http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3544202.xml&template=4187.dwt&edition=18255§ion=892
ECA– para uma discussão séria, por João Marcos Buch *
Com certa apreensão, tive conhecimento pelos meios de comunicação que o deputado estadual Valmir Comin tomou a palavra no Parlamento barriga-verde para, segundo a imprensa, entre outras considerações, dizer que “criminosos menores carregam o Estatuto da Criança e do Adolescente debaixo do braço como lastro de seus crimes”. A apreensão não se deve à discussão em si, que precisa ser realizada. A apreensão é com o desvio de foco do problema, bem como o peso das palavras quando lançadas por um representante do povo. É claro que o assunto é palpitante, mas é fundamental que seja colocado com responsabilidade.
É incompreensível, se realmente as palavras foram ditas pelo deputado, que parlamentar alheio a isto tudo não compreenda que a violência vem sendo há tempos estudada e passa por vários fatores, individuais e sociais, psicológicos e patológicos, e resulta em várias teorias, da anomia e subculturas delitivas à estigmatização e ao controle ideológico. Demonstram os estudos que no País, adolescentes envolvidos em atos infracionais em geral já foram suficientemente estigmatizados pela estampa da miséria educacional e social, com a marca violenta do abandono.
Talvez a discussão em seara penal deva ser mais voltada aos atos de corrupção e fraude, onde valores incalculáveis são suprimidos do erário público, em detrimento de hordas populacionais carentes. Além disso, a ciência penal, numa sociedade de risco, precisa afirmar sua identidade garantista, por meio de uma política criminal orientada em direitos fundamentais, previstos na Constituição. Política criminal que não seja mera caixa de ressonância e não ceda às pressões da política eleitoreira e da paranoia pública. Discuta-se, assim, a violência. Porém, que a discussão seja feita com seriedade e razão. E se discurso deva haver, que se o faça com base científica.
A construção da personalidade e o caráter ético das pessoas não passa pelo chicote da pena, mas sim pela educação e afeto, bem como pela oportunidade de construção de futuro digno. Os jovens do País estão enfrentando a desgraça de ver sonhos desmoronarem, um a um, na medida em que vão ficando mais velhos. Estigmatizar um adolescente envolvido em atos infracionais, criminalizando-o mais do que já foi como supostamente quer o deputado, é atestar a ineficiência do Estado e a iniquidade do sistema. É ignorar a história. Nosso legislador, em sua missão constitucional, tem o dever de saber disso.
*juiz de direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville/SC
Tentativa de pensar o Direito em Paralaxe (Zizek) alexandremoraisdarosa@gmail.com Aviso: quem não tiver coragem de assinar os comentários aos posts, nem precisa mandar, pois não publico nada anônimo. Recomendo ligar para o Disk Denúncia...
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31/10/2011
25/10/2011
Neviton Guedes - Texto muito bom
24outubro2011
LEGADO DE CANOTILHO
“Os problemas não estão nos artigos da Constituição”
“Você não precisa de muitos heróis se você escolhe cuidadosamente”, disse John Hart Ely, célebre jurista norte-americano, para honrar a memória de Earl Warren, presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, nas décadas de 1950 e 1960. No Brasil, alegando falta de heróis, não nos envergonhamos de celebrizar todos os dias gente cuja maior contribuição à humanidade jamais ultrapassará as quatro linhas de um campo de futebol, ou os 15 minutos de fama que lhes confere a tela plana das televisões, ou dos computadores. Contudo, num país cuja história é, desde suas origens, protagonizada por personagens como Anchieta, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Ruy Barbosa, José Bonifácio, Machado de Assis, Oswaldo Cruz, Villa-Lobos, Irmã Dulce e Juscelino Kubitschek, talvez fosse o caso de escolhermos um pouco mais cuidadosamente os nossos ícones.
A propósito, 19 de outubro de 2011 há de ser lembrado, por todos os juristas que se comprometeram com o aperfeiçoamento democrático e com a concretização da Constituição de 1988, como o dia em que o famoso constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, um grande amigo do Brasil, cessa suas funções como professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
O notável professor edificou uma vida voltada ao estudo do Direito, onde o que mais ressalta é o compromisso permanentemente renovado com a dignidade da pessoa humana, com a consolidação da democracia e com a efetivação dos direitos fundamentais. Herdeiro da tradição iluminista, sempre confiante na capacidade do homem de conformar o próprio destino, Canotilho acabou tendo profunda influência no desenvolvimento do Direito Constitucional que se ensina nas Academias brasileiras e que tem aplicação em nossos tribunais. Divergindo de um antigo costume de intelectuais estrangeiros, entretanto, jamais ministrou conselhos, ou receitas, para os nossos problemas. Ao contrário, vezes sem conta, repetiu lá fora que via nos juristas brasileiros o que havia de mais criativo no estudo do Direito Constitucional e, comprovando essa admiração, dedicou a sua principal obra, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, aos seus alunos brasileiros.
Nada mais adequado, pois, do que prestar uma justa homenagem ao professor Canotilho, precisamente, no momento em que a Constituição de 1988 se vê ameaçada por mal explicadas propostas de assembléias constituintes. A Constituição brasileira, no resumo do grande jurista português, “foi um grito de modernidade ouvido trinta anos depois da criação de Brasília, um estatuto de contraste com a ditadura da qual o país se libertou.” Mas a nossa Constituição, como qualquer outra, lembra o mestre português, não tem capacidade suficiente, só por si, para fazer transformações sociais. Portanto, “o desencanto que pode haver, embora se debite à Constituição, é, na verdade, com os agentes concretos da vida do país. Os problemas estão nas ruas do país, não nos artigos da Constituição”.
Talvez seja essa a lição menos compreendida do mestre português: a Constituição não cria o paraíso pelo simples fato de existir, pois, aqui, como no Fausto do Goethe, a vida e a liberdade não são dádivas atribuídas por qualquer governo, ou documento escrito, e só as fazem por merecer os povos que as tem de conquistar todos os dias.
Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.
Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2011
23/10/2011
Gerivaldo Neiva - O fim de “Morde e Assopra” e o mundo imaginário dos juristas
O fim de “Morde e Assopra” e o mundo imaginário dos juristas
Gerivaldo Neiva *
Dia desses, navegando sem muito rumo na Internet, deparei-me com a notícia de que um novo mundo, com dinossauros e tudo, teria sido descoberto no interior do planeta terra. Segundo o relato, exploradores de caverna, em busca do fóssil da cabeça de um dinossauro, teriam encontrado este mundo fantástico após caírem em um lago profundo no interior de uma caverna.
Os noveleiros e noveleiras de plantão já sabem que este fato aconteceu no último capítulo da novela “Morde e Assopra”, da Rede Globo. Na pobre ficção global, os personagens encontraram a cabeça do dinossauro e, de quebra, a heroína reencontrou os pais, isolados neste mundo fantástico há muitos anos, e ainda trouxeram para a superfície uma mochila carregada de diamantes.
A ficção é pobre e sem o menor sentido. Apesar de localizado no centro da terra, no lugar encontrado existia luz e plantas. Como assim? De onde vem esta luz? Como ocorre a fotossíntese sem o sol? E o oxigênio, como era renovado? Ora bolas, em novela nada disso interessa e o telespectador se satisfaz com o final feliz e já dorme pensando na próxima novela. Muita parecida, aliás, com o enredo “daquela” outra novela que nem lembramos mais o nome.
Este mundo absurdo, desprovido de qualquer sentido real, no interior do planeta e distante, portanto, da vida nua, da poluição, da pobreza, da marginalidade e da violência urbana, lembrando Warat, fica parecendo aquelas fotografias de casamento em que os recém casados posam diante de um belo painel ou os bolos de casamento feitos de papelão nas cerimônias de casamento em Cuba. Em ambos os cenários, tal qual no mundo fantástico de “Morde e Assopra”, todos sabem que a paisagem por trás dos recém casados não é real e que o bolo é de papelão e serve apenas para compor a fotografia do casamento. Verdadeiros ou não, para a posteridade, no entanto, vão figurar como se fossem reais. Nossos olhares e mentes, como inebriados, serão absorvidos pela ilusão e o que era mentira torna-se verdade. Assim, de fato, os recém casados posaram diante de um palácio real e o bolo de casamento estava uma delícia.
Mas o que tem a ver os juristas com o final da novela e com as ilusões fotográficas? Será o mundo dos juristas também irreal e suas paisagens e autos de processos se comparam à suntuosidade dos plenários de tribunais e bolos de papelão? Enfim, os juristas vivem, ou não, uma grande ilusão? Encontrarão, um dia, a paz perpétua, ou melhor, sua cabeça de dinossauro?
Roberto Aguiar, professor da UNB, elencou as situações que caracterizariam o “Imaginário dos Juristas”:
1) O mundo harmônico – os juristas vivem um paradoxo: seu cotidiano está marcado pelo contraditório, mas sua ideologia conservadora está sempre reafirmando a harmonia do mundo;
2) A vontade e o livre arbítrio – este entendimento arranca o direito e os sujeitos da sociedade real e os joga num limbo incolor dos ritos, prazos e medidas, expressão única do direito para quem o entende como lei estatal;
3) O Estado perene e benfazejo – como o direito só existe como expressão estatal, ele não existiu antes da emergência do estado;
4) A coação está nas sanções – os juristas não sabem que a sociedade concreta pode sancionar o ser dos sujeitos por via dos conteúdos das normas, que são frutos das hegemonias advindas das correlações de força reais;
5) A indissolubilidade entre direito e Estado – os juristas só entendem como direito aquele citado pelo Estado;
6) O sujeito de direitos: uma abstração – o sujeito de direito passa a ser o autor, réu, impetrante, indiciado, impugnado, mas nunca gente ou ser humano concreto;
7) Os autos: quintessência do mundo – o que não está os autos não está no mundo (harmônico e coordenado pelo Estado);
8) Liberdade é dominação – minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro. Esquecem, no entanto, que os espaços, vontades e liberdades são desiguais
9) Entre a pureza e a ignorância – normativismo kelseniano e deslavado senso-comum, que não é universal e nem comum a todos;
10) Neutralidade e assepsia – o direito e sua doutrina são neutros e assépticos;
11) A história: uma invenção dos filósofos – a história dos homens como instituidora do real é um problema para os filósofos, e não para os homens práticos e realistas que labutam na justiça;
12) A transparência padronização da linguagem – os juristas trabalham com uma linguagem padronizada, onde não há lugar para o estranhamento;
13) A sociedade: um problema não jurídico – sociedade é coisa para sociólogos, para políticos, e não para juristas que trabalham no mundo limpo e são das normas;
14) Os poderes: uma questão interna – os poderes, para os juristas, só são aqueles previstos pelo ordenamento;
15) A técnica contra a crítica – jurista estão se tornando técnicos na manipulação das normas postas. Outros poderes são solenemente ignorados;
16) produzir juridicamente: doutrina, norma e repetição – em cada ramo do direito existem meia dúzia de iluminados que são incansavelmente citados para respaldar os argumentos esposados pelo autor do trabalho. Aliás, entre os juristas há uma rede de citações recíprocas... Cada editora tem seu jurista de plantão... Não há direito para os juristas. O que existe são leis. Logo, nossas faculdades não são de direito, são escolas técnicas de leis. Isto significa que está na hora de criarmos cursos jurídicos no Brasil. [1]
Este texto é de 1993, mas continua atualíssimo e a meu ver caberia apenas adaptá-lo aos avanços da tecnologia. Coisas do tipo: copiar e colar; milhares de petições, contratos e sentenças em “pendrives”; cumprimentos de metas pelos juízes determinadas pelo CNJ; a prevalência da técnica e da eficiência em detrimento do fim, ou seja, da realização da justiça etc.
Querem mais confusão e realidade em lugar de um parque de dinossauros no interior da terra, painéis para fotos de casamento e bolos de papelão? Então, vamos lá!
Em “A Rua Grita Dionísio”, Warat desafia nossa capacidade de pensar o Direito com esta provocação: “O Estado de Direito também é um Estado de Exceção”. Como assim, Warat? Você está louco? Não, Warat não está louco. Loucos, na verdade, somos nós.
Toda decisão é um estado de exceção produzido em nome do Estado de Direito, que é também um estado de exceção. O Direito é um estado de exceção com relação ao conflito entre as pessoas. Quando aquele que decide é um terceiro distante do conflito, que decide porque é um órgão do Estado que tem a possibilidade delegada de exercer a o monopólio da coerção devida, estamos diante de um órgão executor de um Estado de exceção camuflado. O louco é que nenhum operador do Direito vê esse Estado de exceção. Conseguem ver outras coisas muito próximas a um delírio de grandeza. Inclusive muitos vão ficar profundamente indignados ao lerem isso. Para todos eles, para a grande maioria dos operadores tradicionais, eu serei, sem nenhuma dúvida, o único delirante. [2]
Por fim, enquanto nos imaginamos protegidos por um Estado de Direito, o mundo vive o seu próprio Estado de Exceção: em meio a ganância do capital, da pobreza, da fome, da violência e da desigualdade social, os jovens ocupam as praças e marcham por todos os tipos de desejos, prazeres, direitos e democracia real. Alheios à isto, os juristas continuam preparando, como se isso fosse a Justiça, os painéis para as fotos de casamento e confeccionando bolos de papelão para ornamentarem as mesas festivas de cerimônias de casamento. Como coadjuvantes deste imaginário, as “escolas técnicas de leis”, que se autodenominam Faculdades de Direito (respeitando raras exceções), continuam formando os técnicos que irão colaborar na composição da cena e também posarem como figurantes na fotografia.
E assim, enquanto segue a vida nua, “Morde e Assopra” termina com muitos casamentos e bebês. Não precisa lamentar. Na próxima segunda-feira vem mais uma novela e nosso imaginário, de juristas ou não, será, mais uma vez, densamente povoado e continuaremos incansáveis na busca da paz perpétua, a cabeça do dinossauro.
Imitando a última tela: FIM.
Pera aí!! Antes de desligar a TV: e quais são os caminhos vislumbrados??
... Este bem que poderia ser o tema e o enredo da próxima novela, né?
* Juiz de Direito (Ba), membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD), em 18.10.2011.
[1] Aguiar, Roberto. O Imaginário dos juristas. In Revista de Direito Alternativo. Vol 2. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993, p. 19 a 26.
[2] Warat, Luis Alberto. A rua grita Dionísio. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 83.
(Publicado no blog do autor: http://www.gerivaldoneiva.com/
Assista o clipe Cabeça Dinossauro (Titãs):http://youtu.be/hqq-SA5R5Qg
Assista o clipe Cabeça Dinossauro (Titãs):http://youtu.be/hqq-SA5R5Qg
Principal obra de Walter Benjamin é reeditada no Brasil com nova tradução
Principal obra de Walter Benjamin é reeditada no Brasil com nova tradução
18/10/2011 — Assessoria de Comunicação - PluricomConhecida no Brasil como “Origem do drama barroco alemão”, tese de livre-docência do filósofo alemão é renomeada “Origem do drama trágico alemão” em tradução de João Barrento
Filósofo, sociólogo, ensaísta, crítico literário e tradutor, Walter Benjamin (1892-1940) foi um dos mais importantes pensadores alemães do século XX. Seu nome está também marcado por sua influência na Escola de Frankfurt, mesmo que tenha abandonado a carreira acadêmica nesta cidade ao ter sua tese de livre-docência rejeitada pelos Departamentos de Germanística e, depois, pelo Departamento de Estética da Universidade de Frankfurt, que a considerou pouco convencional. A obra, escrita entre 1924 e 1925 e publicada na Alemanha em 1928, ficou conhecida no Brasil como “Origem do drama barroco alemão”, embora a tradução de “Trauerspiels“ não fosse livre de controvérsias. Agora renomeada Origem do drama trágico alemão, para fazer jus ao original Ursprung des deutschen Trauerspiels, chega ao Brasil em tradução direta do alemão feita pelo português João Barrento, referência em traduções de textos alemães, em lançamento da Autêntica Editora.
Segundo Barrento, o termo Trauerspiel deveria traduzir-se, literalmente, por drama lutuoso, que não corresponde a nenhuma designação de gênero em português. “Optei por drama trágico para fugir à tradução, comum nas línguas românicas, de drama barroco, que não está no termo original nem designa também nenhum gênero dramático particular. Drama trágico (já usado em traduções inglesas), parece-me ter pelo menos duas vantagens: indicia uma ligação à forma clássica da tragédia (que o termo alemão também pressupõe, quando surge no século XVIII); e torna-se linguisticamente mais operativo como título e ao longo de todo um livro.”
O próprio autor Benjamin, em nota biográfica que abre a obra, explica o seu intento, que justifica a renomeação: “Este livro propunha-se fornecer uma nova leitura do drama alemão do século XVII. O seu propósito é o de distinguir a forma desse drama, enquanto ‘drama trágico’ (Trauerspiel), da tragédia (Tragödie), e procura demonstrar as afinidades existentes entre a forma literária do drama trágico e a forma artística da alegoria”.
Considerado por T.W. Adorno a obra mais complexa de Benjamin, o livro interessa menos por oferecer uma chave interpretativa para o drama trágico alemão do que por fornecer uma espécie de epistemologia do ensaio. Esta epistemologia marcou, por seu método e por seu estilo, não apenas a teoria crítica, mas também os estudos literários. Além disso, a arte de vanguarda encontra na teoria da alegoria aqui apresentada seu procedimento chave. Por sua crítica à estética acadêmica e à filologia tradicional, este livro é uma referência decisiva para todos aqueles que querem pensar a arte.
Origem do drama trágico alemão integra a coleção Filô e é a primeira obra da série FILÔBENJAMIN, que publicará no Brasil uma série de obras do pensador alemão. Outros livros da série estão previstos para 2012, como O anjo da História; Rua de Mão Única, acompanhado de Infância Berlinense; e Estética e sociologia da arte.
Walter Benjamin (1892-1940) foi um dos mais importantes pensadores alemães do século XX. Filósofo, ensaísta, crítico literário e tradutor, escreveu peças para rádio, além de artigos para diversos jornais e revistas literárias. Colaborou com a Zeitschrift für Sozialforschung, revista do Instituto de Pesquisa Social (que mais tarde ficou conhecido como “Escola de Frankfurt”). Filho de judeus, precisou deixar a Alemanha em 1933, rumo à Paris, onde ficou até a invasão nazista. Em 1940, fugiu ilegalmente para a Espanha e, na cidade de Portbou, Catalunha, se suicidou para não ser capturado pela Gestapo. Walter Benjamin deixou vasta e brilhante obra literária, além de ter contribuído enormemente para a teoria estética, para a filosofia, para o pensamento político e para a história.
Sobre o tradutor – João Barrento licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1964) e em 1986 tornou-se professor de Literatura Alemã e Comparada. Já publicou cerca de vinte livros de ensaio, crítica literária e crônica, traduziu assim como editou diversas obras da literatura alemã da Idade Média à atualidade. Como editor e tradutor, é responsável por algumas das mais importantes publicações de autores alemães para o português, com destaque para Goethe (9 volumes, 1991-1993), Robert Musil (8 volumes, desde 2005) e Walter Benjamin (7 volumes, desde 2004). Suas traduções lhe renderam diversos prêmios, como Calouste Gulbenkian da Academia das Ciências (Tradução de Poesia, 1979); Grande Prêmio de Tradução (1993 e 1999); Prêmio de Tradução Científica e Técnica da União Latina (2005); Prêmio de Tradução do Ministério da Cultura da Áustria (2010); além da Cruz de Mérito Alemã (1991) e da Medalha Goethe (1998), entre outros.
Para mais informações, entre em contato com nossa assessoria de imprensa pelo e-mailimprensa@autenticaeditora.com. br ou pelo telefone (31) 3222-6819
Lei Ficha Limpa Estadual e Limites Constitucionais de sua Produção Legislativa: análise da “inacessibilidade a cargos em comissão” por condenados por improbidade administrativa sem trânsito em julgado - o caso catarinense Ruy Samuel Espíndola
Lei Ficha Limpa Estadual e Limites Constitucionais de
sua Produção Legislativa:
análise da “inacessibilidade a cargos
em comissão” por condenados por improbidade administrativa sem trânsito em
julgado - o caso catarinense
Ruy Samuel Espíndola[1]
01.
Introdução
O ideário “ficha limpa” há cinco anos vem ganhando força na cena
jurídica e política brasileira. Desde seu aparecimento, em voto vencido dado
pelo Ministro Carlos Ayres Britto no TSE (e acompanhado pelo então Ministro
José Delgado), caso Eurico Miranda[2],
cujo julgamento findou em 20.09.2006, passou-se a discutir, com grande
intensidade, o valor moral de candidaturas, os pressupostos éticos e a
idoneidade para postulações políticas eletivas.
Depois disso, adveio a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
n. 144, movida pela Associação da Magistratura Brasileira - AMB, que tencionava
fazer prevalecer, por decisão com efeito vinculante, a idéia de autoaplicação
do artigo 14, § 9º (já enaltecida no voto vencido do Ministro Britto, em 2006,
no TSE), cujo resultado, indeferitório, ocorreu em 20.08.2008[3].
O
movimento chamado ficha limpa culminou em setembro de
2009, com a apresentação de projeto de lei de iniciativa popular levado
ao Congresso Nacional, promulgado pela Presidência da República em 04.06.2010,
como a Lei Complementar n. 135, de 04 de junho de 2010.
Logo
depois de sua entrada em vigor, o TSE, mobilizado pelo movimento e seu
estardalhaço midiático, surpreendentemente, editou a equívoca resposta a
Consulta no 1.120-26/DF (formulada pelo
Senador Artur Virgílio do PSDB), Relatada pelo então Ministro do TSE
Hamilton Carvalhido, que, além de outras conclusões questionadas na justiça
eleitoral e no STF, entendeu que a LC 135/10 era aplicável ao pleito de 2010 e
a fatos jurídicos passados, não constituindo pena a inelegibilidade e não
havendo incidência retroativa de seus dispositivos nas hipóteses de
inelegibilidade nela versadas[4].
