito (UNB)
Professor da Fundação Getúlio Vargas
Ex-Secretário Nacional de Justiça

Prefácio

Aceitei o convite para prefaciar o livro de Daniel Nicory do Prado, Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Professor da Faculdade Baiana de Direito e Gestão e, até recentemente, Defensor Público da Vara Criminal de Simões Filho/BA, região metropolitana de Salvador, onde realizou a defesa de dezenas de acusados de tráfico de drogas, por reconhecer em seu autor a qualidade inestimável de um pesquisador rigoroso e profundo conhecedor da realidade penal e dos impactos da política de drogas no sistema penal brasileiro, o que se reflete em sua obra, na qual faz uma importante análise crítica da Lei n. 11.343/06.

O autor, ao atuar como representante da Defensoria Pública na Subcomissão de Crimes e Penas da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, acompanhou de perto as dificuldades de aprovação de mudanças progressistas na área criminal, mas ainda assim não deixou de se engajar em campanhas por mudanças legislativas garantistas, tal como faz com relação à Lei n. 11.343/06.

Eu o conheci pessoalmente no ano de 2009, em seminário coordenado por Pedro Abramovay para a apresentação do Projeto Banco de Injustiças (www.bancodeinjuticas.org.br), no qual Daniel, junto com outros Defensores atuantes, relataram diversos casos de injustiças cometidas na atuação da Justiça Criminal em casos de drogas, notadamente diante da condenação de usuários de drogas como traficantes, uma das situações mais presentes na prática dos defensores em todo o país.
A “personalização” dessas injustiças cometidas em nome da aplicação da Lei de Drogas de 2006 nos casos examinados cotidianamente por Daniel e outros defensores comprovaram o que já havíamos identificado em nossa pesquisa “Tráfico de Drogas e Constituição”, publicada em 2009, ou seja, que muitos usuários estavam sendo presos como traficantes, diante da falta de clareza da lei na distinção entre essas duas figuras, o que constitui uma das causas do grande encarceramento brasileiro atual, como bem analisa o autor na obra que se apresenta.
A importância do presente trabalho “Crítica ao Controle Penal das Drogas Ilícitas” está justamente na habilidade do autor de identificar com precisão e rigor metodológico que o tratamento penal destinado ao crimes de tráfico de drogas pelos Tribunais é o mais rigoroso possível, e reproduz o modelo beligerante de “guerra às drogas”.
Partindo da análise crítica das convenções internacionais sobre drogas, o autor deixa clara sua crítica ao proibicionismo, posição da qual compartilho, de oposição ao modelo atual de controle de drogas.
Com maestria e objetividade, o autor propõe uma discussão jurídico-dogmática sobre os institutos penais e processuais da Lei de Drogas que será muito útil aos operadores do direito, que terão nesse livro uma fonte importante de informações e consulta, diante da análise crítica e aprofundada acerca dos dispositivos penais e processuais relativos aos crimes de drogas, com revisão bibliográfica e pesquisa jurisprudencial atualizadas.
Embora não seja seu objetivo a realização de um estudo criminológico, nos comentários aos crimes e artigos da lei, o autor incorpora uma abordagem social, ao apresentar dados estatísticos e exemplos da aplicação das normas na realidade social, ao verificar (e comprovar) o distanciamento entre a teoria e a prática das instituições no Brasil. Nesse sentido, este é um livro que deve ser recomendado inclusive a estudantes de direito que se interessem pelo tema, assim como a profissionais de outras áreas que queiram conhecer melhor como atuam os mecanismos penais de controle das drogas em nosso país.
Daniel Nicory do Prado representa uma nova geração de defensores públicos que agrega um profundo conhecimento do direito e do processo penal à consciência social da seletividade do sistema penal e da inequidade da aplicação da lei, devendo ser reconhecido por mais essa obra que certamente terá um lugar importante na estante de todos aqueles que estudam, pesquisam, advogam e lutam por uma sociedade mais justa, na qual haja menos repressão e mais compreensão e, especificamente, por uma política de drogas mais humana e respeitadora de direitos humanos.

