Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos
Alexandre Morais da Rosa

Kindle - Meu livro novo

O meu livro Jurisdição do Real x Controle Penal: Direito & Psicanálise, via Literatura foi publicado pela http://www.kindlebook.com.br/ na Amazon.
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27/04/2009

BLOG do Ministério Público

Caros Leitores
O Promotor de Justiça Milani Maurílio Bento, da 1 PRomotoria de Joinville, área Criminal, criou o BLOG http://joinville01pj.blogspot.com/ Nele, além de notícias relativas ao crime, divulga as notícias relativas aos julgamentos, especialmente os da 1a Vara Criminal, da qual sou titular. A transparência apresentada é fundamental para democracia. Embora tenha, como de fato sustento, posições teóricas diversas, reconheço, a absoluta boa-fé, dos colegas que comigo trabalham, propiciando, assim, um debate franco e aberto. Espero que o diálogo seja fecundo, com a participação de todos!

Recomendo II - Maria da Penha

O Estado de S.Paulo - Caderno Aliás J7 - Domingo 05 de abril de 2009
http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup350135,0.htm
Carta aberta à sociedade brasileira
'Os 2,4% de processos penais que resultaram em prisão não representam impunidade'
- Valéria PandjiarjianADVOGADA DO COMITÊ LATINO-AMERICANO E DO CARIBE PARA A DEFESA DOS DIR. DA MULHER E SÓCIA-FUNDADORA DO INST. PATRÍCIA GALVÃOO balanço da Lei Maria da Penha - apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça - provoca reflexões tanto sobre aspectos positivos de sua efetividade quanto sobre entraves e desafios para sua implementação. Há que se ter cautela na leitura dos dados divulgados, que são parciais e oriundos de apenas 15 dos 23 Estados com varas ou juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher no País. São mais de 150 mil processos, dos quais 41.957 são ações penais, 19.803, ações cíveis e 88.972, pedidos de medidas protetivas. Denúncias estão sendo feitas. A baixa incidência de processos penais que resultaram em condenações com prisão, 2,4%, ao contrário do que se imagina, não representa impunidade. Sua aplicação depende do tipo de crime praticado em cada caso. Em situações em que a pena mínima prevista não exceda 1 ano, tem-se aplicado a suspensão condicional do processo, desde que cumpridos determinados requisitos e obrigações pelo acusado, resultando ao final na extinção da punibilidade. Se ocorrem fatores que impliquem a revogação da suspensão, o processo corre normalmente. Esse é um dos mecanismos que podem ajudar a enfrentar a resistência ou desistência de denúncia em muitos casos. A concessão de medidas protetivas é um dos pontos relevantes da lei. Não devem ser desprezados os 22% dos pedidos concedidos (19.400), mas a demanda é infinitamente maior e requer atenção especialíssima por parte da polícia e da Justiça, conjugada à rede de proteção social que deveria amparar a mulher e seus dependentes numa situação de violência. Desprezadas ainda não devem ser as 11.175 prisões em flagrante e 915 preventivas. Boas práticas que validam a funcionalidade e eficácia da lei existem, mas sua aplicação ainda é díspar, com problemas estruturais (número, qualidade e articulação de serviços especializados) e culturais, refletidos inclusive nos meios jurídicos. É fundamental consolidar a constitucionalidade da lei com o julgamento da ação em curso no Supremo Tribunal Federal.

24/04/2009

Recomendo. maria rita Kehl

19 de Abril de 2009
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090419/not_imp357136,0.php

Depressão e capitalismo global
Em O Tempo e o Cão, autora procura entender o mal-estar da sociedade contemporânea
Luiz Zanin Oricchio
Habituados, por dever de ofício, a ouvir os outros, os psicanalistas são seres que se autoobservam. Maria Rita Kehl dirigia seu carro pela Via Dutra, quando surgiu pela frente um cachorro. Não havia como parar, o carro estava acossado pelos caminhões que vinham por trás. O animal foi atropelado, e saiu mancando pelo acostamento. O choque fez a psicanalista meditar sobre a velocidade que preside a vida contemporânea, a aceleração que nos leva a reagir instantaneamente a tudo que acontece para, em seguida, esquecer com igual rapidez. Vivemos em regime de um eterno presente, cada vez mais intenso. E cada vez mais sem sentido, para não dizer "alienado", conforme vocabulário de outra época.
Em sua clínica, e na própria literatura das profissões psi, Maria Rita tem observado o aumento de queixas de depressão. Talvez seja o mal-estar do século, a "moléstia" do capitalismo turbinado e globalizado. O cão da Via Dutra (que, afinal, não morreu no acidente) a ajudou a juntar as duas pontas do problema e relacionar a depressão com determinada experiência do tempo: talvez os deprimidos sejam os sujeitos que "sofrem de um sentimento de tempo estagnado, desajustados do tempo sôfrego do mundo capitalista".
Esta a hipótese de O Tempo e o Cão (Boitempo, 304 págs., R$ 39), livro que faz com que análise clínica e crítica social dialoguem e se completem de modo a iluminar o fenômeno da depressão contemporânea. A seguir, a entrevista concedida pela psicanalista ao Estado.

Primeiro, a questão do método. Eu me refiro à maneira eclética de mesclar conceitos psicanalíticos (em especial de Lacan) com ideias da filosofia, principalmente dos frankfurtianos, a partir de Benjamin. Como chegou a essa síntese fértil para abordar um tema específico como o das depressões?
Esta primeira pergunta me é particularmente interessante. Na verdade, o que faço não é nada novo. O próprio pensamento de Lacan, muitíssimo mais abrangente que o meu, dialoga constantemente com pensadores de outras áreas, tanto os contemporâneos dele quanto os clássicos. Os frankfurtianos, por sua vez, incluem a psicanálise como uma das ferramentas da teoria crítica - entre eles, penso que quem melhor compreendeu Freud foi Walter Benjamin. Hoje quem faz isso com mais ousadia, a meu ver, é o Slavoj Zizek; no Brasil, posso citar rapidamente Paulo Arantes e Vladimir Safatle, entre outros, de modo que me considero muito bem acompanhada.

O título do livro, O Tempo e o Cão, refere-se diretamente a uma experiência, que imagino um tanto traumática, de atropelar um cachorro na estrada. Gostaria que explicasse como elaborou esse incidente no sentido de uma percepção das relações entre a depressão e a temporalidade.
Foi um acidente de pequena importância até mesmo para o cão, que consegui não matar por sorte. Por pouco, a velocidade normal do tráfego na Via Dutra, entre caminhões e ônibus, me obrigaria a passar por cima dele. Se em vez de um cão fosse uma criança seria impensável não frear, mas teria provocado um acidente de proporções tremendas. Qual a novidade disso? Sabemos que a velocidade regular de nossa vida cotidiana é brutal; estamos habituados a ela. Mas o incidente na estrada me fez pensar nos efeitos subjetivos da aceleração da vida contemporânea. Na época andava lendo Benjamin, para quem a atividade contínua de "aparar os choques" da vida moderna (repare que ele escrevia sobre Paris no final do 19) é incompatível com a dimensão da experiência e está entre as causas do que ele chama de melancolia. Comecei a pensar no livro por aí.

Interessantes as objeções ao uso intensivo dos medicamentos no tratamento psiquiátrico das depressões. A doutrina da "eficácia contemporânea" passa necessariamente pela medicalização do sintoma?
Eu não condeno em bloco o uso dos antidepressivos. Sei que muitas pessoas dependem de medicação até para sair de casa e chegar ao analista. Os antidepressivos podem salvar vidas. Minha crítica se refere ao uso indiscriminado de medicamento como tentativa de apagamento do sujeito do inconsciente, segundo a lógica de que o valor da vida se mede pela eficiência. Os efeitos dessa aliança sobre o modo como as pessoas tentam suprimir as próprias crises normais da existência com medicamentos, a meu ver, incluem-se entre as causas do aumento das depressões no século 21.

