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13/12/2012

Ditadura e seus herdeiros. Muitos covardes ainda hoje



BRASIL
|  N° Edição:  2248 |  07.Dez.12 - 21:00 |  Atualizado em 11.Dez.12 - 10:58

Documentos secretos da Ditadura

ISTOÉ teve acesso a arquivos que foram escondidos por delegado do Dops. Os papéis abrem uma nova linha de investigação para a Comissão da Verdade e mostram como agentes da repressão tentaram sumir com provas dos Anos de Chumbo

Rodrigo Cardoso
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Cena 1: “Olhávamos, ainda, a noite pela janela quando ouvimos o barulho longe dos tanques que se aproximavam. Esperávamos o pior desde a publicação do AI-5, quatro dias antes. O 17 de dezembro de 1968 foi assim para mim. Eu morava no 209-A. As paredes estavam forradas de fotos do Che Guevara, em algumas, como um galã de Hollywood, de calça jeans, sem camisa, fumando Havanas, quando dois policiais entraram. Numa moldura bonita, presente do meu irmão, havia uma foto do meu ídolo na sua pose clássica, aquela com estrelinha na frente da boina. Um dos policiais foi objetivo, pegou o quadro da parede e falou: ‘Este merece ser levado.’ Num instante o quadro já estava em minhas mãos. Eu disse: ‘Esse não.’ E, já com o quadro no chão, eu pisoteava o pobre Che, como uma possessa, enquanto me desculpava em voz alta com ele: ‘Desculpe, Che, mas não vou deixar que eles te levem.’”
Esse é o início do depoimento da aposentada paulista Rute Maria Bevilaqua, 66 anos. Em 1968, aos 22 anos, ela cursava física e morava em um dos apartamentos do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp), quando ele foi tomado por agentes da ditadura da polícia e do Exército à caça de comunistas.
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HISTÓRIA
Torturado e preso nos Anos de Chumbo, o professor universitário Djalma de Carvalho,
63 anos, reencontrou seu passado nos documentos achados na fazenda do delegado Machado
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Cena 2: “A caminho do presídio em um ônibus, um policial, ao lado da porta do motorista, portava uma arma de cano longo e olhava pra gente. Quando o ônibus ia entrar na rua Rego Freitas, na esquina com a Consolação, eu joguei para fora um livro com um bilhete na primeira página. Nele, eu dava dois números de telefone, explicava que estávamos sendo todos presos, ‘centenas de pessoas’, e pedia que quem pegasse o livro, por favor, avisasse meus pais. Imagine o tamanho da idiotice e das consequências: meus pais eram comunistas com várias passagens pelo Dops (o extinto e temido Departamento de Ordem Política e Social). Naquele dia, o mais comprido da minha vida, mais emoções nos esperavam.”
Rute estava entre os 800 estudantes presos por autoridades do governo no Crusp, um centro de mobilização de jovens contra a repressão do governo militar da época. Nesse episódio que marcou a história da maior universidade brasileira, tropas do Exército e tanques evacuaram o prédio e portas de apartamentos foram abertas a pontapés enquanto soldados ficavam de tocaia entre galhos de árvores. Fichada pela Delegacia Especializada de Ordem Política, Rute foi acusada de “transportar lajotas e ‘molotov’ na invasão do Crusp”. Assim está escrito nos registros dela que ISTOÉ revela com exclusividade. A ficha não estava nos arquivos do Dops que foram liberados para consulta pública em 1994. O documento não tinha vindo a público até hoje porque o ex-delegado do Dops Tácito Pinheiro Machado o escondeu por décadas em sua residência.
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INVASÃO
Filha de comunistas, Rute Maria Bevilaqua, 66 anos, foi um dos 800 estudantes presos
por autoridades do governo no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp)
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A ficha de Rute foi encontrada por acaso por um ex-cortador de cana em uma casa abandonada no meio de uma fazenda que pertenceu a Machado, em Jaborandi, interior de São Paulo. No total, foram descobertas ali 110 fichas de pessoas tachadas de subversivas. E mais: boletins culturais censurados, um manual de subversão e contrassubversão que ensinava policiais a identificar os comunistas e envelopes classificados como “secreto”, “confidencial” e “reservado” de ministérios, embaixadas, universidades e igrejas enviadas a um outro delegado do Dops, Alcides Cintra Bueno. Todo esse material – que ainda não foi colocado à disposição para consulta porque vem passando por uma espécie de restauro feito pelo Arquivo Público de São Paulo, para onde ele fora enviado após ser encontrado em 2007 – foi compilado minuciosamente em um livro, “Memórias da Resistência” (Compacta Gráfica e Editora), cujo lançamento está previsto para sábado 8 na cidade paulista de Franca.