O
STF só pode solver a grande insegurança jurídica ocasionada pelo TSE em 10.06.2010, em 23.03.2011, por maioria
(6 x 5), com o acórdão proferido no caso Leonídas
Rebouças, RE 633.703, Relator Ministro Gilmar Mendes, ao dizer, sem
sombra de dúvidas, que essa lei não poderia ser aplicada às eleições de 2010,
por força da regra da anualidade, insculpida no artigo 16 da Constituição da
República[5].
Lembremos
que o efeito do “discurso ficha limpa” foi tão impactante sobre a opinião
pública e o congresso nacional, que não houve votos contrários a sua aprovação.
Tanto no Senado, quanto na Câmara dos Deputados, à unanimidade, foi
aprovado. E aprovado em tempo recorde, para um projeto com a seriedade e
conseqüências jurídicas de suas proposições normativas, por emparedamento do
Congresso pela mídia e opinião pública moldada pela primeira.
Durante
a eleição de 2010, tivemos, inclusive, um candidato a Vice-Presidente[6], cujo maior argumento de sua candidatura, foi o
fato de ter sido o Relator, na Câmara dos Deputados, de dito projeto, e de ter
contribuído para sua agilidade e aprovação no parlamento brasileiro.
O
DEM, em nível nacional, assumiu a autoria
ideológica parlamentar do
projeto, que teve iniciativa popular, com mais de 1.600.000 assinaturas. A
internet foi veículo de grande circulação de idéias em apoio ao ideário ficha
limpa.
Muitos
partidos e candidatos, dos mais diferentes matizes, durante o pleito de 2010,
se disseram “ficha limpa”, como o maior argumento para legitimar suas
candidaturas – independentemente de seus projetos, passado e presente... de
suas convicções políticas ou programas partidários.
Em
12.10.11, feriado nacional, milhares de pessoas reunidas em diversas Capitais
do País pediram a aplicação de seus ditames às eleições de 2012 e clamaram para
que o STF a declare constitucional. Pessoas ligadas ao salutar movimento contra
a corrupção. Unidas pelas redes sociais, sem intermediação dos tradicionais
órgãos de política em uma sociedade organizada: partidos e/ou sindicatos.
É sabido que abaixo assinado foi endereçado à Presidenta Dilma,
para que nomeie um magistrado para a Suprema Corte - no lugar de Ellen Gracie,
que se aposentou recentemente - comprometido com o ideário “Ficha Limpa”.[7]
Muitas
questões em torna da constitucionalidade desta lei, algumas adiante tratadas,
serão solvidas, quiçá ainda este ano, no STF, que deverá julgar duas ações
declaratórias de constitucionalidades – uma movida pelo Conselho Federal da OAB
(ADC n. 30), e outra pelo Partido Popular Socialista – PPS (ADC n. 29), e,
ainda, uma ação direta de inconstitucionalidade movida pela Confederação
Nacional das Profissões Liberais (ADIN n. 4578). Para todas essas ações, por
conexão, o Relator é o Ministro Luiz Fux, o mesmo que desempatou a discussão,
no STF, sobre a aplicação da lei ficha limpa às eleições de 2010.[8] A
Procuradoria Geral da República manifestou parecer favorável a constitucionalidade
da lei, em todos os aspectos questionados.
Em
alguns Estados da federação[9], o
teor da lei eleitoral complementar 135/10[10] -
seu discurso moralista -, estimulou iniciativas locais e mesmo municipais a
fazerem lei semelhante, para impedir que pessoas, que incidissem em hipóteses
semelhantes ou idênticas ao da lei eleitoral, pudessem ocupar postos no poder
público: cargos em comissão, empregos em comissão, funções de confiança,
emprego temporário, etc.
Através
de projeto de iniciativa parlamentar do Deputado Estadual Cesar Souza Júnior,
DEM/SC, foi apresentada proposição à Assembléia Legislativa de SC, que se
transformou na lei estadual n. 15.381, de 17.12.2010[11],
que visa impedir que ocupem cargos em comissão no Legislativo, Executivo,
Judiciário, Tribunal de Contas e Ministério Público de SC, pessoas que incidam
nas mesmas hipóteses previstas na LC 135/10.
A
iniciativa, sem dúvida, é politicamente correta e moralmente apetecível.
Precisamos indagar, no Direito, se ela é juridicamente aceitável, ou melhor, se
é constitucionalmente sustentável.
Isso
porque o legislador pode muito, mas não pode tudo, em uma democracia
constitucional estável, onde existe uma constituição rígida, fixadora de
direitos fundamentais e da separação de poderes, que instituiu uma corte
constitucional independente para interpretá-la, aplicá-la e protegê-la frente
aos arroubos de maiorias circunstanciais ou de opiniões públicas majoritárias contra constitutione.
E
no caso das leis estaduais ou municipais que lhe copiem a iniciativa ideológica
e moralista, há mais limites legiferantes, decorrentes do sistema de direitos
fundamentais, da separação de poderes e das competências federativas, do que os
postos ao legislador eleitoral federal.
O
objetivo deste ensaio é analisar alguns destes limites, focando nas
inconstitucionalidades das leis estaduais, tomando como exemplo de laboratório
o caso da lei catarinense, que é emblemático. Limitando-se ao recorte do tema
de condenação por improbidade, sem trânsito em julgado.
O
teor da lei estadual catarinense é idêntico ao da Lei ficha limpa eleitoral.
Ocupa-se em impedir que cargos em comissão, nos poderes Executivo, Legislativo,
Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas, em SC, sejam ocupados por
pessoas que incidam nas suas hipóteses vedatórias.
Adiante
tomaremos como reflexão crítica, a lei catarinense, abordando cinco aspectos
que denunciam suas inconstitucionalidades formal, orgânica e material.
Assim
o fazemos para alertar a comunidade jurídica e política sobre os direitos fundamentais
que estão em jogo e o valor de uma Constituição que exige respeito e
efetividade, sobretudo em momentos nos quais a paixão, o preconceito e a
irreflexão são a tônica dos discursos midiáticos.
02.
Os projetos que versem
sobre inacessibilidade a cargos públicos devem respeitar a regra de iniciativa
reservada da Chefia do Executivo, sob pena de inconstitucionalidade formal
O projeto catarinense que
resultou na lei ficha limpa estadual barriga-verde é inconstitucional, pois é
fruto de iniciativa parlamentar, e não de iniciativa do Executivo, como exigem,
para tema de provimento em cargos
públicos, a Constituição Federal. Há flagrante vício de iniciativa, de
origem do projeto. E assim todos os seus dispositivos, transformados na lei
estadual n. 15.381/10, não tem validade. Há na espécie legislativa em crítica,
o que se chama de inconstitucionalidade formal[12].
Para
entender a inconstitucionalidade em foco, precisamos relembrar o significado
jurídico de provimento: provimento é o “ato de designação de alguém para
titularizar cargo público”, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello (Curso de
Direito Administrativo, 27ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 308). Para Carmem Lúcia Antunes Rocha, “provimento de cargo
público é o suprimento formal da necessidade pública havida e demonstrada na
sua vacância, conferindo-se a alguém a condição de titular responsável
pelo desempenho das atribuições e das funções que lhe são inerentes.” (Princípios constitucionais dos servidores públicos.
São Paulo: Saraiva, 1999, p. 169.)
Legislar
sobre provimento, então, é normatizar as regras que definem o acesso aos cargos
públicos, é legislar sobre “acessibilidade” aos cargos públicos.
A
regra parâmetro violada foi à constante do seguinte dispositivo constitucional
que integra processo legislativo, portanto, de observância obrigatória para os
Estados Membros: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer
membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso
Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos
Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma
e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente
da República as leis que: (...) II
- disponham sobre: (...) c) servidores públicos da União e
Territórios, seu regime jurídico, provimento
de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).”
A
jurisprudência do STF é pacífica em precedentes neste sentido[13].
Assim, quando as leis
estaduais, que disporem sobre o tema provimento – versando a inacessibilidade a
cargos públicos - insuperável será a inconstitucionalidade da lei estadual
ficha limpa, por regular provimento de cargos públicos em lei cuja origem
adveio de projeto de iniciativa parlamentar e não de iniciativa privativa do
executivo.
03.
O legislador estadual não pode invadir competência
legislativa da União Federal e inovar dispositivos da Lei nacional 8.429/92,
alterando seus efeitos processuais, conteúdo e extensão de suas penas – haverá
violação aos artigos 22, I, c/c 37, § 4º, da Constituição Federal – inconstitucionalidade orgânica – desvalia
parcial e pontual da Lei estadual catarinense n. 15.381, de 17 de dezembro de
2010
Quando leis estaduais ou
municipais, ao modo da lei catarinense, regularem hipótese proibitiva a
condenados por improbidade, impondo-lhes a perda do cargo público comissionado
ou impedimento para assumir, cominarão pena que não está prevista na Lei
8.492/92, lei da improbidade administrativa. Ou melhor, pena há, mas sem o
efeito e modo previstos na lei estadual catarinense[14].
A lei nacional de
improbidade condiciona a perda do cargo, ao trânsito em julgado da condenação,
desde que a sentença tenha imposto tal pena. Pois alguém pode ter direitos
políticos suspensos, sem perda do cargo.
A lei estadual ficha
limpa criou regra jurídica que só poderia ser instituída por lei federal e para
todos os brasileiros. O inacesso ao cargo público não está entre as penas da
lei de improbidade. Apenas a perda do cargo. E só se pode dar tal perda, por
sentença judicial, que contenha esse dispositivo em seu campo decisório.
Assim,
em solo catarinense, a pessoa que estiver na situação de condenada por
improbidade sem trânsito em julgado, e for impedida de assumir cargo em
comissão, deve alegar, com serenidade, que tal regra viola as competências
legislativas da União.
Invade competência em matéria de improbidade, que é tarefa penal legislativa da
União. Invade esfera legiferante cabível à União, e sem competência do Estado
de SC ou qualquer outra Unidade da Federação. Trata-se da chamada
inconstitucionalidade orgânica. Pois a norma objeto do artigo 1º, letra “g”, da
Lei estadual catarinense n. 15.381/10, viola as normas parâmetros dos artigos 22, I, c/c 37, § 4º, da Constituição Federal.
04.
A lei
estadual é inválida, em parte, pois seu conteúdo normativo contraria os
princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal
– violação aos artigos 5º, LIV e LVII, da Constituição Federal – inconstitucionalidade material – desvalia
parcial e pontual da Lei catarinense – jurisprudência do STF aplicável por “analogia
juris”
A
norma ordinária estadual do artigo 1º, letra “g”[15],
da Lei catarinense n. 15.381/10, viola as normas constitucionais dos artigos 5º, LIV e LVII, da Constituição Federal. Há inconstitucionalidade
material por violação das normas que tratam da presunção de inocência e do
devido processo legal.
Isso por que prevê efeito ablador de direito,
sem que haja trânsito em julgado de comando condenatório. E efeito tomado a
partir de se reconhecer, sem definitividade, sem trânsito em julgado, a situação
de condenado.
Foi violado, pela lei estadual, o princípio da presunção de
inocência, que não contém sua aplicação apenas à esfera penal, como conquista
da Ciência Jurídica contemporânea.
E essa inconstitucionalidade trouxe outro grande
inconveniente ideológico: os defensores “da constitucionalidade” e “da bondade
da lei ficha limpa teem tomado posições de “conveniência e oportunidade”, mesmo
contra consagradas posições na Teoria do Direito e na Ciência Jurídica em geral. Eles dizem que
esse princípio, o da presunção de inocência, só teria aplicação na esfera do
Direito Penal. E o fazem “apenas” para defender a lei, com argumento
indefensável perante o tribunal da razão e da ciência.
Ora, é conquista da civilidade e da Ciência jurídica dela
resultante, que tal princípio tem aplicação em todos os ramos do Direito onde
haja atividade sancionadora, função punitiva. Tanto que se fala, hoje, de
Direito Sancionador para abarcar amplas esferas para além do Direito Penal,
que, todavia, pressupõe a Ciência Penal como o grande arquétipo, a grande luz,
o grande caminho que orienta a aplicação das penas em todas as áreas do
Direito.
Podem querer dizer os apologistas da “moral por sobre o
direito” que inacessibilidade não seria pena, sanção, restrição punitiva a direito.
Por tanto, o princípio da presunção de inocência não lhe poderia emprestar
qualquer favor. Inacessibilidade da lei estadual seria “mero requisito” para se
prover cargo público em comissão no executivo catarinense, aferível na data de
posse de cada agente. Ademais, para o discurso moralista o direito político de participar da coisa pública, por
meio de cargos políticos sem concurso, deve curvar-se ao interesse público, ao
interesse social de barrar “pessoas” moralmente espúrias.
Para esse entendimento, o direito fundamental político de
participar da coisa pública (liberdade-participação) não seria garantia dos
indivíduos, garantia fundamental, apenas interesse público moldado pela opinião
pública majoritária, e momentaneamente dominante, que, em dado momento
histórico, define o que é interesse público e o que deve ser “moralmente
imposto”, nem sempre ouvindo a “vontade de constituição” (Konrad Hesse) ou o
“sentimento constitucional” (Pablo Lucas Verdu).
Esse tipo de
discurso não pode ser aceito pela comunidade constituída por regime democrático
e regida por Constituição garantidora de direitos fundamentais.
Decisões do
STF afirmam[16]
que para prover cargos por concurso público, não se pode obstruir, por lei ou
edital, o direito de inscrição ou de investidura com base em questões criminais
ou de improbidade ainda não transitadas em julgado.
Mesmo
em tema de inelegibilidade,
justamente no caso da lei ficha limpa,
o STF tem precedente em tema da improbidade administrativa sem trânsito em
julgado[17],
que demonstra a escancarada invalidade da lei estadual.
Diante
da pacífica e convincente jurisprudência do STF, o cidadão que estiver na
situação de condenado por improbidade sem trânsito em julgado, e for impedido
de assumir cargo em comissão no Estado de SC, deve alegar em seu prol, com
serenidade, que tal regra violou presunção de inocência, inscrita na Carta
Federal, enquanto regra de tratamento e garantia processual constitucional.
5. O dispositivo legal estadual é inválido,
pois seu conteúdo normativo contrasta com os princípios constitucionais da
segurança jurídica, proteção da confiança, coisa julgada e isonomia – seu
alcance parece querer alcançar fatos que ensejaram a condenação por improbidade
ou decisão colegiada que antecederam a entrada em vigor da lei estadual – norma
prejudicial estatuída com fins punitivos retroativos - violação aos artigos 5º,
caput, e XXXVI da Constituição Federal – inconstitucionalidade material –
desvalia pontual da Lei em seu artigo 1º, letra “g”.
Os princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da
confiança, da coisa julgada e da isonomia também foram violados, porque a
lei estadual, no dispositivo em foco, tem nítido conteúdo lesivo e retroativo
aos que praticaram atos tidos com ímprobos e/ou foram condenados antes de sua
entrada em vigor.
Tomemos como exemplo
elucidativo desta inconstitucionalidade, o seguinte caso hipotético: os fatos
caracterizadores de improbidade se deram entre 11.10.02 e 11.11.02. Nessa época, demonstra o Direito Positivo, não
vigorava qualquer norma nacional ou estadual que emprestasse tal efeito
sancionatório – inacessibilidade a cargos
em comissão no Poder Executivo de SC - a prática desses atos.
Por outro
lado, partamos da hipótese de que houve acórdão em 05.08.09, que confirmou a condenação (ou a decretou). Nessa data
também não havia qualquer norma da ordem jurídica nacional ou estadual, anexando tais efeitos a uma decisão
judicial em casos de improbidade, seja
de primeiro ou de segundo grau de jurisdição cível.
A norma que vigia e
vigora para os fatos ocorridos entre 2002 e 2010, regulando a matéria, é a Lei
nacional 8.429/92, que nada tratou sobre o tema inacessibilidade a cargos em comissão, nos termos postos pela lei
ficha limpa estadual, que só veio à vigência em 20.12.10, data de sua publicação no diário oficial do Estado de SC.
A
violação à segurança jurídica e à proteção
da confiança, se dá, por que entre a prática dos comportamentos
tidos como ímprobos e a edição da lei que deseja valorá-los de forma
sancionatória, em termos retroativos, transcorreram 8 anos e dois meses!
Ou seja, após a prática consolidada de tais atos (para o
bem ou para o mal), surgiu na ordem jurídica estadual regra que “juridiciza
fatos passados”, para impedir o exercício de liberdades no presente, a
liberdade-participação de acesso a cargos em comissão nos poderes constituídos
em SC. Surgiu, no presente, norma-sanção
para emprestar a fatos passados efeito limitador ao direito de
liberdade-participação.
E tendo em conta o tempo de prolação
do acórdão, a diferença temporal, embora menor relativamente à data de
ocorrência dos fatos, não é menos desautorizante de incidência válida da nova
lei estadual: 1 ano e 4 meses do acórdão. Assim, neste particular, a lei
estadual estatuir novo efeito anexo para decisões
judiciais já prolatadas, constitui flagrante violação à garantia constitucional
da coisa julgada.
E toda lei retroativa punitiva ou
gravosa à esfera de direitos da pessoa humana, que busca enredar em sua esfera
de juridicidade fatos já consolidados ou sentença já dadas, viola a regra da
isonomia. Pois é lei que visa regular,
retrospectivamente, casos certos, dados sobre pessoas certas, eis que o passado
é certo, mas o futuro não.
A generalidade (universo de
pessoas) e abstração (universo de casos) da lei são garantias da igualdade (Norberto
Bobbio). E como as leis regulam para o futuro, sua abstração e
generalidade guarnecem a igualdade de tratamento de todos os cidadãos não só
perante as leis, mais no interior de seus comandos normativos. Lei nova que colhe fatos ou sentenças
passadas tem endereço certo, pois já sabe que pessoas receberam sua incidência
e que casos concretos ocorreram. Sabe
quais casos concretos e quais indivíduos afetará, pois dispõe da certeza do passado!
Abarca, retroativamente, no plano do concreto e do individual, pessoas e casos
determinados, pois já dados, como o de exemplo antes dado. Tais leis, em nosso
sistema de direitos, “não tem futuro para aplicação passada!”. E futuro só
terão se respeitarem o passado!
Lembremos, a propósito, um rico
filme sobre o tema (retroatividade gravosa e injusta das leis), de Costa
Gravas, Corte Especial de
Justiça, que apresenta o que fizeram os nazistas com a França invadida,
para retaliarem os ataques que a resistência francesa impingia aos oficias do
exército tedesco no centro de Paris: as forças de ocupação alemã rejulgaram, com novas regras e novas penas,
presos já detidos e em cumprimento de sentenças... e decretaram a pena de
morte, para muitos casos de furto, para os quais o Direito pré-ocupação previa
apenas privação de liberdade! Assim, intolerável que em pleno vigor de nossa
democracia retornemos às práticas de regimes que lhe são o contrário e/ou a sua
própria morte (in)jurídica![18]
Todavia,
ainda que se pudesse dizer o artigo 1º, letra “g”, da Lei estadual válido, ele
só o seria pró-futuro; só poderia incidir, válida e eficazmente, sobre fatos
ocorríveis a partir de sua entrada em vigor - a partir de 20.12.10. Ou seja, a
lei ficha limpa estadual só pode ter efeitos prospectivos, no dia imediato e
posterior a 20.12.10, ou melhor, seus efeitos devem projetar-se para o futuro;
incidirem apenas sobre fatos ocorríveis a partir de sua entrada em vigor, e
jamais ex tunc (retroatividade), sob
pena de incidência retroativa de leis gravosas em matéria de liberdades e de
direito estrito. Com
outras letras: os fatos
típicos que terão os efeitos de barrar acesso a cargos em comissão, devem se
dar no mundo do ser do direito, após a entrada em vigor da lei ficha limpa
(20.12.10), nunca antes!
A
doutrina juseleitoral de Adriano da Costa Soares[19],
discutindo dispositivo similar constante da lei complementar 135/10, fez
precisa crítica ao dispositivo federal. Embora trate, em parte, de condenação
criminal, ela se aplica, tout court,
às condenações de improbidade, não só pelo evidente conteúdo penal não criminal
dessas decisões, mas por que em nosso sistema de direito não pode haver leis
gravosas retroativas, por força do princípio da irretroatividade das leis.
Suas
lições embora discorram mais sobre decisão criminal, se aplicam, igualmente,
aos casos de improbidade, como afirmamos. Pois a sentença que aplica penas da
Lei 8.429/92 é sentença penal, por que aplica penas restritivas de direitos e
de caráter pecuniário. Ela apenas não é sentença
criminal, mas é penal cível!
Tivemos
oportunidade de escrever sobre o tema da retroatividade da lei ficha limpa para
fins de inelegibilidade. E nossa crítica se aplica perfeitamente ao caso de
“inacessibilidade a cargos em comissão” em SC:
“Outra agressão às
garantias constitucionais foi o fato da lei ficha limpa alcançar fatos
ocorridos no passado, emprestando-lhes consequências novas e inesperadas, não
existentes no momento em que foram praticados ou não cogitados nos processos em
que foram sentenciados.
Agressão violenta às
regras constitucionais da coisa julgada, do direito adquirido, do ato jurídico
perfeito, e dos princípios da segurança jurídica e ao princípio da não-surpresa
e da lealdade e confiança nos atos de Estado.
Vide caso Jader em que sua renúncia ocorreu há 09 anos
(outubro de 2001), sendo que ele já fora eleito, duas vezes, nesse período,
para a Câmara dos Deputados!!!
Tal agressão ao direito político de candidatura [e ao
direito político fundamental de acesso a cargos públicos em comissão, que são
liberdades-participação!] não tem exemplo similar em nosso Direito
Constitucional ou Eleitoral, e “se a onda pegar” em outras
ramos do Direito, poderemos pagar multas de trânsitos por fatos não ilícitos no
passado, mas tornados tais no presente; pagar tributos por fatos geradores
ocorridos há muito; responder, no presente, por condutas taxadas de crime hoje,
mas que no passado, quando praticadas, não o eram.
A lei,
neste aspecto, tinha endereço certo, era alcançar determinados parlamentares (Jader, Roriz, etc – ACM
escapou, pois morreu antes...), que nos últimos anos, renunciaram para escapar
a processos ético-disciplinares.
