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23/10/2011

Lei Ficha Limpa Estadual e Limites Constitucionais de sua Produção Legislativa: análise da “inacessibilidade a cargos em comissão” por condenados por improbidade administrativa sem trânsito em julgado - o caso catarinense Ruy Samuel Espíndola


Lei Ficha Limpa Estadual e Limites Constitucionais de sua Produção Legislativa:
análise da “inacessibilidade a cargos em comissão” por condenados por improbidade administrativa sem trânsito em julgado - o caso catarinense

Ruy Samuel Espíndola[1]
01.             Introdução

O ideário “ficha limpa” há cinco anos vem ganhando força na cena jurídica e política brasileira. Desde seu aparecimento, em voto vencido dado pelo Ministro Carlos Ayres Britto no TSE (e acompanhado pelo então Ministro José Delgado), caso Eurico Miranda[2], cujo julgamento findou em 20.09.2006, passou-se a discutir, com grande intensidade, o valor moral de candidaturas, os pressupostos éticos e a idoneidade para postulações políticas eletivas.
Depois disso, adveio a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 144, movida pela Associação da Magistratura Brasileira - AMB, que tencionava fazer prevalecer, por decisão com efeito vinculante, a idéia de autoaplicação do artigo 14, § 9º (já enaltecida no voto vencido do Ministro Britto, em 2006, no TSE), cujo resultado, indeferitório, ocorreu em 20.08.2008[3].

O movimento chamado ficha limpa culminou em setembro de 2009, com a apresentação de projeto de lei de iniciativa popular levado ao Congresso Nacional, promulgado pela Presidência da República em 04.06.2010, como a Lei Complementar n. 135, de 04 de junho de 2010.

Logo depois de sua entrada em vigor, o TSE, mobilizado pelo movimento e seu estardalhaço midiático, surpreendentemente, editou a equívoca resposta a Consulta no 1.120-26/DF (formulada pelo Senador Artur Virgílio do PSDB), Relatada pelo então Ministro do TSE Hamilton Carvalhido, que, além de outras conclusões questionadas na justiça eleitoral e no STF, entendeu que a LC 135/10 era aplicável ao pleito de 2010 e a fatos jurídicos passados, não constituindo pena a inelegibilidade e não havendo incidência retroativa de seus dispositivos nas hipóteses de inelegibilidade nela versadas[4].

O STF só pode solver a grande insegurança jurídica ocasionada pelo  TSE em 10.06.2010, em 23.03.2011, por maioria (6 x 5), com o acórdão proferido no caso Leonídas Rebouças, RE 633.703, Relator Ministro Gilmar Mendes, ao dizer, sem sombra de dúvidas, que essa lei não poderia ser aplicada às eleições de 2010, por força da regra da anualidade, insculpida no artigo 16 da Constituição da República[5].

Lembremos que o efeito do “discurso ficha limpa” foi tão impactante sobre a opinião pública e o congresso nacional, que não houve votos contrários a sua aprovação. Tanto no Senado, quanto na Câmara dos Deputados, à unanimidade, foi aprovado. E aprovado em tempo recorde, para um projeto com a seriedade e conseqüências jurídicas de suas proposições normativas, por emparedamento do Congresso pela mídia e opinião pública moldada pela primeira.

Durante a eleição de 2010, tivemos, inclusive, um candidato a Vice-Presidente[6], cujo maior argumento de sua candidatura, foi o fato de ter sido o Relator, na Câmara dos Deputados, de dito projeto, e de ter contribuído para sua agilidade e aprovação no parlamento brasileiro.

O DEM, em nível nacional, assumiu a autoria ideológica parlamentar do projeto, que teve iniciativa popular, com mais de 1.600.000 assinaturas. A internet foi veículo de grande circulação de idéias em apoio ao ideário ficha limpa.

Muitos partidos e candidatos, dos mais diferentes matizes, durante o pleito de 2010, se disseram “ficha limpa”, como o maior argumento para legitimar suas candidaturas – independentemente de seus projetos, passado e presente... de suas convicções políticas ou programas partidários.

Em 12.10.11, feriado nacional, milhares de pessoas reunidas em diversas Capitais do País pediram a aplicação de seus ditames às eleições de 2012 e clamaram para que o STF a declare constitucional. Pessoas ligadas ao salutar movimento contra a corrupção. Unidas pelas redes sociais, sem intermediação dos tradicionais órgãos de política em uma sociedade organizada: partidos e/ou sindicatos.

É sabido que abaixo assinado foi endereçado à Presidenta Dilma, para que nomeie um magistrado para a Suprema Corte - no lugar de Ellen Gracie, que se aposentou recentemente - comprometido com o ideário “Ficha Limpa”.[7]

Muitas questões em torna da constitucionalidade desta lei, algumas adiante tratadas, serão solvidas, quiçá ainda este ano, no STF, que deverá julgar duas ações declaratórias de constitucionalidades – uma movida pelo Conselho Federal da OAB (ADC n. 30), e outra pelo Partido Popular Socialista – PPS (ADC n. 29), e, ainda, uma ação direta de inconstitucionalidade movida pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (ADIN n. 4578). Para todas essas ações, por conexão, o Relator é o Ministro Luiz Fux, o mesmo que desempatou a discussão, no STF, sobre a aplicação da lei ficha limpa às eleições de 2010.[8] A Procuradoria Geral da República manifestou parecer favorável a constitucionalidade da lei, em todos os aspectos questionados.

Em alguns Estados da federação[9], o teor da lei eleitoral complementar 135/10[10] - seu discurso moralista -, estimulou iniciativas locais e mesmo municipais a fazerem lei semelhante, para impedir que pessoas, que incidissem em hipóteses semelhantes ou idênticas ao da lei eleitoral, pudessem ocupar postos no poder público: cargos em comissão, empregos em comissão, funções de confiança, emprego temporário, etc.

Através de projeto de iniciativa parlamentar do Deputado Estadual Cesar Souza Júnior, DEM/SC, foi apresentada proposição à Assembléia Legislativa de SC, que se transformou na lei estadual n. 15.381, de 17.12.2010[11], que visa impedir que ocupem cargos em comissão no Legislativo, Executivo, Judiciário, Tribunal de Contas e Ministério Público de SC, pessoas que incidam nas mesmas hipóteses previstas na LC 135/10.

A iniciativa, sem dúvida, é politicamente correta e moralmente apetecível. Precisamos indagar, no Direito, se ela é juridicamente aceitável, ou melhor, se é constitucionalmente sustentável.

Isso porque o legislador pode muito, mas não pode tudo, em uma democracia constitucional estável, onde existe uma constituição rígida, fixadora de direitos fundamentais e da separação de poderes, que instituiu uma corte constitucional independente para interpretá-la, aplicá-la e protegê-la frente aos arroubos de maiorias circunstanciais ou de opiniões públicas majoritárias contra constitutione.

E no caso das leis estaduais ou municipais que lhe copiem a iniciativa ideológica e moralista, há mais limites legiferantes, decorrentes do sistema de direitos fundamentais, da separação de poderes e das competências federativas, do que os postos ao legislador eleitoral federal.

O objetivo deste ensaio é analisar alguns destes limites, focando nas inconstitucionalidades das leis estaduais, tomando como exemplo de laboratório o caso da lei catarinense, que é emblemático. Limitando-se ao recorte do tema de condenação por improbidade, sem trânsito em julgado.

O teor da lei estadual catarinense é idêntico ao da Lei ficha limpa eleitoral. Ocupa-se em impedir que cargos em comissão, nos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas, em SC, sejam ocupados por pessoas que incidam nas suas hipóteses vedatórias.

Adiante tomaremos como reflexão crítica, a lei catarinense, abordando cinco aspectos que denunciam suas inconstitucionalidades formal, orgânica e material.

Assim o fazemos para alertar a comunidade jurídica e política sobre os direitos fundamentais que estão em jogo e o valor de uma Constituição que exige respeito e efetividade, sobretudo em momentos nos quais a paixão, o preconceito e a irreflexão são a tônica dos discursos midiáticos.

02.             Os projetos que versem sobre inacessibilidade a cargos públicos devem respeitar a regra de iniciativa reservada da Chefia do Executivo, sob pena de inconstitucionalidade formal

O projeto catarinense que resultou na lei ficha limpa estadual barriga-verde é inconstitucional, pois é fruto de iniciativa parlamentar, e não de iniciativa do Executivo, como exigem, para tema de provimento em cargos públicos, a Constituição Federal. Há flagrante vício de iniciativa, de origem do projeto. E assim todos os seus dispositivos, transformados na lei estadual n. 15.381/10, não tem validade. Há na espécie legislativa em crítica, o que se chama de inconstitucionalidade formal[12].

                                   Para entender a inconstitucionalidade em foco, precisamos relembrar o significado jurídico de provimento: provimento é o “ato de designação de alguém para titularizar cargo público”, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 27ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 308). Para Carmem Lúcia Antunes Rocha, “provimento de cargo público é o suprimento formal da necessidade pública havida e demonstrada na sua vacância, conferindo-se a alguém a condição de titular responsável pelo desempenho das atribuições e das funções que lhe são inerentes.” (Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 169.)

                                   Legislar sobre provimento, então, é normatizar as regras que definem o acesso aos cargos públicos, é legislar sobre “acessibilidade” aos cargos públicos.

                                   A regra parâmetro violada foi à constante do seguinte dispositivo constitucional que integra processo legislativo, portanto, de observância obrigatória para os Estados Membros: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II - disponham sobre: (...) c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).”

                                   A jurisprudência do STF é pacífica em precedentes neste sentido[13].
Assim, quando as leis estaduais, que disporem sobre o tema provimento – versando a inacessibilidade a cargos públicos - insuperável será a inconstitucionalidade da lei estadual ficha limpa, por regular provimento de cargos públicos em lei cuja origem adveio de projeto de iniciativa parlamentar e não de iniciativa privativa do executivo.

03.             O legislador estadual não pode invadir competência legislativa da União Federal e inovar dispositivos da Lei nacional 8.429/92, alterando seus efeitos processuais, conteúdo e extensão de suas penas – haverá violação aos artigos 22, I, c/c 37, § 4º, da Constituição Federal  – inconstitucionalidade orgânica – desvalia parcial e pontual da Lei estadual catarinense n. 15.381, de 17 de dezembro de 2010

Quando leis estaduais ou municipais, ao modo da lei catarinense, regularem hipótese proibitiva a condenados por improbidade, impondo-lhes a perda do cargo público comissionado ou impedimento para assumir, cominarão pena que não está prevista na Lei 8.492/92, lei da improbidade administrativa. Ou melhor, pena há, mas sem o efeito e modo previstos na lei estadual catarinense[14].