Rio de Janeiro, 30 de Maio de 2013.

Luciana Boiteux
Mestre em Direito (UERJ). Doutora em Direito Penal (USP). Professora Adjunta de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro - CAMUS - Agostinho Ramalho Marques Neto

Caros Amigos
O Agostinho Ramalho Marques Neto é um professor fantástico. No curso, a partir da obra O Estrangeiro, de Albert Camus, promove um debate entre a lei do Direito e a Lei da Psicanálise.
Recomendo fortemente.

Alexandre



PROJETO DE CURSO

Curso: Repensando a Lógica do Julgamento Penal: uma leitura de O

Estrangeiro, de Albert Camus.

Professor: Agostinho Ramalho Marques Neto.

Ementa: O curso se propõe, tomando como metáfora o romance O

Estrangeiro, de Camus, a pôr em questão a lógica que sobredetermina

a estrutura e o movimento de um julgamento jurídico-penal, a partir da

hipótese de que quando se está julgando algo, é “outra coisa” que está

sendo julgada. Todo o desenvolvimento do curso será uma tentativa de

realizar um trabalho interdisciplinar visando a alcançar consequências

teóricas a partir de reflexões suscitadas pelo texto literário. Para tanto, esse

texto será indagado no eixo da filosofia jurídica e da teoria psicanalítica,

cuidando-se para que tal indagação não lhe retire o sabor literário. O curso

se desenvolverá no âmbito da oposição lei (jurídica) e Lei (no sentido

psicanalítico, ético, do termo).

Objetivo específico: O objetivo específico do curso consiste em pôr em

evidência que os julgamentos no campo do direito e particularmente no

campo do direito penal estão sujeitos, para além dos argumentos de caráter

racional baseado nas provas e na subsunção do fato particular e concreto

na lei geral e abstrata, a determinações de ordem subjetiva, que, por serem

geralmente inconscientes, promovem desvios na pretendida coerência da

lógica jurídica, produzindo efeitos inesperados e desconcertantes, como se

todo o processo fosse conduzido segundo o avesso dessa lógica.

1.Texto literário e texto teórico (filosófico, jurídico, psicanalítico):

especificidades, divergências e convergências. Das dificuldades de um

trabalho interdisciplinar nesse interregno.

2. Síntese da 1ª Parte: a teia dos “antecedentes”.

3. Reflexões sobre a 2ª Parte: a “engrenagem”:

• O julgamento: sua estrutura lógica, sua psicologia, seus “atores”, suas

• A inquirição, a acusação, a defesa, a sentença: seus pressupostos legais

racionais e a incidência desviante de suas determinações ideológicas e

• Os “sujeitos” do processo: o juiz, o acusador, o defensor, o réu: sujeitos

também de um “outro” processo?

4. Meursault: o homem absurdo. A justiça absurda. Breves observações

sobre o absurdo em CAMUS.

5. Algumas observações a partir do artigo O Estranho, de FREUD.

CAMUS, Albert. L’étranger. Paris: Gallimard, 1994.

CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Trad. de Antônio Quadros. São Paulo:

CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Trad. de Valerie Rumjanek. Rio de

Janeiro: Record, 2004.