Ora, apuremos casos como esses através das devidas
ações penais, ações de responsabilidade por ato de improbidade, procedimentos
responsabilizatórios nos Tribunais de Contas, e nas demais vias legais de
responsabilização desses agentes. Contudo, utilizar de tais meios o
legislador eleitoral, ainda que com apelo popular, é praticar ato juridicamente
inconstitucional e moralmente questionável.
Nenhum cidadão fã de futebol aceitaria que no meio de
uma partida, o juiz alterasse, com surpresa a todos, as regras do jogo, para
atingir um resultado previamente querido por ele! Nas eleições não pode ser
diferente, ainda que com alto ruído da claque.
Embora politicamente correto o fim, juridicamente
abjeto o meio! Não podemos tolerar leis com esse casuísmo.
A lei deve ser geral, abstrata e pró-futuro. Pois deve
se aplicar a todas as pessoas, indistintamente; prever hipoteticamente uma
série relevante de comportamentos vedados, proibidos ou permitidos; e deve
valer para o amanhã, para que possamos dela saber com antecedência, e
descobrirmos, racionalmente, os caminhos do lícito e/ou do ilícito, avaliando
previamente seus custos e riscos, nossos deveres, direitos e responsabilidades.”[20]
Há outro
ensaio do estudioso Milton Cordova Júnior, cujas conclusões são ricas ao caso e
tema em análise[21].
A lição mais contundente sobre o assunto, a
demonstrar higidez dessa tese de invalidade da lei estadual, vem do voto do Ministro
Celso de Mello no RE
630.147/DF, ao analisar a retroatividade da lei complementar n. 135/10,
afetante do direito político fundamental de candidatura. Suas conclusões são
aplicáveis a demonstrar a retroatividade lesiva da lei ficha limpa estadual ao
direito político fundamental de acesso a cargos públicos em comissão[22].
E para
referendar a tese de que a lei ficha limpa estadual contraria a coisa julgada, há precedente de 05.05.11, do TSE,
Relator Ministro Marco Aurélio, no Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº
877-54/RJ:
“INELEGIBILIDADE – COISA JULGADA – LEI COMPLEMENTAR Nº
135/2010 – RETROAÇÃO MÁXIMA. Contraria, a mais não poder, a primeira
condição da segurança jurídica – a irretroatividade da lei – olvidar, colocar
em plano secundário, ato jurídico perfeito por excelência – a coisa julgada
–, ante a Lei Complementar nº 135/2010, implementando-se retroatividade
máxima. DJE de 4.5.2011.”
Para
evidenciar transgressão ao princípio constitucional da proteção da confiança,
pela lei ficha limpa estadual, basta o afirmado pelo Ministro Luiz Fux do STF,
em voto de desempate no RE
633703/MG - Relator Min. Gilmar Mendes[23].
Assim,
voltando ao exemplo de laboratório, se o caso julgado em 2009, ainda estiver em
fase de admissibilidade de recurso especial, atribuir aos fatos julgados penas
diversas da que consta em seu dispositivo, que
não incluiu a vedação de acesso a emprego público, é violar a coisa julgada
constante do acórdão condenatório (artigo 5º, XXXVI, da CR).
Por todas
essas razões nos parece inconstitucional, sem qualquer dúvida, o artigo 1º, letra “g”, da Lei estadual
n. 15.381/10, por violação aos princípios constitucionais da segurança jurídica, proteção da confiança,
coisa julgada e isonomia.
6. O
dispositivo legal estadual é inválido, pois seu conteúdo normativo contrasta
com os princípios constitucionais da razoabilidade e da ampla defesa – o
comando da norma institui limitação suspensiva de direito de participar da
coisa pública “sem dia definido para acabar” e onera a defesa dos acusados
excessivamente – institui a “inomeabilidade ou inacessibilidade processual”
para cargos públicos - violação aos artigos 5º, LIV e LV da Constituição
Federal – inconstitucionalidade material
– desvalia pontual da Lei estadual no artigo 1º, letra “g”.
O
dispositivo catarinense em crítica, tal qual o da lei eleitoral, criou uma
“pena” sem tempo certo para expiar. Criaram essas normas indefinição quanto ao
“dies ad quem” para o cumprimento da
reprimenda limitadora da liberdade de se candidatar e da limitadora da
liberdade de acessar cargos públicos. O
legislador - eleitoral e estadual - estabeleceu
uma pena que depende de circunstâncias indefinidas e incertas para acabar.
Vejamos:
“Art. 1º Fica vedada a nomeação para cargos em
comissão no âmbito dos órgãos dos Poderes Executivo, (...) às pessoas
inseridas nas seguintes hipóteses: (...)
g) os que forem condenados à suspensão dos direitos
políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de
improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e
enriquecimento ilícito, desde
a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;”
Há
um termo inicial, o da condenação colegiada, que vai até o trânsito em julgado.
Isso deixa o período de expiação completamente incerto, não é possível antever,
com certeza, o termo final. Concluído esse período de inacessibilidade, haverá
mais o tempo do cumprimento da pena. Passado este, no dia imediato subseqüente,
começara a correr mais oito anos de inacessibilidade.
Vale
esta observação crítica: tendo em conta a regra estadual, não se diga que ela
não constitui pena, mas “mero requisito” para provimento de cargo em comissão
em SC, nos poderes constituídos estaduais. Não é possível se “importar” o
inaceitável equívoco propalado pelos apologistas da lei ficha limpa eleitoral,
ao dizerem que “inelegibilidade não é pena”. Afirmar se inelegibilidade é ou
não pena é papel da Ciência Jurídica, da Teoria do Direito. O Direito Penal, o
Direito Administrativo e o Direito Eleitoral se beneficiam de seus aportes
explicativos e conceituais.
A
Teoria do Direito[24] afirma que sanção (pena)
é toda conseqüência limitadora de um direito, de uma liberdade, de um
patrimônio moral ou material, decorrente de comportamento juridicizado como
ilícito por norma de direito. Comportamento que resulta, para a pessoa que o
realiza, a incidência de certa carga restritiva ou ablativa de liberdade em sua
esfera jurídica. A sanção é o consequente do descumprimento da norma: acarreta
pena a quem prática o comportamento vedado pelo direito.
A
sanção pode ser de diversa natureza (privativa de liberdade, inibidora de candidaturas
ou de cargos públicos, pecuniária, etc). As normas de direitos podem prevê-las
através de diferentes formas legislativas (no mesmo dispositivo, comportamento
vedado e sanção; ou em dispositivos constantes de leis diferentes - a norma
primária [comportamento] e a secundária [sanção]). Para aplicação legítima da
sanção sempre haverá um devido processo. Necessária uma autoridade
competenciada para julgar a conduta e aplicar ao seu responsável as
consequências sancionatórias previstas nas normas jurídicas.
Nos
domínios dos direitos políticos existem comportamentos e sanções dispostas em
leis diferentes, cujos atos que ensejam ilícitos são reconhecidos em um
processo e perante certa autoridade - todavia a sanção é aplicada em outro
processo, perante diversa autoridade. Algo demais atípico frente ao devido
processo legal tradicional e ao juiz natural que conhecemos.
Exemplo
significativo é a inelegibilidade decorrente de rejeição de contas públicas. O
órgão constitucional que julga as contas é o Tribunal de Contas, através de
processo administrativo. De suas decisões podem advir conclusões sobre
comportamento que serão valorados em outro campo da jurisdição - a judicial -,
e na justiça especializada - a eleitoral -, em processo judicial de registro de
candidatura.
Isso
se dá quando o Tribunal de Contas rejeita contas por irregularidade insanável e
por decisão irrecorrível do órgão competente, o que, sob o ângulo da LC 64/90
(artigo 1º, letra “g”, antes da alteração da LC 135/10), será valorado na justiça
eleitoral como causa potente a cercear o exercício do direito político
fundamental de candidatura.
Ou
seja: na justiça eleitoral se verificará se ocorreu o pressuposto de fato da
norma eleitoral, que desautoriza candidatura pela ocorrência de uma ilicitude
reconhecida em processo administrativo de contas, mas cujos efeitos restritivos
de liberdade apenas se implementam quando houver busca de candidatura em
processo judicial eleitoral.
Ora,
estaremos sim diante de sanção, medida punitiva, ablativa de direitos, sempre
que um ato humano puder ser valorado como ilícito e justificante de uma
limitação da liberdade. Tudo baseado em norma de direito, que limita um
comportamento, estabelece consequências de sua prática e define uma autoridade
para julgá-lo.
O
mesmo raciocínio se aplica à compreensão da limitação de acesso aos cargos
públicos como pena/sanção. E no caso de laboratório em foco: sanção que tem
como pressuposto o reconhecimento de fatos que gerem condenações judiciais de
improbidade colegiadas!
Voltemos
ao exemplo hipotetizado. Digamos que do acórdão confirmatório da condenação
resulta o seguinte conjunto sancionatório: [i] suspensão dos direitos políticos
por 05 anos, [ii] proibição de contratar com o poder público por 05 anos e
[iii] de receber benefícios fiscais ou creditícios por 05 anos. A esse conjunto
de sanções agregar-se-ia uma nova pena ex
post facto e após a coisa julgada: a pena de [iv] “inacesso aos cargos
públicos”.
Essa
última pena além de acrescer às restrições cominadas na sentença, tem um tempo
maior de “aflição da liberdade” do que todas as demais, que se limitaram ao
período de 05 anos. Se transitar em julgado a condenação de 2009, saberá o
cidadão condenado, saberá o Judiciário e saberá a sociedade em geral, quando
iniciarão as penas qüinqüenais; saberão, com certeza, o termo inicial e o termo
final. O termo inicial é com o trânsito em julgado e o final se dará 05 anos
após.
Todavia,
quanto a pena ex post facto, seu
termo inicial é dia 20.10.2010, tendo em conta a condenação de 2009. Todavia,
enquanto durar o processamento do recurso especial interposto pelo cidadão
condenado, e este exercer “ampla defesa”, pela nova regra ocorreu a seguinte
mutação ilegítima: a “garantia processual individual de ampla defesa” foi
transformada em uma “pena incerta”, em nome da moralidade administrativa; há um
endurecimento da “lei e da ordem”, com o elastecimento sine die da pena.
Do
modo como se fixou os efeitos da pena e o período de sua expiação, a ampla
defesa, passou de um bem a um mal; de um bônus a um ônus; de um direito a um
encargo duro e penoso.
O
cidadão X, pela esdrúxula regra estadual, ainda que acredita em sua inocência e
na possibilidade de reversão da condenação, agregará ao período expiatório que
conta com 05 anos de suspensão dos direitos políticos e mais 08 anos de
inacessibilidade, o imensurável tempo
para esgotamento de seus recursos de defesa.
Além
da incerteza do tempo de duração da pena de inacesso, se houver êxito nas
pelejas recursais de X, a expiação vigorará incerta como nau sem rumo.
Absolvido, jamais poderá ser compensada no plano dos seus direitos de liberdade
política: essa a única certeza diante de pena sem tempo certo para durar -
enquanto ela durar, nada vai compensá-lo no futuro, na esperada hipótese de absolvição
em recurso!
No
caso de laboratório, vejamos o absurdo da normação em abstrato: X tem 45 anos
(em nosso suposto exemplo), sabe que ficará 13 anos fora da vida pública, mais o tempo que durar o exercício de seu
direito de defesa!?!!?? Pode isso ser razoável?!?!
Isso
é desproporcional e abusivo não só pelo tamanho da pena, pelo tempo em que ela
passou a vigorar, mais, notadamente,
pela completa incerteza quanto ao tempo que vigorará seus efeitos
sancionatórios, pela completa
incerteza quanto ao seu termo final (que poderá durar 18 ou 20 anos ou
mais, não se sabe?!)!
Além
dessa normação inconstitucional, desproporcional e irrazoável sob o ângulo do princípio
constitucional da proporcionalidade, outra invalidade acoima a norma da letra
“g”, do artigo 1º, da Lei estadual: a que viola o princípio da ampla defesa.
Parte deste raciocínio já foi desenvolvido acima.
E o
raciocínio completo é simples: pela nova regra penal e seus efeitos incertos,
além da defesa “não ser mais ampla”, pois desde a condenação colegiada sem
trânsito se aplica pena ao condenado, o seu exercício é um alongamento da pena,
uma ampliação de seu sofrimento, o que
demonstra que a norma penal anulou o valor e eficácia de uma garantia
fundamental processual!
Em
verdade o exercício da defesa recursal de estrito direto (ou mediante embargos
infringentes, ou declaratórios, ou embargos de divergência, etc), consistirá em
verdadeira “carga de ampliação do tempo de pena”, enquanto durar a busca do
condenado pelo reconhecimento de sua inocência ou pela invalidade de sua
condenação. E no caso hipotetizado, sendo ela conquistada, a pena já foi
sofrida, expiada (caso X seja privado do cargo em comissão que ocupa), e o mal
injusto decorrente de se condenar um inocente, não mais poderá ser reparado... Seu
cargo, seus vencimentos, sua vida, seus projetos, sua honra, sua dignidade,
jamais serão reparados!
Assim
a liberdade participação em foco é solapada pela lei em comento, sem tempo certo, sem condenação definitiva e
enquanto tentar o condenado exercer a garantia constitucional da ampla defesa.
Isso tudo é flagrantemente inconstitucional, como anota Adriano da Costa
Soares.[25]
E no que toca à
violação ao princípio da proporcionalidade, trazemos à colação o Ministro Celso
de Mello no RE 630.147/DF, ao analisar a lei complementar n. 135/10,
lesiva ao direito político fundamental de candidatura, por ferir a
razoabilidade exigida do poder legislativo:
“Como se
sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à
atividade do Poder Público.
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio
da proporcionalidade, que se qualifica – enquanto coeficiente de
aferição da razoabilidade dos atos estatais (...) - como postulado
básico de contenção dos excessos do Poder Público.
Essa é a razão pela
qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre
os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive
sobre a atividade estatal de produção normativa ou, como na
espécie, de resolução judicial de conflitos -, adverte que o princípio
da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado
Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades
fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo
a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente
daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a
garantia do “due process of law” (...).
A validade das
manifestações do Estado, portanto, analisadas estas em função de seu
conteúdo intrínseco - especialmente naquelas hipóteses de imposições
restritivas ou supressivas incidentes sobre determinados valores básicos (como
os direitos fundamentais) - passa a depender, essencialmente,
da observância de determinados requisitos que atuam como expressivas limitações
materiais à ação do Poder Público.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem
censurado a validade jurídica de atos estatais (inclusive de atos do
Poder Judiciário), que, desconsiderando as limitações que incidem sobre
o poder do Estado, veiculam prescrições ou decisões que
ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa
legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos
inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel.
Min.
CELSO DE MELLO – RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI
1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).”
A pena incerta e sua transmutação
do direito de defesa em encargo de ampliação da pena ditam, a mais não poder, a
completa desproporcionalidade da medida legislativa levada a efeito pelo
legislador catarinense, no que toca ao artigo 1º, letra “g” da Lei estadual n. 15.381/10.
7. Palavras finais
O tema “ficha limpa”, no
âmbito do discurso jurídico, pode ser abordado entre duas perspectivas de
análise: a dos moralistas e a dos constitucionalistas, como temos apregoado.[26]
Os
moralistas seriam aqueles operadores do Direito que olhando para a nossa
Constituição e para a cena política brasileira, encontram no princípio da
moralidade administrativa, no princípio da probidade, na idéia de vida
pregressa ilibada para candidatos, o maior valor a ser perseguido em uma
eleição. Para esses operadores, tais princípios, somados ao cânone de
proporcionalidade entre bens em conflito (direitos individuais x moralidade), são
os principais critérios que devem balizar toda a produção das leis,
especialmente uma lei que defina o processo de escolha dos candidatos, através
da fixação de hipóteses de inelegibilidades ou de inacessibilidade a cargos ou
empregos públicos.
Tais
posturas jurídicas são alimentadas pelo sentimento geral da população (e o alimentam
em retorno) de descontentamento com a classe política, que é tratada e avaliada
não pela média ou excelência de seus representantes, mas sim pelos piores
exemplos conhecidos midiaticamente (Paulo Maluf, Eurico Miranda, Jader
Barbalho, Joaquim Roriz, etc).
Os
raciocínios moralistas partem de particularidades para chegarem a
generalizações nada animadoras: se alguns são tão vis e indignos, é preciso
todos cuidarem de todos, pois muito mais o serão! O homem é o lobo do homem
(Hobbes)! A lei eleitoral deve ser preventiva
de improbidades! A presunção reinante é a de desconfiança do candidato e da
não confiança na capacidade de escolha
do eleitor... Por tais razões, que a justiça eleitoral, que juízes
filósofos (Platão), decidam quem deve dirigir as cidades e seus governos! A
vontade popular deve ser tutelada pela vontade judicial, essa última orientada
pela vontade do legislador.
Os
constitucionalistas, por sua vez, são aqueles operadores que veem na
Constituição um limite ao exercício arbitrário de poderes públicos ou privados.
Para esses a Constituição tem um sistema de direitos fundamentais que deve ser
observado na feitura de leis, sem qualquer exceção para as leis eleitorais ou
leis administrativas tratantes de provimento em cargo ou emprego públicos. A
vontade de Constituição é o fiel da balança a regrar a vontade popular, a
vontade do legislador e a vontade judicial. Para esses operadores, entre os
direitos fundamentais respeitáveis em qualquer produção do Legislativo ou do
Judiciário está a segurança jurídica, a não retroatividade das leis, a
presunção de inocência, a razoabilidade da ação legislativa punitiva, o limite
anual para incidência de leis novas que alterem o processo eleitoral. E mais: o
sagrado direito de receber votos, de candidatar-se, de disputar um mandato
público, de exercer um cargo público efetivo ou em comissão é tão importante
quanto qualquer direito fundamental como é o de votar; é tão relevante para o
regime democrático como a liberdade de ir, vir e ficar é para qualquer regime afastado
da barbárie e que caminha rumo ao avanço civilizatório.
Esses
operadores constitucionalistas se sustentam
na razão (Voltaire), expressa na
razão jurídico-constitucional, para ditarem seus comportamentos e decisões
jurídicas. Para eles uma Constituição é importante também para as minorias e
para conter a fúria e a paixão das maiorias, que, em dados momentos históricos,
podem, sem freios constitucionais, desencadear involuções ao argumento de
estatuírem progressos.
Pois
há épocas em que o ânimo de fazer justiça pode levar a intoleráveis injustiças,
como são os justiçamentos passionais e homicidas. Para esses operadores uma
Constituição é seguro critério de julgamento em grandes causas públicas na
história das nações. É o mastro de Ulysses diante do canto atraente e
destrutivo das sereias. Esses homens laboram para a história, e não para o
momento; eles plantam carvalhos para o amanhã e não couves para as próximas
semanas (Rui Barbosa).
Esse
embate entre moralistas e
constitucionalistas é salutar para que descubramos, depois das lutas pelas
diretas já e pelo impeachment de
Collor, que a moralidade é um valor constitucional fundamental, mas não
constitui um direito fundamental e não é norma superior as garantias e direitos
individuais estabelecidos na Constituição. Aliás, a moralidade administrativa
sequer é cláusula pétrea, enquanto os direitos fundamentais o são, por obra da
razão que ilumina e não da paixão que cega.
E
a moralidade utilizada em alguns dos discursos
midiáticos na atualidade brasileira, apesar
da diferença de tempo, lugar e regime, parece ser a mesma que justificou o
holocausto nazista; a prisão de Oscar Wilde; a discriminação racial que aprisionou
Nelson Mandela e matou Luther King; alimentou a fúria do macarthismo no EUA e
justificou atos de força e de exclusão política na era de Floriano Peixoto,
Getúlio Vargas e do triunvirato militar pós 1964.
Calha
ainda pontuar que a democracia não é a vacina definitiva contra a volta da
ditadura nem imunidade inexpugnável contra o totalitarismo. E ditaduras e
totalitarismos não morrem totalmente por que delas ou de suas cinzas emergiram
democracias. Idéias democráticas assombram ditaduras (vejam os tsunamis
políticos no oriente médio na crônica atual) e idéias totalitárias ou ditatoriais,
convivem, cotidianamente, no seio das democracias com muita mais facilidade e
sutileza (EUA, e caça ao terror; Brasil, moralidade pública superior a
Constituição e seu regime de liberdades!). Muitas vezes essas idéias são ilusoriamente
vendidas como democráticas... e compradas iludidamente como tais, por amplos
setores da sociedade civil, imprensa, representações de classe, movimentos
sociais, partidos políticos, tribunais, etc...
Isso
ocorre em nações onde o debate não é verdadeiramente
livre, plurilateral, franco e democrático. Onde o pluralismo de idéias é
renegado em nome da unicidade dos dogmas fruto do moral e politicamente correto[27],
a despeito do direito posto. Onde o medo de ser perseguido ou rotulado por suas
idéias diferentes é moeda corrente. No Brasil não podemos deixar que tais
idéias tenham vida fácil perante o Tribunal da razão e da ciência, como
dissemos.
A
democracia é o regime que, dialética e respeitosamente, admite o seu contrário
(Norberto Bobbio). Mas é o constitucionalismo que lhe assegura a vida e impede
o avanço das forças contrárias, mesmo que aclamadas por vontade popular
circunstancial que agrida a perene e pétrea vontade constituinte fundacional (Vanossi).
O
fiel da balança em uma democracia, que a salvaguarda da emergência de arroubos
ditatoriais ou totalitários, ou melhor, de idéias provindas desses matizes, é a
existência de uma Constituição democrática e efetiva (Luis Roberto Barroso).
Constituição originada de uma constituinte livre, representativa e soberana,
guarnecida por uma Corte Constitucional independente e ciosa de suas tarefas
institucionais em um regime de direitos fundamentais e separação de poderes.
Corte
Superior cujos juízes julguem, acima de qualquer expediente, com base em regras
e princípios constitucionais pré-estabelecidos no próprio texto da
Constituição. E não se fundamentem em volúveis, difusos, imprecisos e
irracionais sentimentos populares vazados por setores da sociedade que nem
sempre atentam para o valor de uma Lei Fundamental e seu regime de contenção
dos arbítrios de toda sorte - proveiam esses abusos do Poder Estatal ou do
Poder Social, ambos poderes constituídos
e contidos pela Constituição
democrática vigente.