A lei nacional de improbidade condiciona a perda do cargo, ao trânsito em julgado da condenação, desde que a sentença tenha imposto tal pena. Pois alguém pode ter direitos políticos suspensos, sem perda do cargo.

A lei estadual ficha limpa criou regra jurídica que só poderia ser instituída por lei federal e para todos os brasileiros. O inacesso ao cargo público não está entre as penas da lei de improbidade. Apenas a perda do cargo. E só se pode dar tal perda, por sentença judicial, que contenha esse dispositivo em seu campo decisório.

Assim, em solo catarinense, a pessoa que estiver na situação de condenada por improbidade sem trânsito em julgado, e for impedida de assumir cargo em comissão, deve alegar, com serenidade, que tal regra viola as competências legislativas da União. Invade competência em matéria de improbidade, que é tarefa penal legislativa da União. Invade esfera legiferante cabível à União, e sem competência do Estado de SC ou qualquer outra Unidade da Federação. Trata-se da chamada inconstitucionalidade orgânica. Pois a norma objeto do artigo 1º, letra “g”, da Lei estadual catarinense n. 15.381/10, viola as normas parâmetros dos artigos 22, I, c/c 37, § 4º, da Constituição Federal.

04.             A lei estadual é inválida, em parte, pois seu conteúdo normativo contraria os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal – violação aos artigos 5º, LIV e LVII, da Constituição Federal  – inconstitucionalidade material – desvalia parcial e pontual da Lei catarinense – jurisprudência do STF aplicável por “analogia juris”

A norma ordinária estadual do artigo 1º, letra “g”[15], da Lei catarinense n. 15.381/10, viola as normas constitucionais dos artigos 5º, LIV e LVII, da Constituição Federal. Há inconstitucionalidade material por violação das normas que tratam da presunção de inocência e do devido processo legal.

                                    Isso por que prevê efeito ablador de direito, sem que haja trânsito em julgado de comando condenatório. E efeito tomado a partir de se reconhecer, sem definitividade, sem trânsito em julgado, a situação de condenado.

Foi violado, pela lei estadual, o princípio da presunção de inocência, que não contém sua aplicação apenas à esfera penal, como conquista da Ciência Jurídica contemporânea.

E essa inconstitucionalidade trouxe outro grande inconveniente ideológico: os defensores “da constitucionalidade” e “da bondade da lei ficha limpa teem tomado posições de “conveniência e oportunidade”, mesmo contra consagradas posições na Teoria do Direito e na Ciência Jurídica em geral. Eles dizem que esse princípio, o da presunção de inocência, só teria aplicação na esfera do Direito Penal. E o fazem “apenas” para defender a lei, com argumento indefensável perante o tribunal da razão e da ciência.

Ora, é conquista da civilidade e da Ciência jurídica dela resultante, que tal princípio tem aplicação em todos os ramos do Direito onde haja atividade sancionadora, função punitiva. Tanto que se fala, hoje, de Direito Sancionador para abarcar amplas esferas para além do Direito Penal, que, todavia, pressupõe a Ciência Penal como o grande arquétipo, a grande luz, o grande caminho que orienta a aplicação das penas em todas as áreas do Direito.

Podem querer dizer os apologistas da “moral por sobre o direito” que inacessibilidade não seria pena, sanção, restrição punitiva a direito. Por tanto, o princípio da presunção de inocência não lhe poderia emprestar qualquer favor. Inacessibilidade da lei estadual seria “mero requisito” para se prover cargo público em comissão no executivo catarinense, aferível na data de posse de cada agente. Ademais, para o discurso moralista o direito político de participar da coisa pública, por meio de cargos políticos sem concurso, deve curvar-se ao interesse público, ao interesse social de barrar “pessoas” moralmente espúrias.

Para esse entendimento, o direito fundamental político de participar da coisa pública (liberdade-participação) não seria garantia dos indivíduos, garantia fundamental, apenas interesse público moldado pela opinião pública majoritária, e momentaneamente dominante, que, em dado momento histórico, define o que é interesse público e o que deve ser “moralmente imposto”, nem sempre ouvindo a “vontade de constituição” (Konrad Hesse) ou o “sentimento constitucional” (Pablo Lucas Verdu).

                                   Esse tipo de discurso não pode ser aceito pela comunidade constituída por regime democrático e regida por Constituição garantidora de direitos fundamentais.

                                   Decisões do STF afirmam[16] que para prover cargos por concurso público, não se pode obstruir, por lei ou edital, o direito de inscrição ou de investidura com base em questões criminais ou de improbidade ainda não transitadas em julgado.

                                   Mesmo em tema de inelegibilidade, justamente no caso da lei ficha limpa, o STF tem precedente em tema da improbidade administrativa sem trânsito em julgado[17], que demonstra a escancarada invalidade da lei estadual.
Diante da pacífica e convincente jurisprudência do STF, o cidadão que estiver na situação de condenado por improbidade sem trânsito em julgado, e for impedido de assumir cargo em comissão no Estado de SC, deve alegar em seu prol, com serenidade, que tal regra violou presunção de inocência, inscrita na Carta Federal, enquanto regra de tratamento e garantia processual constitucional.

5. O dispositivo legal estadual é inválido, pois seu conteúdo normativo contrasta com os princípios constitucionais da segurança jurídica, proteção da confiança, coisa julgada e isonomia – seu alcance parece querer alcançar fatos que ensejaram a condenação por improbidade ou decisão colegiada que antecederam a entrada em vigor da lei estadual – norma prejudicial estatuída com fins punitivos retroativos - violação aos artigos 5º, caput, e XXXVI da Constituição Federal – inconstitucionalidade material – desvalia pontual da Lei em seu artigo 1º, letra “g”.


                                   Os princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança, da coisa julgada e da isonomia também foram violados, porque a lei estadual, no dispositivo em foco, tem nítido conteúdo lesivo e retroativo aos que praticaram atos tidos com ímprobos e/ou foram condenados antes de sua entrada em vigor.

                                   Tomemos como exemplo elucidativo desta inconstitucionalidade, o seguinte caso hipotético: os fatos caracterizadores de improbidade se deram entre 11.10.02 e 11.11.02. Nessa época, demonstra o Direito Positivo, não vigorava qualquer norma nacional ou estadual que emprestasse tal efeito sancionatório – inacessibilidade a cargos em comissão no Poder Executivo de SC - a prática desses atos.

                                   Por outro lado, partamos da hipótese de que houve acórdão em 05.08.09, que confirmou a condenação (ou a decretou). Nessa data também não havia qualquer norma da ordem jurídica nacional ou estadual, anexando tais efeitos a uma decisão judicial em casos de improbidade, seja de primeiro ou de segundo grau de jurisdição cível.

                                 A norma que vigia e vigora para os fatos ocorridos entre 2002 e 2010, regulando a matéria, é a Lei nacional 8.429/92, que nada tratou sobre o tema inacessibilidade a cargos em comissão, nos termos postos pela lei ficha limpa estadual, que só veio à vigência em 20.12.10, data de sua publicação no diário oficial do Estado de SC.

                                   A violação à segurança jurídica e à proteção da confiança, se dá, por que entre a prática dos comportamentos tidos como ímprobos e a edição da lei que deseja valorá-los de forma sancionatória, em termos retroativos, transcorreram 8 anos e dois meses! Ou seja, após a prática consolidada de tais atos (para o bem ou para o mal), surgiu na ordem jurídica estadual regra que “juridiciza fatos passados”, para impedir o exercício de liberdades no presente, a liberdade-participação de acesso a cargos em comissão nos poderes constituídos em SC. Surgiu, no presente, norma-sanção para emprestar a fatos passados efeito limitador ao direito de liberdade-participação.

                                   E tendo em conta o tempo de prolação do acórdão, a diferença temporal, embora menor relativamente à data de ocorrência dos fatos, não é menos desautorizante de incidência válida da nova lei estadual: 1 ano e 4 meses do acórdão. Assim, neste particular, a lei estadual estatuir novo efeito anexo para decisões judiciais já prolatadas, constitui flagrante violação à garantia constitucional da coisa julgada.

                                   E toda lei retroativa punitiva ou gravosa à esfera de direitos da pessoa humana, que busca enredar em sua esfera de juridicidade fatos já consolidados ou sentença já dadas, viola a regra da isonomia. Pois é lei que visa regular, retrospectivamente, casos certos, dados sobre pessoas certas, eis que o passado é certo, mas o futuro não.

                                   A generalidade (universo de pessoas) e abstração (universo de casos) da lei são garantias da igualdade (Norberto Bobbio). E como as leis regulam para o futuro, sua abstração e generalidade guarnecem a igualdade de tratamento de todos os cidadãos não só perante as leis, mais no interior de seus comandos normativos. Lei nova que colhe fatos ou sentenças passadas tem endereço certo, pois já sabe que pessoas receberam sua incidência e que casos concretos ocorreram. Sabe quais casos concretos e quais indivíduos afetará, pois dispõe da certeza do passado! Abarca, retroativamente, no plano do concreto e do individual, pessoas e casos determinados, pois já dados, como o de exemplo antes dado. Tais leis, em nosso sistema de direitos, “não tem futuro para aplicação passada!”. E futuro só terão se respeitarem o passado!

                                   Lembremos, a propósito, um rico filme sobre o tema (retroatividade gravosa e injusta das leis), de Costa Gravas, Corte Especial de Justiça, que apresenta o que fizeram os nazistas com a França invadida, para retaliarem os ataques que a resistência francesa impingia aos oficias do exército tedesco no centro de Paris: as forças de ocupação alemã rejulgaram, com novas regras e novas penas, presos já detidos e em cumprimento de sentenças... e decretaram a pena de morte, para muitos casos de furto, para os quais o Direito pré-ocupação previa apenas privação de liberdade! Assim, intolerável que em pleno vigor de nossa democracia retornemos às práticas de regimes que lhe são o contrário e/ou a sua própria morte (in)jurídica![18]

                                   Todavia, ainda que se pudesse dizer o artigo 1º, letra “g”, da Lei estadual válido, ele só o seria pró-futuro; só poderia incidir, válida e eficazmente, sobre fatos ocorríveis a partir de sua entrada em vigor - a partir de 20.12.10. Ou seja, a lei ficha limpa estadual só pode ter efeitos prospectivos, no dia imediato e posterior a 20.12.10, ou melhor, seus efeitos devem projetar-se para o futuro; incidirem apenas sobre fatos ocorríveis a partir de sua entrada em vigor, e jamais ex tunc (retroatividade), sob pena de incidência retroativa de leis gravosas em matéria de liberdades e de direito estrito. Com outras letras: os fatos típicos que terão os efeitos de barrar acesso a cargos em comissão, devem se dar no mundo do ser do direito, após a entrada em vigor da lei ficha limpa (20.12.10), nunca antes!