20/10/2013

Evento Floripa 21 e 25 10 OAB e IDDH

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O Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH com o apoio do Ordem dos Advogados do Brasil da Seção de Santa Catarina – OAB/SC, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e do Observatório de Direitos Humanos da UFSC, vêm propor a realização do WORKSHOP SOBRE DIREITOS HUMANOS, a realizar-se nos dias 21 e 25 de outubro de 2013, no auditório da OAB/SC, na rua Paschoal Apóstolo Pítsica, 4860 – Florianópolis/SC.
O evento contempla uma Aula Magna, uma Conferência e uma Mesa Redonda visando articular temáticas de direitos humanos no âmbito interno e internacional.
Salienta-se que o Workshop sobre Direitos Humanos faz parte da programação do VII Curso Anual de Direitos Humanos – CADH que ocorrerá entre os dias 21 e 25 de outubro de 2013, na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, em Florianópolis/SC, promovido pelo IDDH, tendo como foco o estudo do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
O evento é gratuito. Interessados em obter certificado de horas devem realizar a inscrição e efetuar o pagamento do valor para emissão.
Confira abaixo a programação do Workshop:
AULA MAGNA: Dia: 21/10/2013 – 14h00 às 18h00
Constituição Federal de 1988 e os Tratados Internacionais de DH’s
Flávia Piovesan
CONFERÊNCIA: Dia 21/10/2013 – 19h00 às 21h00
A proteção internacional dos DH’s desde a Conferência de Viena – os 20 anos
André de Carvalho Ramos 
MESA REDONDA: Dia 25/10/2013 – 10h00 às 12h30
A proteção dos DH’s no âmbito interno desde a Constituição de 1988  - os 25 anos
Alexandre Morais da Rosa e Ruy Samuel Espíndola.
INSCRIÇÕES PARA CERTIFICADOS
As inscrições devem ser efetuadas pelo e-mail cadh@iddh.org.br – especificar no Assunto: INSCRIÇÃO WORKSHOP.
Valores: Estudantes de graduação: R$ 50,00 (cinquenta reais); Advogados e demais profissionais: R$ 85,00 (oitenta e cinco reais).  O valor deverá ser depositado na conta do IDDH e o comprovante de pagamento enviado para o e-mail: cadh@iddh.org.br. (BANCO 001 – Banco do Brasil – Agência: 0038-8; C/C: 62048-3 – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH – CNPJ 06.303.357/0001-25.
Carga horária para certificados: 10 HORAS
PARTICIPE! VAGAS LIMITADAS!
MAIS INFORMAÇÕES: (47) 3433-0066 ou cadh@iddh.org.br