No
ânimo de atender a tais propósitos superiores, como integrante da ala
constitucionalista do Direito, é que denunciamos, neste artigo, as
inconstitucionalidades constatadas na lei catarinense n. 15.381, de 17.12.2010.
Na esperança de que reine, acima das paixões, a segurança jurídica, sem a qual
a democracia se desmancha e a estabilidade das instituições republicanas se
desfaz.
[1]
Professor de Direito Constitucional da Escola Superior de Magistratura de Santa
Catarina e Professor de Direito
Constitucional Eleitoral e Recursos Eleitorais na Pós-Graduação em Direito Eleitoral
do CESULBRA - Mestre em
Direito Público pela UFSC –
Autor do livro “Conceito de Princípios Constitucionais” – Conferencista
Internacional – Secretário de Comissão Especial do Conselho Federal da OAB (a
em prol da emenda constitucional de iniciativa popular) - Sócio gerente da
Espíndola & Valgas, Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC –
Advogado militante perante o TSE e STF - ruysamuel@hotmail.com.
[2] “RECURSO ORDINÁRIO nº 1069 - Rio De
Janeiro/RJ Acórdão de 20/09/2006
Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA Ementa: Eleições 2006. Registro de
candidato. Deputado federal. Inelegibilidade. Idoneidade moral. Art. 14, § 9º,
da Constituição Federal. 1. O art. 14, §
9°, da Constituição não é auto-aplicável (Súmula nº 13 do Tribunal Superior
Eleitoral). 2. Na ausência de lei complementar estabelecendo os casos em que a
vida pregressa do candidato implicará inelegibilidade, não pode o julgador, sem
se substituir ao legislador, defini-los. Recurso provido para deferir o
registro. Decisão: O Tribunal, por maioria, proveu o Recurso, na
forma do voto do Relator.”
O
Ministro Carlos Britto, oficiante como juiz vogal, restou vencido. Em suas
teses, defendeu a auto-aplicabilidade do artigo, tendo em conta, entre outros
argumentos, o conceito de vida pregressa e a etimologia da palavra candidato,
que designa, segundo seu dito, “cândido”, “puro”, “honesto”.
[3] “ADPF 144, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal
Pleno, julgado em 06/08/2008,
DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 RTJ VOL-00215- PP-00031 - E M E N T
A: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – (....) MÉRITO: RELAÇÃO
ENTRE PROCESSOS JUDICIAIS, SEM QUE NELES HAJA CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL, E O
EXERCÍCIO, PELO CIDADÃO, DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA - REGISTRO DE
CANDIDATO CONTRA QUEM FORAM INSTAURADOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS, NOTADAMENTE
AQUELES DE NATUREZA CRIMINAL, EM CUJO ÂMBITO AINDA NÃO EXISTA SENTENÇA
CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO - IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE
DEFINIR-SE, COMO CAUSA DE INELEGIBILIDADE, A MERA INSTAURAÇÃO, CONTRA O
CANDIDATO, DE PROCEDIMENTOS JUDICIAIS, QUANDO INOCORRENTE CONDENAÇÃO CRIMINAL
TRANSITADA EM JULGADO - PROBIDADE ADMINISTRATIVA, MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO
DO MANDATO ELETIVO, "VITA ANTEACTA" E PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE
INOCÊNCIA - SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS E IMPRESCINDIBILIDADE, PARA ESSE
EFEITO, DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL (CF, ART. 15, III) -
REAÇÃO, NO PONTO, DA CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA DE 1988 À ORDEM AUTORITÁRIA QUE
PREVALECEU SOB O REGIME MILITAR - CARÁTER AUTOCRÁTICO DA CLÁUSULA DE
INELEGIBILIDADE FUNDADA NA LEI COMPLEMENTAR Nº 5/70 (ART. 1º, I,
"N"), QUE TORNAVA INELEGÍVEL QUALQUER RÉU CONTRA QUEM FOSSE RECEBIDA
DENÚNCIA POR SUPOSTA PRÁTICA DE DETERMINADOS ILÍCITOS PENAIS - DERROGAÇÃO DESSA
CLÁUSULA PELO PRÓPRIO REGIME MILITAR (LEI COMPLEMENTAR Nº 42/82), QUE PASSOU A
EXIGIR, PARA FINS DE INELEGIBILIDADE DO CANDIDATO, A EXISTÊNCIA, CONTRA ELE, DE
CONDENAÇÃO PENAL POR DETERMINADOS DELITOS - ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL SOBRE O ALCANCE DA LC Nº 42/82: NECESSIDADE DE QUE SE ACHASSE
CONFIGURADO O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO (RE 99.069/BA, REL. MIN. OSCAR
CORRÊA) - PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE
ASSISTE A QUALQUER PESSOA - EVOLUÇÃO HISTÓRICA E REGIME JURÍDICO DO PRINCÍPIO
DO ESTADO DE INOCÊNCIA - O TRATAMENTO DISPENSADO À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELAS
DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS, TANTO AS DE
CARÁTER REGIONAL QUANTO AS DE NATUREZA GLOBAL - O PROCESSO PENAL COMO DOMÍNIO
MAIS EXPRESSIVO DE INCIDÊNCIA DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA -
EFICÁCIA IRRADIANTE DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DESSE
PRINCÍPIO AO ÂMBITO DO PROCESSO ELEITORAL - HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE -
ENUMERAÇÃO EM ÂMBITO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 14, §§ 4º A 8º) - RECONHECIMENTO,
NO ENTANTO, DA FACULDADE DE O CONGRESSO NACIONAL, EM SEDE LEGAL, DEFINIR
"OUTROS CASOS DE INELEGIBILIDADE" - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, EM TAL
SITUAÇÃO, DA RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR (CF, ART. 14, § 9º) - IMPOSSIBILIDADE,
CONTUDO, DE A LEI COMPLEMENTAR, MESMO COM APOIO NO § 9º DO ART. 14 DA
CONSTITUIÇÃO, TRANSGREDIR A PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA, QUE SE
QUALIFICA COMO VALOR FUNDAMENTAL, VERDADEIRO "CORNERSTONE" EM QUE SE
ESTRUTURA O SISTEMA QUE A NOSSA CARTA POLÍTICA CONSAGRA EM RESPEITO AO REGIME
DAS LIBERDADES E EM DEFESA DA PRÓPRIA PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA - PRIVAÇÃO
DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA E PROCESSOS, DE NATUREZA CIVIL, POR IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA - NECESSIDADE, TAMBÉM EM TAL HIPÓTESE, DE CONDENAÇÃO
IRRECORRÍVEL - COMPATIBILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 (ART. 20, "CAPUT")
COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 15, V, c/c O ART. 37, § 4º) - O
SIGNIFICADO POLÍTICO E O VALOR JURÍDICO DA EXIGÊNCIA DA COISA JULGADA (...) -
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL JULGADA IMPROCEDENTE, EM
DECISÃO REVESTIDA DE EFEITO VINCULANTE.”
Trata-se de consulta
formulada pelo Senador da República Arthur Virgílio Neto questionando a
aplicabilidade para as eleições de 2010 de lei que disponha sobre
inelegebilidade que entre em vigor antes do dia 5 de julho.
Inicialmente, o
Ministro Relator Hamilton Carvalhido ponderou que, embora iniciado o período para
a realização das convenções, quando o Tribunal não mais conhece das consultas
formuladas, tal entendimento comporta exceção, caracterizado na espécie, tendo
em vista tratar da aplicação da nova Lei de Inelegibilidade − Lei Complementar
no 135, publicada em 7.6.2010. Ressalvou que o conhecimento
das consultas pelo Tribunal Superior Eleitoral tem a função precípua de
orientar os tribunais regionais eleitorais, os juízes eleitorais e os
jurisdicionados quanto à aplicação da Lei Eleitoral, absolutamente necessária
no caso em tela.
No mérito, o eminente
relator assentou que a nova lei, denominada “Lei da Ficha Limpa”, não deixa
dúvida em seus termos quanto à sua aplicação alcançar situações anteriores ao
início de sua vigência e, consequentemente, as eleições de 2010. Nesse sentido
destacou o disposto no art. 3o da nova lei.
Em sequência, afirmou
a inexistência de óbice à incidência imediata da norma quanto ao princípio da
anualidade estatuído no art. 16 da Constituição Federal. Nesse ponto, destacou
que as inovações trazidas pela LC no 135/2010 têm a natureza
de norma eleitoral material e em nada se identificam com as do processo
eleitoral. Ressaltou, ainda, o entendimento firmado pelo TSE no julgamento da
Consulta 11.173/DF, Rel. Min. Octávio Gallotti, ocasião em que o Tribunal
assentou a aplicabilidade imediata da Lei Complementar no
64/90 para as eleições que se realizariam naquele ano.
Prosseguindo o seu
voto, o Ministro Hamilton Carvalhido examinou a norma contida no art. 14, § 9o
e a relacionou ao art. 5o, LVII, ambos da Constituição
Federal. Assentou, nesse ponto, que a regra política visa, acima de tudo, ao
futuro, função eminentemente protetiva e, assim, alcança restritivamente a
garantia da presunção de não culpabilidade, impondo-se a ponderação de valores
para o estabelecimento dos limites resultantes da norma de inelegibilidade.
Concluiu o seu voto, com o entendimento de que o legislador, ao editar a LC no
135/2010, o fez com o menor sacrifício possível da presunção de não
culpabilidade, ao ponderar os valores protegidos, dando eficácia apenas aos
antecedentes já consolidados em julgamento colegiado, sujeitando-os, ainda, à
suspensão cautelar, quanto à inelegibilidade.
O presidente do TSE,
Ministro Ricardo Lewandowski, destacou o julgamento da ADI no
3.345, Rel. Min. Celso de Mello, e da ADI no 3.741, de sua
relatoria, acolhida à unanimidade pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal,
quando se assentou as hipóteses em que há o rompimento do princípio da
anualidade, disposto no art. 16 da Consitituição Federal.
O Ministro Arnaldo
Versiani, ressalvando o seu ponto de vista no sentido de que o art. 16 da
Constituição se aplica a toda alteração no processo eleitoral, quer seja feita
por lei ordinária, complementar ou emenda constitucional, acompanhou o voto do
relator.
A Ministra Cármen
Lúcia, ao proferir seu voto, ressaltou que o questionamento limita-se em saber
se a LC no 135/2010 é aplicável ou não às Eleições 2010. Por
tal razão, afirmou que a consulta merece ser conhecida, pois não versa sobre a
validade da norma e, dessa forma, não invade a competência do Supremo Tribunal
Federal. No mérito, entendeu que a lei em questão não é casuística, ou seja,
não tem a finalidade de tratar caso a caso para atingir pessoas ou situações
determinadas, tendo em vista que lei que emana da sociedade não pode ser
considerada como tal. Em continuidade ao seu voto, a eminente ministra assentou
que a LC no 135/2010 pretende dar máxima efetividade
constitucional e, nesse caso, a maior legitimidade eleitoral obtida através do
desdobramento do mandamento contido no art. 14, § 9o, da
Constituição. Afirmou que não há qualquer antagonismo na aplicação da norma e
que esta deve ser entendida no contexto de um fluxo ético constitucional que
não se rompe com a sua aplicação imediata e sim com o diferimento do início da
sua aplicação. Destacou, por fim, que a intenção do legislador é a aplicação
imediata da lei, haja vista o art. 3o da LC no
135/2010, que permite o aditamento dos recursos interpostos antes da vigência
da lei para os fins que dispõe o art. 26-C da lei, eximindo-se, assim, qualquer
hipótese de casuísmo.
O Ministro Marco
Aurélio não conheceu da consulta por entender que já se iniciou o período das
convenções partidárias e a aplicação da lei reflete na escolha dos candidatos.
Ressaltou as implicações que a lei trará, principalmente, no que tange à sua
aplicação normativa no tempo, considerada a inelegibilidade pelo período de 8
anos e os fatores já existentes. Afirmou que a LC no 135/2010
traz alteração ao processo eleitoral, tendo em vista que interfere no ato de
registro de candidatos ao gerar novas situações de inelegibilidade. Concluiu
que a nova lei não deve ser aplicada para as eleições a serem realizadas neste
ano, aplicando-se, assim, o disposto no art. 16 da Constituição Federal.
Em sequência, o
Ministro Aldir Passarinho, acompanhando o voto do relator, assentou que não há
direito adquirido, considerando que as condições de elegibilidade e as
inelegibilidades somente são aferidas no momento do registro de candidatura,
que acontecerá no próximo dia 5 de julho, bem assim que a alteração trazida
pela nova lei é linear, incidindo sobre todos os partidos e candidatos de
maneira uniforme.
O Ministro Marcelo
Ribeiro, ressalvando o seu ponto de vista quanto à aplicabilidade do art. 16 da
Constuição ao caso em questão, também, acompanhou o voto do relator.
Por fim, o ministro
presidente reafirmou que a nova lei não provoca o rompimento do princípio da
isonomia entre partidos e candidatos, criação de deformação que afete a
normalidade das eleições, introdução de fator de pertubação do pleito ou
alteração motivada por propósito casuístico, razão pela qual não deve ser
aplicado o disposto no art. 16 da Constituição.
Nesse entendimento, o
Tribunal, por maioria, conheceu da consulta, vencido o Ministro Marco Aurélio.
No mérito, também por maioria, o Tribunal respondeu afirmativamente à
indagação.
Consulta
no 1.120-26/DF, rel. Min. Hamilton Carvalhido, em 10.6.2010.”
[5] Informativo do STF: “Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF) decidiu que a Lei Complementar (LC) 135/2010, a chamada Lei da
Ficha Limpa, não deve ser aplicada às eleições realizadas em 2010, por
desrespeito ao artigo 16 da Constituição Federal, dispositivo que trata da
anterioridade da lei eleitoral. Com essa decisão, os ministros estão
autorizados a decidir individualmente casos sob sua relatoria, aplicando o
artigo 16 da Constituição Federal.
A decisão
aconteceu no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 633703, que discutiu a constitucionalidade
da Lei Complementar 135/2010 e sua aplicação nas eleições de 2010. Por
seis votos a cinco, os ministros deram provimento ao recurso de Leonídio Correa
Bouças, candidato a deputado estadual em Minas Gerais que teve
seu registro negado com base nessa lei.
Relator
O ministro
Gilmar Mendes votou pela não aplicação da lei às eleições gerais do ano
passado, por entender que o artigo 16 da Constituição Federal (CF) de 1988, que
estabelece a anterioridade de um ano para lei que altere o processo eleitoral,
é uma cláusula pétrea eleitoral que não pode ser mudada, nem mesmo por lei
complementar ou emenda constitucional.
Acompanhando o
relator, o ministro Luiz Fux ponderou que “por melhor que seja o direito, ele
não pode se sobrepor à Constituição”. Ele votou no sentido da não
aplicabilidade da Lei Complementar nº 135/2010 às eleições de 2010, com base no
princípio da anterioridade da legislação eleitoral.
O ministro Dias
Toffoli acompanhou o voto do relator pela não aplicação da Lei da Ficha Limpa
nas Eleições 2010. Ele reiterou os mesmo argumentos apresentados anteriormente
quando do julgamento de outros recursos sobre a mesma matéria. Para ele, o
processo eleitoral teve início um ano antes do pleito.
Em seu voto, o
ministro Marco Aurélio também manteve seu entendimento anteriormente declarado,
no sentido de que a lei não vale para as eleições de 2010. Segundo o ministro,
o Supremo não tem culpa de o Congresso só ter editado a lei no ano das
eleições, “olvidando” o disposto no artigo 16 da Constituição Federal, concluiu
o ministro, votando pelo provimento do recurso.
Quinto ministro
a se manifestar pela inaplicabilidade da norma nas eleições de 2010, o decano
da Corte, ministro Celso de Mello, disse em seu voto que qualquer lei que
introduza inovações na área eleitoral, como fez a Lei Complementar 135/2010,
interfere de modo direto no processo eleitoral – na medida em que
viabiliza a inclusão ou exclusão de candidatos na disputa de mandatos
eletivos – o que faz incidir sobre a norma o disposto no artigo 16 da
Constituição. Com este argumento, entre outros, o ministro acompanhou o
relator, pelo provimento do recurso.
Último a votar,
o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso,
reafirmou seu entendimento manifestado nos julgamentos anteriores sobre o tema,
contrário à aplicação da Lei Complementar nº 135/2010 às eleições do ano
passado. “Minha posição é bastante conhecida”, lembrou.
Peluso ressaltou
o anseio comum da sociedade pela probidade e pela moralização, “do qual o STF
não pode deixar de participar”. Para o presidente, “somente má-fé ou propósitos
menos nobres podem imputar aos ministros ou à decisão do Supremo a ideia de que
não estejam a favor da moralização dos costumes políticos”. Observou, porém,
que esse progresso ético da vida pública tem de ser feito, num Estado
Democrático de Direito, a com observância estrita da Constituição. “Um tribunal
constitucional que, para atender anseios legítimos do povo, o faça ao arrepio
da Constituição é um tribunal em que o povo não pode ter confiança”, afirmou.
O ministro
aplicou ao caso o artigo 16, “exaustivamente tratado”, e o princípio da
irretroatividade “de uma norma que implica uma sanção grave, que é a exclusão
da vida pública”. A medida, para Peluso, não foi adotada “sequer nas ditaduras”.
Divergência
Abrindo a
divergência, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha votou pela aplicação da Lei
Complementar nº135/10 já às eleições de 2010, dando, assim, improvimento ao
Recurso Extraordinário 633703, interposto por Leonídio Bouças, que teve
indeferido o registro de sua candidatura para deputado estadual pelo PMDB de
Minas Gerais, com fundamento na LC 135.
A ministra disse
que, ao contrário da manifestação do relator, ministro Gilmar Mendes, não
entende que a LC tenha criado desigualdade entre os candidatos, pois todos
foram para as convenções, em junho do ano passado, já conhecendo as regras
estabelecidas na LC 135.
Quanto a seu
voto proferido na Medida Cautelar na ADI 4307, ela lembrou que, naquele caso,
de aplicação da Emenda Constitucional nº 58/2009 retroativamente às eleições de
2008, votou contra, pois se tratou de caso diferente do da LC 135, esta editada
antes das convenções e do registro de candidatos.
Ao votar, o
ministro Ricardo Lewandowski, que também exerce o cargo de presidente do TSE,
manteve entendimento no sentido de negar provimento ao RE, ou seja, considerou
que a Lei da Ficha Limpa deve ser aplicável às Eleições 2010. Segundo ele, a
norma tem o objetivo de proteger a probidade administrativa e visa a
legitimidade das eleições, tendo criado novas causas de inelegibilidade
mediante critérios objetivos.
Também ressaltou
que a lei foi editada antes do registro dos candidatos, “momento crucial em que
tudo ainda pode ser mudado”, por isso entendeu que não houve alteração ao processo
eleitoral, inexistindo o rompimento da igualdade entre os candidatos. Portanto,
Lewandowski considerou que a disciplina legal colocou todos os candidatos e
partidos nas mesmas condições.
Em seu voto, a
ministra Ellen Gracie manteve seu entendimento no sentido de que a norma não
ofendeu o artigo 16 da Constituição. Para ela, inelegibilidade não é nem ato
nem fato do processo eleitoral, mesmo em seu sentido mais amplo. Assim, o
sistema de inelegibilidade – tema de que trata a Lei da Ficha Limpa –
estaria isenta da proibição constante do artigo 16 da Constituição.
Os ministros
Joaquim Barbosa e Ayres Britto desproveram o recurso e votaram pela
aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa. O primeiro deles disse que, desde a
II Guerra Mundial, muitas Cortes Supremas fizeram opções por mudanças e que, no
cotejo entre o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição Federal (CF), que
inclui problemas na vida pregressa dos candidatos entre as hipóteses da
inelegibilidade, e o artigo 16 da CF, que estabelece o princípio da
anterioridade, fica com a primeira opção.
Em sentido
semelhante, o ministro Ayres Britto ponderou que a Lei Complementar nº 135/2010
é constitucional e decorre da previsão do parágrafo 9º do artigo 14 da CF.
Segundo ele, faz parte dos direitos e garantias individuais do cidadão ter
representantes limpos. “Quem não tiver vida pregressa limpa, não pode ter a
ousadia de pedir registro de sua candidatura”, afirmou.”
[6] Índio da Costa do Brasil
(DEM), vice de José Serra, PSDB.
[7] Na seguinte fonte colhemos
esta informação, acessada em 17.10.2011:
“Em apenas uma semana mais de 149 mil
brasileiros assinaram a petição que solicita à presidente Dilma Rousseff (PT)
que indique ao Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro favorável à aplicação
da Lei Ficha Limpa a partir das eleições de 2012. A ação foi lançada pelo
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e pela Avaaz.org no dia 5. O
objetivo é que o abaixo-assinado chegue às mãos da presidente com 150 mil
assinaturas. "Já solicitamos audiência com a Casa Civil e com a Secretaria
da Presidência, mas ainda não nos deram retorno", informou o presidente do
MCCE, juiz Marlon Reis.
A preocupação do movimento, segundo ele, é a de que o substituto da ex-ministra Ellen Gracie esteja ligado aos interesses da sociedade "de mudar e combater a corrupção". "Apoiar a Ficha Limpa é só a primeira demonstração que o indicado pode dar de compromisso com os brasileiros", acrescentou Marlon Reis, ressaltando que o projeto de lei que originou a Ficha Limpa recebeu o apoio de 1,6 milhão de eleitores. O MCCE foi o responsável pela coleta das assinaturas que resultou na norma que proíbe a candidatura de políticos com condenações em órgãos colegiados ou que renunciaram ao mandato para escapar da cassação.”
A preocupação do movimento, segundo ele, é a de que o substituto da ex-ministra Ellen Gracie esteja ligado aos interesses da sociedade "de mudar e combater a corrupção". "Apoiar a Ficha Limpa é só a primeira demonstração que o indicado pode dar de compromisso com os brasileiros", acrescentou Marlon Reis, ressaltando que o projeto de lei que originou a Ficha Limpa recebeu o apoio de 1,6 milhão de eleitores. O MCCE foi o responsável pela coleta das assinaturas que resultou na norma que proíbe a candidatura de políticos com condenações em órgãos colegiados ou que renunciaram ao mandato para escapar da cassação.”