De que maneira isso também pode ser interpretado como uma conivência entre a psiquiatria e o interesse econômico dos laboratórios?
Este é um fato objetivo. A pressão dos laboratórios sobre os psiquiatras, a presença maciça das grandes marcas de medicamentos a financiar congressos de psiquiatria, o prestígio dos medicamentos de última geração, em relação aos quais os psiquiatras temem ficar desatualizados e perder clientela, etc. A psiquiatria hoje está tão atrelada às descobertas da indústria farmacêutica que, de acordo com alguns críticos da área, a produção de um pensamento teórico sobre as doenças mentais se reduziu a zero. Virou uma "psiquiatria veterinária", na expressão do psicanalista André Green. Mas há importantes exceções a este estado de coisas; não são poucos os psiquiatras que indicam que a medicação deva ser acompanhada de alguma forma de terapia da palavra.

De qualquer forma, o que parece contar mesmo é a "aceleração do tempo" contemporâneo. Ponho entre aspas porque o tempo não acelera e sim a nossa percepção dele. Você associa esse fenômeno às novas tecnologias, ao chamado turbocapitalismo? Estes fenômenos predispõem à depressão?
Você tem toda a razão, não é o tempo que acelera, somos nós. Aliás, o que é o tempo? A leitura de Henri Bergson me foi de grande valia para pensar nessa questão. A impressão que se tem, desde a revolução industrial, é que o tempo em sua dimensão cronológica vem se acelerando de uma forma exasperante. Quanto mais tentamos aproveitar o tempo, quanto mais dispomos das horas e dos dias segundo a convicção de que "tempo é dinheiro", mais sofremos do sentimento de desperdiçar a vida. Você já reparou que depois de uma semana muito corrida, com a agenda repleta de compromissos, tem-se a impressão de que o tempo voou e nada aconteceu? O que me preocupa é que, na tentativa de fazer render o tempo desde o começo da vida, hoje os pais de classe média e alta começam a educar seus filhos segundo o mesmo princípio da agenda cheia. Algumas dessas crianças cheias de compromissos se tornam insatisfeitas, dependentes de estimulação externa, incapazes de devanear e inventar brincadeiras quando estão desocupadas.

Achei interessante (e alarmante) essa questão das mães ansiosas, que não conseguem dar aos filhos o seu devido tempo e mantêm uma expectativa alta em seu desempenho. Em que medida isso afeta a criança e a predispõe à depressão? A posição (enfraquecida) dos pais também chama a atenção. De que maneira a família nuclear parece se desagregar atualmente por força das exigências sociais crescentes?
Essa pergunta são duas, certo? A ansiedade materna, bem antes de se manifestar como expectativa pelo desempenho da criança, tem a ver com a pressa em mantê-la sempre satisfeita. Mas a melhor forma de amar uma criança não é impedir que ela conheça a falta: a falta é constitutiva do aparelho psíquico. Ela não pode faltar! A criança começa a virar gente (sujeito) ao inventar recursos simbólicos para lidar com o vazio e a insatisfação. Ora, a sociedade em que vivemos é regida por essa espécie de imperativo kantiano às avessas: goze. Que dizer da obrigatoriedade do gozo? Ela só não é mais danosa porque é impossível de cumprir. Aqui entra sua segunda questão: os chamados pais enfraquecidos são exatamente os que vivem em dívida com a satisfação de seus filhos. Difícil encontrar algum ideal tão inquestionável quanto o prazer. Mesmo os pais que não desconhecem a função de colocar limites aos excessos de suas crianças, não encontram outros ideais para transmitir a elas.

De certa forma, a modernidade pode ser vista como uma patologia do tempo, que atingiu um ponto insuportável de aceleração. Acredita que esse fator ou pode produzir outros sintomas psíquicos além da depressão?
Certamente sim: as drogadições, por exemplo, não seriam sintomas da urgência em gozar que comanda a vida contemporânea? E a violência banalizada nas grandes cidades, não seria sinal do encolhimento da capacidade de negociar conflitos em função dessa mesma urgência?

Você acredita que um estudo psicanalítico desse tipo funciona também como uma crítica ao capitalismo contemporâneo, ao consumismo, à reificação crescente, etc?
Espero que sim, ainda que as críticas jamais tenham tido o poder de derrubar o capitalismo. O que o poderá derrubar, algum dia, serão as condições materiais concretas produzidas por suas próprias contradições. Nossa: agora falei como uma cartilha. Mas penso que a produção do pensamento crítico é um importante dispositivo contra o conformismo, o sentimento fatalista de que está "tudo dominado", de que o capitalismo conseguiu anular todas as visões de mundo diferentes dele. A crítica é um "veneno antimelancolia", no sentido benjaminiano da "indolência do coração" que caracteriza a atitude fatalista.

Já detectou em sua clínica alguma repercussão da atual crise econômica mundial? Acha que ela contribuirá para gerar mais depressivos ou ao contrário, pode produzir uma conscientização crítica do modelo atual?
No meu consultório, casualmente, não. Pode ser questão de tempo. Quanto à crise atual provocar ainda mais depressões, respondo que sim, no que concerne ao desemprego, ao desamparo, à desesperança dos que são chutados para fora do sistema produtivo como seres supérfluos. E por outro lado, não: o abalo do pensamento único que correspondia ao triunfo da concentração do capital financeiro poderá ter interessantes efeitos antidepressivos. Somos novamente convocados a pensar, fazer projetos coletivos, resgatar esperanças em outra ordem mais justa que esta que causou o desastre. O singular, o modesto, o pequeno, poderão retomar seu trabalho nas brechas do grandioso, do monumental, do "dinheiro que apenas se olha" (Débord). Os movimentos sociais poderão se revitalizar; as pessoas poderão reinventar a ação política e deixar de se sentir supérfluas. Quem sabe o fatalismo melancólico deixe de dominar a subjetividade?

Você acha que a proliferação de manuais de autoajuda, de receitas de felicidade, tem algo a ver com a "felicidade obrigatória" que a sociedade do desempenho nos prescreve?
Concordo com você. Mas respeito aqueles que, na falta de outros recursos, buscam nesses livros caminhos para sair da depressão. Ocorre que o ideal de felicidade, que no século 18 nos libertou do conformismo religioso, hoje se tornou opressivo. Virou uma subideologia da sociedade de consumo. Ora, a felicidade não é uma mercadoria que se possua. Não é uma conquista do ego; ela não para quieta, não nos garante nada. As pessoas sentem-se culpadas por não possuir a tal felicidade, o que os torna ainda mais infelizes. Prefiro, com Oswald de Andrade, deixar de lado a felicidade e apostar na prova dos nove da alegria.

Você vê possibilidade de diminuir o sofrimento do depressivo, sem alterar as condições sociais que com ele se relacionam?
Você me permite esclarecer um ponto importante. A ideia de que a depressão seja um sintoma social não significa que os depressivos devam ser tratados como casos sociológicos. Os depressivos devem ser escutados, como todos os que buscam a psicanálise, um a um. Assim, em sua singularidade irredutível, deve ser conduzida a análise dos depressivos - que passa, necessariamente, pela reversão da forma como cada um deles se deixou alienar (como todo sujeito, aliás) pelas formações hegemônicas do imaginário social.