Atenciosamente,
Equipe IDDH

Dica do Edmundo Lima Jr - Neotribalismo

 Durkheim e Weber: inspiração para uma nova sociabilidade, o neotribalismo
Sílvia Jurema Quaresma
Resumo:
Este artigo tem como principal finalidade ampliar um pouco mais o conhecimento sobre o conceito de neotribalismo idealizado pelo sociólogo francês Michel Maffesoli. Este autor considera o neotribalismo como uma das características da pós-modernidade, porém estas características nos fazem retornar as idéias de Durkheim e Weber. Sendo assim, neste artigo pretendemos mostrar como Maffesoli introduz a nova concepção de sociabilidade das tribos, mas apoiada nos clássicos da Sociologia. Também expomos algumas idéias de autores como: Anthony Giddens, Boaventura de Souza Santos, Edgar Morin referentes ao paradigma da modernidade.
Palavras chaves: modernidade, pós-modernidade, neotribalismo, Durkheim, Weber
Abstract:
The main objective of this article is to contribute to the understanding of the concept of neo-tribalism conceived by the French sociologist Michel Maffesoli. This author considers neo-tribalism as one of the characteristics of post-modernity; however, these characteristics
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take us back to Durkheim’s and Weber’s ideas. Therefore, in this article we aim at showing how Maffesoli introduces the new conception of tribal sociability based on sociology’s classical authors. In addition, we also present some authors’ ideas related to the modernist paradigm, such as Anthony Giddens, Boaventura de Souza Santos and Edgar Morin.
Keywords: Modernity, post-modernity, neo-tribalism, Durkheim, Weber.
Introdução
Não podemos deixar de reconhecer que na pós-modernidade1, que se instaura em meados do século XX, estamos no início de uma nova civilização que tende a desvendar alguns dos incríveis mistérios do universo. Porém, os rápidos progressos da tecnologia que são frutos deste novo paradigma surgem sob o signo da ambigüidade, isto é, de um lado, concorrem para a melhoria das condições de vida, de outro, ameaçam a própria existência da vida sobre o planeta. Observamos que a saturação dos valores da modernidade e o advento de novas tecnologias de comunicação estão resultando em transformações profundas em todas as esferas da sociedade. A junção entre os meios de comunicação de massa e a microinformática, aliada ao crescimento das redes comunicacionais, operam modificações não só no cotidiano, como também na maneira como o homem percebe o mundo e o seu semelhante. Até mesmo as grandes religiões, na pós-modernidade, estão cedendo lugar as pequenas seitas.
1O conceito pós-modernidade é alvo de muita discussão nas Ciências Sociais, posto que, há algumas vertentes que tentam explicá-lo. Uma dessas vertentes defendida por Lyotard (1985) sugere a pós-modernidade como um rompimento, uma ruptura, com as verdades absolutas ou metanarrativas da modernidade. Uma outra vertente defendida por Giddens ( 1991) considera que estamos alcançando um período em que as conseqüências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes, esse autor prefere trabalhar com o conceito de alta-modernidade. Existe também uma terceira vertente, na qual podemos incluir o sociólogo Michel Maffesoli, que trata a pós-modernidade como um novo paradigma tentando não sugerir rupturas nem radicalização, mas sim uma reorganização: de valores, idéias, visões de mundo, etc que são provenientes da modernidade.
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Alguns autores argumentam que na atualidade estamos vivendo um momento ainda de transição. Santos (2000), por exemplo, considera que esta pós-modernidade que estamos vivenciando é ainda uma transição paradigmática que se apresenta com várias dimensões e que evoluem em ritmos desiguais. O autor distingue duas dimensões principais dentro desta transição, são elas: a epistemológica e a societal e cada uma delas oferece para nós uma multiplicidade de análises. Já Maffesoli (1987) defende a tese que estamos entrando em um novo paradigma cultural deixando para trás os traços da chamada modernidade, onde destacaram-se a estrutura mecânica, a organização econômica e política, os indivíduos e os grupos contratuais.
De qualquer forma não podemos deixar de reconhecer que estamos vivendo num contexto de mudanças vertiginosas, onde percebemos que novas formas de sociabilidade estão emergindo neste final de século. Maffesoli (1987) indica que neste novo paradigma pontua o fim de uma lógica individualista típica da modernidade, de um EU fechado sobre si mesmo. Segundo ele, estaríamos caminhando em direção à persona e à multiplicidade de papéis e máscaras em que a pessoa só existe em termos do papel ou máscara usada em dado momento ou situação. Dessa forma, na pós-modernidade assistimos à substituição de um social racionalizado por uma sociedade com dominante empática.