[8] A primeira Adin, a de n. 4.578, é de
30.01.11, movida pela Confederação Nacional das Profissões Liberais, pedindo o
reconhecimento da inconstitucionalidade da letra “m”, do artigo 2º, da LC
135/10, por malferir a razoabilidade (extrapolaria a competência dos conselhos
profissionais, que farão papel de juiz eleitoral, aplicar penas disciplinares
que tenham conseqüências eleitorais cívicas) – estando, segundo a petição
inicial da Confederação, “a saltar aos olhos a inconstitucionalidade”.
A segunda foi uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC
29), movida pelo PPS, aforada em 19.04.11, que postula a declaração de
constitucionalidade da lei, para aplicá-la a fatos e decisões ocorridas antes
de sua entrada em vigor. Afirma, repetindo jargões do TSE e dos apologistas da
lei: que ao dispor a Constituição da República (no artigo 14, § 9º) de vida
pregressa, moralidade para o exercício do mandato e probidade administrativa,
claro que poderia e deveria retroagir a LC 135/90 para aplicação a fatos
passados; depois, inelegibilidade, segundo o discurso dessa inicial, não seria
pena, por tanto as garantias penais não se lhe aplicariam, como a idéia de legalidade
penal prévia, etc. Que inelegibilidade seria aferida na data do pedido de
candidatura, regendo-lhe o deferimento a lei em vigor neste tempo, o tempo de
pedido de candidatura. Outra razão para a constitucionalidade seria que ninguém
tem o direito inato e inalienável de se candidatar.
A terceira ação seria uma
declaratória de constitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da OAB
federal (ADC 30), em 03.05.11, pedindo valia da aplicação retroativa, no mesmo
sentido do PPS, mas com mais argumentos de causa
petendi – razoabilidade e proporcionalidade justificariam a espécie.
Inelegibilidade não é pena e não impõe punição; vida pregressa autorizaria
aplicação ao passado, etc. Presunção de inocência não se aplicaria como
impediente, por que não se trata de pena a inelegibilidade; o valor maior a
tutelar, no caso da lei de inelegibilidades, é a proteção da moralidade
administrativa, que é valor constitucional, e para os afetados pela LC 135/90
haveria sempre a possibilidade de se pedir a medida cautelar prevista no artigo
26-C, da atual redação da LC 64/90.
[9] E. g., Piauí, Maranhão e
Santa Catarina.
[10] “Art. 1o
Esta Lei Complementar altera a Lei Complementar no 64, de 18
de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art.
14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e
determina outras providências. “Art. 2o A
Lei Complementar no 64, de 1990, passa a vigorar com as
seguintes alterações: “Art. 1o
I – : c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito
Federal e o Prefeito e o
Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo
da Constituição Estadual, da Lei
Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições
que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término do mandato
para o qual tenham sido eleitos; d) os que tenham contra sua pessoa
representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por
órgão colegiado, em processo
de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual
concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; e) os que forem
condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o
cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração
pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema
financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei
comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que
houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função
pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico
de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8.
de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade
sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; f) os
que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo
de 8
(oito) anos; g) os que
tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas
rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade
administrativa, e por decisão
irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada
pelo Poder Judiciário, para
as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o
disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os
ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa
condição; h) os detentores de
cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que
beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político,
que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão
judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados,
bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado
ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral,
por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de
recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas
eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8
(oito) anos a contar da eleição; k) o Presidente da República, o Governador de
Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das
Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que
renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição
capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da
Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito
Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem
durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito)
anos subsequentes ao término da legislatura; l) os que forem condenados à
suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida
por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que
importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a
condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos
após o cumprimento da pena; m) os que forem excluídos do exercício da
profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em
decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo
se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário; n) os que forem
condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado,
em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união
estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito)
anos após a decisão que reconhecer a fraude; o) os que forem demitidos do
serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo
prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso
ou anulado pelo Poder Judiciário; p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas
jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão
transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral,
pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento
previsto no art. 22; q) os magistrados e os membros do Ministério Público que
forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham
perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria
voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8
(oito) anos;”
[11] LEI
Nº 15.381, de 17 de dezembro de 2010 Procedência – Dep. Cesar Souza
Júnior Natureza – PL./0262.0/2010
DO. 18.994 de 20/12/2010: “Disciplina a nomeação para cargos em comissão no
âmbito dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e do Tribunal
de Contas do Estado e adota outras providências. O GOVERNADOR DO ESTADO DE
SANTA CATARINA, Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembleia
Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Fica
vedada a nomeação para cargos em comissão no âmbito dos órgãos dos Poderes
Executivo, Legislativo, Judiciário e do Tribunal de Contas do Estado às pessoas
inseridas nas seguintes hipóteses: a) os que tenham contra sua pessoa
representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em
julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de
apuração de abuso do poder econômico ou político, desde a decisão até o
transcurso do prazo de 8 (oito) anos; b) os que forem condenados, em
decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde
a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da
pena, pelos crimes: 1.
contra a economia popular, a fé pública, a Administração Pública e o patrimônio
público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de
capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente
e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de
liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à
perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de
lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes
e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à
condição análoga a de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10.
praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; c) os que forem
declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos; d) os que tiverem suas contas relativas ao exercício
de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa,
e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo
Poder Judiciário, aplicando-se o disposto no inciso II
do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem
exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição, desde
a decisão até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos; e) os detentores de cargo
na Administração Pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si
ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados
em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado,
desde a decisão até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos; f) os
que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão
colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita
de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou
por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem
cassação do registro ou do diploma, desde a decisão até o transcurso do prazo
de 8 (oito) anos; g) os que forem condenados à suspensão dos direitos
políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao
patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito
em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da
pena; h) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão
sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração
ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido
anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário; i) os que forem demitidos do serviço
público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8
(oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado
pelo Poder Judiciário; j) os membros do Governo do Estado, da Assembleia
Legislativa, do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas do Estado, que
forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, e que tenham
perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria
voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8
(oito) anos. Art. 2º A vedação prevista na alínea “b” deste artigo não se aplica aos
crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo,
nem aos crimes de ação penal privada. Art. 3º Todos os atos efetuados em
desobediência às vedações previstas serão considerados nulos. Art. 4º
Caberá ao Governo do Estado, à Assembleia Legislativa, ao Tribunal de Justiça e
ao Tribunal de Contas do Estado, de forma individualizada, a fiscalização de
seus atos em obediência a presente Lei, com a possibilidade de requerer aos
órgãos competentes informações e documentos que entender necessários para o
cumprimento das exigências legais. Art. 5º O nomeado ou designado,
obrigatoriamente antes da posse, terá ciência das restrições e declarará por
escrito não encontrar-se inserido nas vedações do art. 1º desta
Lei. Art. 6º O Governador do
Estado e os Presidentes da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Justiça e do
Tribunal de Contas do Estado, dentro do prazo de noventa dias, contados da
publicação desta Lei, promoverão a exoneração dos atuais ocupantes de cargos de
provimento em comissão, nas situações previstas no art. 1º. Parágrafo
único. Os atos de exoneração produzirão efeitos a contar de suas respectivas
publicações. Art. 7º As denúncias de descumprimento desta Lei, deverão
ser encaminhadas ao Ministério Público, que ordenará as providências cabíveis
na espécie. Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Florianópolis, 17 de dezembro de 2010 LEONEL ARCÂNGELO PAVAN Governador do Estado”
[12][12] O
conceito de inconstitucionalidade formal, orgânica e material foram retirados
das seguintes obras, que explicam seus efeitos no plano do controle de
constitucionalidade: Elival da Silva Ramos. A Inconstitucionalidade
das Leis. Vício e Sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. 255 p. e Luís
Roberto Barroso. O Controle de
Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. 299 p.
[13] Vejamos: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 135, I; E 138, CAPUT E § 3.º, DA CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO DA PARAÍBA. AUTONOMIA INSTITUCIONAL DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO. REQUISITOS
PARA A NOMEAÇÃO DO PROCURADOR-GERAL, DO PROCURADOR-GERAL ADJUNTO E DO
PROCURADOR-CORREGEDOR. (...) Os
demais dispositivos, ao estabelecerem requisitos para a nomeação dos cargos de
chefia da Procuradoria-Geral do Estado, limitam as prerrogativas do Chefe do
Executivo estadual na escolha de seus auxiliares, além de disciplinarem matéria
de sua iniciativa legislativa, na forma da letra c do inciso II do § 1 .º do
art. 61 da Constituição Federal. Ação julgada procedente. (ADI 217,
Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/2002) Do corpo do
acórdão, voto do min. relator Ilmar Galvão: “Registre-se, ademais, que, ao
dispor sobre requisitos para preenchimento de postos de chefia na estrutura da
Procuradoria do Estado, os dispositivos em questão violaram a iniciativa
privativa do Governador para leis que disponham sobre o provimento de cargos,
prevista na alínea c do inciso II do § 1º do art. 61 da Carta da República,
regra que, sendo corolário do princípio da separação de poderes, é de
observância obrigatório pelos Estados, até mesmo no exercício do poder
constituinte decorrente.”
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 54, VI DA CONSTITUIÇÃ O DO ESTADO DO
PIAUÍ. VEDAÇÃO DA FIXAÇÃO DE LIMITE
MÁXIMO DE IDADE PARA PRESTAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. OFENSA AOS ARTIGOS 37, I E
61, § 1º, II, C E F, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Dentre
as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória
pelos Estados, por sua implicação
com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes,
encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II da CF, que
determinam a iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo na elaboração de
leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos
servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min.
Sepúlveda Pertence, D.J. 26.02.99, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700,
rel. Min. Maurício Corrêa.
Esta
Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição Estadual vedando a estipulação de limite de idade para
o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de
cargos e ao regime jurídico
de servidor público, matéria
cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do
Chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, rel. Min. Nelson
Jobim, DJ 14.06.2002 e ADI 243, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ
29.11.2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente. (ADI 2873, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado
em 20/09/2007)”
“CONCURSO
PÚBLICO - INSCRIÇÃO - IDADE. Os
requisitos para ingresso no serviço público - entre eles, o concernente
à idade - hão de estar previstos em
lei de iniciativa do Poder Executivo - artigos 37, inciso I, e 61, inciso II,
"c", da Constituição Federal, mostrando-se com esta
conflitante texto da Carta do Estado a excluir disciplina específica do tema. Inconstitucionalidade
do inciso III do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, segundo
o qual "não haverá limite máximo de idade para a inscrição em concurso
público, constituindo-se, entretanto, em requisito de acessibilidade ao cargo
ou emprego a possibilidade de permanência por cinco anos no seu efetivo
exercício".(ADI 243, Relator(a):
Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO
AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 01/02/2001)”
“EMENTA:
CONSTITUCIONAL. LEI ORGÂNICA DO DF QUE
VEDA LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZADA
OFENSA AOS ARTS. 37, I E 61 § 1º II, "C" DA CF, INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO EM RAZÃO DA MATÉRIA - REGIME
JURÍDICO E PROVIMENTO DE CARGOS DE
SERVIDORES PÚBLICOS. EXERCÍCIO DO PODER DERIVADO DO MUNICÍPIO, ESTADO OU
DF. CARACTERIZADO O CONFLITO ENTRE A LEI E A CF, OCORRÊNCIA DE VÍCIO FORMAL.
PRECEDENTES. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.(ADI 1165, Relator(a): Min. NELSON
JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2001)
“Ação
Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Estadual n. 7.341/2002 do Espírito
Santo que exige nível superior de ensino como requisito para inscrição em concurso público para o cargo de Agente
de Polícia. 3. Lei de iniciativa parlamentar. 4. Inconstitucionalidade formal:
matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. 5.
Precedentes. 6. Ação julgada procedente.(ADI 2856, Relator(a): Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/02/2011)
“I.
Ação direta de inconstitucionalidade: Lei Complementar Estadual 170/98, do
Estado de Santa Catarina, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Ensino: artigo
26, inciso III; artigo 27, seus incisos e parágrafos; e parágrafo único do
artigo 85: inconstitucionalidade declarada.
II.
Prejuízo, quanto ao art. 88 da lei impugnada, que teve exaurida a sua eficácia
com a publicação da Lei Complementar Estadual 351, de 25 de abril de 2006.
III.
Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de
jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais
da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado
e de seus municípios na organização do sistema de ensino: reserva de
iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime
jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e
aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c). (ADI 1895, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 02/08/2007)
[14] “Art. 12.
Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na
legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às
seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de
acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009). I -
na hipótese do art. 9°, (...) perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, (...);
II - na hipótese do art. 10, (...), perda
da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos,
(...); III - na hipótese do art. 11, (...) perda
da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
(...). Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará
em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido
pelo agente. (...). Art. 20. A perda da função pública e a
suspensão dos direitos políticos só se
efetivam com o trânsito em julgado
da sentença condenatória.”
[15] “Art. 1º Fica vedada a nomeação para cargos em
comissão no âmbito dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e
do Tribunal de Contas do Estado às pessoas inseridas nas seguintes hipóteses:
(...) g) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão
transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso
de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e
enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o
transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.”
[16] “RE 634.224/DF RELATOR:
Min. Celso de Mello
EMENTA:
CONCURSO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO
SOCIAL. VIDA PREGRESSA DO CANDIDATO. EXISTÊNCIA, CONTRA
ELE, DE PROCEDIMENTO PENAL. EXCLUSÃO DO CANDIDATO. IMPOSSIBILIDADE.
TRANSGRESSÃO AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.
- A exclusão de candidato regularmente
inscrito em concurso público, motivada, unicamente, pelo
fato de haver sido instaurado, contra ele, procedimento penal, sem
que houvesse, no entanto, condenação criminal transitada
em julgado, vulnera, de modo frontal, o postulado
constitucional do estado de inocência, inscrito no art. 5º,
inciso LVII, da Lei Fundamental da República. Precedentes.
(...).
Com efeito,
a controvérsia suscitada na presente causa já foi dirimida,
embora em sentido diametralmente oposto ao ora sustentado pela
União Federal, por ambas as Turmas do Supremo
Tribunal Federal, que, em diversos julgados, reafirmaram
a aplicabilidade, aos concursos públicos, da presunção constitucional
do estado de inocência:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO
PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL.
SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO PRINCÍPIO
DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO.
I – Viola o princípio constitucional da presunção
de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a
exclusão de candidato de concurso público que foi beneficiado
por sentença penal extintiva de punibilidade.
(...).
III - Agravo regimental improvido.” (RE
450.971-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - grifei)
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL DO
DISTRITO FEDERAL. MAUS ANTECEDENTES. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRECEDENTES.
O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no
sentido de que a eliminação do
candidato de concurso público que esteja respondendo
a inquérito ou ação penal, sem pena condenatória transitada
em julgado, fere o princípio da presunção de inocência.
Agravo regimental a que se nega
provimento.” (AI 741.101-AgR/DF, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)
Cumpre ressaltar, por necessário, que esse entendimento vem sendo
observado em sucessivos julgamentos, proferidos no
âmbito desta Corte, a propósito de questão idêntica
à que ora se examina nesta sede recursal (RTJ 177/435,
Rel. Min. MARCO AURÉLIO - AI 769.433-AgR/CE, Rel. Min. EROS GRAU
- RE 559.135-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, v.g.).
Essa orientação firmada
pelo Supremo Tribunal Federal apóia-se no fato de que a presunção
de inocência – que se dirige ao Estado, para lhe impor limitações
ao seu poder, qualificando-se, sob tal perspectiva, como
típica garantia de índole constitucional, e que também se destina
ao indivíduo, como direito fundamental por este titularizado – representa
uma notável conquista histórica dos cidadãos, em sua permanente luta
contra a opressão do poder.
O postulado
do estado de inocência, ainda que não se considere como presunção
em sentido técnico, encerra, em favor de qualquer
pessoa sob persecução penal, o reconhecimento de uma verdade
provisória, com caráter probatório, que repele suposições ou
juízos prematuros de culpabilidade, até que sobrevenha – como
o exige a Constituição do Brasil – o trânsito em julgado
da condenação penal. Só então deixará de subsistir, em
favor da pessoa condenada, a presunção de que é inocente.
Há,
portanto, um momento claramente definido no texto constitucional,
a partir do qual se descaracteriza a presunção de
inocência, vale dizer, aquele instante em que sobrevém o
trânsito em julgado da condenação criminal. Antes desse momento –
insista-se -, o Estado não pode tratar os
indiciados ou réus como se culpados fossem. A presunção
de inocência impõe, desse modo, ao Poder Público, um
dever de tratamento que não pode ser desrespeitado por
seus agentes e autoridades, tal como tem sido constantemente
enfatizado pelo Supremo Tribunal Federal:
“O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO
TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE
AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
- A prerrogativa jurídica da liberdade -
que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV)
- não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou
jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante
discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar,
paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias
fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da
lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de
crime indigitado como grave, e até que sobrevenha sentença penal
condenatória irrecorrível, não se revela possível - por
efeito de insuperável vedação constitucional (CF,
art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém
pode ser tratado como culpado,
qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída,
sem que exista, a esse respeito, decisão judicial
condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra,
além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento
que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em
relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao
réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente,
por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.” (HC
95.886/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Mostra-se importante acentuar que a presunção de inocência não
se esvazia progressivamente, à medida em que se sucedem
os graus de jurisdição, a significar que, mesmo confirmada a
condenação penal por um Tribunal de segunda instância (ou por
qualquer órgão colegiado de inferior jurisdição), ainda assim
subsistirá, em favor do sentenciado, esse direito fundamental, que só
deixa de prevalecer – repita-se – com o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória.
Vale referir, no ponto, a esse respeito, a autorizada advertência
do eminente Professor LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com o Professor
VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Direito Penal – Comentários à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica”, vol.
4/85-91, 2008, RT):
“O correto é mesmo falar em princípio da
presunção de inocência (tal como descrito na Convenção Americana), não
em princípio da não-culpabilidade (esta última locução tem origem no fascismo
italiano, que não se conformava com a idéia de que o acusado fosse, em
princípio, inocente).
Trata-se de princípio consagrado não só no art. 8º, 2, da Convenção Americana senão
também (em parte) no art. 5°, LVII, da Constituição Federal, segundo
o qual toda pessoa se presume inocente até que
tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado. Tem
previsão normativa desde 1789, posto que já constava da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão.
Do princípio da presunção de inocência (‘todo acusado é presumido inocente até que se
comprove sua culpabilidade’) emanam duas regras: (a)
regra de tratamento e (b) regra
probatória.
‘Regra de tratamento’: o acusado não
pode ser tratado como condenado antes do trânsito em julgado
final da sentença condenatória (CF, art. 5°, LVII).
O acusado,
por força da regra que estamos estudando, tem o direito de receber a
devida ‘consideração’ bem como o direito de ser tratado como não
participante do fato imputado.
Como ‘regra
de tratamento’, a presunção de inocência impede qualquer antecipação
de juízo condenatório ou de reconhecimento da culpabilidade do imputado,
seja por situações, práticas, palavras, gestos etc., podendo-se
exemplificar: a impropriedade de se manter o acusado em exposição
humilhante no banco dos réus, o uso de algemas quando desnecessário, a
divulgação abusiva de fatos e nomes de pessoas pelos meios de comunicação, a
decretação ou manutenção de prisão cautelar desnecessária, a exigência de se
recolher à prisão para apelar em razão da existência de condenação em primeira
instância etc. É contrária à presunção de inocência a exibição de
uma pessoa aos meios de comunicação vestida com traje infamante (Corte
Interamericana, Caso Cantoral Benavides, Sentença de
18.08.2000, parágrafo 119).” (grifei)
Disso resulta, segundo entendo, que a consagração constitucional da
presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa há
de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente
emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa
de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer
efeitos, deve atuar, até o superveniente trânsito em
julgado da condenação judicial, como uma cláusula de insuperável bloqueio
à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou que
restrinjam, seja no domínio civil, seja no âmbito político, a
esfera jurídica das pessoas em geral.
Nem se diga que a garantia fundamental de
presunção de inocência teria
pertinência e aplicabilidade unicamente
restritas ao campo do direito penal e
do direito processual penal.
Torna-se importante assinalar, neste ponto, que a presunção de inocência, embora
historicamente vinculada ao processo penal, também irradia os seus
efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e
a prepotência do Estado, projetando-os para esferas não
criminais, em ordem a impedir, dentre outras graves conseqüências
no plano jurídico – ressalvada a excepcionalidade de hipóteses previstas
na própria Constituição –, que se formulem, precipitadamente,
contra qualquer cidadão, juízos morais fundados em situações
juridicamente ainda não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente
instáveis) ou, então, que se imponham, ao réu, restrições
a seus direitos, não obstante inexistente condenação judicial transitada
em julgado.
O que se mostra relevante, a propósito do efeito irradiante da presunção
de inocência, que a torna aplicável a processos (e a domínios) de
natureza não criminal, é a preocupação, externada por órgãos
investidos de jurisdição constitucional, com a preservação da
integridade de um princípio que não pode ser transgredido por atos
estatais (como a exclusão de concurso público motivada pela mera
existência de procedimento penal em curso contra o candidato) que
veiculem, prematuramente, medidas gravosas à esfera jurídica das
pessoas, que são, desde logo, indevidamente tratadas, pelo Poder
Público, como se culpadas fossem, porque presumida, por
arbitrária antecipação fundada em juízo de mera suspeita, a
culpabilidade de quem figura, em processo penal ou civil, como
simples réu!
Cabe referir, por extremamente oportuno, que o Supremo Tribunal Federal,
em julgamento plenário (RE 482.006/MG, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI), e
interpretando a Constituição da República, observou, em sua decisão,
essa mesma diretriz – que faz incidir a presunção constitucional
de inocência também em domínio extrapenal -, explicitando que
esse postulado constitucional alcança quaisquer medidas restritivas
de direitos, independentemente de seu conteúdo ou do bloco
que compõe, se de direitos civis ou de direitos políticos.