                                   A doutrina juseleitoral de Adriano da Costa Soares[19], discutindo dispositivo similar constante da lei complementar 135/10, fez precisa crítica ao dispositivo federal. Embora trate, em parte, de condenação criminal, ela se aplica, tout court, às condenações de improbidade, não só pelo evidente conteúdo penal não criminal dessas decisões, mas por que em nosso sistema de direito não pode haver leis gravosas retroativas, por força do princípio da irretroatividade das leis.

                                    Suas lições embora discorram mais sobre decisão criminal, se aplicam, igualmente, aos casos de improbidade, como afirmamos. Pois a sentença que aplica penas da Lei 8.429/92 é sentença penal, por que aplica penas restritivas de direitos e de caráter pecuniário. Ela apenas não é sentença criminal, mas é penal cível!

                                   Tivemos oportunidade de escrever sobre o tema da retroatividade da lei ficha limpa para fins de inelegibilidade. E nossa crítica se aplica perfeitamente ao caso de “inacessibilidade a cargos em comissão” em SC:

Outra agressão às garantias constitucionais foi o fato da lei ficha limpa alcançar fatos ocorridos no passado, emprestando-lhes consequências novas e inesperadas, não existentes no momento em que foram praticados ou não cogitados nos processos em que foram sentenciados.

Agressão violenta às regras constitucionais da coisa julgada, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, e dos princípios da segurança jurídica e ao princípio da não-surpresa e da lealdade e confiança nos atos de Estado.

Vide caso Jader em que sua renúncia ocorreu há 09 anos (outubro de 2001), sendo que ele já fora eleito, duas vezes, nesse período, para a Câmara dos Deputados!!!

Tal agressão ao direito político de candidatura [e ao direito político fundamental de acesso a cargos públicos em comissão, que são liberdades-participação!] não tem exemplo similar em nosso Direito Constitucional ou Eleitoral, e “se a onda pegar” em outras ramos do Direito, poderemos pagar multas de trânsitos por fatos não ilícitos no passado, mas tornados tais no presente; pagar tributos por fatos geradores ocorridos há muito; responder, no presente, por condutas taxadas de crime hoje, mas que no passado, quando praticadas, não o eram.

A lei, neste aspecto, tinha endereço certo, era alcançar determinados parlamentares (Jader, Roriz, etc – ACM escapou, pois morreu antes...), que nos últimos anos, renunciaram para escapar a processos ético-disciplinares.

Ora, apuremos casos como esses através das devidas ações penais, ações de responsabilidade por ato de improbidade, procedimentos responsabilizatórios nos Tribunais de Contas, e nas demais vias legais de responsabilização desses agentes. Contudo, utilizar de tais meios o legislador eleitoral, ainda que com apelo popular, é praticar ato juridicamente inconstitucional e moralmente questionável.

Nenhum cidadão fã de futebol aceitaria que no meio de uma partida, o juiz alterasse, com surpresa a todos, as regras do jogo, para atingir um resultado previamente querido por ele! Nas eleições não pode ser diferente, ainda que com alto ruído da claque.

Embora politicamente correto o fim, juridicamente abjeto o meio! Não podemos tolerar leis com esse casuísmo.

A lei deve ser geral, abstrata e pró-futuro. Pois deve se aplicar a todas as pessoas, indistintamente; prever hipoteticamente uma série relevante de comportamentos vedados, proibidos ou permitidos; e deve valer para o amanhã, para que possamos dela saber com antecedência, e descobrirmos, racionalmente, os caminhos do lícito e/ou do ilícito, avaliando previamente seus custos e riscos, nossos deveres, direitos e responsabilidades.”[20]

                                   Há outro ensaio do estudioso Milton Cordova Júnior, cujas conclusões são ricas ao caso e tema em análise[21].
A lição mais contundente sobre o assunto, a demonstrar higidez dessa tese de invalidade da lei estadual, vem do voto do Ministro Celso de Mello no RE 630.147/DF, ao analisar a retroatividade da lei complementar n. 135/10, afetante do direito político fundamental de candidatura. Suas conclusões são aplicáveis a demonstrar a retroatividade lesiva da lei ficha limpa estadual ao direito político fundamental de acesso a cargos públicos em comissão[22].

                                   E para referendar a tese de que a lei ficha limpa estadual contraria a coisa julgada, há precedente de 05.05.11, do TSE, Relator Ministro Marco Aurélio, no Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 877-54/RJ:  INELEGIBILIDADE – COISA JULGADA – LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010 – RETROAÇÃO MÁXIMA. Contraria, a mais não poder, a primeira condição da segurança jurídica – a irretroatividade da lei – olvidar, colocar em plano secundário, ato jurídico perfeito por excelência – a coisa julgada –, ante a Lei Complementar nº 135/2010, implementando-se retroatividade máxima. DJE de 4.5.2011.

                                   Para evidenciar transgressão ao princípio constitucional da proteção da confiança, pela lei ficha limpa estadual, basta o afirmado pelo Ministro Luiz Fux do STF, em voto de desempate no RE 633703/MG - Relator Min. Gilmar Mendes[23].

                                   Assim, voltando ao exemplo de laboratório, se o caso julgado em 2009, ainda estiver em fase de admissibilidade de recurso especial, atribuir aos fatos julgados penas diversas da que consta em seu dispositivo, que não incluiu a vedação de acesso a emprego público, é violar a coisa julgada constante do acórdão condenatório (artigo 5º, XXXVI, da CR).

                                   Por todas essas razões nos parece inconstitucional, sem qualquer dúvida, o artigo 1º, letra “g”, da Lei estadual n. 15.381/10, por violação aos princípios constitucionais da segurança jurídica, proteção da confiança, coisa julgada e isonomia.

6. O dispositivo legal estadual é inválido, pois seu conteúdo normativo contrasta com os princípios constitucionais da razoabilidade e da ampla defesa – o comando da norma institui limitação suspensiva de direito de participar da coisa pública “sem dia definido para acabar” e onera a defesa dos acusados excessivamente – institui a “inomeabilidade ou inacessibilidade processual” para cargos públicos - violação aos artigos 5º, LIV e LV da Constituição Federal  – inconstitucionalidade material – desvalia pontual da Lei estadual no artigo 1º, letra “g”.


O dispositivo catarinense em crítica, tal qual o da lei eleitoral, criou uma “pena” sem tempo certo para expiar. Criaram essas normas indefinição quanto ao “dies ad quem” para o cumprimento da reprimenda limitadora da liberdade de se candidatar e da limitadora da liberdade de acessar cargos públicos. O legislador - eleitoral e estadual - estabeleceu uma pena que depende de circunstâncias indefinidas e incertas para acabar. Vejamos:

“Art. 1º Fica vedada a nomeação para cargos em comissão no âmbito dos órgãos dos Poderes Executivo, (...) às pessoas inseridas nas seguintes hipóteses: (...)

g) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;”

Há um termo inicial, o da condenação colegiada, que vai até o trânsito em julgado. Isso deixa o período de expiação completamente incerto, não é possível antever, com certeza, o termo final. Concluído esse período de inacessibilidade, haverá mais o tempo do cumprimento da pena. Passado este, no dia imediato subseqüente, começara a correr mais oito anos de inacessibilidade.

Vale esta observação crítica: tendo em conta a regra estadual, não se diga que ela não constitui pena, mas “mero requisito” para provimento de cargo em comissão em SC, nos poderes constituídos estaduais. Não é possível se “importar” o inaceitável equívoco propalado pelos apologistas da lei ficha limpa eleitoral, ao dizerem que “inelegibilidade não é pena”. Afirmar se inelegibilidade é ou não pena é papel da Ciência Jurídica, da Teoria do Direito. O Direito Penal, o Direito Administrativo e o Direito Eleitoral se beneficiam de seus aportes explicativos e conceituais.

A Teoria do Direito[24] afirma que sanção (pena) é toda conseqüência limitadora de um direito, de uma liberdade, de um patrimônio moral ou material, decorrente de comportamento juridicizado como ilícito por norma de direito. Comportamento que resulta, para a pessoa que o realiza, a incidência de certa carga restritiva ou ablativa de liberdade em sua esfera jurídica. A sanção é o consequente do descumprimento da norma: acarreta pena a quem prática o comportamento vedado pelo direito.

A sanção pode ser de diversa natureza (privativa de liberdade, inibidora de candidaturas ou de cargos públicos, pecuniária, etc). As normas de direitos podem prevê-las através de diferentes formas legislativas (no mesmo dispositivo, comportamento vedado e sanção; ou em dispositivos constantes de leis diferentes - a norma primária [comportamento] e a secundária [sanção]). Para aplicação legítima da sanção sempre haverá um devido processo. Necessária uma autoridade competenciada para julgar a conduta e aplicar ao seu responsável as consequências sancionatórias previstas nas normas jurídicas.

Nos domínios dos direitos políticos existem comportamentos e sanções dispostas em leis diferentes, cujos atos que ensejam ilícitos são reconhecidos em um processo e perante certa autoridade - todavia a sanção é aplicada em outro processo, perante diversa autoridade. Algo demais atípico frente ao devido processo legal tradicional e ao juiz natural que conhecemos.

Exemplo significativo é a inelegibilidade decorrente de rejeição de contas públicas. O órgão constitucional que julga as contas é o Tribunal de Contas, através de processo administrativo. De suas decisões podem advir conclusões sobre comportamento que serão valorados em outro campo da jurisdição - a judicial -, e na justiça especializada - a eleitoral -, em processo judicial de registro de candidatura.

Isso se dá quando o Tribunal de Contas rejeita contas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, o que, sob o ângulo da LC 64/90 (artigo 1º, letra “g”, antes da alteração da LC 135/10), será valorado na justiça eleitoral como causa potente a cercear o exercício do direito político fundamental de candidatura.

Ou seja: na justiça eleitoral se verificará se ocorreu o pressuposto de fato da norma eleitoral, que desautoriza candidatura pela ocorrência de uma ilicitude reconhecida em processo administrativo de contas, mas cujos efeitos restritivos de liberdade apenas se implementam quando houver busca de candidatura em processo judicial eleitoral.

Ora, estaremos sim diante de sanção, medida punitiva, ablativa de direitos, sempre que um ato humano puder ser valorado como ilícito e justificante de uma limitação da liberdade. Tudo baseado em norma de direito, que limita um comportamento, estabelece consequências de sua prática e define uma autoridade para julgá-lo.