Sua publicação, além de trazer à luz um material inédito, mostra que agentes da repressão tentaram sumir com provas sobre os Anos de Chumbo. A ocultação em ambiente privado de documentos produzidos em órgãos públicos do regime militar era o modus operandi entre as autoridades e estabelece uma nova linha de investigação para a Comissão da Verdade. “Essa documentação encontrada na fazenda em Jaborandi abriu um precedente para se averiguar se há outros materiais espalhados por aí que não chegaram até nós”, afirma a historiadora Rafaela Leuchtenberg, diretora do Fundo Dops do Arquivo Público, para onde foram recolhidas em 1991 todas as informações produzidas pelo Dops que se encontravam em posse da Polícia Federal. “Não tínhamos no acervo fichários da delegacia de ordem política, como as achadas em Jaborandi, mas apenas da delegacia de ordem social.” Esse caso precipitou uma recomendação feita pelo Ministério Público Federal à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para que toda a documentação produzida nas delegacias do Estado na ditadura militar (1964-1985) fosse enviada ao Arquivo Público.
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RESGATE
Buscas na fazenda do delegado do Dops Tácito Machado, em Jaborandi,
onde um ex-cortador de cana encontrou centenas de documentos da repressão
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Com isso, desde as fichas encontradas em Jaborandi, agora reveladas por ISTOÉ, outros três conjuntos de materiais chegaram ao órgão. Dois são emblemáticos. De Santos, em 2010, vieram 11,6 mil prontuários e aproximadamente 40 mil fichas produzidas por uma sucursal do Dops que atuava no litoral paulista. E em maio, 14 pacotes de documentos chegaram da cidade paulista de Apiaí. Um delegado da região havia retirado o montante da delegacia e levado para casa. Com a morte dele, sua viúva resolveu entregar o acervo para a polícia. O Arquivo ainda averigua o conteúdo das descobertas. Em Porto Alegre, em um caso semelhante registrado no fim do mês passado, 200 páginas de documentos entregues à polícia gaúcha pela família de um coronel da reserva do Exército assassinado comprovaram que o ex-deputado federal Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos, foi sequestrado por militares e levado para o Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio de Janeiro, em 1971.
A papelada revela, ainda, uma estratégia dos militares para acobertar o envolvimento deles no atentado do Riocentro, em 1981. Na ocasião, uma bomba explodiu dentro de um carro estacionado naquele centro de convenções, onde aconteceria um show em comemoração ao Dia do Trabalhador, matando um agente do DOI-Codi e ferindo outro. Todos esses casos possibilitaram uma nova linha de investigação para a Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada para apurar graves violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos entre 1946 e 1988. “Faço um convite aos brasileiros e brasileiras que tenham em suas casas arquivos particulares: os entreguem”, afirma o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, coordenador da CNV, após o recolhimento do material na casa do coronel do Exército em Porto Alegre. “É um processo de reconstrução do seu país. Não precisa nem se identificar; basta telefonar e dizer que tem um documento.”
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VIOLÊNCIA
O aposentado Edson José de Senne foi preso e torturado
aos 32 anos, em 1969, porque recebia o jornal
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O escritório paulista da CNV, segundo o seu coordenador Ivan Seixas, está prestes a formalizar a descoberta dos documentos na fazenda do ex-delegado Machado, em Jaborandi, e a requerer diligências para apurar os fatos. “O porquê de essa papelada ter ido parar lá ainda é um nó a ser desfeito”, afirma o historiador Tito Bellini, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (Uftm) e um dos organizadores do “Memórias da Resistência”. Além da aposentada Rute, do Crusp – ela não foi vítima de violência ao ser presa na universidade e nega as acusações que constam em sua ficha –, ISTOÉ conversou com outros dois brasileiros cujas fichas também estavam apodrecendo na propriedade de Machado, um policial falecido em 2005, aos 79 anos. Ele figura na categoria repressores e é citado em 27 processos do projeto “Brasil Nunca Mais”, trabalho encabeçado por um grupo de religiosos e advogados que coletaram cópias de processos políticos que tramitaram pela Justiça Militar entre 1964 e 1979 para obter informações e evidências das violações cometidas pelo regime militar.