A exigência de coisa julgada, tal como estabelecida no art. 5º, inciso
LVII, de nossa Lei Fundamental, representa, na constelação
axiológica que se encerra em nosso sistema constitucional, valor
de essencial importância na preservação da segurança jurídica
e dos direitos do cidadão.
Mostra-se relevante acentuar, por isso mesmo, o alto significado que
assume, em nosso sistema normativo, a coisa julgada, pois,
ao propiciar a estabilidade das relações sociais, ao
dissipar as dúvidas motivadas pela existência de controvérsia jurídica
(“res judicata pro veritate habetur”) e ao
viabilizar a superação dos conflitos, culmina por
consagrar a segurança jurídica, que traduz, na concreção de seu
alcance, valor de transcendente importância política, jurídica e
social, a representar um dos fundamentos estruturantes do
próprio Estado democrático de direito.
Em suma: a
submissão de uma pessoa a meros inquéritos
policiais - ou, ainda, a persecuções criminais de que não
haja derivado, em caráter definitivo, qualquer
título penal condenatório - não se reveste de suficiente
idoneidade jurídica para autorizar a formulação, contra
o indiciado ou o réu, de juízo (negativo) de maus
antecedentes, em ordem a recusar, ao que sofre a “persecutio
criminis”, o acesso a determinados benefícios legais ou
o direito de participar de concursos públicos: (....)
Tal entendimento - que se revela compatível com a presunção
constitucional “juris tantum” de inocência (CF, art. 5º,
LVII) - ressalta, corretamente, e com apoio
na jurisprudência dos Tribunais (RT 418/286 - RT 422/307
- RT 572/391 - RT 586/338), que processos penais em
curso, ou inquéritos policiais em andamento ou,
até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a
recurso não podem ser considerados, enquanto episódios
processuais suscetíveis de pronunciamento judicial absolutório,
como elementos evidenciadores de maus antecedentes
do réu (ou do indiciado) ou justificadores da adoção,
contra eles ou o candidato, de medidas restritivas de
direitos.
É por essa razão que o
Supremo Tribunal Federal já decidiu, por unânime votação, que “Não
podem repercutir, contra o réu, situações jurídico-processuais ainda
não definidas por decisão irrecorrível do Poder
Judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência
de título penal condenatório definitivamente constituído” (RTJ
139/885, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
(...).
Publique-se. Brasília, 14 de março de 2011. decisão publicada no DJe de 21.3.2011.”
“RE 565519/DF RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA:
POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. CURSO
DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS (PM/DF). CABO PM. NÃO CONVOCAÇÃO
PARA PARTICIPAR DESSE CURSO, PELO FATO DE EXISTIR, CONTRA
REFERIDO POLICIAL MILITAR, PROCEDIMENTO PENAL EM FASE DE TRAMITAÇÃO
JUDICIAL. EXCLUSÃO DO CANDIDATO. IMPOSSIBILIDADE. TRANSGRESSÃO
AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
(CF, ART. 5º, LVII). RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.
- A recusa administrativa de inscrição em
Curso de Formação de Sargentos da Polícia Militar, motivada, unicamente,
pelo fato de haver sido instaurado, contra o candidato,
procedimento penal, inexistindo, contudo, condenação criminal transitada
em julgado, transgride, de modo direto, a
presunção constitucional de inocência, consagrada no art. 5º, inciso
LVII, da Lei Fundamental da República. Precedentes.
- O postulado constitucional da presunção
de inocência impede que o Poder
Público trate, como se culpado fosse,
aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível.
Precedentes.
Publique-se. Brasília, 13 de maio de 2011.”
[17] Vale a atenta leitura desses precedentes, que são
demais esclarecedores e convincentes do acerto de suas premissas:
“AC 2763-MC/RO*
RELATOR: Min. Celso de Mello EMENTA:
REGISTRO
DE CANDIDATURA. LEI
COMPLEMENTAR Nº 135, DE 04 DE JUNHO DE 2010. (...)
PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM
DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE A
QUALQUER PESSOA (ADPF 144/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO). PRERROGATIVA
ESSENCIAL, IMPREGNADA DE EFICÁCIA IRRADIANTE, ESPECIALMENTE
AMPARADA, EM TEMA DE DIREITOS POLÍTICOS, PELA CLÁUSULA
TUTELAR INSCRITA NO ART. 15, III, DA CARTA POLÍTICA, QUE EXIGE,
PARA EFEITO DE VÁLIDA SUSPENSÃO DAS DIMENSÕES (ATIVA
E PASSIVA) DA CIDADANIA, O TRÂNSITO EM
JULGADO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL.
O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-SOCIAL E O VALOR JURÍDICO
DA EXIGÊNCIA DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE DE LEI
COMPLEMENTAR, MESMO QUE FUNDADA NO § 9º DO
ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO, TRANSGREDIR A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, PELO
FATO DE REFERIDA ESPÉCIE NORMATIVA QUALIFICAR-SE COMO ATO HIERARQUICAMENTE
SUBORDINADO À AUTORIDADE DO TEXTO E
DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.
DECISÃO DO E.
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL QUE DENEGOU REGISTRO DE CANDIDATURA, SOB
O FUNDAMENTO DA MERA EXISTÊNCIA, CONTRA O
CANDIDATO, DE CONDENAÇÃO PENAL EMANADA DE ÓRGÃO COLEGIADO, EMBORA
QUESTIONADA ESTA EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA. CONSEQÜENTE
INEXISTÊNCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO DE REFERIDA CONDENAÇÃO
CRIMINAL. (...).
DECISÃO: (...)
Passo
à análise do pedido. E,
ao fazê-lo, entendo assistir razão à parte ora
requerente, (...) pela alegada ofensa à presunção constitucional
de inocência e ao que dispõe o art. 15, III, da Lei
Fundamental da República.
Quanto
a este último aspecto, tenho
presente a decisão que esta Suprema Corte proferiu
no julgamento da ADPF 144/DF, de que fui Relator, e que
restou consubstanciado na seguinte ementa:
“(...)
MÉRITO: RELAÇÃO ENTRE PROCESSOS JUDICIAIS, SEM
QUE NELES HAJA CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL, E O EXERCÍCIO,
PELO CIDADÃO, DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA – REGISTRO DE CANDIDATO
CONTRA QUEM FORAM INSTAURADOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS, NOTADAMENTE
AQUELES DE NATUREZA CRIMINAL, EM CUJO ÂMBITO AINDA NÃO
EXISTA SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO
EM JULGADO – (...)
– PROBIDADE ADMINISTRATIVA, MORALIDADE
PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO ELETIVO, ‘VITA ANTEACTA’ E PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA
– SUSPENSÃO DE DIREITOS
POLÍTICOS E IMPRESCINDIBILIDADE, PARA ESSE EFEITO,
DO TRÂNSITO EM JULGADO DA
CONDENAÇÃO CRIMINAL (CF, ART.
15, III) – (...)
(...) – PRESUNÇÃO
CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE A
QUALQUER PESSOA – EVOLUÇÃO HISTÓRICA E REGIME
JURÍDICO DO PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA –
O
TRATAMENTO DISPENSADO À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELAS
DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS E
LIBERDADES FUNDAMENTAIS, TANTO AS DE CARÁTER REGIONAL QUANTO
AS DE NATUREZA GLOBAL –
O PROCESSO
PENAL COMO DOMÍNIO MAIS EXPRESSIVO DE INCIDÊNCIA DA PRESUNÇÃO
CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA –
EFICÁCIA
IRRADIANTE DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA –
POSSIBILIDADE
DE EXTENSÃO DESSE PRINCÍPIO AO ÂMBITO DO
PROCESSO ELEITORAL –
HIPÓTESES DE
INELEGIBILIDADE – ENUMERAÇÃO EM ÂMBITO CONSTITUCIONAL
(CF, ART. 14, §§ 4º A 8º) – RECONHECIMENTO,
NO ENTANTO, DA FACULDADE DE O CONGRESSO NACIONAL, EM SEDE
LEGAL, DEFINIR ‘OUTROS CASOS DE INELEGIBILIDADE’ – NECESSÁRIA
OBSERVÂNCIA, EM TAL SITUAÇÃO, DA RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI
COMPLEMENTAR (CF, ART. 14, § 9º) –
IMPOSSIBILIDADE,
CONTUDO, DE A LEI COMPLEMENTAR, MESMO COM APOIO NO § 9º DO ART.
14 DA CONSTITUIÇÃO, TRANSGREDIR A PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL
DE INOCÊNCIA, QUE SE QUALIFICA COMO VALOR FUNDAMENTAL, VERDADEIRO
‘CORNERSTONE’ EM
QUE SE ESTRUTURA O SISTEMA QUE A NOSSA CARTA POLÍTICA CONSAGRA EM
RESPEITO AO REGIME DAS LIBERDADES E EM DEFESA DA PRÓPRIA
PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA –
PRIVAÇÃO DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA E PROCESSOS, DE NATUREZA CIVIL, POR
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – NECESSIDADE,
TAMBÉM EM TAL HIPÓTESE, DE CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL
– COMPATIBILIDADE DA LEI Nº
8.429/92 (ART. 20, ‘CAPUT’) COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 15, V, c/c O ART. 37, § 4º) – O SIGNIFICADO POLÍTICO E O VALOR JURÍDICO DA EXIGÊNCIA
DA COISA JULGADA – (...).”(ADPF 144/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Com
efeito, sabemos todos que a
presunção de inocência – que se dirige ao Estado, para lhe impor limitações
ao seu poder, qualificando-se, sob tal perspectiva, como
típica garantia de índole constitucional, e que também se destina
ao indivíduo, como direito fundamental por este titularizado – representa
uma notável conquista histórica dos cidadãos, em sua permanente luta
contra a opressão do poder.
(...)
Daí a regra de prudência estabelecida no art. 15, III, da Constituição da República, a
exigir, para efeito de suspensão temporária dos direitos políticos, notadamente
da capacidade eleitoral passiva, vale dizer, do direito de ser
votado, o trânsito em julgado da condenação judicial.
A exigência de coisa julgada – que representa, na constelação axiológica
que se encerra em nosso sistema constitucional, valor de
essencial importância na preservação da segurança jurídica - não
colide, por isso mesmo, com a cláusula de probidade administrativa nem
com a que se refere à moralidade para o exercício do mandato eletivo, pois
a determinação de que se aguarde a definitiva formação da autoridade
da “res judicata”, além de refletir um claro juízo de prudência
do legislador, quer o constituinte (CF, art. 15, III), quer o
comum (LC nº 64/90, art. 1º, I, “d”, “g” e “h”),
encontra plena justificação na relevantíssima circunstância de
que a imposição, ao cidadão, de gravíssimas restrições à sua
capacidade eleitoral, deve condicionar-se ao trânsito em julgado
da sentença, seja a que julga procedente a ação penal, SEJA AQUELA QUE JULGA PROCEDENTE A AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92, ART. 20, “CAPUT”).
(...)
Veja-se, desse modo, que a privação temporária (suspensão) dos
direitos políticos - de que resulta a perda da elegibilidade como
conseqüência de condenação criminal transitada em julgado (CF,
art. 15, III) ou da procedência definitiva da sentença que julga a ação civil de improbidade
administrativa ou a
representação em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político (Lei nº 8.429/92, art. 20, “caput”,
c/c a LC nº 64/90, art. 1º, I, “d”, “g” e “h”)
- acha-se condicionada à estrita observância do trânsito
em julgado do respectivo ato sentencial.
Essa exigência
de irrecorribilidade atende à própria racionalidade do
sistema de direito positivo, considerados os fundamentos que
justificam a coisa julgada como um dos valores estruturantes
do Estado democrático de direito.
Presente
esse contexto, não vejo
como possa o respeito ao instituto da coisa julgada traduzir transgressão
à exigência de probidade administrativa e de moralidade para o
exercício do mandato eletivo.
Inexiste, na realidade, qualquer situação de antinomia entre
esses valores constitucionais, pois eles convivem, harmoniosamente,
em nosso sistema normativo, na medida em que a observância do trânsito
em julgado de sentenças, cujos efeitos afetam e restringem,
gravemente, a esfera jurídica de quem é condenado, apenas
confere certeza e prestigia a segurança jurídica, que também se
qualifica como valor constitucional a ser preservado.
Esse, pois, o sentido de racionalidade que se
mostra ínsito às cláusulas, que, fundadas na Constituição e na
legislação comum, condicionam a eficácia supressiva da
elegibilidade de qualquer cidadão à prévia consumação do
trânsito em julgado da sentença, penal ou civil, que contra ele foi
proferida.
Como anteriormente
assinalado, a Constituição de 1988, tratando-se de condenação
penal (único fundamento que dá suporte ao acórdão do
Tribunal Superior Eleitoral impugnado no RE 633.707/RO), erigiu-a
em causa suspensiva dos direitos políticos, desde que “transitada
em julgado” (CF, art. 15, III).
(...)
A
perda da elegibilidade constitui
situação impregnada de caráter excepcional [assim como a perda da
acessibilidade a cargos ou empregos públicos, acrescentamos!], pois inibe
o exercício da cidadania passiva, comprometendo a prática da liberdade
em sua dimensão política, eis que impede o cidadão de ter efetiva
participação na regência e na condução do aparelho governamental.
Por
tal motivo, o constituinte impôs,
como requisito necessário à suspensão dos direitos políticos, na
hipótese de condenação penal (único fundamento que
dá sustentação à decisão do TSE impugnada no RE
633.707/RO), o trânsito em julgado da respectiva sentença, pois
a gravidade dos efeitos inibitórios que resultam da
sentença penal condenatória mostra-se tão radical em suas
conseqüências na dimensão político-jurídica do cidadão, que tornou
imprescindível, por razões de segurança jurídica e de
prudência, a prévia formação da coisa julgada.
(...)
Cabe
rememorar, neste ponto, por
relevante, os fundamentos pelos quais o eminente Ministro XAVIER
DE ALBUQUERQUE, mesmo em votos vencidos, como aquele proferido
no julgamento, pelo TSE, do Recurso Ordinário nº 4.189/RJ, entendia,
com absoluta razão, ser inconstitucional a norma inscrita
no art. 1º, inciso I, alínea “n”, da Lei Complementar nº 5/70:
“(...) Por que admitir que o simples fato de
pendência de um processo, com denúncia oferecida e recebida, pese
indelevelmente sobre a moralidade de alguém, a ponto de lhe acarretar o
ônus brutal da inelegibilidade? Não posso admitir. E não posso
admitir, porque estou lidando com princípios eternos,
universais, imanentes, que não precisam estar inscritos em
Constituição nenhuma.
Mas, por
acaso, esse princípio, se não está expresso na Constituição da República
Federativa do Brasil, está inscrito, de modo o mais veemente e
peremptório, na famosa ‘Declaração Universal dos Direitos do Homem’, que
é capítulo de uma inexistente, mas evidente Constituição de todos os povos.
O Brasil contribuiu, com sua participação e voto, para que a
Terceira Assembléia Geral das Nações Unidas, há mais de 25 anos, aprovasse
uma ‘Declaração Universal dos Direitos do Homem’, e essa declaração
insculpiu, no primeiro inciso do seu art. 11, esta regra de verdadeira
Moral e do mais límpido Direito:
‘Todo homem acusado de um ato delituoso tem o
direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha
sido provada, de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham
sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa’.
Este princípio é inerente ao nosso regime, pois está compreendido entre
aqueles que a Constituição adota. Não precisa ele estar nela explicitado,
em letra de forma. Basta que o comparemos com o regime da Constituição
brasileira (...), tanto que ela o inscreve como um daqueles bens
jurídicos que se devem preservar no estabelecimento das inelegibilidades. Basta
que comparemos o princípio com o regime, a vermos se há entre eles
coincidência ou repulsa. É evidente que a coincidência é a única
alternativa. O Brasil proclamou, num documento internacional e no
regime que adotou, essa verdade universal, que, insisto, não precisa
estar inscrita em lei nenhuma, porque é principio ético e jurídico,
imanente.
O fato de alguém responder a processo criminal adere, objetivamente, à
sua vida. Ninguém, que respondeu a um processo criminal, retira
jamais esse episódio da sua história pessoal. Mas não pode ele, por si
só, comprometer a moralidade do cidadão, que deve ser presumido
inocente enquanto não for julgado culpado.” (grifei)
(....)
Extremamente
esclarecedoras, e muito
atuais, as razões com que o eminente e saudoso
Ministro OSCAR CORRÊA, na condição de Relator, fundamentou,
em referido julgamento, o seu douto voto:
“(...) Não há como querer distinguir
entre efeitos da sentença condenatória para fins comuns e
para fins especiais, como seriam os da lei de
inelegibilidade. Tal distinção – que não se encontra em nenhum
texto e não nos cabe criar – não tem razão de ser, tanto mais
excepcionada contra o réu, para agravar-lhe a situação.
Na verdade,
quando a lei – qualquer que seja – se refere a condenação, há
que se entender condenação definitiva, transitada em julgado,
insuscetível de recurso que a possa desfazer.
Nem se alegue (...) que ‘essa interpretação era a que se coadunava com a moralidade
que o art. 151, IV da Constituição visa a preservar’: há que preservar a
moralidade, sem que, sob pretexto de defendê-la e
resguardá-la, se firam os direitos do cidadão à ampla defesa, à
prestação jurisdicional, até a decisão definitiva, que
o julgue, e condene, ou absolva.
Não preserva a moralidade interpretação que considera condenado quem o não foi, em decisão final
irrecorrível. Pelo contrário: a ela se opõe, porque põe em
risco a reputação de alguém, que se não pode dizer sujeito a punição, pela
prática de qualquer ilícito, senão depois de devida, regular e
legalmente condenado, por sentença de que não possa, legalmente,
recorrer.
11. Nem vem ao caso (...) discutir aqui,
como se debateu larga, proficiente e notavelmente no RE 86.297 (RTJ 79/671)
o problema da presunção de inocência, se dele prescindo para a
conclusão a que viso. (...)
12. Este (...) aspecto que não
pode ser olvidado, e a que conduz a interpretação do v.
acórdão recorrido. Veja-se a hipótese dos autos: julgado inelegível, em virtude
de condenação, no Juízo de 1º grau, teve o Recorrente negado o registro de sua
candidatura a deputado federal. Conseguida, agora, a absolvição, e admitindo-se
o provimento deste recurso – argumento que me permito expender – à véspera do
pleito, já se lhe terá causado mal irreparável: não pôde concorrer à eleição, à
qual se candidatara, e nem há reparação possível, de qualquer espécie, a esse
mal.
13. Nem se argumente que ‘se o simples recebimento da
denúncia se compatibilizava com esse preceito constitucional, não é possível
entender-se que a interpretação que não exija o trânsito em julgado de decisão
condenatória seja atentatória a ele’ (fs. 160).
A verdade é que
a decisão singular desta Egrégia Corte, que acolheu a
constitucionalidade daquele preceito – com os memoráveis debates que
provocou – não chegou a ser provada em outros casos. E tanto não era
esta a melhor solução que a L.C. nº 42/82 a excluiu, com o
que, em verdade, valorizou a posição assumida pelos que a combateram.
14. Não há de se exigir que a lei se refira a
condenação transitada em julgado, o que seria levar adiante
demais as exigências de explicitação.
Na verdade,
quando o art. 151 delegou à legislação complementar estabelecer
os casos de inelegibilidades e os prazos nos quais cessará esta, não lhe
autorizou alterar o sistema legal brasileiro (e, pode dizer-se, universal) para
considerar condenação a que, desde logo, em primeiro grau, se
imponha, sem que transite em julgado. Assinalou bem o
recorrente que esse entendimento ‘implica, nada mais, nada menos, do que
atribuir, ao Juiz criminal de 1º grau, que nem eleitoral é, o poder de decretar
inelegibilidades.
Pior: de
fazê-lo em caráter irrevogável, quando se sabe que a sentença de
que se recorre em tempo hábil é apenas um projeto de decisão judicial a
que a lei, por forma expressa, ao atribuir efeito suspensivo ao recurso, negou
executoriedade’ (fs. 5/6 do agravo).
Considero que,
com isso, em realidade, se vulnerou o § 15 do artigo 153 da C.F., recusando
a ampla defesa a que têm direito os acusados, e, mais, desconsiderando
recurso que lhe é inerente, e conferindo efeitos agravadores que não
tem, tomando, como definitiva, sentença reformável, e tanto, que
o foi. (...). (RE 99.069/BA, Rel. Min. OSCAR CORRÊA – grifei)
”
Com
a instauração, em nosso País,
de uma ordem plenamente democrática, assim consagrada pela
vigente Constituição, intensificou-se o círculo de proteção em torno
dos direitos fundamentais, qualquer que seja o domínio de sua incidência
e atuação, compreendidos, para efeito dessa tutela constitucional
e em perspectiva mais abrangente, todos os blocos
normativos concernentes aos direitos individuais e coletivos, aos
direitos sociais e aos direitos políticos, em ordem a
conferir-lhes real eficácia, seja impondo, ao Estado, deveres de
abstenção (liberdades clássicas ou negativas), seja dele
exigindo deveres de prestação (liberdades positivas ou concretas),
seja, ainda, assegurando, ao cidadão, o acesso aos mecanismos
institucionalizados de exercício do poder político na esfera governamental (liberdade-participação).
É
por isso que entendo, mesmo
tratando-se do bloco pertinente aos direitos políticos
– que se vinculam aos postulados da soberania popular e da
democracia representativa -, que não se pode, como corretamente advertia
o eminente Ministro EROS GRAU, buscar interpretação que substitua,
com grave comprometimento da legalidade e do procedimento legal,
a racionalidade formal do direito, que se funda nas instituições e nas
leis, por critérios impregnados de valorações que culminam por afetar
a segurança e a certeza jurídicas, com sério risco à
integridade do próprio sistema de garantias construído pela
Constituição, cuja normatividade não pode ser potencializada nem tornada
relativa - consoante ressaltava o Ministro EROS GRAU - por uma
explicitação teórica de distintos blocos de direitos e preceitos.
(...)