O mesmo raciocínio se aplica à compreensão da limitação de acesso aos cargos públicos como pena/sanção. E no caso de laboratório em foco: sanção que tem como pressuposto o reconhecimento de fatos que gerem condenações judiciais de improbidade colegiadas!

Voltemos ao exemplo hipotetizado. Digamos que do acórdão confirmatório da condenação resulta o seguinte conjunto sancionatório: [i] suspensão dos direitos políticos por 05 anos, [ii] proibição de contratar com o poder público por 05 anos e [iii] de receber benefícios fiscais ou creditícios por 05 anos. A esse conjunto de sanções agregar-se-ia uma nova pena ex post facto e após a coisa julgada: a pena de [iv] “inacesso aos cargos públicos”.

Essa última pena além de acrescer às restrições cominadas na sentença, tem um tempo maior de “aflição da liberdade” do que todas as demais, que se limitaram ao período de 05 anos. Se transitar em julgado a condenação de 2009, saberá o cidadão condenado, saberá o Judiciário e saberá a sociedade em geral, quando iniciarão as penas qüinqüenais; saberão, com certeza, o termo inicial e o termo final. O termo inicial é com o trânsito em julgado e o final se dará 05 anos após.

Todavia, quanto a pena ex post facto, seu termo inicial é dia 20.10.2010, tendo em conta a condenação de 2009. Todavia, enquanto durar o processamento do recurso especial interposto pelo cidadão condenado, e este exercer “ampla defesa”, pela nova regra ocorreu a seguinte mutação ilegítima: a “garantia processual individual de ampla defesa” foi transformada em uma “pena incerta”, em nome da moralidade administrativa; há um endurecimento da “lei e da ordem”, com o elastecimento sine die da pena.

Do modo como se fixou os efeitos da pena e o período de sua expiação, a ampla defesa, passou de um bem a um mal; de um bônus a um ônus; de um direito a um encargo duro e penoso.

O cidadão X, pela esdrúxula regra estadual, ainda que acredita em sua inocência e na possibilidade de reversão da condenação, agregará ao período expiatório que conta com 05 anos de suspensão dos direitos políticos e mais 08 anos de inacessibilidade, o imensurável tempo para esgotamento de seus recursos de defesa.

Além da incerteza do tempo de duração da pena de inacesso, se houver êxito nas pelejas recursais de X, a expiação vigorará incerta como nau sem rumo. Absolvido, jamais poderá ser compensada no plano dos seus direitos de liberdade política: essa a única certeza diante de pena sem tempo certo para durar - enquanto ela durar, nada vai compensá-lo no futuro, na esperada hipótese de absolvição em recurso!

No caso de laboratório, vejamos o absurdo da normação em abstrato: X tem 45 anos (em nosso suposto exemplo), sabe que ficará 13 anos fora da vida pública, mais o tempo que durar o exercício de seu direito de defesa!?!!?? Pode isso ser razoável?!?!

Isso é desproporcional e abusivo não só pelo tamanho da pena, pelo tempo em que ela passou a vigorar, mais, notadamente, pela completa incerteza quanto ao tempo que vigorará seus efeitos sancionatórios, pela completa incerteza quanto ao seu termo final (que poderá durar 18 ou 20 anos ou mais, não se sabe?!)!

Além dessa normação inconstitucional, desproporcional e  irrazoável sob o ângulo do princípio constitucional da proporcionalidade, outra invalidade acoima a norma da letra “g”, do artigo 1º, da Lei estadual: a que viola o princípio da ampla defesa. Parte deste raciocínio já foi desenvolvido acima.

E o raciocínio completo é simples: pela nova regra penal e seus efeitos incertos, além da defesa “não ser mais ampla”, pois desde a condenação colegiada sem trânsito se aplica pena ao condenado, o seu exercício é um alongamento da pena, uma ampliação de seu sofrimento, o que demonstra que a norma penal anulou o valor e eficácia de uma garantia fundamental processual!

Em verdade o exercício da defesa recursal de estrito direto (ou mediante embargos infringentes, ou declaratórios, ou embargos de divergência, etc), consistirá em verdadeira “carga de ampliação do tempo de pena”, enquanto durar a busca do condenado pelo reconhecimento de sua inocência ou pela invalidade de sua condenação. E no caso hipotetizado, sendo ela conquistada, a pena já foi sofrida, expiada (caso X seja privado do cargo em comissão que ocupa), e o mal injusto decorrente de se condenar um inocente, não mais poderá ser reparado... Seu cargo, seus vencimentos, sua vida, seus projetos, sua honra, sua dignidade, jamais serão reparados!

Assim a liberdade participação em foco é solapada pela lei em comento, sem tempo certo, sem condenação definitiva e enquanto tentar o condenado exercer a garantia constitucional da ampla defesa. Isso tudo é flagrantemente inconstitucional, como anota Adriano da Costa Soares.[25]

E no que toca à violação ao princípio da proporcionalidade, trazemos à colação o Ministro Celso de Mello no RE 630.147/DF, ao analisar a lei complementar n. 135/10, lesiva ao direito político fundamental de candidatura, por ferir a razoabilidade exigida do poder legislativo:

Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à atividade do Poder Público.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica – enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (...) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa ou, como na espécie, de resolução judicial de conflitos -, adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (...).

A validade das manifestações do Estado, portanto, analisadas estas em função de seu conteúdo intrínseco - especialmente naquelas hipóteses de imposições restritivas ou supressivas incidentes sobre determinados valores básicos (como os direitos fundamentais) - passa a depender, essencialmente, da observância de determinados requisitos que atuam como expressivas limitações materiais à ação do Poder Público.

A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais (inclusive de atos do Poder Judiciário), que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder do Estado, veiculam prescrições ou decisões que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).”

                                   A pena incerta e sua transmutação do direito de defesa em encargo de ampliação da pena ditam, a mais não poder, a completa desproporcionalidade da medida legislativa levada a efeito pelo legislador catarinense, no que toca ao artigo 1º, letra “g” da Lei estadual n. 15.381/10.

7. Palavras finais

O tema “ficha limpa”, no âmbito do discurso jurídico, pode ser abordado entre duas perspectivas de análise: a dos moralistas e a dos constitucionalistas, como temos apregoado.[26]

                                   Os moralistas seriam aqueles operadores do Direito que olhando para a nossa Constituição e para a cena política brasileira, encontram no princípio da moralidade administrativa, no princípio da probidade, na idéia de vida pregressa ilibada para candidatos, o maior valor a ser perseguido em uma eleição. Para esses operadores, tais princípios, somados ao cânone de proporcionalidade entre bens em conflito (direitos individuais x moralidade), são os principais critérios que devem balizar toda a produção das leis, especialmente uma lei que defina o processo de escolha dos candidatos, através da fixação de hipóteses de inelegibilidades ou de inacessibilidade a cargos ou empregos públicos.

                                   Tais posturas jurídicas são alimentadas pelo sentimento geral da população (e o alimentam em retorno) de descontentamento com a classe política, que é tratada e avaliada não pela média ou excelência de seus representantes, mas sim pelos piores exemplos conhecidos midiaticamente (Paulo Maluf, Eurico Miranda, Jader Barbalho, Joaquim Roriz, etc).

                                   Os raciocínios moralistas partem de particularidades para chegarem a generalizações nada animadoras: se alguns são tão vis e indignos, é preciso todos cuidarem de todos, pois muito mais o serão! O homem é o lobo do homem (Hobbes)! A lei eleitoral deve ser preventiva de improbidades! A presunção reinante é a de desconfiança do candidato e da não confiança na capacidade de escolha do eleitor... Por tais razões, que a justiça eleitoral, que juízes filósofos (Platão), decidam quem deve dirigir as cidades e seus governos! A vontade popular deve ser tutelada pela vontade judicial, essa última orientada pela vontade do legislador.

                                   Os constitucionalistas, por sua vez, são aqueles operadores que veem na Constituição um limite ao exercício arbitrário de poderes públicos ou privados. Para esses a Constituição tem um sistema de direitos fundamentais que deve ser observado na feitura de leis, sem qualquer exceção para as leis eleitorais ou leis administrativas tratantes de provimento em cargo ou emprego públicos. A vontade de Constituição é o fiel da balança a regrar a vontade popular, a vontade do legislador e a vontade judicial. Para esses operadores, entre os direitos fundamentais respeitáveis em qualquer produção do Legislativo ou do Judiciário está a segurança jurídica, a não retroatividade das leis, a presunção de inocência, a razoabilidade da ação legislativa punitiva, o limite anual para incidência de leis novas que alterem o processo eleitoral. E mais: o sagrado direito de receber votos, de candidatar-se, de disputar um mandato público, de exercer um cargo público efetivo ou em comissão é tão importante quanto qualquer direito fundamental como é o de votar; é tão relevante para o regime democrático como a liberdade de ir, vir e ficar é para qualquer regime afastado da barbárie e que caminha rumo ao avanço civilizatório.

                                   Esses operadores constitucionalistas se sustentam na razão (Voltaire), expressa na razão jurídico-constitucional, para ditarem seus comportamentos e decisões jurídicas. Para eles uma Constituição é importante também para as minorias e para conter a fúria e a paixão das maiorias, que, em dados momentos históricos, podem, sem freios constitucionais, desencadear involuções ao argumento de estatuírem progressos.

                                   Pois há épocas em que o ânimo de fazer justiça pode levar a intoleráveis injustiças, como são os justiçamentos passionais e homicidas. Para esses operadores uma Constituição é seguro critério de julgamento em grandes causas públicas na história das nações. É o mastro de Ulysses diante do canto atraente e destrutivo das sereias. Esses homens laboram para a história, e não para o momento; eles plantam carvalhos para o amanhã e não couves para as próximas semanas (Rui Barbosa).

                                   Esse embate entre moralistas e constitucionalistas é salutar para que descubramos, depois das lutas pelas diretas já e pelo impeachment de Collor, que a moralidade é um valor constitucional fundamental, mas não constitui um direito fundamental e não é norma superior as garantias e direitos individuais estabelecidos na Constituição. Aliás, a moralidade administrativa sequer é cláusula pétrea, enquanto os direitos fundamentais o são, por obra da razão que ilumina e não da paixão que cega.

                                   E a moralidade utilizada em alguns dos discursos midiáticos na atualidade brasileira, apesar da diferença de tempo, lugar e regime, parece ser a mesma que justificou o holocausto nazista; a prisão de Oscar Wilde; a discriminação racial que aprisionou Nelson Mandela e matou Luther King; alimentou a fúria do macarthismo no EUA e justificou atos de força e de exclusão política na era de Floriano Peixoto, Getúlio Vargas e do triunvirato militar pós 1964.