Essa nova sociabilidade diz respeito ao tribalismo que está se tornando, nos grandes centros urbanos, um dos maiores expoentes dessas alterações nas relações sociais pelas quais estamos passando. Tribos bastante diferenciadas como: punks, surfistas, skinheads ou vegetarianos são exemplos desses grupos que se caracterizam pela pulsão de estar junto, que se reúnem de acordo com suas afinidades e seus interesses no momento e que não tem outra finalidade a não ser reunir-se.
Durkheim, Weber e a modernidade
A modernidade restringe-se a um certo período histórico, a uma certa organização cultural, socio-econômica e a certos costumes e estilos de vida que emergiram na Europa em torno do século XVII, cujas influências foram se desdobrando e se tornando mundiais. Uma das conseqüências da modernidade é o processo de globalização que entre outras coisas gera o desenvolvimento desigual tanto do ponto de vista econômico quanto social (GIDDENS, 1991).
Este paradigma da modernidade, que começa mais ou menos no século XVII e vai até meados do século XX, foi o grande modelo europeu que se apoiou sobre duas grandes obsessões: a razão e o progresso, ambos são motores da organização das sociedades, sendo que, de acordo com esse modelo, a vida social é organizada de forma racional. Na modernidade prevaleceu uma lógica racional binária de
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separação, onde há o determinismo absoluto, onde vê-se tudo compartimentado: alma ou corpo, razão ou magia, etc. Dessa forma, as idéias de progresso, racionalismo e vitória do homem sobre a natureza exerceram todo o seu encanto sobre a mentalidade da época.
Dentro desse paradigma da modernidade, a corrente de pensamento sociológico que acreditava no progresso linear da sociedade e principalmente no poder exclusivo e absoluto da razão humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob a forma de leis naturais é o positivismo, cujo representante considerado mais importante foi Émile Durkheim (1858-1917). O positivismo durkheimiano acreditava que a sociedade poderia ser analisada da mesma forma que os fenômenos da natureza e a partir dessa suposição, utilizava em seus estudos os mesmos procedimentos das ciências naturais. Este autor, evolucionista, queria fundar uma ciência experimental baseada na observação, experimentação e explicação dos fatos sociais para poder chegar as grandes leis e fazer da Sociologia uma ciência autônoma distinguindo-a da filosofia, da biologia, da história e da psicologia. Ao longo de toda a sua obra Durkheim tentou sempre estabelecer relações de causalidade entre dois fenômenos. Para este clássico, a Sociologia tinha por finalidade não só explicar a sociedade como encontrar remédios para a vida social. Ele distinguiu diferentes instâncias da vida social e seu papel na organização social como: a educação, a família e a religião. Durkheim possuía uma visão otimista da nascente sociedade industrial. Considerava que a crescente divisão do trabalho que estava ocorrendo a todo vapor na sociedade européia no final do século acarretava, ao invés de conflitos sociais, um possível aumento da solidariedade entre os homens.
Na atualidade ou pós-modernidade, alguns autores de diversas áreas, como por exemplo: Edgar Morin (2002), sociólogo; Ilya Prigogine (2002), químico; Hubert Reeves (2002), físico, fazem uma crítica à ciência tecida nos moldes clássicos positivistas. Eles procuram uma nova forma de relacionamento entre ciência e natureza; têm uma concepção diferente de progresso; discutem a verdade absoluta dos positivistas e declaram que existem várias verdades, ou melhor, que toda verdade é relativa. Quanto à verdade absoluta Morin (1998) aponta que: “O conhecimento precisa ter consciência da sua biodegradabilidade”, pois que, “a crença numa verdade absoluta provoca a cegueira do conhecimento e racionalização”. O jornalista John Horgan (2002:22) diz que: “quando se trata de natureza humana, nossa ânsia por verdades absolutas, teorias unificadas e panacéias pode ter conseqüências perigosas”.
Dessa forma, nesse novo paradigma da pós-modernidade, verifica-se uma crescente saturação desse modelo racional. A lógica “irracional”, ou melhor, complexa da pós-modernidade está estruturada na verdade relativa e está fundada no “E”: religião ciência, corpo mente, ou seja, na pós-modernidade a lógica racional não se reduz
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mais a uma binaridade, mas há uma conjugação que nos introduz numa espiral sem fim. Sendo assim, para dar conta destas mudanças tanto Basarab (1999) quanto Morin (2000a) apontam que o pensamento complexo e a transdisciplinaridade são os possíveis caminhos nesta nova empreitada. O pensamento complexo é aquele que une e distingue: “apto a unir, contextualizar, globalizar, mas ao mesmo tempo a reconhecer o singular, o individual e o concreto” (MORIN, 2000: 36).