Não
é por outro motivo – insista-se
- que a própria Constituição, ao dispor sobre a suspensão dos direitos
políticos, como a privação temporária do direito de sufrágio (direito
de votar) e do direito de investidura em mandatos eletivos (direito
de ser votado), impõe, como requisito inafastável, a
existência de “condenação criminal transitada em
julgado, enquanto durarem seus efeitos” (CF, art. 15, III). O
fato relevante, em tal matéria, é um só: episódios
processuais ainda não definidos, porque deles ausente
sentença judicial transitada em julgado, não podem
repercutir, de modo irreversível, sobre o estado de inocência que
a própria Constituição garante e proclama em favor de
qualquer pessoa.
O “status
poenalis” e o estatuto de cidadania, desse modo, não podem
sofrer - antes que sobrevenha o trânsito em julgado de condenação
criminal - restrições que afetem a esfera jurídica das pessoas em geral e
dos cidadãos em particular.
Essa
opção do legislador constituinte
(pelo reconhecimento do estado de inocência) claramente fortaleceu
o primado de um direito básico, comum a todas as
pessoas, de que ninguém – absolutamente ninguém – pode
ser presumido culpado em suas relações com o Estado, exceto se já
existente sentença transitada em julgado. É por isso que
este Supremo Tribunal Federal tem repelido, por incompatíveis com
esse direito fundamental, restrições de ordem jurídica, somente
justificáveis em face da irrecorribilidade de decisões
judiciais.
(....)
Não
obstante tais considerações, observo que o ora requerente teve o registro
de sua candidatura negado pelo só fato de existir, contra
ele, condenação penal emanada de órgão colegiado do Poder Judiciário, embora
ainda não transitada em julgado, porque impugnada,
como efetivamente o foi, em sede recursal
extraordinária (RE 633.707/RO).
O
acórdão em questão, que manteve a denegação de
registro de candidatura do ora requerente, não se ajustaria,
segundo entendo, ao que dispõe, de modo
incondicional, o inciso III do art. 15 da Constituição da República, que
exige, tratando-se de procedimentos penais, o trânsito em
julgado da sentença criminal condenatória.
Publique-se.
Brasília, 16 de dezembro de 2010. DJe de
1º.2.2011.”
[18] Como crítica a esse tipo de postura, já escrevemos: Ruy
Samuel Espíndola. A
Constituição como Garantia da Democracia: o papel dos Princípios
Constitucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Cadernos de
Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos
Tribunais/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, ano 11, abr./jun. 2003,
n. 44.
[19] Crítica
que serve à normativa estadual como luvas às mãos. Para sermos fiéis à
doutrina, traremos, entre colchetes, ao lado do termo “inelegibilidade”, a
categoria “inacessibilidade”: Texto de doutrina de Adriano da Costa Soares encontrável em blog multicitado nas
últimas decisões do STF - http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com:
“Pontes
de Miranda tem um texto
maravilhoso sobre conflito de leis no tempo nos Comentários à
Constituição de 1946, Rio de Janeiro: Borsói, tomo IV, p.399, em que
afirma, com grifos apostos:
"A lei nova não fica adstrita aos fatos de hoje e de amanhã;
o que se dá, rigorosamente, é que ela se restringe ao tempo de hoje e ao de
amanhã, até que outra lei corte este amanhã, o pontue, criando o hoje da
nova denominação legal, o seu hoje e o seu amanhã. Em vez de uma análise dos
fatos, ou de direitos (critério subjetivo), uma análise do tempo, ou melhor,
dos lapsos de tempo".
A lição de Pontes de Miranda mostra que não estamos, no direito
intertemporal, diante da regra absoluta de que os fatos de ontem não possam ser
apanhados pela regra de hoje (a lei nova). Essa regra absoluta existe no
direito penal, quando a Constituição Federal prescreve que não há crime sem
lei anterior que o defina. É
dizer, não apenas aos efeitos da lei há interdição à retroatividade
(plano da eficácia); a própria lei há de ser anterior ao fato ilícito (plano da
existência da lei). Em matéria penal, de conseguinte, a regra sobre
irretroatividade é absoluta. E essa norma de sobredireito alcança as normas
que criam penas principais ou acessórias de natureza criminal, ainda que não
constem no corpo do Código Penal. É o
caso da alínea "e" do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com a redação
dada pela LC 135/10. Trata-se de previsão de pena acessória
(inelegibilidade por 8 anos) a ser anexada à sentença penal condenatória,
independentemente do trânsito em julgado, bastando que exista decisão colegiada
(em explícita violação ao art.15, III, da CF/88).
Outra coisa, nada
obstante, ocorre com as demais normas da LC 64/90, com a redação da LC 135/10.
Aqui, a discussão tem outra natureza.
A questão a saber é se a lei nova poderia (i) criar condições de
elegibilidade [inacessibilidade] a ser aplicada de imediato para o próximo
pleito eleitoral e, também, se poderia (ii) criar hipóteses novas de
inelegibilidade [inacessibilidade] para fatos ilícitos passados [2002 e 2005]
já ocorridos antes da vigência da lei nova [2010] (....).”
“Se há inelegibilidade [inacessibilidade]
cominada potenciada, prescreve a lei
do tempo ou (a) do fato ilícito [2002 e 2005] eleitoral (ou não eleitoral,
como o crime contra a fé pública, v.g.)
ou (b) da relação processual [2009], se a sanção for efeito
anexo da sentença, transitada ou não em julgado. Sendo
sanção, a interpretação é sempre de direito estrito; restritiva, portanto.
Nos dois casos, responde o direito intertemporal, em que a
Constituição Federal de 1988 prescreveu o princípio da irretroatividade e do
respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgado e ao direito
adquirido.
Erram palmarmente a OAB e os que lhe
inspiraram a fala.
E é triste que assim seja, pela fundamental importância da OAB na defesa
do Estado Democrático de Direito.
Erram porque não se deve relacionar o tempo da lei nova eleitoral
[lei administrativa de vedação de provimento em cargo público estadual] com o tempo
do registro de candidatura [tempo
do provimento ao cargo], mas, sim, confrontá-la com o tempo do ato
ilícito que fez nascer a inelegibilidade ou com o tempo da relação
processual em cuja decisão anexou-se a sanção. (...) Para que a garantia do
devido processo legal? Para que a garantia da ampla defesa e do contraditório?
Afinal, como demonstra Ingo Wofgang Sarlet (A eficácia dos direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1998, p.249), há
plena eficácia dos direitos de defesa como direitos fundamentais, devendo ter a
máxima efetividade garantida pelo § 1º do art. 5º da CF/88, integrados que são
aqueles direitos pelos direitos de liberdade, igualdade, direitos-garantias,
garantias institucionais, direitos políticos [liberdade-participação, por provimento em emprego ou cargos públicos em
comissão] e posições jurídicas fundamentais em geral, "que,
preponderantemente, reclamam uma atitude de abstenção dos poderes estatais e
dos particulares (como destinatários dos direitos)".
Uma última afirmação: se as restrições aos direitos políticos forem
tomadas como restrição a direito fundamental, na linha do posicionamento do STF
na ADPF 144/DF, então a distinção que fiz entre tratamento diverso aos efeitos
inclusos e anexos à sentença se evanescem, dando-se a máxima efetividade
ao princípio da presunção de inocência e ao princípio da irretroatividade.
(...) o legislador pôs na mesma norma, indistintamente, inelegibilidade
[inacessibilidade] decretada como
conteúdo de uma decisão judicial (efeito
inexo ou incluso) e inelegibilidade [inacessibilidade] decorrente de efeito anexo ou excluso, aplicada
ope legis como pena acessória (aqui, naturalmente, não há como
fugir da incidência do art.15, III, da CF/88, no caso de sentença penal
condenatória, a exigir sempre o trânsito em julgado para efeito de suspensão
dos direitos políticos). Pena que os panfletos divulgados pelas entidades
que defendem a aplicação imediata das normas da nova lei complementar não
cuidem dessas relevantes questões jurídicas.
Gostaria de fazer aqui uma importante observação, essencial para
prosseguirmos: a inelegibilidade [inacessibilidade] cominada é sanção que
pode ser conteúdo ou efeito anexo da sentença. Em ambos os casos, a
inelegibilidade é conteúdo ou efeito da sentença! A afirmação é um
truísmo, mas em tempos obscurantistas faz-se fundamental avivarmos questões
básicas.
Se o efeito é incluso à sentença, fazendo parte
do conteúdo da decisão, é porque a inelegibilidade [inacessibilidade] é
efeito do fato jurídico ilícito, estando pois na relação de direito material,
sendo constituída pela decisão judicial que primeiramente declarou que o ato
ilícito se deu. Ou seja, a
inelegibilidade [inacessibilidade] se liga primeiramente ao ato ilícito,
sendo constituída como sanção à sua prática. Assim, a questão fundamental é saber se ao tempo do fato a lei o previa
como ilícito e se a ele cominava aquela sanção. Se a sanção derivar de lei
posterior, aplicá-la seria dar-lhe efeito retroativo, revolvendo
inconstitucionalmente o passado.
Diversamente, como
efeito anexo da decisão judicial, a norma não desce aos fatos
ilícitos mesmos, mas toma a decisão judicial sobre eles como ato-fato jurídico,
sobre o qual faz incidir a inelegibilidade [inacessibilidade] como efeito anexo.
A questão jurídica seria diversa: não seria o caso de se olhar se o fato
ilícito eleitoral foi anterior ou posterior à lei, mas sim se: (a) já há
relação jurídica processual [o feito de improbidade contra o cidadão X foi
instaurado em 2007, para continuarmos no exemplo hipotético antes apresentado!];
e (b) se já há decisão judicial em que os efeitos da inelegibilidade [inacessibilidade]
serão anexados.
É evidente que a lei que criou a sanção como efeito anexo da sentença
tenha que ser, para ter efeito, anterior à formação da relação processual,
quando já estabilizada pela contestação (princípio da eventualidade). E com muito mais razão, é evidente também
que não há como se soldar o efeito anexo a decisões já proferidas quando a lei
nova ingressou em vigor. Nem em um caso nem no outro há
possibilidade de aplicação da nova lei, salvo se for para lhe atribuir
retroatividade.”
E o jurista Adriano da Costa Soares
em outro trecho de seu blog, abordando o mesmo assunto sob outro enfoque,
ajuda-nos a elucidar essa inconstitucionalidade:
“Outra questão relevante é o saber se a lei nova poderia criar
uma nova hipótese de inelegibilidade [inacessibilidade] para fatos que ocorreram
antes da sua entrada em
vigor. Ou seja, poderia a lei nova apanhar fatos no
passado, convertê-los hoje em ilícitos e atribuir-lhe uma sanção de
inelegibilidade[inacessibilidade]?
(...).
Há duas possibilidades de retroatividade da norma: a
retroatividade da própria jurisdicização; e a retroatividade de efeitos dos fatos jurídicos jurisdicizados. Se há um fato no passado e a norma, no
presente, fá-lo jurídico, a jurisdicização é hoje, invadindo porém o passado.
A norma tem que apanhar o fato punctual ou linear já não mais existente, ou a
parte dele que deixou de existir no tempo, e tomá-lo como se fosse hoje, no
hoje da norma. É evidente que, no tempo da norma, há o hoje, porém, no tempo
do fato, o ontem é que há. Há
invasão nas marcas, nas fronteiras do tempo pela norma jurídica, para
transformar juridicamente no hoje o que ontem não era.
Se o fato passado será tomado como fato jurídico lícito no
presente, a ausência de consequências negativas não impede a invasão do passado
pela norma no presente. A retroatividade, quer da norma (ao
jurisdicizar fato passado), quer dos efeitos do fato jurídico (ao fazê-los ir
para o passado da norma), é tolerada pelo ordenamento jurídico. É, digamos, uma
retroatividade do bem!
O que não se admite, e
ofende a dignidade da pessoa humana, ofende o princípio da não-surpresa, viola
a segurança jurídica, é quando a retroatividade opera para jurisdicizar fatos
ilícitos e atribuir-lhes, no passado, presente ou futuro sanções.
Também, não se admite que
um fato reputado anteriormente ilícito tenha, por norma nova mais gravosa, a
sua sanção amplificada, sendo-lhe aplicável desde logo. É
dizer, o fato já era ilícito ao tempo da lei antiga; a lei nova aumenta a
sanção e, desde já, alcançaria os fatos submetidos a outra disciplina legal.
(...)
Quando me refiro à retroatividade, faço-o em relação à ocorrência
do fato, e não à (posterior) situação jurídica eventualmente ser atual. Ou
seja, as decorrências do fato até podem ser atuais, mas o fato já não o é.
Nesse sentido, podemos juridicamente falar em retroatividade? A incidência,
afinal, se dá sobre o fato ou sobre o que decorre dele? A mim me parece
(...) que é sobre o fato; pois, do contrário, teríamos, grosso modo, duas
incidências: aquela que se deu lá
atrás, quando do fato mesmo e da condenação, e outra que se dará agora, em face
dos efeitos do fato.
Não corremos o risco
de fechar os olhos para o princípio “ne bis in idem”?
Não se abre uma brecha para a perseguição política, para o
populismo judicial e até mesmo, o que é mais grave, para a presunção de
culpabilidade?”
E em trecho
de entrevista, que reproduzimos o essencial, afirma Costa Soares:
“(....) há um erro comum nessa discussão sobre a lei complementar
135, (...) parte-se de um debate em tese, sem olhar o texto da lei. A
interpretação jurídica parte de um dado, que é o texto legal posto. O que diz a
lei? Que a decisão criminal [pode-se falar, igualmente, da lei de improbidade e
de decisões condenatórias com base nela] colegiada em determinados crimes (na
verdade, a lei faz um passeio no código penal) gera a inelegibilidade
[inacessibilidade] desde a condenação até 8 anos depois do cumprimento da pena.
(...).
Essa norma específica tem
natureza penal.
É o que o Pontes de Miranda chamava de norma heterotópica, isto é,
norma de uma natureza embutida em diploma legal de natureza diversa (daí o
elemento de composição “heter(o)-”, que significa “diferente”, “diverso”,
“outro”).
É norma penal dentro da lei eleitoral [dentro da lei ficha limpa
estadual também!]. O que prevê essa norma? A pena acessória de inelegibilidade
anexada à sentença penal colegiada [a pena acessória de inacessibilidade
anexada a sentença cível condenatória]. Ora, é o art. 15, III, da Constituição,
que prescreve que a suspensão dos direitos políticos decorre da sentença penal
transitada em julgado [é o artigo 20 da Lei de improbidade que prescreve o
mesmo efeito à sentença cível, e somente após o trânsito em julgado!].
É um princípio clássico no Direito Penal, segundo o qual “não há
crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Assim, a inelegibilidade [inacessibilidade] apenas poderia ser cominada, como
pena acessória, após o trânsito em julgado da sentença penal.
(...) a questão esboçada (...) não parte (...) das normas da lei
complementar 135 (a lei “Ficha Limpa”). Ela não prescreve a inelegibilidade
[inacessibilidade] para o “estado de condenado”, mas sim anexa a sanção de inelegibilidade, que é a pena acessória, à
sentença penal condenatória, sem trânsito em julgado (ferindo, pois, a
Constituição).
Poderia colar esse efeito ao
ato jurídico (sentença) anterior à sua vigência?
Ora, sendo penal a norma, seria retroagir uma pena acessória,
violando os direitos fundamentais assegurados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
Usando a linguagem pontesiana (herdada da pandectista), o estado
de condenado é efeito do acontecimento da condenação. Se
o acontecimento que originou o estado for anterior à lei, há retroatividade da
pena, e isso é vedado pela Constituição.
Outra
coisa: no direito
brasileiro, salvo na seara penal, não há proibição à retroatividade das normas
jurídicas, exceto pela adoção dos princípios da não-surpresa e da
segurança jurídica, amiúde [frequentemente] invocados pelo STF. É preciso separar o que é retroatividade
da norma e retroatividade dos efeitos do fato jurídico. Se forem gravosas,
ambas as formas de retroação devem ser rejeitadas pelo ordenamento.” (sublinhamentos,
colchetes e negritos nossos!)
[20] Conforme nosso artigo: Ruy Samuel Espíndola.
“A Lei ficha limpa em revista e os
empates no STF: as liberdades políticas em questão e o dilema entre o
politicamente correto e o constitucionalmente sustentável.” In: - George
Salomão Leite (coord.)
Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais. Bahia, Juspodium, 2011p.
781/798, p. 793/794. Esse livro constitui anais do 9º Congresso Internacional de Direito Constitucional, ocorrido em
Natal/RN, entre os dias 28/30 abril 2011,
sob os auspícios da Escola Brasileira de Estudos Constitucionais. E o artigo
constitui expressão escrita de nossa conferência no painel “Liberdades Políticas e Justiça Eleitoral
Contramajoritária: a democracia entre o moralismo e o devido processo legal.”
Outra versão deste estudo encontra-se na web: ESPÍNDOLA,
Ruy Samuel. A Lei Ficha Limpa em
revista e os empates no STF. O dilema entre o politicamente correto e o
constitucionalmente sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2711, 3 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17925>.
Acesso em: 1 maio 2011.
[21]
Cf. seu “Retroatividade da lei da ficha
limpa: O Supremo Tribunal Federal não é o limite”. Jus Navigandi, Teresina, ano 15,
n. 2681, 3 nov. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17753>.
Acesso em: 3 nov. 2010:
“O
próprio presidente do STF, Cezar Peluso, defendeu que a lei da Ficha Limpa
não pode ser aplicada nas eleições atuais e muito menos que ela alcance
casos passados. Por essa razão,
ele disse não concordar com a interpretação de aplicação retroativa da lei: ‘Já
havia antecipado o caráter absolutamente casuístico da lei. Essa é uma lei
personalizada porque atinge pessoas determinadas, conhecidas antes de sua
edição'. De fato, até o princípio constitucional da impessoalidade
foi violado.
Por
sua vez, o ministro Celso de Mello, um dos grandes nomes daquela Corte, afirmou
que 'é uma gravíssima limitação ao direito fundamental de participação
política. Me preocupa a ação no passado de efeitos restritivos por lei
superveniente, (...) atribuindo sanção a um ato já esgotado em todas suas potencialidades
jurídicas', disse. 'A lei não pode conferir efeitos
jurídicos gravosos restritivos de um direito fundamental (...) a fatos como a
renúncia ocorrida em momento anterior'.
Segundo
o ministro Celso, há que ser aplicado o 'direito à inviolabilidade do
passado'. Qualquer coisa diferente disso é uma verdadeira caça às
bruxas. 'Há um consenso muito claro no sentido de que os valores da
probidade e da moralidade administrativa hão de ser respeitados, hão de
prevalecer. Devemos banir da vida pública candidatos ou mandatários políticos
ou autoridades travestidos de criminosos. Agora, é
preciso que se observem na aplicação da lei determinados postulados que
representam aquele núcleo imutável da Constituição',
disse com muita propriedade o ministro Celso de Mello...
(...).
Por essa razão indignou-se duramente - e com razão - o ministro Gilmar Mendes,
ao afirmar que a legislação que prevê novas regras de inelegibilidade é 'casuística'
e, a depender da interpretação, 'é um convite para um salão de horrores'.
'Não podemos em nome do moralismo chancelar normas que podem flertar com o
nazi-fascismo'.
Na
avaliação de Gilmar Mendes, manter Jader Barbalho (que era o caso em análise)
inelegível por oito anos a contar a partir de quando seria o final do mandato -
o ano de 2011 - seria garantir a retroação da lei para prejudicar o político
paraense. 'Não há limites para o absurdo. Dizer que isso é aplicação
imediata da lei é alguma coisa que faz corar frade de pedra. É um convite para
um salão de horrores. Se há um exemplo notório de lei casuística é essa alínea
k que prevê inelegibilidade em caso de renúncia para fugir de processos de
cassação'. Continuando, Gilmar disse que 'aqui percebemos
inclusive um estratagema que é o fato de que o legislador conseguiu
multiplicar o tempo de inelegibilidade, que pode chegar a 16 anos. Dificilmente vai se encontrar um caso
tão explícito em tempos democráticos de mais inequívoca retroatividade, de mais
escancarada, de mais escarrada retroatividade (...) para a manipulação
inclusive das eleições'.
Considerando
que o Supremo - a maior Corte do país - proferiu sua decisão, entendo que
qualquer um que for atingido por essa decisão (...) poderá recorrer à OEA -
Organização dos Estados Americanos, mais especificamente na CIDH - Comissão Interamericana
de Direitos Humanos.
Na
Convenção da OEA, o seu artigo 9º (que
trata do Princípio da legalidade e da retroatividade) é explícito ao
afirmar que 'ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no
momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito
aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da
perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a
imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado'.
Por
outro lado, para que se previnam interpretações esdrúxulas, (...) a Convenção
da OEA prevê, em seu artigo 29º (Normas de interpretação), que 'nenhuma
disposição desta Convenção pode ser interpreta da no sentido de:
a)
permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e
exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em
maior medida do que a nela prevista;
b)
limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser
reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de
acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;
c)
excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que
decorrem da forma democrática representativa de governo; e
d)
excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza'.
Desse
modo, nos termos do artigo 44, qualquer pessoa pode apresentar à Comissão de Direitos
Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção
por um Estado Parte. É (...) recurso
(...) para todos os prejudicados pela lei dos 'Fichas Limpas'. (...).”
[22] “Na realidade,
a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, ao reconhecer a (inadmissível)
possibilidade de o legislador imputar, ao ato de renúncia (aperfeiçoado,
no passado, segundo o ordenamento positivo então vigente),
a irradiação de um novo e superveniente efeito claramente
restritivo do direito fundamental de participação política, incorreu em
ofensa à cláusula inscrita no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição, que
assegura a incolumidade do ato jurídico perfeito e que obsta,
por isso mesmo, qualquer conduta estatal que provoque,
mediante restrição normativa superveniente, a desconstrução ou
a modificação de situações jurídicas lícitas e definitivamente consolidadas,
ainda mais quando se lhes agregam consequências sequer autorizadas
pela legislação em vigor no momento em que se formulou a declaração
unilateral de vontade, cuja eficácia resultou do que ainda se
contém no § 4º do art. 55 da Constituição Federal.
Desse
modo, entendo assistir razão ao
candidato ora recorrente, quando invoca, com inteira correção, os
fundamentos evidenciadores da aplicação inconstitucional, ao caso
ora em exame, da regra inscrita na alínea “k” do inciso I do art.