                                   Calha ainda pontuar que a democracia não é a vacina definitiva contra a volta da ditadura nem imunidade inexpugnável contra o totalitarismo. E ditaduras e totalitarismos não morrem totalmente por que delas ou de suas cinzas emergiram democracias. Idéias democráticas assombram ditaduras (vejam os tsunamis políticos no oriente médio na crônica atual) e idéias totalitárias ou ditatoriais, convivem, cotidianamente, no seio das democracias com muita mais facilidade e sutileza (EUA, e caça ao terror; Brasil, moralidade pública superior a Constituição e seu regime de liberdades!). Muitas vezes essas idéias são ilusoriamente vendidas como democráticas... e compradas iludidamente como tais, por amplos setores da sociedade civil, imprensa, representações de classe, movimentos sociais, partidos políticos, tribunais, etc...

                                   Isso ocorre em nações onde o debate não é verdadeiramente livre, plurilateral, franco e democrático. Onde o pluralismo de idéias é renegado em nome da unicidade dos dogmas fruto do moral e politicamente correto[27], a despeito do direito posto. Onde o medo de ser perseguido ou rotulado por suas idéias diferentes é moeda corrente. No Brasil não podemos deixar que tais idéias tenham vida fácil perante o Tribunal da razão e da ciência, como dissemos.

                                   A democracia é o regime que, dialética e respeitosamente, admite o seu contrário (Norberto Bobbio). Mas é o constitucionalismo que lhe assegura a vida e impede o avanço das forças contrárias, mesmo que aclamadas por vontade popular circunstancial que agrida a perene e pétrea vontade constituinte fundacional (Vanossi).

                                   O fiel da balança em uma democracia, que a salvaguarda da emergência de arroubos ditatoriais ou totalitários, ou melhor, de idéias provindas desses matizes, é a existência de uma Constituição democrática e efetiva (Luis Roberto Barroso). Constituição originada de uma constituinte livre, representativa e soberana, guarnecida por uma Corte Constitucional independente e ciosa de suas tarefas institucionais em um regime de direitos fundamentais e separação de poderes.

                                   Corte Superior cujos juízes julguem, acima de qualquer expediente, com base em regras e princípios constitucionais pré-estabelecidos no próprio texto da Constituição. E não se fundamentem em volúveis, difusos, imprecisos e irracionais sentimentos populares vazados por setores da sociedade que nem sempre atentam para o valor de uma Lei Fundamental e seu regime de contenção dos arbítrios de toda sorte - proveiam esses abusos do Poder Estatal ou do Poder Social, ambos poderes constituídos e contidos pela Constituição democrática vigente.

                                   No ânimo de atender a tais propósitos superiores, como integrante da ala constitucionalista do Direito, é que denunciamos, neste artigo, as inconstitucionalidades constatadas na lei catarinense n. 15.381, de 17.12.2010. Na esperança de que reine, acima das paixões, a segurança jurídica, sem a qual a democracia se desmancha e a estabilidade das instituições republicanas se desfaz.


[1] Professor de Direito Constitucional da Escola Superior de Magistratura de Santa Catarina  e Professor de Direito Constitucional Eleitoral e Recursos Eleitorais na Pós-Graduação em Direito Eleitoral do CESULBRA - Mestre em Direito Público pela UFSC –  Autor do livro “Conceito de Princípios Constitucionais” – Conferencista Internacional – Secretário de Comissão Especial do Conselho Federal da OAB (a em prol da emenda constitucional de iniciativa popular) - Sócio gerente da Espíndola & Valgas, Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC – Advogado militante perante o TSE e STF - ruysamuel@hotmail.com.

[2] “RECURSO ORDINÁRIO nº 1069 - Rio De Janeiro/RJ  Acórdão de 20/09/2006 Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA  Ementa: Eleições 2006. Registro de candidato. Deputado federal. Inelegibilidade. Idoneidade moral. Art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 1. O art. 14, § 9°, da Constituição não é auto-aplicável (Súmula nº 13 do Tribunal Superior Eleitoral). 2. Na ausência de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato implicará inelegibilidade, não pode o julgador, sem se substituir ao legislador, defini-los. Recurso provido para deferir o registro. Decisão: O Tribunal, por maioria, proveu o Recurso, na forma do voto do Relator.”

O Ministro Carlos Britto, oficiante como juiz vogal, restou vencido. Em suas teses, defendeu a auto-aplicabilidade do artigo, tendo em conta, entre outros argumentos, o conceito de vida pregressa e a etimologia da palavra candidato, que designa, segundo seu dito, “cândido”, “puro”, “honesto”.

[3] “ADPF 144, Relator:  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2008, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 RTJ VOL-00215- PP-00031 - E M E N T A: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – (....) MÉRITO: RELAÇÃO ENTRE PROCESSOS JUDICIAIS, SEM QUE NELES HAJA CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL, E O EXERCÍCIO, PELO CIDADÃO, DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA - REGISTRO DE CANDIDATO CONTRA QUEM FORAM INSTAURADOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE NATUREZA CRIMINAL, EM CUJO ÂMBITO AINDA NÃO EXISTA SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO - IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE DEFINIR-SE, COMO CAUSA DE INELEGIBILIDADE, A MERA INSTAURAÇÃO, CONTRA O CANDIDATO, DE PROCEDIMENTOS JUDICIAIS, QUANDO INOCORRENTE CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO - PROBIDADE ADMINISTRATIVA, MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO ELETIVO, "VITA ANTEACTA" E PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA - SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS E IMPRESCINDIBILIDADE, PARA ESSE EFEITO, DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL (CF, ART. 15, III) - REAÇÃO, NO PONTO, DA CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA DE 1988 À ORDEM AUTORITÁRIA QUE PREVALECEU SOB O REGIME MILITAR - CARÁTER AUTOCRÁTICO DA CLÁUSULA DE INELEGIBILIDADE FUNDADA NA LEI COMPLEMENTAR Nº 5/70 (ART. 1º, I, "N"), QUE TORNAVA INELEGÍVEL QUALQUER RÉU CONTRA QUEM FOSSE RECEBIDA DENÚNCIA POR SUPOSTA PRÁTICA DE DETERMINADOS ILÍCITOS PENAIS - DERROGAÇÃO DESSA CLÁUSULA PELO PRÓPRIO REGIME MILITAR (LEI COMPLEMENTAR Nº 42/82), QUE PASSOU A EXIGIR, PARA FINS DE INELEGIBILIDADE DO CANDIDATO, A EXISTÊNCIA, CONTRA ELE, DE CONDENAÇÃO PENAL POR DETERMINADOS DELITOS - ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O ALCANCE DA LC Nº 42/82: NECESSIDADE DE QUE SE ACHASSE CONFIGURADO O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO (RE 99.069/BA, REL. MIN. OSCAR CORRÊA) - PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE A QUALQUER PESSOA - EVOLUÇÃO HISTÓRICA E REGIME JURÍDICO DO PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA - O TRATAMENTO DISPENSADO À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELAS DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS, TANTO AS DE CARÁTER REGIONAL QUANTO AS DE NATUREZA GLOBAL - O PROCESSO PENAL COMO DOMÍNIO MAIS EXPRESSIVO DE INCIDÊNCIA DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA - EFICÁCIA IRRADIANTE DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DESSE PRINCÍPIO AO ÂMBITO DO PROCESSO ELEITORAL - HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE - ENUMERAÇÃO EM ÂMBITO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 14, §§ 4º A 8º) - RECONHECIMENTO, NO ENTANTO, DA FACULDADE DE O CONGRESSO NACIONAL, EM SEDE LEGAL, DEFINIR "OUTROS CASOS DE INELEGIBILIDADE" - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, EM TAL SITUAÇÃO, DA RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR (CF, ART. 14, § 9º) - IMPOSSIBILIDADE, CONTUDO, DE A LEI COMPLEMENTAR, MESMO COM APOIO NO § 9º DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO, TRANSGREDIR A PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA, QUE SE QUALIFICA COMO VALOR FUNDAMENTAL, VERDADEIRO "CORNERSTONE" EM QUE SE ESTRUTURA O SISTEMA QUE A NOSSA CARTA POLÍTICA CONSAGRA EM RESPEITO AO REGIME DAS LIBERDADES E EM DEFESA DA PRÓPRIA PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA - PRIVAÇÃO DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA E PROCESSOS, DE NATUREZA CIVIL, POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - NECESSIDADE, TAMBÉM EM TAL HIPÓTESE, DE CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL - COMPATIBILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 (ART. 20, "CAPUT") COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 15, V, c/c O ART. 37, § 4º) - O SIGNIFICADO POLÍTICO E O VALOR JURÍDICO DA EXIGÊNCIA DA COISA JULGADA (...) - ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL JULGADA IMPROCEDENTE, EM DECISÃO REVESTIDA DE EFEITO VINCULANTE.”

[4] De informativo do TSE, colhe-se: “Aplicação. Lei Complementar no 135/2010. Eleições 2010.

Trata-se de consulta formulada pelo Senador da República Arthur Virgílio Neto questionando a aplicabilidade para as eleições de 2010 de lei que disponha sobre inelegebilidade que entre em vigor antes do dia 5 de julho.

Inicialmente, o Ministro Relator Hamilton Carvalhido ponderou que, embora iniciado o período para a realização das convenções, quando o Tribunal não mais conhece das consultas formuladas, tal entendimento comporta exceção, caracterizado na espécie, tendo em vista tratar da aplicação da nova Lei de Inelegibilidade − Lei Complementar no 135, publicada em 7.6.2010. Ressalvou que o conhecimento das consultas pelo Tribunal Superior Eleitoral tem a função precípua de orientar os tribunais regionais eleitorais, os juízes eleitorais e os jurisdicionados quanto à aplicação da Lei Eleitoral, absolutamente necessária no caso em tela.

No mérito, o eminente relator assentou que a nova lei, denominada “Lei da Ficha Limpa”, não deixa dúvida em seus termos quanto à sua aplicação alcançar situações anteriores ao início de sua vigência e, consequentemente, as eleições de 2010. Nesse sentido destacou o disposto no art. 3o da nova lei.

Em sequência, afirmou a inexistência de óbice à incidência imediata da norma quanto ao princípio da anualidade estatuído no art. 16 da Constituição Federal. Nesse ponto, destacou que as inovações trazidas pela LC no 135/2010 têm a natureza de norma eleitoral material e em nada se identificam com as do processo eleitoral. Ressaltou, ainda, o entendimento firmado pelo TSE no julgamento da Consulta 11.173/DF, Rel. Min. Octávio Gallotti, ocasião em que o Tribunal assentou a aplicabilidade imediata da Lei Complementar no 64/90 para as eleições que se realizariam naquele ano.