22/04/2009

STF Bate Boca Brasil ou BBB Jurídico

http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u554762.shtml

Parte de um artigo que escrevi:


.... Assim é que se pode, quem sabe, apontar a relação entre um Ministro que aparece na TV Justiça e um participante do Big Brother Brasil. Esta colocação que parece ser ingênua ou mesmo abusada, se tivermos calma, pode fazer sentido. Talvez por ela se possa entender, por qual motivo, vivemos no Brasil uma espécie de Anormia Hermenêutica, na qual o texto pouco importa em nome de decisionismos... O imaginário televisivo transformou a relação do sujeito com a mídia, especialmente porque ela proporciona, em nome da transparência da informação, aquilo que a psicanálise clama de "gozo escópico", em que ver e ser visto acaba sendo o padrão de atuação. Pode ser que ao se perceber que o Direito não é Natural, mas construído pela sociedade, o sujeito possa, do seu lugar, sentir-se autorizado pela imagem que constrói de um lugar de exceção, quando não salvacionista. E aí tanto faz se da Constituição, da Moral e dos Bons Costumes ou de maneira não excludente de sua imagem narcísica. Neste imaginário coletivo em que o STF ocupa uma posição aparentemente por ele mesmo designada, de SUPREMO, a coisa possa passar por grandes problemas. E a TV Justiça abre o espaço para construir o imaginário coletivo. Uma simples passada pelo famoso site de vídeos youtube.com, digitando-se STF, deixa evidenciado que o principal item mostrado são as brigas, enfrentamentos e discussões ásperas dos Ministros, cuja função, neste lugar, não é outra senão a de fazer rir. Dito diretamente a jocosidade busca fazer rir, tanto assim que o vídeo denominado "Bate Boca no STF" já foi visto mais de 37 mil vezes...! Isto é um sintoma grave do que se passa e não pode ser tratado como uma simples curiosidade, justamente porque diferentemente de alguns ministros, outros preferem ou precisam apresentar-se como os salvadores da nação. Um sujeito deste, ao invocar a essência democrática em nome do sentimento do povo, do qual é o legítimo tradutor, o autoriza, por si, a criar o direito que imagina justo e verdadeiro, a despeito de qualquer amarra ou limite, ou seja, na maior missão salvacionista. E a história mostra o risco totalitário que isto representa.

20/04/2009

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho


NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL,
NOVA MENTALIDADE


O ano de 1987 foi muito rico em discussões sobre a possível promulgação, na Itália, de um novo Código de Processo Penal, em face do Anteprojeto estar concluído e o governo ter recebido poderes para emaná-lo a partir de uma legge delega de 16.02.87. Pelas mãos de Giuliano Vassali, então Ministro di Grazia e Giustizia e habilíssimo articulador político, o CPP italiano ora em vigor acabou promulgado em 24.10.88, após 25 anos de debates. A Itália, dizia-se, enfim chegara à democracia processual. Em 12.01.88, Franco Coppi, estupendo professor de Direito Penal da Universidade de Roma “La Sapienza” e até hoje um dos grandes advogados militantes publicou um ensaio no jornal romano Il Messaggero no qual o título expressa quase tudo: “Arriva la nuova procedura, ma serve anche una nuova mentalità” (Chega um novo processo, mas precisa também uma nova mentalidade).
Coppi sabia o que dizia: o grande desafio para um novo código como aquele – onde se mudou o sistema processual penal, de inquisitório para acusatório – era fazer com que as pessoas, principalmente os aplicadores da lei, conseguissem entender a mudança e, com ela, mudassem também seu modo de dar sentido às regras ali dispostas em sistema. Isso parecia óbvio, ma non troppo. Afinal, desde 1215 – pelo menos – pensavam-se as regras processuais penais a partir de alguns postulados e, sendo assim, havia uma verdadeira “cultura” a impregnar as mentalidades. Daí o pertinente alerta, com serventia universal.
Agora que uma Comissão de Juristas nomeada no âmbito do Senado Federal faz um Anteprojeto (global, de todo o Código), do que pode vir a ser o novo CPP brasileiro, a questão começa a se colocar por aqui. E isto porque se decidiu, na dita Comissão, mormente para se cumprir a Constituição da República, mudar o sistema processual penal, talvez se começando a enterrar a base inquisitorial que, na legislação atual, copiada do Codice Rocco (italiano), de 1930, fazia – e ainda faz – a sobrevida dos papas Inocêncio III, Gregório IX, Inocêncio IV e tantos outros, não fosse facínoras conhecidos como Torquemada, Bernardo Guy e Nicolau Eymerich, só para ficar em alguns mais antigos e, assim, poupar os atuais. Homem e poder formam uma dupla que, neste aspecto, não muda quase nada no curso da História.
O núcleo de um sistema – sabem todos ou deveriam saber, por Kant e outros – está no princípio reitor dele, ou seja, aquilo que como linguagem faz a ligação dos elementos que o compõem, a fim de lhe dar o conjunto organicamente estabelecido e, assim, permitir seu desenvolvimento até o fim demarcado, no caso dicere jus por juris dictio. Para se poder dizer o direito no marco da Constituição (principalmente com a possibilidade de algumas decisões se tornarem imutáveis em face da coisa julgada), é preciso se ter, antes, um devido processo legal e, nele, o conhecimento sobre o fato pretérito que se apura (e chega pela prova) não pode ter suporte em uma lógica deformada, na qual prevalece o “primato dell’ipotesi sui fatti” (Franco Cordero. Guida, p. 51). Em suma, primeiro se decide, como resultado também do pensar; depois se vai à cata da prova (como meio para se dizer sobre o objeto, o crime), de modo a justificar a decisão anteriormente tomada. Como diz Cordero, “può darsi che giovi al lavorio poliziesco ma sviluppa quadri mentali paranoidi”, ou seja, “pode ser que ajude no trabalho policialesco, mas desenvolve quadros mentais paranóicos” (Op. cit., idem). Os resultados conhecem todos, embora sejam figuras emblemáticas os justiceiros; e a democracia processual vai-se pelo ralo de uma hermenêutica vesga ou cega. O problema é que aqui não há nada de anormal e sim compatibilidade plena com o modo de pensar da civilização ocidental: ninguém age e depois pensa. Eis, então, a razão por que qualquer um que esteja naquele lugar tende a agir exatamente do modo como se age, deformando a lógica. Sendo impossível mudar isso, parece óbvio que se tenha de tentar evitar, por todos os meios, que aconteça.
A solução inicial para tanto, assim, é mudar para o sistema acusatório, retirando a gestão das provas das mãos do juiz e se fazendo cumprir o onus probandi às partes. Deste modo o juiz pode ter – se ganhar consciência de seu principal mister constitucional – a possibilidade concreta de funcionar como garante da Constituição (talvez o principal) e, por elementar, do cidadão; justo porque livre do dever referente à iniciativa probatória. Sem ele, não corre o risco de agir guiado pelos fantasmas das decisões a priori e, portanto, pode se colocar corretamente no lugar de equidistância das partes, como exige a CR.
Disto decorrem múltiplas consequências, embora a mais importante seja aquela que dá ao Ministério Público o lugar devido, já ocupado na Constituição mas não de fato, por certo pela incorreta e inquisitorial sobreposição de funções entre ele e o juiz.
Restaria, por fim, dizer sobre a situação do juiz, no processo, diante da dúvida, ou seja, quando produzida a prova (sempre por iniciativa das partes) permanecer uma indefinição (razoável) sobre ponto capital do caso penal. Nesta hipótese, optou a Comissão de Juristas do Senado (contra minha posição e do Min. Hamilton Carvalhido, ilustre Presidente dela) que o juiz poderia ter a iniciativa probatória se fosse em favor do réu. A posição é de duvidosa constitucionalidade (embora lotada de boas intenções), à evidência porque se não pode dizer por completo e ex ante se a iniciativa é mesmo para sanar dúvida em favor do réu e, assim, faz-se uma exortação à ética dos magistrados, dificultando-lhes a vida dado se estar diante de questão que pode demandar o gasto desnecessário de muita energia psíquica e, portanto, sofrimento. Em definitivo, não parece de bom alvitre a proposta se se precisa de um juiz bem resolvido e o mais equilibrado possível. Ademais, em processo penal, conforme consagrado na modernidade (embora já existisse antes dela), se terminada a instrução restar dúvida (razoável), o réu deve ser absolvido. É o princípio do in dubio pro reo. Não foi assim que entendeu a Comissão, porém, e a quem não concordou coube se conformar. Isto mostra, por outro lado, quão democráticos têm sido os trabalhos nela desenvolvidos; e quão importante será a opinião de todos que venham em paz e possam e queiram ajudar. Uma lei de tal porte é para todos (se ainda se crê na isonomia constitucional) e o mínimo a se ter é humildade para reconhecer que se não é dono da verdade, cabendo construir um Código onde se erre o menos possível. Este é o espírito que preside a Comissão e, assim, não só se recolhem sugestões desde o início de seu funcionamento, através do site do Senado Federal como, concluídos provisoriamente os trabalhos, passar-se-á a fazer audiências públicas, abrindo-se os debates.
Enfim, pode-se ter um novo CPP, constitucionalmente fundado e democraticamente construído mas ele será somente linguagem se a mentalidade não mudar.

JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO, professor doutor titular de direito processual penal da UFPR. Membro da Comissão Externa de Juristas do Senado Federal que elabora anteprojeto de CPP. Conselheiro Federal da OAB pelo Paraná.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

É preciso mudar a mentalidade de gente que pensa que está resolvendo o problema do mundo mandando gente para a cadeia. Gente assim precisa estudar e de ajuda especializada, embora, claro, não possamos querer os salvar. A escolha é pessoal. Ficar ou sair da Geléia Geral Jurídica!

16/04/2009

Para quem é corajoso!

          Mais uma vez na frente.


          AC 70029175668 TJRS



          Roubo majorado. Condenação: mantida ante a solidez probatória. Atenuante: pode deixar a pena aquém do mínimo (o artigo 65, Código Penal, fala em sempre, e sempre é sempre, pena de sempre não o ser. Majorante do uso de arma: excluída por inexistência de prova da potencialidade ofensiva do aparato. Recolhimento prisional: o condenado somente será recolhido a estabelecimento prisional que atenda rigorosamente aos requisitos impostos pela legalidade – Lei de Execução Penal. Legalidade: não se admite, no Estado Democrático de Direito, o cumprimento da lei apenas no momento em que prejudique o cidadão, sonegando-a quando lhe beneficie. Missão judicial: fazer cumprir, apesar de algum ranger de dentes, os direitos da pessoa – seja quem for, seja qual o crime cometido.

          À unanimidade, deram parcial provimento ao apelo para reduzir a pena do acusado. Por maioria, determinaram que o apenado cumpra pena em domicílio enquanto não houver estabelecimento que atenda aos requisitos da LEP, vencido o Relator, que determinava a suspensão da expedição do mandado de prisão enquanto não houver estabelecimento que atenda a tais requisitos.

Apelação Crime Quinta Câmara Criminal
Nº 70029175668 Comarca de Porto Alegre
RAFAEL SANTOS DE JESUS APELANTE E
MINISTéRIO PúBLICO APELADO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo defensivo para reduzir a pena do apelante para quatro anos e três meses de reclusão, multa mínima, em regime carcerário semi-aberto; e, por maioria, em determinar que, enquanto não existir estabelecimento destinado ao regime semi-aberto que atenda a todos os requisitos da LEP, o réu cumprirá sua pena em regime domiciliar, vencido o Relator, que definia que somente será expedido mandado de prisão se e quando houver estabelecimento carcerário que atenda a ditos requisitos da LEP. O juízo da execução fixará as condições da prisão domiciliar.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Aramis Nassif (Presidente e Revisor) e Des. Luís Gonzaga da Silva Moura.

Porto Alegre, 15 de abril de 2009.

DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Amilton Bueno de Carvalho (RELATOR)

Na Comarca de Porto Alegre, o Ministério Público denunciou Rafael Santos de Jesus como incurso nas sanções do artigo 157, §2º, I e II, do Código Penal.

Narra a inicial acusatória a prática do seguinte fato:

          No dia 18 de março de 2005, por volta das 20h 15min, na Rua Upamaroti, 483, Bairro Cristal, nesta Capital, o denunciado, em comunhão de esforços e convergência de vontades com um elemento (não identificado) subtraiu, para si, mediante grave ameaça, exercida com o emprego de arma de fogo (não apreendida), coisas alheias móveis, consistentes em 01 (um) vídeo game, marca Play Station, avaliado em R$ 200,00 (duzentos reais); 01 (um) aparelho celular, marca Nokia, avaliado em R$ 50,00 (cinqüenta reais); 01 (um) aparelho celular, marca Sansung, avaliado em R$ 50,00 (cinqüenta reais); 01 (um) aparelho de DVD, marca Gradiente, avaliado em R$ 100,00 (cem reais); 01 (uma) máquina fotográfica, avaliada em R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais); 01 (um) porta CD, contendo diversos CD's, avaliado em R$ 20,00 (vinte reais); 01 (uma) mala, cor azul, avaliada em R$ 50,00 (cinqüenta reais), consoante auto de avaliação indireta de fl. 16, bem como a quantia de R$ 530,00 (quinhentos e trinta reais), em dinheiro, bens estes pertencentes às vítimas GILBERTO FIDÉLIS DA SILVA e ROGÉRIO LUIS ASSONI.

          Por ocasião dos fatos, o denunciado estava jantando na residência das vítimas, juntamente com estas. Ao perceber que não havia refrigerante, uma das vítimas pediu para que o denunciado fosse buscar, o que foi atendido. O denunciado retornou à residência acompanhado de outro elemento e, empunhando revólveres, não apreendidos, anunciaram o assalto, passando a arrecadar os objetos acima descritos. Ato contínuo, o denunciado e seu comparsa empreenderam fuga.

          Diante disso, a vítima registrou ocorrência na delegacia.

          A res furtivae não foi recuperada.

Após a instrução – recebimento da denúncia (em 14/07/2008, fl. 42), citação, interrogatório (fls. 48/50), defesa prévia, coleta da prova oral (fls. 71/74), ausência de requerimento de diligências e apresentação de alegações finais – sobreveio sentença (fls. 95 a 97/v) condenando o acusado como incurso nas penas do artigo 157, §2º, I e II, do Código Penal.

A pena-base foi fixada em 04 anos de reclusão. Pelo reconhecimento da majorante anunciada, foi aumentada em 2/5 e assim tornada definitiva, ante a inexistência de causas modificadoras. Total: 05 anos, 07 meses e 06 dias de reclusão, em regime semi-aberto, mais pecuniária de 20 dias-multa, à razão mínima.

Inconformada, a Defensoria Pública recorreu. Preliminarmente, suscitou a nulidade do processo em função da ausência de renovação do interrogatório ao final do rito, ante o advento da reforma processual penal (Lei 11.719/08). No mérito, pugnou pela absolvição ante a insuficiência probatória. Alternativamente, requereu a desclassificação do delito de roubo para furto, o afastamento das qualificadoras, o redimensionamento das penas e o afastamento da pena de multa.

Contra-arrazoado o apelo, vieram os autos a esta Corte.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça, pelo Dr. José Pedro M. Keunecke, opina pelo improvimento do apelo.

É o relatório.

VOTOS

Des. Amilton Bueno de Carvalho (RELATOR)

Vênia da colega singular, dou parcial provimento ao apelo defensivo. Contudo, a reforma atinge o periférico: dosimetria da pena. A preliminar de nulidade suscitada vai rejeitada.

Explico.

A reforma instituída pela Lei 11.719/08 entrou em vigor quando o acusado já havia sido interrogado e a instrução ainda não tinha sido concluída. Ocorre que, ao final da oitiva das testemunhas (já sob o novo rito processual), nada foi requerido pelas partes (fl. 74) e a instrução foi declarada encerrada. Além disso, não foi aquele interrogatório considerado nulo – já que realizado no rito antigo, revestido da formalidade daquele tempo; regular, portanto.

Mesmo considerando o interrogatório realizado ao final da instrução como ato mais benéfico ao acusado, não cabe, a esse momento, declarar-se a sua nulidade se, quando praticado, vício algum o atingia. Ainda mais quando ao final da instrução, nada nesse sentido fora postulado – a defesa não requereu novo interrogatório. Assim, não se pode dizer que a oportunidade, não requerida, foi obstaculizada pelo juízo a quo. Tudo porque, oportunizada a fala última às partes, o silêncio delas findou por manifestar a anuência com o encerramento da instrução naquelas condições.

Pois bem.

A materialidade e a autoria do delito vieram consubstanciadas pelo boletim de ocorrência, pelo auto de avaliação indireta (fl. 20), pela confissão do réu e pelo restante da prova oral colhida.

Segundo as vítimas, o acusado, acompanhado de um terceiro não ouvido nesses autos, teria, mediante ameaça exercida pelo emprego de arma de fogo, subtraído a res descrita na inicial. O discurso de ambas é uníssono em atribuir ao acusado Rafael a autoria do delito. Segundo afirmaram, no dia do fato, o acusado se encontrava na casa delas e, ao sair para comprar um refrigerante, retornou acompanhado do terceiro, aí praticando o assalto.