Tanto o aposentado paulista Edson José de Senne, 75 anos, quanto o professor universitário Djalma de Carvalho, 63 – ligados às Forças Armadas da Libertação Nacional (Faln), de Ribeirão Preto, provavelmente a única organização clandestina do Brasil que não se formou a partir das capitais –, foram torturados ao serem presos naqueles anos de chumbo. Nenhum, porém, teve contato ou sequer ouviu falar de Machado. Trata-se de um agente cujas ações são pouco conhecidas inclusive pela CNV, provavelmente por ele ter sido mais ligado à burocracia dos órgãos repressores. “Meu pai sabia, evidentemente, todos sabiam das torturas. Pau de arara era comum em delegacias até para bandidinhos”, diz o filho do delegado Machado, do Dops, o também delegado Raul Pinheiro Machado, que mora em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. “Mas ele nunca torturou ninguém, pelo contrário, até livrou a barra de comunistas amigos.”
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REENCONTRO
Beatriz Paiva mostra parte dos documentos sobre seu pai, Rubens Paiva,
desaparecido em 1971, encontrados em Porto Alegre
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Em 1991, segundo Raul, ao abrir um baú na casa de veraneio da família, em Jaborandi, ele se deparou com documentos timbrados de órgãos da polícia paulista, mas achou que a papelada não tinha valor. Certo dia, porém, seu pai o chamou para uma conversa: “Filho, muitos documentos (produzidos pelo governo militar) deveriam ser queimados porque podem comprometer pessoas que, hoje, estão aí se tornando notórios.” Raul, assim ele conta, teria dito a Machado: “Pai, acho que nada deve ser queimado. Isso é história, tem de ser mostrado às pessoas”. Pai e filho nunca mais tocaram nesse assunto. Dentro do baú, encontrado em 2007, há fragmentos de histórias como a do professor universitário Djalma de Carvalho, quatro filhas e três netos, morador de Paranaíba, em Mato Grosso.
Carvalho era militante da Faln e do Movimento de Libertação Popular (Molipo) e foi preso duas vezes entre os anos 60 e 70. “Na primeira me estouraram todo. Palmatória, chutes, me atiravam com as costas contra a parede... Na segunda, trouxeram um companheiro em carne viva, inteiro ensanguentado, unhas arrancadas, com a cara toda deformada. Eles o enrolaram em um pano, o colocaram na máquina de choque, ligaram fios na língua e nas orelhas dele e mandaram eu torturá-lo”, relembra Carvalho, que na Molipo escondia perseguidos políticos e os ajudava a sair do Brasil. “Claro que não fiz isso. Eu o encontrei anos depois, nos abraçamos e choramos muito. Tínhamos passado pelo ventre da besta e sobrevivido.”
O aposentado Senne, de Ribeirão Preto, também é outro sobrevivente cuja parte da memória estava se apagando no fundo do baú da família Machado. Foi preso aos 32 anos, em 1969, porque recebia o jornal “O Berro”, o veículo de comunicação das Faln. “Fiquei dois dias preso. Recebi tortura violenta. Não conseguia escrever lá na delegacia, meus dedos sangravam de tanto choque”, conta ele, que tem problemas de audição causados por um tapa na orelha que recebeu nos porões da ditadura. “Nunca contei para o meu pai as torturas que sofri. Queria poupá-lo.”
Cena final: Mês passado, no Crusp da cidade universitária, a aposentada Rute entra novamente no apartamento 209-A quase 45 anos depois de ser retirada de lá à força. Depois de fotografar para esta reportagem, lembrou de quando debruçava a cabeça na janela para paquerar os alunos que caminhavam lá embaixo. Recordou também de quando, ainda criança, rezava baixinho para que o pai, um ativista do Partido Comunista Brasileiro (PCB) com sete prisões na biografia, deixasse de ser comunista. Memórias de um tempo triste e feliz ao mesmo tempo, que não podem ficar sepultadas em nenhum baú particular. Para o bem do País.
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Fotos: Rafael Hupsel/Agência Istoé 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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