Podemos dizer que na Sociologia quem deu os primeiros passos em direção a este novo caminho foi Max Weber (1864-1920) pois, para este autor que nos é contemporâneo, o verdadeiro ponto de partida da Sociologia é a compreensão da ação dos indivíduos e não a análise das instituições sociais ou dos grupos sociais. Com essa posição, Weber, não tinha a intenção de negar a existência ou a importância dos fenômenos sociais como: o Estado, a empresa capitalista, a sociedade anônima, mas tão somente a de ressaltar a necessidade de compreender as intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam certas situações sociais.
Portanto com Weber se estabelece, de vez, na Sociologia a abordagem de subjetividade do sujeito com o reconhecimento das ações singulares e individuais que, de certa maneira, já estavam sendo idealizadas desde o século XVII com Giovanni Batista Vico (1668-1744) que era um filósofo e historiador italiano que defendia a tese de que o verdadeiro objeto do conhecimento são os feitos humanos. Para Weber os fatos sociais não são “coisas”, mas acontecimentos que o cientista percebe e cujas causas procurará desvendar. E qualquer que seja a perspectiva adotada pelo pesquisador, ela sempre resultará numa explicação parcial. Este clássico foi mais longe ainda pois, ele construiu um instrumento de análise que chamou de tipo ideal, que se trata de uma criação abstrata a partir de casos particulares observados. O tipo ideal não é um modelo a ser alcançado nem um acontecimento observável, mas é uma construção do pensamento, uma lupa, que nos auxilia na pesquisa. Mas a visão sociológica de Weber dos tempos modernos desemboca numa apreciação melancólica e pessimista pois, este autor capitulando de forma resignada diante da realidade social, não via nenhum atrativo no movimento socialista, chegando mesmo a considerar que o Estado socialista acentuaria os aspectos negativos da racionalização e burocratização da vida contemporânea.
Os grandes teóricos da Sociologia que vimos aqui, Durkheim e Weber, não podem ser considerados unicamente como antepassados desta ciência pois, segundo Morin (1965) as reflexões que estes homens realizaram continuam a fecundar a nossa investigação social. Sendo assim, neste novo paradigma, Maffesoli de uma certa forma se “apropria” de algumas idéias de Durkheim e de Weber para explicar as mudanças que estão ocorrendo no interior das sociedades contemporâneas.
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Neotribalismo: Durkheim, Weber e Maffesoli
Neste novo paradigma cultural o mundo estaria entrando numa fase tribal, uma volta a valores que a modernidade julgava enterrados. Na pós-modernidade, os homens estariam adotando um ponto de vista mais emotivo em relação ao mundo. Eles estariam dando lugar ao prazer e à emoção, resgatando uma sensibilidade diferente entre as novas gerações. A proposta de Maffesoli (2000:50) é de que este novo paradigma venha substituir o paradigma do individualismo na compreensão da sociedade contemporânea pois, ele está “baseado na necessidade de solidariedade e de proteção que caracterizam o conjunto social”. Desta forma, a metáfora da tribo da qual o autor se utiliza nos permite dar conta do processo de desindividualização e da valorização do papel que cada pessoa (persona) é chamada a representar dentro da tribo. Essas novas tribos são caracterizadas pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão (MAFFESOLI, 1987).
Esta nova fase tribal Maffesoli chama de tribalismo pós-moderno ou neotribalismo e segundo ele, a sociedade contemporânea é constituída de diversos tribalismos, isto é, religiosos, esportivos, hedonistas, musicais, tecnológicos, etc. Ele define esse neotribalismo como uma "comunidade emocional" ou "nebulosa afetiva" em oposição ao modelo de organização racional típico da sociedade moderna. Nas tribos, o ethos comunitário é designado pelo conjunto de expressões que remete a uma subjetividade comum, a uma paixão partilhada. A adesão a esses grupamentos é sempre fugaz, não há um objetivo concreto para estes encontros que possa assegurar a sua continuidade. Trata-se apenas de redes de amizade pontuais que se reúnem ritualisticamente com a função exclusiva de reafirmar o sentimento que um dado grupo tem de si mesmo (MAFFESOLI 1987).
Levando em conta o que o autor fala sobre neotribalismo, que ele também chama de “comunidades emocionais”, poderíamos dizer que ele traz a tona o tipo ideal das comunidades afetivas ou emocionais que é mencionada na obra póstuma de Weber “Economia e sociedade”, escrita em 1921 por Marianne Weber a partir de manuscritos que o autor deixou.