O réu, por seu turno, em juízo, admitiu que na companhia desse terceiro subtraiu – sem qualquer violência ou ameaça - um aparelho de DVD das vítimas. Em sua versão, ele e tal sujeito não identificado foram à casa das vítimas para cobrar o pagamento de uma dívida – de origem sexual, não comprovada. Diante da negativa dos ofendidos em efetuar o pagamento de R$ 80,00, eles, os réus, na “mão grande” teriam pego o aparelho de DVD (fl. 49).

Da narrativa judicial feita por todos (réu e vítimas), emerge a prova de que tudo se deu em concurso de agentes. A dissonância se dá em relação à motivação do agir.

Assim posta a fática, opta-se pela fala das vítimas que tem valor especial em crimes da espécie, máxime quando, como aqui, não demonstrado interesse espúrio na incriminação.

Então, cuida-se, sim, de roubo em parceira – um apontava a arma enquanto outro desapossava as vítimas de seus bens.

Bem condenado, pois.

Ao exame da reprimenda.

Pena-base no mínimo – tal qual na sentença, não recorrida pelo MP.

Presentes a menoridade e a confissão espontânea, a redução é de 09 meses: 03 pela confissão parcial e 06 meses pela menoridade – ciente de que as atenuantes podem deixar a pena aquém do mínimo. A redação do artigo 65 contempla a expressão “sempre”. E sempre é sempre, sob pena de sempre não o ser. Ante o reconhecimento do concurso de agentes, o aumento é de 1/3 – afasto a majorante do emprego da arma de fogo porque não apreendida e não periciada. Nesse sentido, a Câmara já se pronunciou:

          PERÍCIA. NECESSIDADE. 2. PROVA. PALAVRA DA VÍTIMA. 3. RECEPTAÇÃO. TRANSPORTE E AQUISIÇÃO. VÍNCULO.

          1. A revogação da Súmula 174 do e. STJ, com sua implicação no reconhecimento da exasperante, e, agora, recente decisão do. STF, no RHC 81057/SP, julgado em 25.5.2004, que decidiu pela atipicidade da do delito de porte de arma (art. 10, Lei 9.437/97), à vista dos princípios da disponibilidade e da ofensividade, já que a arma de fogo seria inidônea para a produção de disparo, repercute na majorante do roubo, mormente quando não foi apreendida e periciada a arma empregada, que, se não a desqualifica como ameaça nem retira o seu potencial de intimidação para realização do tipo, sua incerteza sobre sua eficácia lesiva não é plataforma para a majorante do Art. 157, § 2º, I, do Código Penal. [...]”. (Apelação Crime n.º 70008203820, Rel. Des. Aramis Nassif, 5ª Câmara Criminal, TJRS, j. em 03.07.2004).

          roubo majorado. materialidade e autoria comprovadas. afastamento da causa especial do aumento do emprego de arma. perícia não realizada. incerteza quanto à potencialidade lesiva. grave ameaça, no entanto, mesmo ASSIM, configurada. incidência da majorante do concurso de agentes. agravante da reincidência desconsiderada. pena redimensionada.

          Apelação parcialmente provida.”(Apelação Crime 70008529109, Rel. Des. Marco Antonio Bandeira Scapini, 6ª Câmara Criminal, TJRS, j. em 13.05.2004)

Final: 04 anos e 03 meses de reclusão, em regime semi-aberto, mais pecuniária de 10 dias-multa, à razão mínima – impossível ser afastada porque pena é.

Do cumprimento da pena de prisão.

O pacto constitucional assim está posto: cidadão que comete delito de roubo majorado responde pena em presídio (no caso concreto, o acusado, se viu, restou condenado a pena de quatro anos e três meses de reclusão, em regime carcerário semi-aberto) – a pena ora concretizada entre os limites postos pela legalidade.

É a primeira face do sistema – a sanção sofrida por agressão à lei penal. Aqui está a dor a ser infligida a ele.

A segunda face do cumprimento da pena imposta está no limite que o Estado impõe a ele mesmo, para que a arbitrariedade não se faça presente. Ou seja, a lei – limite ao poder desmesurado – que determina as condições que devem imperar no cumprimento da sanção corporal.

Aqui o Estado inibe, no viés constitucional, como direito e garantia fundamental, penas cruéis (art. 5, XLVII, “e”); “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (XLVIII); “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (XLIX); “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano e degradante” (III).

Na suma, a Lei Maior estabelece – diferente não poderia ser neste estágio civilizatório – o princípio da humanidade das penas!

Ao aterrissar o comando constitucional, a Lei de Execução Penal define explicitamente, nos artigos 82 a 95, as condições objetivas das unidades prisionais. Já nos artigos 40 a 43, fixa os direitos dos apenados.

Assim, vê-se, com obviedade, que o Estado deve punir aquele que agride a lei penal e, numa outra ponta, deve cumprir rigorosamente com as normas estabelecidas para o cumprimento das penas que ele impõe.

Ou seja, a legalidade tem dois vieses: um que determina a prisão (contra o cidadão) e outro que protege o apenado.

Tanto é assim que a própria LEP estabelece o incidente do “excesso ou desvio” da execução para as situações em que “algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares” (art. 185).

Todavia, tem acontecido – máxime no Estado Gaúcho – verdadeira autofagia sistêmica: com base na lei se condenam pessoas a pena de prisão (para prejudicar) mas no momento em que se deve beneficiá-las (condições prisionais), nega-se a legalidade. Algo intolerável, beirando a hipocrisia.

Todos, absolutamente todos, sabemos que o Estado é violador dos direitos da população carcerária. Todos, absolutamente todos, sabemos das condições prisionais. E mesmo assim confirmamos o sofrimento gótico que alcança os apenados.

Nos últimos tempos tudo é desvelado pela imprensa: juiz da execução penal, às lágrimas, denuncia que tem vergonha de ser gaúcho, ante o que acontece nos presídios; tentativa de responsabilização de juízes e promotores pelas condições prisionais; os presídios gaúchos estão como os piores da nação – o pior entre os piores do mundo!

A dor é tão antiga, tão denunciada, tão presenciada, tão acomodada, tão escamoteada, que é de pasmar que nunca tenha sido superada – e tudo aponta no sentido de que nunca será. E aqui a Câmara faz “mea culpa” por ter sido conivente com o sistema prisional.

É momento (tardio, talvez) de dar um basta. Ou seja, de se cumprir integralmente a legalidade (não apenas naquilo que prejudica o cidadão). Não se trata de se pregar anomia, mas sim de cumprir com a lei.

Há, repito, contradição insuportável em se condenar alguém com base na lei e, depois, negá-la no momento da execução da pena!

Aliás, Ferrajolli já denunciou que a história dos presídios é mais degradante que a história dos crimes!

Não se pode, jamais, tratar pessoa alguma (seja quem for, seja qual o delito cometido) como meio (coisa), mas como fim (pessoa), em atenção ao imperativo kantiano.

Assim, leciona Nilo Batista, “a racionalidade da pena implica tenha ela um sentido compatível com o humano e suas cambiantes aspirações. A pena não pode, pois, exaurir-se num rito de expiação e opróbrio, não pode ser uma coerção puramente negativa” (..) “Contudo, a pena que se detém na simples retributividade, e portanto converte seu modo em seu fim, em nada se distingue da vingança” (BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2005, p. 100).

Zaffaroni, ao invocar o princípio da humanidade, assevera que cabe ao julgador, diante as particularidades do caso concreto – o réu que sofre de grave enfermidade ou está próximo da morte; o que sofreu um acidente ou uma violência carcerária grave –, reconhecer a crueldade da pena e adequá-la de modo a atender aos ditames do referido princípio. Continua o autor, afirmando que “o princípio da humanidade das penas tem vigência absoluta e que não deve ser violado nos casos concretos, isto é, que deve reger tanto a ação legislativa – o geral – como a ação judicial – particular –, o que indicaria que o juiz deve ter o cuidado de não violá-lo” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direto Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: RT, 2004, p. 172).