Prosseguindo o seu voto, o Ministro Hamilton Carvalhido examinou a norma contida no art. 14, § 9o e a relacionou ao art. 5o, LVII, ambos da Constituição Federal. Assentou, nesse ponto, que a regra política visa, acima de tudo, ao futuro, função eminentemente protetiva e, assim, alcança restritivamente a garantia da presunção de não culpabilidade, impondo-se a ponderação de valores para o estabelecimento dos limites resultantes da norma de inelegibilidade. Concluiu o seu voto, com o entendimento de que o legislador, ao editar a LC no 135/2010, o fez com o menor sacrifício possível da presunção de não culpabilidade, ao ponderar os valores protegidos, dando eficácia apenas aos antecedentes já consolidados em julgamento colegiado, sujeitando-os, ainda, à suspensão cautelar, quanto à inelegibilidade.

O presidente do TSE, Ministro Ricardo Lewandowski, destacou o julgamento da ADI no 3.345, Rel. Min. Celso de Mello, e da ADI no 3.741, de sua relatoria, acolhida à unanimidade pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, quando se assentou as hipóteses em que há o rompimento do princípio da anualidade, disposto no art. 16 da Consitituição Federal.

O Ministro Arnaldo Versiani, ressalvando o seu ponto de vista no sentido de que o art. 16 da Constituição se aplica a toda alteração no processo eleitoral, quer seja feita por lei ordinária, complementar ou emenda constitucional, acompanhou o voto do relator.

A Ministra Cármen Lúcia, ao proferir seu voto, ressaltou que o questionamento limita-se em saber se a LC no 135/2010 é aplicável ou não às Eleições 2010. Por tal razão, afirmou que a consulta merece ser conhecida, pois não versa sobre a validade da norma e, dessa forma, não invade a competência do Supremo Tribunal Federal. No mérito, entendeu que a lei em questão não é casuística, ou seja, não tem a finalidade de tratar caso a caso para atingir pessoas ou situações determinadas, tendo em vista que lei que emana da sociedade não pode ser considerada como tal. Em continuidade ao seu voto, a eminente ministra assentou que a LC no 135/2010 pretende dar máxima efetividade constitucional e, nesse caso, a maior legitimidade eleitoral obtida através do desdobramento do mandamento contido no art. 14, § 9o, da Constituição. Afirmou que não há qualquer antagonismo na aplicação da norma e que esta deve ser entendida no contexto de um fluxo ético constitucional que não se rompe com a sua aplicação imediata e sim com o diferimento do início da sua aplicação. Destacou, por fim, que a intenção do legislador é a aplicação imediata da lei, haja vista o art. 3o da LC no 135/2010, que permite o aditamento dos recursos interpostos antes da vigência da lei para os fins que dispõe o art. 26-C da lei, eximindo-se, assim, qualquer hipótese de casuísmo.

O Ministro Marco Aurélio não conheceu da consulta por entender que já se iniciou o período das convenções partidárias e a aplicação da lei reflete na escolha dos candidatos. Ressaltou as implicações que a lei trará, principalmente, no que tange à sua aplicação normativa no tempo, considerada a inelegibilidade pelo período de 8 anos e os fatores já existentes. Afirmou que a LC no 135/2010 traz alteração ao processo eleitoral, tendo em vista que interfere no ato de registro de candidatos ao gerar novas situações de inelegibilidade. Concluiu que a nova lei não deve ser aplicada para as eleições a serem realizadas neste ano, aplicando-se, assim, o disposto no art. 16 da Constituição Federal.

Em sequência, o Ministro Aldir Passarinho, acompanhando o voto do relator, assentou que não há direito adquirido, considerando que as condições de elegibilidade e as inelegibilidades somente são aferidas no momento do registro de candidatura, que acontecerá no próximo dia 5 de julho, bem assim que a alteração trazida pela nova lei é linear, incidindo sobre todos os partidos e candidatos de maneira uniforme. 

O Ministro Marcelo Ribeiro, ressalvando o seu ponto de vista quanto à aplicabilidade do art. 16 da Constuição ao caso em questão, também, acompanhou o voto do relator.

Por fim, o ministro presidente reafirmou que a nova lei não provoca o rompimento do princípio da isonomia entre partidos e candidatos, criação de deformação que afete a normalidade das eleições, introdução de fator de pertubação do pleito ou alteração motivada por propósito casuístico, razão pela qual não deve ser aplicado o disposto no art. 16 da Constituição.

Nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, conheceu da consulta, vencido o Ministro Marco Aurélio. No mérito, também por maioria, o Tribunal respondeu afirmativamente à indagação.

Consulta no 1.120-26/DF, rel. Min. Hamilton Carvalhido, em 10.6.2010.”
[5] Informativo do STF:Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Lei Complementar (LC) 135/2010, a chamada Lei da Ficha Limpa, não deve ser aplicada às eleições realizadas em 2010, por desrespeito ao artigo 16 da Constituição Federal, dispositivo que trata da anterioridade da lei eleitoral. Com essa decisão, os ministros estão autorizados a decidir individualmente casos sob sua relatoria, aplicando o artigo 16 da Constituição Federal.
A decisão aconteceu no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 633703, que discutiu a constitucionalidade da Lei Complementar 135/2010 e sua aplicação nas eleições de 2010. Por seis votos a cinco, os ministros deram provimento ao recurso de Leonídio Correa Bouças, candidato a deputado estadual em Minas Gerais que teve seu registro negado com base nessa lei.
Relator
O ministro Gilmar Mendes votou pela não aplicação da lei às eleições gerais do ano passado, por entender que o artigo 16 da Constituição Federal (CF) de 1988, que estabelece a anterioridade de um ano para lei que altere o processo eleitoral, é uma cláusula pétrea eleitoral que não pode ser mudada, nem mesmo por lei complementar ou emenda constitucional.
Acompanhando o relator, o ministro Luiz Fux ponderou que “por melhor que seja o direito, ele não pode se sobrepor à Constituição”. Ele votou no sentido da não aplicabilidade da Lei Complementar nº 135/2010 às eleições de 2010, com base no princípio da anterioridade da legislação eleitoral.
O ministro Dias Toffoli acompanhou o voto do relator pela não aplicação da Lei da Ficha Limpa nas Eleições 2010. Ele reiterou os mesmo argumentos apresentados anteriormente quando do julgamento de outros recursos sobre a mesma matéria. Para ele, o processo eleitoral teve início um ano antes do pleito.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio também manteve seu entendimento anteriormente declarado, no sentido de que a lei não vale para as eleições de 2010. Segundo o ministro, o Supremo não tem culpa de o Congresso só ter editado a lei no ano das eleições, “olvidando” o disposto no artigo 16 da Constituição Federal, concluiu o ministro, votando pelo provimento do recurso.
Quinto ministro a se manifestar pela inaplicabilidade da norma nas eleições de 2010, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, disse em seu voto que qualquer lei que introduza inovações na área eleitoral, como fez a Lei Complementar 135/2010, interfere de modo direto no processo eleitoral – na medida em que viabiliza a inclusão ou exclusão de candidatos na disputa de mandatos eletivos – o que faz incidir sobre a norma o disposto no artigo 16 da Constituição. Com este argumento, entre outros, o ministro acompanhou o relator, pelo provimento do recurso.
Último a votar, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, reafirmou seu entendimento manifestado nos julgamentos anteriores sobre o tema, contrário à aplicação da Lei Complementar nº 135/2010 às eleições do ano passado. “Minha posição é bastante conhecida”, lembrou.
Peluso ressaltou o anseio comum da sociedade pela probidade e pela moralização, “do qual o STF não pode deixar de participar”. Para o presidente, “somente má-fé ou propósitos menos nobres podem imputar aos ministros ou à decisão do Supremo a ideia de que não estejam a favor da moralização dos costumes políticos”. Observou, porém, que esse progresso ético da vida pública tem de ser feito, num Estado Democrático de Direito, a com observância estrita da Constituição. “Um tribunal constitucional que, para atender anseios legítimos do povo, o faça ao arrepio da Constituição é um tribunal em que o povo não pode ter confiança”, afirmou.
O ministro aplicou ao caso o artigo 16, “exaustivamente tratado”, e o princípio da irretroatividade “de uma norma que implica uma sanção grave, que é a exclusão da vida pública”. A medida, para Peluso, não foi adotada “sequer nas ditaduras”.
Divergência
Abrindo a divergência, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha votou pela aplicação da Lei Complementar nº135/10 já às eleições de 2010, dando, assim, improvimento ao Recurso Extraordinário 633703, interposto por Leonídio Bouças, que teve indeferido o registro de sua candidatura para deputado estadual pelo PMDB de Minas Gerais, com fundamento na LC 135.
A ministra disse que, ao contrário da manifestação do relator, ministro Gilmar Mendes, não entende que a LC tenha criado desigualdade entre os candidatos, pois todos foram para as convenções, em junho do ano passado, já conhecendo as regras estabelecidas na LC 135.
Quanto a seu voto proferido na Medida Cautelar na ADI 4307, ela lembrou que, naquele caso, de aplicação da Emenda Constitucional nº 58/2009 retroativamente às eleições de 2008, votou contra, pois se tratou de caso diferente do da LC 135, esta editada antes das convenções e do registro de candidatos.
Ao votar, o ministro Ricardo Lewandowski, que também exerce o cargo de presidente do TSE, manteve entendimento no sentido de negar provimento ao RE, ou seja, considerou que a Lei da Ficha Limpa deve ser aplicável às Eleições 2010. Segundo ele, a norma tem o objetivo de proteger a probidade administrativa e visa a legitimidade das eleições, tendo criado novas causas de inelegibilidade mediante critérios objetivos.
Também ressaltou que a lei foi editada antes do registro dos candidatos, “momento crucial em que tudo ainda pode ser mudado”, por isso entendeu que não houve alteração ao processo eleitoral, inexistindo o rompimento da igualdade entre os candidatos. Portanto, Lewandowski considerou que a disciplina legal colocou todos os candidatos e partidos nas mesmas condições.
Em seu voto, a ministra Ellen Gracie manteve seu entendimento no sentido de que a norma não ofendeu o artigo 16 da Constituição. Para ela, inelegibilidade não é nem ato nem fato do processo eleitoral, mesmo em seu sentido mais amplo. Assim, o sistema de inelegibilidade – tema de que trata a Lei da Ficha Limpa – estaria isenta da proibição constante do artigo 16 da Constituição.
Os ministros Joaquim Barbosa e Ayres Britto desproveram o recurso e votaram pela aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa. O primeiro deles disse que, desde a II Guerra Mundial, muitas Cortes Supremas fizeram opções por mudanças e que, no cotejo entre o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição Federal (CF), que inclui problemas na vida pregressa dos candidatos entre as hipóteses da inelegibilidade, e o artigo 16 da CF, que estabelece o princípio da anterioridade, fica com a primeira opção.
Em sentido semelhante, o ministro Ayres Britto ponderou que a Lei Complementar nº 135/2010 é constitucional e decorre da previsão do parágrafo 9º do artigo 14 da CF. Segundo ele, faz parte dos direitos e garantias individuais do cidadão ter representantes limpos. “Quem não tiver vida pregressa limpa, não pode ter a ousadia de pedir registro de sua candidatura”, afirmou.”
[6] Índio da Costa do Brasil (DEM), vice de José Serra, PSDB.