1º da LC nº 64/90, na redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010
[assim o artigo 1º, letra “g”, da Lei estadual].
(…).
O
acórdão recorrido, ao aplicar, retroativamente,
o preceito inscrito na alínea “k” do inciso I do art. 1º da LC nº
64/90, na redação dada pela LC nº 135/2010, também desrespeitou,
de modo claro e inequívoco, outro postulado fundamental, impregnado
de vocação protetiva, inscrito no art. 5º, XXXVI, da Carta Federal, que
objetiva resguardar a incolumidade das situações jurídicas definitivamente
estabelecidas.
Não
constitui demasia enfatizar que, no
sistema de direito constitucional positivo brasileiro, tal como deixei consignado
em diversos julgamentos ocorridos na década de 1990, a
eficácia retroativa das leis (a) é sempre excepcional,
(b) supõe a existência de texto expresso (e autorizativo) de lei,
(c) jamais se presume e (d) não deve nem pode
gerar lesão ao ato jurídico
perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada (RT 218/447
– RF 102/72 - RF 144/166 - RF 153/695).
(...).
É imperioso relembrar,
portanto, que emana de fonte constitucional a cláusula que
confere intangibilidade às situações jurídicas definitivamente consolidadas,
quer resultem estas do ato jurídico perfeito, ou, então,
do direito adquirido ou, ainda, da autoridade da coisa julgada.
Na realidade, essa
cláusula de salvaguarda, que consubstancia verdadeira norma de
sobredireito, objetiva atribuir concreção e dar efetividade à
exigência de preservação da segurança das relações jurídicas instituídas e validamente
estabelecidas sob a égide de determinado ordenamento positivo.
Se é certo, de um
lado, que, em face da prospectividade ordinária das leis, os fatos
pretéritos escapam, naturalmente, ao domínio normativo desses atos
estatais (RT 299/478), não é menos exato afirmar, de outro,
que, para efeito de incidência da cláusula constitucional de proteção às
situações jurídicas definitivamente consolidadas, mostra-se irrelevante a
distinção pertinente à natureza dos atos legislativos.
Trate-se de leis de
caráter meramente dispositivo, cuide-se de leis de ordem pública,
todas essas espécies normativas subordinam-se, de modo pleno,
à eficácia condicionante e incontrastável do princípio constitucional assegurador
da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da
coisa julgada em face de ação normativa superveniente do Poder
Público (RTJ 106/314).
Daí
porque esta Suprema Corte, ao
julgar a ADI 493/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 143/746), afastou
qualquer possível dúvida que ainda pudesse subsistir nessa matéria, assim
se pronunciando:
“Por
outro lado, no direito brasileiro, a eficácia da lei no tempo
é disciplinada por norma constitucional. Com efeito, figura entre as garantias
constitucionais fundamentais a prevista no inciso XXXVI do artigo 5º da
Constituição Federal: ‘A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’. Esse preceito
constitucional se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional,
sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de
direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Já
na representação de inconstitucionalidade nº 1.451, salientei em voto que
proferi como relator:
‘Aliás,
no Brasil, sendo o princípio do respeito ao direito adquirido, ao ato
jurídico perfeito e à coisa julgada de natureza constitucional, sem qualquer exceção a qualquer
espécie de legislação ordinária, não tem sentido a afirmação de muitos -
apegados ao direito de países em que o preceito é de origem meramente legal – de
que as leis de ordem pública se aplicam de imediato alcançando os efeitos
futuros do ato jurídico perfeito ou
da coisa julgada, e isso porque, se alteram os efeitos,
é óbvio que se
está introduzindo modificação na causa, o que é vedado constitucionalmente.’
(...).
A
relevantíssima circunstância de o
princípio consagrador da intangibilidade do ato jurídico perfeito - e
das demais situações definitivamente consolidadas - possuir extração
constitucional leva o magistério da doutrina a advertir que esse
postulado fundamental é de incidência abrangente, alcançando, por isso
mesmo, ante a imperatividade de sua projeção, as regras de
natureza meramente legal (e, também, aquelas resultantes do
poder de reforma do Congresso Nacional), ainda que qualificadas como
normas de ordem pública (CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO, “Irretroatividade
das Leis de Ordem Pública”, “in” RF 289/239-242; REYNALDO
PORCHAT, “Curso Elementar de Direito Romano”, vol. I/492-493, item n.
528, 1907, Duprat & Cia; OSCAR TENÓRIO, “Lei de Introdução ao
Código Civil Brasileiro”, p.
198/199, 2ª ed., 1955, Rio; CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Instituições de
Direito Civil”, vol. I/128, Forense, v.g.).
Cabe enfatizar, portanto,
Senhor Presidente, que as normas de ordem pública encontram, no
postulado tutelar inscrito no art. 5º, XXXVI, da Lei Fundamental, um
obstáculo político-jurídico absolutamente insuperável, a significar que
não podem desconstituir consequências jurídicas resultantes de situações
pretéritas nem imputar, a fatos lícitos ocorridos no passado, efeitos
novos limitativos de direitos, ainda mais se se tratar de direitos
fundamentais, como o direito de participação política, fundamento
legitimador da prerrogativa de ser candidato [a liberdade-participação de acesso a cargos e
empregos públicos!].
Perfilha
igual orientação o saudoso J. M. OTHON SIDOU (“O Direito Legal”,
p. 228/229, item XIII, 1985, Forense), para quem, considerada a
concepção vigente no sistema normativo brasileiro pertinente à resolução
do conflito intertemporal de leis, “A lei nova não atinge consequências
que, segundo a lei anterior, deviam derivar da existência de
determinado ato, fato ou relação jurídica, isto é, que se unem à sua causa como
um corolário necessário e útil”, expendendo, a esse propósito,
magistério irrepreensível:
“Retroativa
e, portanto, condenável (...) é não somente a
regra positiva que contrasta com as consequências, já realizadas,
do fato consumado, mas também a que impede as consequências futuras do mesmo
fato, por uma razão relativa só a ele.” (grifei)
Mesmo, portanto,
que se trate de leis de conteúdo eleitoral, não se revestem estas de
eficácia jurídica bastante para contrariar liberdades fundamentais, como
a concernente ao direito de
participação política ou, ainda, como aquela referente à
intangibilidade dos atos jurídicos perfeitos, que se acham assegurados,
explicitamente, em norma de salvaguarda, pelo próprio estatuto
constitucional, por mais imperiosos que se apresentem os motivos de
ordem pública invocados pelo Estado para justificar a edição de
determinado diploma legislativo, não obstante instaurado o respectivo
processo de formação mediante iniciativa popular.
Se é certo, tal
como ressalta a jurisprudência desta Suprema Corte, que “A lei
nova tem caráter imediato e geral”, não é menos exato que o dogma
constitucional que garante a intangibilidade do ato jurídico perfeito, do
direito adquirido e da coisa julgada impede que o ato estatal
superveniente, qualquer que seja a natureza ou índole de que se
revista (como uma decisão judicial), atinja “a situação
jurídica definitivamente constituída sob a égide da lei anterior” (RTJ
55/35) ou, então, eleja
certa causa ocorrida no passado, para, com
fundamento nela, atribuir-lhe, em caráter inovador, efeito
restritivo de direitos, veiculador de limitação ao direito
fundamental de participação política.
Nem mesmo os efeitos posteriores das situações constituídas podem ser afetados pela
incidência da nova lei, porque - caso admitida tal consequência -
estar-se-ia iniludivelmente fraudando a vontade subordinante do
legislador constituinte e paradoxalmente reconhecendo a inaceitável possibilidade
jurídica da existência de ato estatal com projeção retroeficaz gravosa,
gerando, desse modo, situação normativa absolutamente incompatível com
a tradição de nosso constitucionalismo democrático.
A
circunstância de as leis terem efeito
imediato não legitima a interpretação que o Tribunal Superior Eleitoral deu
à Lei Complementar nº 135/2010, fazendo-a incidir, de modo
inconstitucional, sobre situação pretérita que, além de exaurida em
todas as suas potencialidades jurídicas, já se achava definitivamente
consolidada no tempo, como sucedeu com a renúncia do ora recorrente ao
mandato parlamentar, por ele formalizada anos antes da vigência do
diploma legislativo referido...
(...).
O
fato a ser destacado, neste ponto,
Senhores Ministros, considerado o fundamento da eficácia imediata das
leis, subjacente ao julgamento proferido pelo Tribunal Superior
Eleitoral, é que o sempre invocado magistério de PAUL ROUBIER (“Le Droit Transitoire”, 2ª ed., 1960) encontra
insuperável limitação de ordem jurídica no próprio sistema
constitucional brasileiro, que, ao contrário da realidade normativa
vigente na França, não convive com atos estatais, que, aplicados
retroativamente (ainda que se cuide de retroatividade mínima), afetem as
situações jurídicas definitivamente consolidadas ou interfiram nas
consequências que delas emanaram como resultado causal necessário ou
atribuam, em caráter inovador, a fatos pretéritos já consumados no
tempo, efeitos gravosos e restritivos de direitos, notadamente de
direitos essenciais como aqueles que se contêm no conceito de liberdade
- participação (como o direito de disputar mandatos eletivos, p.
ex.).
Impende
ressaltar, bem por isso, que
situações definitivamente consolidadas, oriundas do ato jurídico
perfeito (e, também, da coisa julgada e do
direito adquirido), qualificam-se como obstáculos
constitucionais invocáveis contra o Estado e plenamente
oponíveis à incidência de leis supervenientes, mesmo que estas
veiculem prescrições de ordem pública.
A realidade normativa é uma só, Senhor Presidente: mesmo nas hipóteses de retroatividade mínima
(MATOS PEIXOTO, “Limite Temporal da Lei”, “in” RT 173/459,
468), quanto mais naquelas hipóteses de retroatividade máxima,
em que os efeitos gravosos interferem na causa (que é um ato ou
fato ocorrido no passado), esta Suprema Corte tem advertido que, em
referida situação, a interpretação judicial que admita tal
possibilidade revestir-se-á de caráter inegavelmente retroativo (e,
portanto, inconstitucional):
“Se
a lei alcançar os efeitos futuros de contratos
celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade
mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato
ocorrido no passado. O disposto no artigo 5º, XXXVI, da
Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem
qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou
entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF.”
(RTJ 143/724, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno - grifei)
A
aplicação retroativa da norma legal
em causa (alínea “k”) [e “g”, do artigo 1º, da lei estadual] – que
afeta, sensivelmente, de
modo direto, o “status activae civitatis” do candidato - expõe-se
à censura jurídica (...).
Em
suma: tenho para mim que
se mostra plenamente acolhível a pretensão recursal deduzida nesta
causa, considerados, para tanto, os fundamentos concernentes,
quer à violação do princípio da anterioridade eleitoral (CF, art.
16), quer à ofensa à cláusula de incolumidade do ato jurídico perfeito, cuja
transgressão, no caso, resultou de interpretação judicial, proferida
pelo E. Tribunal Superior Eleitoral, evidentemente lesiva ao
postulado da irretroatividade das leis (CF, art. 5º, XXXVI).
Sendo
assim, em face das razões expostas e
reafirmando o voto por mim anteriormente proferido no julgamento do
RE 630.147/DF peço vênia para
conhecer e dar provimento ao presente recurso extraordinário, assegurando,
desse modo, ao candidato recorrente, o direito ao registro de sua
candidatura.
É
o meu voto.”
[23] “Os efeitos imediatos da Lei Complementar nº 135, de
04 de junho de 2010 infringem o princípio da proteção da confiança,
difundido no Direito germânico e que, mais recentemente, ganha espaço no
cenário jurídico brasileiro.
Consectariamente, a ampliação das atividades
estatais faz crescer uma exigência por parte dos cidadãos de maior constância
e estabilidade das decisões que lhes afetam, de modo que um cidadão não
consegue planejar sua vida se o Estado não atuar de forma estável e consistente.
Mudança e constância são, dessa forma, duas expressões
que colidem no mundo pós-moderno.
O princípio da proteção da confiança, imanente ao
nosso sistema constitucional, visa a proteger o indivíduo contra alterações
súbitas e injustas em sua esfera patrimonial e de liberdade, e deve fazer
irradiar um direito de reação contra um comportamento descontínuo e
contraditório do Estado.”
[24]
Cf. Hans
Kelsen, Teoria Geral do
Direito e do Estado, São Paulo, Martins Fontes, 1990. P. 53/61. Noberto
Bobbio, Teoria da Norma Jurídica,
trad. Fernando Pavan e Ariani Bueno. 2 ed.
São Paulo, Edipro, 2003, p. 145/176.
[25] Vejamos: “Poderíamos
didaticamente mostrar que teremos aí
três inelegibilidades, que se somam: (a) a inelegibilidade desde
a condenação colegiada, enquanto durar o processo; (b) a inelegibilidade
durante o cumprimento da pena; e (c) mais 8 anos de inelegibilidade após
o cumprimento da pena.
Ou seja, enquanto o cidadão estiver recorrendo da decisão
condenatória, ficará inelegível. O tempo
do processo, no exercício do direito de defesa, passa a ser um ônus gravíssimo.
Depois, se for absolvido,
dane-se! Se for
condenado, ficará inelegível durante o cumprimento da pena.
Depois, independentemente de ter furtado uma galinha ou ter se
locupletado do erário, ficará igualmente 8 anos inelegível. Somadas
essas três inelegibilidades, teremos um tempo indefinido e enorme de sanção.
Isso é justiçamento, vingança
oficial.”
“A
sanção de inelegibilidade e o trânsito em julgado: a nova "inelegibilidade
processual" [inacessibilidade
processual]
Após o STF, finalmente, ter uma decisão de
maioria sobre a incidência rombuda do art.16 da CF/88 como garantia para a
segurança jurídica eleitoral, a imprensa passou a se
dar conta de que a LC 135/2010 (lei dos fichas limpas) não tinha o signo da
sacralidade e intocabilidade. A
decisão contramajoritária do STF buscou preservar a Constituição contra o
assalto da maioria ingênua e da mídia inconsequente.
Agora,
começam alguns a temer pelo enterro constitucional da LC 135, já quanto ao seu
conteúdo propriamente dito.
E, como não poderia ser diferente, o
temor decorre de alguns equívocos teóricos graves. A LC 135 é muito
ruim, mas não é por isso que seja inteiramente inconstitucional. Há nela muita inconstitucionalidade,
mas muitos equívocos constitucionais: podemos discordar como política
legislativa, mas não podemos expurgá-las como afrontas chapadas à Constituição.
Uma das bobagens que começa a ser dita é
que a compreensão da inelegibilidade como sanção faria a lei inconstitucional. Lei
que teria - vejam a bobagem! - como avanço justamente colocar a inelegibilidade
como condição de elegibilidade. A inelegibilidade nunca
foi ou poderá ser colocada como condição de elegibilidade, inclusive por
ausência de sentido deôntico: sanção é efeito de fato ilícito e não é
pressuposto de fato lícito.
Para que a inelegibilidade tenha imediata
efetividade, sendo uma sanção aplicada a fatos ilícitos, haveria necessidade do
trânsito em julgado da decisão que a decreta? A resposta não é simples nem única. Depende! A
Constituição Federal apenas exige o trânsito em julgado para que dimanem os
efeitos da inelegibilidade em duas situações: condenação criminal (art.15, III)
e improbidade administrativa (art.15, IV). Não assim nos demais casos, como os
ilícitos tipicamente eleitorais: abuso de poder econômico, abuso de poder
político, captação de sufrágio, captação ilícita de recursos, etc.
A exigência de trânsito em julgado para
todas as hipóteses de inelegibilidade advinha do art.15 da LC 64/90, cuja
redação foi alterada pela LC 135/2010. Agora, bastaria para a execução
imediata da inelegibilidade uma decisão de órgão colegiado, naturalmente
excluindo-se as hipóteses previstas na própria Constituição Federal (condenação
criminal e improbidade administrativa).
A questão, vista desse modo, seria de
fácil solução. Seria. Mas a LC 135 é
inconstitucional por outro motivo: a desproporcionalidade das sanções.
Vejam: uma coisa é prescrever uma
inelegibilidade por 8 anos, contada desde a decisão de órgão colegiado, quando
começa a viger. Outra coisa, muito distinta - e essa é uma grosseira
anomalia da LC 135 - é a previsão da inelegibilidade desde a decisão de órgão
colegiado, enquanto durar o processo, e, após o trânsito em julgado, mais
8 anos.
Ou seja, o ônus do tempo do processo é
terrível para quem recorre de uma decisão que decreta a inelegibilidade, porque
o recurso seria causa do prolongamento indeterminado de uma inelegibilidade
processual, enquanto durar o tempo do processo e pelo simples fato de
haver recurso pendente.
Ao depois, aí sim viria a inelegibilidade
material, de 8 anos como sanção ao fato ilícito eleitoral.
Cunho a expressão inelegibilidade
processual para denominar a inelegibilidade que decorre exclusivamente
do ônus do tempo do processo, sendo a sua causa e razão de ser gerar uma sanção
processual indireta pelo manejo de recursos inerentes ao devido processo legal
(due process of law), criando assim
limitações gravosas e antidemocráticas ao pleno exercício da pretensão à tutela
jurídica e ao livre acesso ao Poder Judiciário.
A inelegibilidade processual
seria decorrente da decisão de órgão colegiado, enquanto durar o processo, sem
direito a uma espécie de detração eleitoral para o cômputo da
inelegibilidade material de 8 anos. Essa inelegibilidade processual seria, portanto, um
desestímulo ao uso dos meios recursais próprios, em verdadeira negativa de
acesso ao Judiciário: recorrer seria um ônus insuportável para quem tivesse a
inelegibilidade decretada por um órgão colegiado.
Sem juízo de constitucionalidade, se
fôssemos aplicar a LC 135 a secas, teríamos alguns exemplos graves de
inelegibilidade da LC 64/90, com a redação da LC 135:
Art. 1º, I, "e": soma das seguintes inelegibilidades: (a) inelegibilidade
a partir da decisão condenatória do órgão colegiado, enquanto durar o processo penal (inelegibilidade
processual); (b) inelegibilidade enquanto durar o cumprimento da pena de
natureza penal, decorrente da suspensão dos direitos políticos; e (c)
inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena.
Art.1º, I, "l": a soma das seguintes inelegibilidades: (a) inelegibilidade a
partir da decisão condenatória do órgão colegiado, enquanto durar o processo por improbidade que decretou a
suspensão dos direitos políticos (inelegibilidade processual); (b)
inelegibilidade enquanto durar o cumprimento da pena de suspensão dos direitos
políticos; e (c) inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena.
Note-se que, em hipótese de
inelegibilidade decorrente de ilícitos não-eleitorais (condenação criminal
transitada em julgado, v.g.), há agora a criação de uma
inelegibilidade cominada potenciada de natureza processual, como gravíssimo ônus
para inviabilizar o acesso ao Poder Judiciário e tornar inviável ou
insuportável o manejo de recursos processuais, ainda que viáveis, firmes e
sérios.
No caso da condenação criminal, se o
recurso contra a decisão condenatória, proferida por órgão colegiado, tiver um
resultado demorado (digamos, 5 ou 10 anos), a inelegibilidade processual,
somada ao cumprimento da pena (acaso improvido o recurso) e à inelegibilidade
de 8 anos após o cumprimento da pena, poderá levar a uma sanção total de
inelegibilidade de mais de 30 anos, o que nada mais é do que o degredo
político.
Aqui, parece-me, será o ponto correto a
ser debatida a inconstitucionalidade da inelegibilidade processual sem
que haja sequer uma detração, uma subtração daquela inelegibilidade
material de 8 anos. O
correto, o constitucional, seria a LC 135 ter previsto a aplicação da
inelegibilidade de 8 anos desde a decisão de órgão colegiado, como execução
imediata. Mas criar um inelegibilidade de natureza meramente
processual, como terrível ônus do processo, é uma solução legislativa
fascista, criminosa e estapafúrdia. Sim, um caso para a psiquiatria
forense, como afirmou o Min. Gilmar Mendes.
Desse modo, chamo a atenção para as
seguintes conclusões:
(a) a sanção de inelegibilidade
pode ter execução imediata, desde a decisão de órgão colegiado, exceto nos
casos proibidos pela Constituição (condenação criminal e improbidade
administrativa);
(b) a inelegibilidade
processual, enquanto durar o tempo do processo, é
inconstitucional, viola o princípio da proporcionalidade/razoabilidade
e impede o acesso frutuoso ao Poder Judiciário; e
(c) a solução constitucional
adequada teria sido a LC 135 ter previsto a execução imediata da
inelegibilidade cominada potenciada de 8 anos (sem, portanto,
postergá-la para o trânsito em julgado e absurdamente criando uma
inelegibilidade cominada potenciada de natureza processual).”
[26] Ver três artigos publicados na web de nossa autoria: (i) A Lei Ficha Limpa em revista e os empates no
STF. O dilema entre o politicamente correto e o constitucionalmente
sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2711, 3 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17925>.
Acesso em: 1 maio 2011; (ii) STF,
insegurança jurídica e eleições em 2012: Até quando o embate entre moralistas e
constitucionalistas em torno da lei ficha limpa?. Jus Navigandi,
Teresina, ano 16, n. 2827, 29 mar. 2011.
Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18790>.
Acesso em: 2 maio 2011; (iii) Moralistas versus Constitucionalistas – o caso Roriz, no STF – Conjur e Adriano da Costa Soares; setembro de 2010.
[27] Dia
17.10.2011, das 22:00 as 23:00 horas, participei de debate televisivo no
programa “Conversas Cruzadas”, na TVCOM, grupo RBS, e um dos ilustrados
debatedores, emérito promotor de justiça e distinto integrante do movimento que
resultou na propositura da lei ficha limpa eleitoral, disse-me, surpreendentemente:
“que não sei em que planeta vive o Prof. Ruy, mas no meu planeta não vejo
realidade para essas idéias”, dando a entender que seria eu o “alienígena” e meu antagonista o “terráqueo”,
devido a diferença de pontos de vista, expressos também nesse artigo. Ao fim do
debate afirmou, irônico e contrariado, que existem os “inimigos das mudanças”, dando a entender que seria eu um deles ou
os que expressam a mesma opinião divulgada nessas notas de reflexão.
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