Luigi Ferrajoli, também, afirma que a desumanidade das penas vai de encontro ao “princípio do respeito à pessoa humana” – da dignidade da pessoa –, no sentido de que “cada hombre, y por conseguiente también el condenado, no debe ser tratado nunca como un ‘medio’ o ‘cosa’, sino siempre como ‘fin’ o ‘persona’”, isto é, “o valor de la persona humana impone una limitación fundamental a la calidad y a la cantidad de la pena.” (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid: Editorial Trotta, 2001, p. 395). De tal modo, a legitimidade do Estado se funda “unicamente en las funciones de tutela de la vida y los restantes derechos fundamentales; de suerte que, conforme a ello, un estado que mata, que tortura, que humilla e un ciudadano no sólo pierde cualquier legitimidad, sino que contradice su razón de ser, poniéndose al nível de los mismos delincuentes.” (Ferrajoli, p. 396). É dever do Estado, portanto, assegurar que as condições de vida no presídio “sean para todos lo más humanas posible y lo menos aflictivas que se pueda” (p. 397).

Alguns poderão alegar que o Estado não tem condições econômicas de executar as penas de acordo com a lei: primeiro, não é verdade – há, sim, possibilidade financeira, apenas é questão de prioridade; e, segundo, se não se cumpre a lei que favorece, que não se cumpra a que desfavorece!

Outros colocarão em debate o rançoso confronto: direitos da sociedade e direitos dos condenados. No entanto, não estão jamais em conflito: só se preservam os direitos do todo se se preservarem os direitos do um – todo é composto da soma de todos os “um” (ver Luc Ferry, “Aprender a Viver, Filosofia para os Novos Tempos”, Objetiva, p. 156.).

E a sociedade responde sim pelas decisões dos administradores que elege: opta pelas prioridades deles!

Neste contexto, tenho que o juiz é também responsável pela vida prisional, ou seja, pelo cumprimento das penas de acordo com a lei. É responsabilidade ética e legal: ele presenta o Estado que condena e presenta o Estado que encarcera. Duas faces indissociáveis: não se pode atuar ao modo de Pilatos. Enfim, deve atuar para que toda a legalidade (e não apenas parte dela) seja cumprida eficazmente.

Aliás, Rui Barbosa ensinava: “Não há salvação para o juiz covarde” (“O Justo e a Justiça Política”).

Então, qual o caminho a seguir?

De logo, saliento que a Suprema Corte aponta para solução inovadora ao permitir que condenados em regime aberto, em locais onde casa do albergado não cumpre condições de higiene suficientes e estão superlotadas, sem separação de condenados em regime semi-aberto (legalidade que se impõe), cumpram pena em regime domiciliar (HC 95332/RS, de 03.03.2009).

Por outro lado, se vê da Folha On Line, de 22.02.2009, que os juízes do Estado da Califórnia estão prestes a liberar cerca de sessenta mil presos porque há superpopulação carcerária, a violar os direitos dos apenados: “A evidência indica que não existe outro remédio a não ser uma liberação dos presos com o objetivo de solucionar as condições inconstitucionais”, afirmam.

Que se cumpra a lei, é o caminho que se segue.

Assim, o ora condenado somente irá a presídio se e quando for preservada a vida prisional de acordo com a lei. Enquanto isso não for providenciado, o mandado de prisão ficará suspenso e correndo a prescrição.

Como a condenação presente, se viu, será cumprida em regime inicial semi-aberto, a determinação ora explicitada ao colega a quem cumprir a execução da pena é a seguinte:

(a) o condenado somente será recolhido em Colônia Agrícola, Industrial ou similar (art. 91, da LEP, c/c o art. 33, § 1°, “b”, do CP);

(b) poderá ser alojado em compartimento coletivo, com rigoroso cumprimento dos requisitos da letra “a”, do parágrafo único do artigo 88 da LEP (“salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana”), com (1) seleção adequada dos presos e (2) e obediência rigorosa do limite máximo da capacidade prisional, nos termos do art. 85 e seu parágrafo da LEP.

Inexistindo casas prisionais que atendam a todos os requisitos acima, se disse, o mandado de prisão será suspenso até que a burocracia estatal tudo supere. Em outras palavras, mesmo correndo o risco de ser repetitivo: em estando o réu preso em estabelecimento incompatível/inadequado, deverá ser imediatamente posto em liberdade.

Em síntese, o que se determina é que a Lei seja cumprida!

Diante do exposto, dá-se parcial provimento ao apelo defensivo para reduzir a pena do apelante para quatro anos e três meses de reclusão, multa mínima, em regime carcerário semi-aberto. Define-se explicitamente: o mandado de prisão somente será expedido se e quando houver estabelecimento carcerário que atenda aos requisitos da LEP, como se determinou no corpo do acórdão.

Des. Luís Gonzaga da Silva Moura (VOGAL)

Impossível não aderir aos argumentos do Relator, no que diz com a situação penitenciária. Há muito próxima do caos e sem atitudes concretas e eficazes do Estado (lato senso) visando corrigi-la. A triste realidade, hoje, é que, em se tratando de casas prisionais, ressalvadas algumas poucas exceções, não se cumpre, minimamente, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal).

Seguir ignorando tal situação e atirar um jovem, com as condições pessoais do ora acusado, ou seja, menor de 21 anos e primário, em um dos atuais “depósitos de presos” - com superlotação, condições subumanas e dividido por facções criminosas -, é privá-lo não só da liberdade (pena a que foi condenado a cumprir), mas também da dignidade e da esperança, já que nula a possibilidade de ressocialização.

Algo deve ser feito a evitar este excesso. E o que propõe o Des. Amilton Bueno de Carvalho a impedi-lo? Só e unicamente, cumprir a lei. Parece-me razoável.

Assim, o apelante, condenado a cumprir pena em regime semiaberto, só poderá ser recolhido em Colônia Agrícola, Industrial ou similar (art. 91 da LEP), que atenda, efetivamente, aos requisitos explicitados no artigo 92, caput e parágrafo único, da Lei de Execução Penal.

Contudo, enquanto inexistir estabelecimento destinado ao semiaberto que atenda a todos os requisitos da LEP, ouso propor solução diversa. Ao invés da suspensão do cumprimento do mandado de prisão, “até que a burocracia estatal tudo supere”, na linha do que decidem os Tribunais Superiores em situações análogas, cumprirá o apelante a pena imposta em “regime” de prisão domiciliar (art. 117 da LEP), cabendo ao Juiz da Execução Criminal estabelecer suas condições.

Em todo o mais, sigo o Relator.

É o voto.

Des. Aramis Nassif (PRESIDENTE E REVISOR)

Estou honrado em acompanhar o voto do eminente Relator, com pequena restrição, e o faço com a preocupação da oportunidade que se tem de superar uma omissão que era extremamente constrangedora: sonegar direitos ao cidadão, seja ele quem for.

Na verdade, muito se ouve em torno do ‘garantismo’ que, para alguns, em seu descuido intelectual, é execrado. E daí perguntar-me: é possível ser juiz sem ser garantista? Então, o que somos? Para que servimos? O juiz não só é e tem que ser garantista, como ele mesmo é ‘a’ garantia. Ninguém mais o é no Estado Democrático de Direito. E se ele não for, quem será? O Ministério Público, com sua nobre destinação constitucional? Obviamente que não, porque, assim como ele na condição de representante da sociedade, sempre é parte no processo e sua natural vocação é a acusatória. A defesa? Por óbvio que não. Sua destinação constitucional, que tantas vezes exige inomináveis sacrifícios, é a da representação do indivíduo, assegurado amplamente na Carta para que nós juízes, com a presença desses dois segmentos construtores da nação solidária e justa, que contrariamos em inúmeras oportunidades com nossas decisões, possamos fazer o que nos é destinado: julgar (com justiça).

Então, percebo neste voto exatamente isto: a coragem de ser juiz, a coragem de garantir direitos, a coragem de não se limitar a ser um mero justiceiro abrigado ao som de um discurso falacioso que reverbera em expressões como proteção, violência, criminalidade, impunidade, etc., para varrer para baixo do tapete a severa e grave omissão do Estado em proteger o indivíduo e a sociedade, recuperar os que tiveram uma conduta desviante e humanizar o sistema carcerário.