[7] Na seguinte fonte colhemos esta informação, acessada em 17.10.2011:


 “Em apenas uma semana mais de 149 mil brasileiros assinaram a petição que solicita à presidente Dilma Rousseff (PT) que indique ao Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro favorável à aplicação da Lei Ficha Limpa a partir das eleições de 2012. A ação foi lançada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e pela Avaaz.org no dia 5. O objetivo é que o abaixo-assinado chegue às mãos da presidente com 150 mil assinaturas. "Já solicitamos audiência com a Casa Civil e com a Secretaria da Presidência, mas ainda não nos deram retorno", informou o presidente do MCCE, juiz Marlon Reis.

A preocupação do movimento, segundo ele, é a de que o substituto da ex-ministra Ellen Gracie esteja ligado aos interesses da sociedade "de mudar e combater a corrupção". "Apoiar a Ficha Limpa é só a primeira demonstração que o indicado pode dar de compromisso com os brasileiros", acrescentou Marlon Reis, ressaltando que o projeto de lei que originou a Ficha Limpa recebeu o apoio de 1,6 milhão de eleitores. O MCCE foi o responsável pela coleta das assinaturas que resultou na norma que proíbe a candidatura de políticos com condenações em órgãos colegiados ou que renunciaram ao mandato para escapar da cassação.”

[8] A primeira Adin, a de n. 4.578, é de 30.01.11, movida pela Confederação Nacional das Profissões Liberais, pedindo o reconhecimento da inconstitucionalidade da letra “m”, do artigo 2º, da LC 135/10, por malferir a razoabilidade (extrapolaria a competência dos conselhos profissionais, que farão papel de juiz eleitoral, aplicar penas disciplinares que tenham conseqüências eleitorais cívicas) – estando, segundo a petição inicial da Confederação, “a saltar aos olhos a inconstitucionalidade”.

A segunda foi uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC 29), movida pelo PPS, aforada em 19.04.11, que postula a declaração de constitucionalidade da lei, para aplicá-la a fatos e decisões ocorridas antes de sua entrada em vigor. Afirma, repetindo jargões do TSE e dos apologistas da lei: que ao dispor a Constituição da República (no artigo 14, § 9º) de vida pregressa, moralidade para o exercício do mandato e probidade administrativa, claro que poderia e deveria retroagir a LC 135/90 para aplicação a fatos passados; depois, inelegibilidade, segundo o discurso dessa inicial, não seria pena, por tanto as garantias penais não se lhe aplicariam, como a idéia de legalidade penal prévia, etc. Que inelegibilidade seria aferida na data do pedido de candidatura, regendo-lhe o deferimento a lei em vigor neste tempo, o tempo de pedido de candidatura. Outra razão para a constitucionalidade seria que ninguém tem o direito inato e inalienável de se candidatar.

A terceira ação seria uma declaratória de constitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da OAB federal (ADC 30), em 03.05.11, pedindo valia da aplicação retroativa, no mesmo sentido do PPS, mas com mais argumentos de causa petendi – razoabilidade e proporcionalidade justificariam a espécie. Inelegibilidade não é pena e não impõe punição; vida pregressa autorizaria aplicação ao passado, etc. Presunção de inocência não se aplicaria como impediente, por que não se trata de pena a inelegibilidade; o valor maior a tutelar, no caso da lei de inelegibilidades, é a proteção da moralidade administrativa, que é valor constitucional, e para os afetados pela LC 135/90 haveria sempre a possibilidade de se pedir a medida cautelar prevista no artigo 26-C, da atual redação da LC 64/90.

[9] E. g., Piauí, Maranhão e Santa Catarina.
[10]Art. 1o Esta Lei Complementar altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências. “Art. 2o A Lei Complementar no 64, de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:  “Art. 1o I – : c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos; d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos; g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição; k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura; l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário; n) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão que reconhecer a fraude; o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário; p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22; q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;”
[11] LEI Nº 15.381, de 17 de dezembro de 2010 Procedência – Dep. Cesar Souza Júnior Natureza – PL./0262.0/2010 DO. 18.994 de 20/12/2010: “Disciplina a nomeação para cargos em comissão no âmbito dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e do Tribunal de Contas do Estado e adota outras providências. O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembleia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Fica vedada a nomeação para cargos em comissão no âmbito dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e do Tribunal de Contas do Estado às pessoas inseridas nas seguintes hipóteses: a) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, desde a decisão até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos; b) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a Administração Pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga a de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; c) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos; d) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição, desde a decisão até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos; e) os detentores de cargo na Administração Pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a decisão até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos; f) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, desde a decisão até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos; g) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; h) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário; i) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário; j) os membros do Governo do Estado, da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas do Estado, que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, e que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos. Art. 2º A vedação prevista na alínea “b” deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada. Art. 3º Todos os atos efetuados em desobediência às vedações previstas serão considerados nulos. Art. 4º Caberá ao Governo do Estado, à Assembleia Legislativa, ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Contas do Estado, de forma individualizada, a fiscalização de seus atos em obediência a presente Lei, com a possibilidade de requerer aos órgãos competentes informações e documentos que entender necessários para o cumprimento das exigências legais. Art. 5º O nomeado ou designado, obrigatoriamente antes da posse, terá ciência das restrições e declarará por escrito não encontrar-se inserido nas vedações do art. 1º desta Lei.  Art. 6º O Governador do Estado e os Presidentes da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas do Estado, dentro do prazo de noventa dias, contados da publicação desta Lei, promoverão a exoneração dos atuais ocupantes de cargos de provimento em comissão, nas situações previstas no art. 1º. Parágrafo único. Os atos de exoneração produzirão efeitos a contar de suas respectivas publicações. Art. 7º As denúncias de descumprimento desta Lei, deverão ser encaminhadas ao Ministério Público, que ordenará as providências cabíveis na espécie. Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Florianópolis, 17 de dezembro de 2010 LEONEL ARCÂNGELO PAVAN Governador do Estado”

[12][12] O conceito de inconstitucionalidade formal, orgânica e material foram retirados das seguintes obras, que explicam seus efeitos no plano do controle de constitucionalidade: Elival da Silva Ramos. A Inconstitucionalidade das Leis. Vício e Sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. 255 p. e Luís Roberto Barroso. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. 299 p.

[13] Vejamos: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 135, I; E 138, CAPUT E § 3.º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA. AUTONOMIA INSTITUCIONAL DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO. REQUISITOS PARA A NOMEAÇÃO DO PROCURADOR-GERAL, DO PROCURADOR-GERAL ADJUNTO E DO PROCURADOR-CORREGEDOR. (...) Os demais dispositivos, ao estabelecerem requisitos para a nomeação dos cargos de chefia da Procuradoria-Geral do Estado, limitam as prerrogativas do Chefe do Executivo estadual na escolha de seus auxiliares, além de disciplinarem matéria de sua iniciativa legislativa, na forma da letra c do inciso II do § 1 .º do art. 61 da Constituição Federal. Ação julgada procedente. (ADI 217, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/2002)  Do corpo do acórdão, voto do min. relator Ilmar Galvão: “Registre-se, ademais, que, ao dispor sobre requisitos para preenchimento de postos de chefia na estrutura da Procuradoria do Estado, os dispositivos em questão violaram a iniciativa privativa do Governador para leis que disponham sobre o provimento de cargos, prevista na alínea c do inciso II do § 1º do art. 61 da Carta da República, regra que, sendo corolário do princípio da separação de poderes, é de observância obrigatório pelos Estados, até mesmo no exercício do poder constituinte decorrente.”

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 54, VI DA CONSTITUIÇÃ O DO ESTADO DO PIAUÍ. VEDAÇÃO DA FIXAÇÃO DE LIMITE MÁXIMO DE IDADE PARA PRESTAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. OFENSA AOS ARTIGOS 37, I E 61, § 1º, II, C E F, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II da CF, que determinam a iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J. 26.02.99, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa.
Esta Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição Estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 14.06.2002 e ADI 243, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ 29.11.2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente. (ADI 2873, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2007)”

“CONCURSO PÚBLICO - INSCRIÇÃO - IDADE. Os requisitos para ingresso no serviço público - entre eles, o concernente à idade - hão de estar previstos em lei de iniciativa do Poder Executivo - artigos 37, inciso I, e 61, inciso II, "c", da Constituição Federal, mostrando-se com esta conflitante texto da Carta do Estado a excluir disciplina específica do tema. Inconstitucionalidade do inciso III do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, segundo o qual "não haverá limite máximo de idade para a inscrição em concurso público, constituindo-se, entretanto, em requisito de acessibilidade ao cargo ou emprego a possibilidade de permanência por cinco anos no seu efetivo exercício".(ADI 243, Relator(a):  Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 01/02/2001)”

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI ORGÂNICA DO DF QUE VEDA LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZADA OFENSA AOS ARTS. 37, I E 61 § 1º II, "C" DA CF, INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO EM RAZÃO DA MATÉRIA - REGIME JURÍDICO E PROVIMENTO DE CARGOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. EXERCÍCIO DO PODER DERIVADO DO MUNICÍPIO, ESTADO OU DF. CARACTERIZADO O CONFLITO ENTRE A LEI E A CF, OCORRÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. PRECEDENTES. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.(ADI 1165, Relator(a):  Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2001)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Estadual n. 7.341/2002 do Espírito Santo que exige nível superior de ensino como requisito para inscrição em concurso público para o cargo de Agente de Polícia. 3. Lei de iniciativa parlamentar. 4. Inconstitucionalidade formal: matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. 5. Precedentes. 6. Ação julgada procedente.(ADI 2856, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/02/2011)

“I. Ação direta de inconstitucionalidade: Lei Complementar Estadual 170/98, do Estado de Santa Catarina, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Ensino: artigo 26, inciso III; artigo 27, seus incisos e parágrafos; e parágrafo único do artigo 85: inconstitucionalidade declarada.
II. Prejuízo, quanto ao art. 88 da lei impugnada, que teve exaurida a sua eficácia com a publicação da Lei Complementar Estadual 351, de 25 de abril de 2006.
III. Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado e de seus municípios na organização do sistema de ensino: reserva de iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c). (ADI 1895, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 02/08/2007)

[14] “Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009). I - na hipótese do art. 9°, (...) perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, (...); II - na hipótese do art. 10, (...), perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, (...); III - na hipótese do art. 11, (...) perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, (...). Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente. (...).  Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.”