Para este clássico da Sociologia essa categoria serviu como reveladora de situações que estavam presentes na modernidade. Ele chama de comunidade a uma relação social na medida em que a orientação da ação social baseia-se em um sentido de solidariedade, resultado de ligações emocionais. A comunidade é o resultado de um processo de integração cujo fundamento do grupo é um sentimento de pertencimento experimentado pelos participantes e cuja motivação baseia-se em qualquer espécie de ligação emocional ou afetiva, daí o termo comunidades emocionais. Para Weber esses reagrupamentos estão geralmente à parte dos enrijecimentos institucionais. O grupo ou comunidade pode ser aberta ou fechada, isto irá depender da tradição, de atitudes afetivas ou condicionado racionalmente por valores ou fins. Tanto a
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admissão quanto a exclusão dos indivíduos pode variar muito, de modo que vários requisitos podem ser propostos para a admissão ou até para a restrição dentro do grupo (WEBER, 1987). As características dessas “comunidades emocionais” são: o aspecto efêmero, a composição cambiante, a inscrição local, a ausência de uma organização e a estrutura cotidiana. Estas mesmas características são utilizadas por Maffesoli para dar conta do neotribalismo.
Maffesoli (1987) aponta que a comunidade aberta e a emoção partilhada é que suscita a multipicidade de grupos que chegam a constituir uma forma de laço social bem sólido. Este autor aponta também que o neotribalismo é uma constatação empírica, ou seja, as pessoas estão se reagrupando em microtribos e buscando novas formas de solidariedade, que não são encontráveis necessariamente nas grandes instituições sociais habituais. O tribalismo refere-se, conseqüentemente, a uma vontade de “estar-junto”, onde o que importa é o compartilhamento de emoções em comum. Isso vai compor o que Maffesoli denomina como uma “cultura do sentimento”, formada por relações tácteis, por formas coletivas de empatia. Essa “cultura do sentimento” tem como única preocupação o presente vivido coletivamente. Isso nos faz lembrar da solidariedade orgânica de Durkheim onde o encontro de interesses complementares cria um laço social, ou seja, um outro tipo de princípio de solidariedade, com moral própria e que dá origem a uma nova organização social.
Durkheim definiu a solidariedade orgânica em sua obra “Da divisão do trabalho social” escrita em 1893. Segundo este clássico a divisão do trabalho, característica das sociedades mais desenvolvidas, gera um novo tipo de solidariedade não mais baseado na semelhança entre os componentes (solidariedade mecânica), mas na complementação de partes diversificadas. O encontro de interesses complementares cria um laço social novo, ou seja, um outro tipo de princípio de solidariedade, com moral própria, e que dá origem a uma nova organização social, sendo seu fundamento a diversidade. A solidariedade orgânica implica uma maior autonomia, com uma consciência individual mais livre. Ela é uma relação que tem como princípio a diversidade de papéis sociais, onde procuramos a companhia “daqueles que pensam e que sentem como nós” (DURKHEIM, 1926:70). É isto que nos permite estabelecer um laço entre a solidariedade orgânica e as comunidades neotribalistas de Maffesoli, ou seja, o denominador comum entre ambas é o sentimento partilhado entre os membros da comunidade. Sentimento este, que Maffesoli chama de aura estética (o sentir em comum). Dessa forma na análise deste autor pós-modernista o tribal surge como uma espécie de compensação diante de uma sociedade cujos laços e coesão social são frágeis. O neotribalismo corresponderia a uma espécie de resposta a uma sociedade fragmentada, fria, individualista, competitiva e burocrática, onde a vivência no interior das tribos abre
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a possibilidade de um encontro afetivo, a criação de um espaço de dissidência e de um canal simbólico de expressão identitária.
Considerações finais
Chegamos a pós-modernidade e podemos dizer que neste novo paradigma maffesoliano estamos assistindo, como vimos, um retorno às idéias dos clássicos da Sociologia só que de maneira inovadora. O neotribalismo apontado por Maffesoli contém em suas entranhas as comunidades emocionais de Weber com o seu pertencimento a um grupo e também contém a solidariedade orgânica de Durkheim com os laços sociais, tudo de forma a consolidar as neotribos. Para Maffesoli estas neotribos exprimem a sociedade fundante de nossa atualidade, na qual ocorre um vaivém constante entre a massificação crescente e o desenvolvimento de microgrupos com ideais comunitários, que se acreditava terem sido ultrapassados.
Dessa forma, talvez pudéssemos concluir este artigo dizendo que após o período de desencantamento do mundo, estaríamos vivendo um reencantamento do mundo que teria como cimento principal uma emoção ou sensibilidade vivida em comum, os neotribalistas.
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