Enfim, nada mais se quer que o cumprimento da lei.

Todavia, examino o voto do eminente Desembargador Gonzaga Moura que oferece a alternativa de que “enquanto inexistir estabelecimento destinado ao semiaberto que atenda a todos os requisitos da LEP, ouso propor solução diversa. Ao invés da suspensão do cumprimento do mandado de prisão, “até que a burocracia estatal tudo supere”, na linha do que decidem os Tribunais Superiores em situações análogas, cumprirá o apelante a pena imposta em “regime” de prisão domiciliar (art. 117 da LEP), cabendo ao Juiz da Execução Criminal estabelecer suas condições”, ao qual estou por agregar por convencer-me de que é a solução mais adequada à espécie.

Acompanho o Relator em seu voto, mas com a alternativa oferecida pelo voto do eminente Desembargador Gonzaga Moura.


DES. ARAMIS NASSIF - Presidente - Apelação Crime nº 70029175668, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO PARA REDUZIR A PENA DO APELANTE PARA QUATRO ANOS E TRÊS MESES DE RECLUSÃO, MULTA MÍNIMA, EM REGIME CARCERÁRIO SEMI-ABERTO; E, POR MAIORIA, DETERMINARAM QUE, ENQUANTO NÃO EXISTIR ESTABELECIMENTO DESTINADO AO REGIME SEMI-ABERTO QUE ATENDA A TODOS OS REQUISITOS DA LEP, O RÉU CUMPRIRÁ SUA PENA EM REGIME DOMICILIAR, VENCIDO O RELATOR, QUE DEFINIA QUE SOMENTE SERÁ EXPEDIDO MANDADO DE PRISÃO SE E QUANDO HOUVER ESTABELECIMENTO CARCERÁRIO QUE ATENDA A DITOS REQUISITOS DA LEP. O JUÍZO DA EXECUÇÃO FIXARÁ AS CONDIÇÕES DA PRISÃO DOMICILIAR."

Julgador(a) de 1º Grau: HONORIO GONCALVES DA SILVA NETO

07/04/2009

Decisão Penal: ainda

A decisão no processo penal não é ato de conhecimento, mas sim de compreensão, em que os sujeitos incidentes, no evento semântico denominado sentença, realizam uma fusão de horizontes, para usar a gramática de Gadamer. Neste contexto, diante da apresentação de uma hipótese fático-descritiva pela acusação, procede-se a um debate em contraditório, entre partes, nos quais os ônus são compartilhados. O resultado da produção válida de significantes será composta em uma decisão judicial, a qual não se assemelha, nem de longe, ao mito ultrapassado da verdade real. A verdade real é empulhação ideológica que serve para "acalmar" a consciência de acusadores e julgadores. O que existe é a produção de significantes e uma decisão no tempo e espaço. As únicas garantias existentes são: a) um processo como procedimento em contraditório; b) processo acusatório, entre partes, sem atividade probatória do juiz, com as garantias constitucionais (presunção de inocência, etc.; c) decisão fundamentada por parte dos órgãos julgadores. A legitimidade desta decisão decorre, também e fundamentalmente, da sua concordância com a Constituição (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006).

02/04/2009

CD PIRATA - Duas decisões: vc escolhe

1. CD “PIRATA”. VIOLAÇÃO. DIREITO AUTORAL.

No caso, a investigada foi presa em flagrante quando comercializava CDs falsificados em feira livre e afirmou que o material era proveniente de São Paulo e do Paraguai. Sob o argumento de que a conduta da investigada, em razão do princípio da especialidade, configura, em tese, delito de violação de direito autoral, e não crime de contrabando ou descaminho, o juízo federal determinou a devolução dos autos à Justiça estadual, que suscitou o conflito. Todavia o Min. Relator salientou que a mera confissão do acusado quanto à origem estrangeira da mercadoria é insuficiente para a configuração do delito de contrabando ou descaminho. Para a caracterização de tais delitos, é necessário demonstrar a procedência estrangeira da mercadoria, por se tratar de circunstância elementar do correspondente tipo penal, sem a qual a infração não se aperfeiçoa, o que não se operou no caso dos autos. A conduta da investigada caracteriza apenas o delito de violação de direito autoral, em atenção ao princípio da especialidade. Não havendo imputação quanto à introdução ilegal de outras mercadorias no País, o que, em tese, poderia configurar o crime de descaminho, está afastada a competência da Justiça Federal para o exame do feito, em razão de a ofensa ter alcançado somente o interesse do particular em seu direito lesado. Precedentes citados: RHC 21.841-PR, DJ 5/11/2007, e CC 30.107-MG, DJ 10/2/2003. CC 48.178-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/3

2 - Decisão minha

Autos n. 038.09.008302-1 Ação: Busca e Apreensão/Indiciário Requerente:Delegacia de Policia do Bairro Aventureiro : Vistos, etc. Trato de pedido de busca e apreensão formulado pela autoridade policial, tendo como vítima Microsoft Corporation, aduzindo que estaria havendo violação dos Direitos de autor de programa de computador, mediante a venda de software não licenciados pela empresa comercial objeto da busca e apreensão, por violação ao disposto no art. 12, § 1º, da lEi n. 9.609/98. Acostou documentos.O Ministério Público opinou pelo deferimento do pedido.É o breve relatório.1. No recente julgamento (09.12.08) da Apelação Criminal n. 1.0239.06.005873-6/001(1), do TJMG, o eminente Des. Alexandre Victor de Carvalho, adotando a tese do destacado Professor Túlio Vianna, da PUC-MG, no qual a questão resta superada:"Merece sim provimento o apelo para que seja absolvido o apelante. Há muito já não se espera da função jurisdicional a mera repetição legal (o juiz "boca da lei" do Estado Liberal). Uma revisita ao papel do julgador é necessidade que, de tão estudada, já pode ser considerada velha. Sustentar que "a lei está em vigor e deve ser aplicada" é fechar os olhos para a existência de um Estado Constitucional e tudo o que isso significa. Vigência da lei não é validade da lei. Validade é extraída da conformidade com o modelo constitucional. (...) Promovo, nesta oportunidade, uma interpretação do tipo penal conforme a Constituição o que me leva a afastar sua aplicação. Declaro, mais uma vez, que comungo com as conclusões do jovem Professor Mineiro Túlio Lima Vianna - autoridade reconhecida nacionalmente em Direito Penal Informático - muito bem expostas no artigo denominado "A Ideologia da Propriedade Intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor.". Em síntese, no estudo citado diz Túlio Vianna que, "O monopólio do direito de reprodução das obras intelectuais (copyright) surgiu há séculos como instrumento de censura política em uma simbiose dos monarcas com os detentores dos meios de produção. Com o advento do sistema capitalista, este monopólio passou a ser sustentado até os dias de hoje, sob a ideologia da 'propriedade intelectual', em benefício dos detentores dos meios de produção, e acabou por constituir verdadeira censura econômica. O alto valor de livros, CDs, DVDs e de programas de computador é sustentado por uma escassez de obras intelectuais criadas artificialmente por um monopólio do direito de cópia concedido pelo Estado aos detentores dos meios de produção. Esta escassez artificial, longe de tutelar os direitos do autor da obra intelectual, beneficia principalmente a 'indústria cultural', em detrimento da classe hipossuficiente da população, que é obrigada a escolher entre o consumo de bens de subsistência e de bens culturais e acaba optando impreterivelmente por aqueles. Desta forma, aumenta-se o fosso cultural existente entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e, internamente, entre os membros de uma elite econômica e cultural e a massa da população fadada ao trabalho braçal, à miséria e à ignorância. Sob a secular ideologia da 'propriedade intelectual', a 'indústria cultural' procura desesperadamente justificar a necessidade de uma tutela penal da conduta de 'violar direitos de autor'. Uma detida análise do bem jurídico tutelado demonstra, no entanto, a nítida dicotomia entre a justificada tutela penal dos direitos personalíssimos do autor e a inconstitucional criminalização do descumprimento de obrigações civis originadas dos direitos patrimoniais de autor. Necessário se faz uma imediata releitura dos artigos 184 do CP e 12 da Lei 9609/98 pelos Tribunais para que se declare inconstitucional a tutela penal dos direitos patrimoniais de autor, seja pela inobservância do princípio constitucional da taxatividade, seja pela inobservância da vedação constitucional à prisão por dívidas. Entender de forma diversa é consagrar a instrumentalização do Direito Penal como meio de coerção ao pagamento de dívidas civis e de intervenção econômica para a garantia de monopólios privados." (VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade intelectual. Revista dos Tribunais, São Paulo, a.95, n. 844, p. 443-456, fevereiro de 2006). A Constituição da República de 1988, ao declarar o Brasil um Estado Democrático de Direito, adotou no art. 5º, inc. XXXIX, o conhecido princípio da Legalidade que tem, como uma de suas funções, proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa). Nas palavras de Paulo Queiroz, "o princípio da reserva legal implica a máxima determinação e taxatividade dos tipos penais, impondo-se ao Poder Legislativo, na elaboração das leis, que redija tipos penais com a máxima precisão de seus elementos, bem como ao Judiciário que as interprete restritivamente, de modo a preservar a efetividade do princípio.". (QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal - Introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 23-24). A meu sentir, um desses exemplos de conceitos vagos e imprecisos é o encontrado no §2º do art.184 quando diz "violação do direito de autor". O que isso significa? A respeito, novamente Túlio Vianna: "O delito de 'violação de direitos de autor' é um tipo penal vago, fundamentado em um bem jurídico indeterminado. É uma verdadeira afronta ao princípio constitucional da taxatividade, pois reúne sob o rótulo de 'propriedade intelectual' uma gama de interesses tão diversos quanto: o direito de atribuição de autoria, o direito de assegurar a integridade da obra (ou de modificá-la), o direito de conservar a obra inédita, entre outros direitos morais, e os direitos de edição, reprodução (copyright) e outros patrimoniais." (Op. Cit.) Outrossim, a tutela da propriedade material como uma das parcelas do complexo delito de violação de direito autoral consiste em mera prisão por dívida, violadora não só da Constituição da República no seu art. 5º, LXVII, como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no seu art. 7º. Razão pela qual insiste veementemente o estudioso Professor: "Deixar de receber uma renda ou salário, ainda que se trate de descumprimento de obrigação civil, jamais pode ser equiparado a uma lesão patrimonial semelhante ao crime de furto. No delito de furto há um decréscimo patrimonial, na violação de direitos autorais, o autor deixa de ter um acréscimo em seu patrimônio. No furto, há ofensa a um direito real; na violação de direitos autorais, a um direito obrigacional. Naquele temos uma vítima; neste, um credor." (Idem, op. Cit.). Como já declarei em outra oportunidade, é preciso que o Judiciário Brasileiro esteja atento e contenha a sanha desatinada das políticas neoliberais, em que o Estado delega ao mercado a regulação social e este, mostrando a sua face mais obscura, se socorre do direito penal para legitimar a nova realidade. Isto é, as ações políticas criminais neoliberais, em nome do eficientismo, têm transformado em delitos ações/omissões lícitas, ocupando-se de controlar socialmente condutas que poderiam ser disciplinadas por outras políticas sociais, de preferência inclusivas (não-exclusivas) e integradoras (não-segregacionistas). É bom lembrar que foi exatamente sob a inspiração dessas idéias que se operou a mudança na redação do art. 184 do CP, demonstrando que o legislativo brasileiro continua tratando os conflitos de natureza socioeconômica e política como condutas delituosas. E, "Ao se despolitizar a questão, encobre-se com um véu de mistificação a realidade sobre o modelo de desenvolvimento concentrador de riqueza, excludente e dependente de interesses alheios às necessidades do conjunto do povo brasileiro." (DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Conflito e Segurança. Entre Pombos e Falcões. Lumen Iuris, 2003, p. 65). Reforçando a inadmissibilidade da violação à taxatividade, cito Nilo Batista: "A função de garantia individual exercida pelo princípio da legalidade estaria seriamente comprometida se as normas que definem os crimes não dispusessem de clareza denotativa na significação de seus elementos, inteligíveis por todos os cidadãos. Formular tipos penais "genéricos ou vazios", valendo-se de "cláusulas gerais" ou "conceitos indeterminados" ou "ambíguos" equivale teoricamente a nada formular, mas é prática e, politicamente, muito mais nefasto e perigoso." (BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p.78). Questionamento surge também, em relação às cópias de Cd´s e Dvd´s, acerca da aceitação, tolerância, social da conduta. Nos dizeres de Assis Toledo, "se o tipo delitivo é um modelo de conduta proibida, não é possível interpretá-lo, em certas situações aparentes, como se estivesse também alcançando condutas lícitas, isto é, socialmente aceitas e adequadas.". (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 131). Entendo que referida conduta é aceita e aprovada consensualmente pela sociedade e, portanto, despida de lesividade ao bem jurídico tutelado, constituindo-se num indiferente penal alcançado pelo princípio constitucional da Adequação Social." 2. De fato, não há justificativa democrática para se "criminalizar" questões meramente patrimoniais, as quais podem ser resolvidas no seu respectivo campo civil, mediante ações respectivas. O Direito Penal não deve servir de longa manus das grandes corporações que se valem do Estado apenas para manter a exploração, ainda mais em se tratando de Brasil. O caso é de típica demanda civil, sem que qualquer pretensão penal possa ser deferida, sequer pela questão tributária, pois esta, também, não implica em prisão, consoante já votei diversas vezes. Ao arremate, cabe invocar, sempre, Ferrajoli (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. São Paulo: RT, 2001, p. 373): "Se o direito penal responde somente ao objetivo de tutelar os cidadãos e de minimizar a violência, as únicas proibições penais justificadas por sua 'absoluta necessidade' são, por sua vez, as proibições mínimas necessárias, isto é, as estabelecidas para impedir condutas lesivas que, acrescentadas à reação informal que comportam, suporiam uma maior violência e uma mais grave lesão de direitos do que as geradas institucionalmente pelo direito penal."3. Assim é que não há legitimidade democrática para "criminalização" das condutas, as quais se circunscrevem ao âmbito civil, razão pela qual indefiro o pedido de busca e apreensão. Túlio Vianna está coberto de razão!Por tais razões, INDEFIRO o pedido de busca e apreensão.P. R. I.Arquive-se, após. Joinville (SC), 27 de fevereiro de 2009.

Alexandre Morais da Rosa Juiz de Direito


2.

Dado

A coisa está ficando feia. Cuidado aos Dados por aí

LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADA. RELAÇÃO ÍNTIMA. AFETO.
Na espécie, foi lavrado termo circunstanciado para apurar a conduta do réu, suspeito de ameaçar sua ex-namorada. O juízo de Direito declinou da competência para o juizado especial, aduzindo que a conduta narrada nos autos não se encontra dentro das perspectivas e finalidades inerentes à Lei da Violência Doméstica. Por sua vez, o juizado especial criminal entendeu por suscitar conflito perante o Tribunal de Justiça, pois o caso em análise enquadrar-se-ia na Lei Maria da Penha, e este declinou da competência para o STJ. A Min. Relatora entendeu que a Lei n. 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, em seu art. 5º, III, caracteriza como violência doméstica aquela em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Contudo é necessário salientar que a aplicabilidade da mencionada legislação a relações íntimas de afeto, como o namoro, deve ser analisada em face do caso concreto. Não se pode ampliar o termo “relação íntima de afeto” para abarcar um relacionamento passageiro, fugaz ou esporádico. In casu, verifica-se nexo de causalidade entre a conduta criminosa e a relação de intimidade existente entre agressor e vítima, que estaria sendo ameaçada de morte após romper o namoro de quase dois anos, situação apta a atrair a incidência da referida lei. Assim, a Seção conheceu do conflito para declarar a competência do juízo de Direito. Precedente citado: CC 90.767-MG, DJe 19/12/2008. CC 100.654-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/3/2009.

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