[15]Art. 1º Fica vedada a nomeação para cargos em comissão no âmbito dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e do Tribunal de Contas do Estado às pessoas inseridas nas seguintes hipóteses: (...) g) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.”

[16]RE 634.224/DF RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: CONCURSO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. VIDA PREGRESSA DO CANDIDATO. EXIS­TÊNCIA, CONTRA ELE, DE PROCEDIMENTO PENAL. EXCLUSÃO DO CANDIDATO. IMPOSSIBILIDADE. TRANSGRESSÃO AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

- A exclusão de candidato regularmente inscrito em concurso público, motivada, unicamente, pelo fato de haver sido instaurado, contra ele, procedimento penal, sem que houvesse, no entanto, condenação criminal transitada em julgado, vulnera, de modo frontal, o postulado constitucional do estado de inocência, inscrito no art. 5º, inciso  LVII, da Lei Fundamental da República. Precedentes.
(...).
Com efeito, a controvérsia suscitada na presente causa já foi dirimida, embora em sentido diametralmente oposto ao ora sustentado pela União Federal, por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, que, em diversos julgados, reafirmaram a aplicabilidade, aos concursos públicos, da presunção constitucional do estado de inocência:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL. SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO.

I Viola o princípio constitucional da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que foi beneficiado por sentença penal extintiva de punibilidade.
(...).
III - Agravo regimental improvido.” (RE 450.971-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - grifei)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. MAUS ANTECEDENTES. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRECEDENTES.

O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a eliminação do candidato de concurso público que esteja respondendo a inquérito ou ação penal, sem pena condenatória transitada em julgado, fere o princípio da presunção de inocência.
Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI 741.101-AgR/DF, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)

Cumpre ressaltar, por necessário, que esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos, proferidos no âmbito desta Corte, a propósito de questão idêntica à que ora se examina nesta sede recursal (RTJ 177/435, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - AI 769.433-AgR/CE, Rel. Min. EROS GRAU - RE 559.135-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, v.g.).

Essa orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal apóia-se no fato de que a presunção de inocência – que se dirige ao Estado, para lhe impor limitações ao seu poder, qualificando-se, sob tal perspectiva, como típica garantia de índole constitucional, e que também se destina ao indivíduo, como direito fundamental por este titularizado – representa uma notável conquista histórica dos cidadãos, em sua permanente luta contra a opressão do poder.

O postulado do estado de inocência, ainda que não se considere como presunção em sentido técnico, encerra, em favor de qualquer pessoa sob persecução penal, o reconhecimento de uma verdade provisória, com caráter probatório, que repele suposições ou juízos prematuros de culpabilidade, até que sobrevenha – como o exige a Constituição do Brasil – o trânsito em julgado da condenação penal. Só então deixará de subsistir, em favor da pessoa condenada, a presunção de que é inocente.

, portanto, um momento claramente definido no texto constitucional, a partir do qual se descaracteriza a presunção de inocência, vale dizer, aquele instante em que sobrevém o trânsito em julgado da condenação criminal. Antes desse momento – insista-se -, o Estado não pode tratar os indiciados ou réus como se culpados fossem. A presunção de inocência impõe, desse modo, ao Poder Público, um dever de tratamento que não pode ser desrespeitado por seus agentes e autoridades, tal como tem sido constantemente enfatizado pelo Supremo Tribunal Federal:

O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.

- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.

Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime indigitado como grave, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade.

Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.

O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.” (HC 95.886/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Mostra-se importante acentuar que a presunção de inocência não se esvazia progressivamente, à medida em que se sucedem os graus de jurisdição, a significar que, mesmo confirmada a condenação penal por um Tribunal de segunda instância (ou por qualquer órgão colegiado de inferior jurisdição), ainda assim subsistirá, em favor do sentenciado, esse direito fundamental, que deixa de prevalecer – repita-secom o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.


Vale referir, no ponto, a esse respeito, a autorizada advertência do eminente Professor LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com o Professor VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Direito Penal – Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica”, vol. 4/85-91, 2008, RT):

O correto é mesmo falar em princípio da presunção de inocência (tal como descrito na Convenção Americana), não em princípio da não-culpabilidade (esta última locução tem origem no fascismo italiano, que não se conformava com a idéia de que o acusado fosse, em princípio, inocente).

Trata-se de princípio consagrado não só no art. 8º, 2, da Convenção Americana senão também (em parte) no art. 5°, LVII, da Constituição Federal, segundo o qual toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado. Tem previsão normativa desde 1789, posto que já constava da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Do princípio da presunção de inocência (‘todo acusado é presumido inocente até que se comprove sua culpabilidade’) emanam duas regras: (a) regra de tratamento e (b) regra probatória.

Regra de tratamento’: o acusado não pode ser tratado como condenado antes do trânsito em julgado final da sentença condenatória (CF, art. 5°, LVII).

O acusado, por força da regra que estamos estudando, tem o direito de receber a devidaconsideração’ bem como o direito de ser tratado como não participante do fato imputado.

Comoregra de tratamento’, a presunção de inocência impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de reconhecimento da culpabilidade do imputado, seja por situações, práticas, palavras, gestos etc., podendo-se exemplificar: a impropriedade de se manter o acusado em exposição humilhante no banco dos réus, o uso de algemas quando desnecessário, a divulgação abusiva de fatos e nomes de pessoas pelos meios de comunicação, a decretação ou manutenção de prisão cautelar desnecessária, a exigência de se recolher à prisão para apelar em razão da existência de condenação em primeira instância etc. É contrária à presunção de inocência a exibição de uma pessoa aos meios de comunicação vestida com traje infamante (Corte Interamericana, Caso Cantoral Benavides, Sentença de 18.08.2000, parágrafo 119).” (grifei)

Disso resulta, segundo entendo, que a consagração constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer efeitos, deve atuar, até o superveniente trânsito em julgado da condenação judicial, como uma cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou que restrinjam, seja no domínio civil, seja no âmbito político, a esfera jurídica das pessoas em geral.

Nem se diga que a garantia fundamental de presunção de inocência teria pertinência e aplicabilidade unicamente restritas ao campo do direito penal e do direito processual penal.

Torna-se importante assinalar, neste ponto, que a presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia os seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e a prepotência do Estado, projetando-os para esferas não criminais, em ordem a impedir, dentre outras graves conseqüências no plano jurídico – ressalvada a excepcionalidade de hipóteses previstas na própria Constituição –, que se formulem, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais fundados em situações juridicamente ainda não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente instáveis) ou, então, que se imponham, ao réu, restrições a seus direitos, não obstante inexistente condenação judicial transitada em julgado.

O que se mostra relevante, a propósito do efeito irradiante da presunção de inocência, que a torna aplicável a processos (e a domínios) de natureza não criminal, é a preocupação, externada por órgãos investidos de jurisdição constitucional, com a preservação da integridade de um princípio que não pode ser transgredido por atos estatais (como a exclusão de concurso público motivada pela mera existência de procedimento penal em curso contra o candidato) que veiculem, prematuramente, medidas gravosas à esfera jurídica das pessoas, que são, desde logo, indevidamente tratadas, pelo Poder Público, como se culpadas fossem, porque presumida, por arbitrária antecipação fundada em juízo de mera suspeita, a culpabilidade de quem figura, em processo penal ou civil, como simples réu!

Cabe referir, por extremamente oportuno, que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento plenário (RE 482.006/MG, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI), e interpretando a Constituição da República, observou, em sua decisão, essa mesma diretriz – que faz incidir a presunção constitucional de inocência também em domínio extrapenal -, explicitando que esse postulado constitucional alcança quaisquer medidas restritivas de direitos, independentemente de seu conteúdo ou do bloco que compõe, se de direitos civis ou de direitos políticos.

A exigência de coisa julgada, tal como estabelecida no art. 5º, inciso LVII, de nossa Lei Fundamental, representa, na constelação axiológica que se encerra em nosso sistema constitucional, valor de essencial importância na preservação da segurança jurídica e dos direitos do cidadão.

Mostra-se relevante acentuar, por isso mesmo, o alto significado que assume, em nosso sistema normativo, a coisa julgada, pois, ao propiciar a estabilidade das relações sociais, ao dissipar as dúvidas motivadas pela existência de controvérsia jurídica (“res judicata pro veritate habetur”) e ao viabilizar a superação dos conflitos, culmina por consagrar a segurança jurídica, que traduz, na concreção de seu alcance, valor de transcendente importância política, jurídica e social, a representar um dos fundamentos estruturantes do próprio Estado democrático de direito.

Em suma: a submissão de uma pessoa a meros inquéritos policiais - ou, ainda, a persecuções criminais de que não haja derivado, em caráter definitivo, qualquer título penal condenatório - não se reveste de suficiente idoneidade jurídica para autorizar a formulação, contra o indiciado ou o réu, de juízo (negativo) de maus antecedentes, em ordem a recusar, ao que sofre a “persecutio criminis”, o acesso a determinados benefícios legais ou o direito de participar de concursos públicos: (....)

Tal entendimento - que se revela compatível com a presunção constitucional “juris tantum” de inocência (CF, art. 5º, LVII) - ressalta, corretamente, e com apoio na jurisprudência dos Tribunais (RT 418/286 - RT 422/307 - RT 572/391 - RT 586/338), que processos penais em curso, ou inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de pronunciamento judicial absolutório, como elementos evidenciadores de maus antecedentes do réu (ou do indiciado) ou justificadores da adoção, contra eles ou o candidato, de medidas restritivas de direitos.

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal já decidiu, por unânime votação, que “Não podem repercutir, contra o réu, situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do Poder Judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência de título penal condenatório definitivamente constituído” (RTJ 139/885, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
(...).
Publique-se. Brasília, 14 de março de 2011. decisão publicada no DJe de 21.3.2011.”

“RE 565519/DF RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS (PM/DF). CABO PM. NÃO CONVOCAÇÃO PARA PARTICIPAR DESSE CURSO, PELO FATO DE EXISTIR, CONTRA REFERIDO POLICIAL MILITAR, PROCEDIMENTO PENAL EM FASE DE TRAMITAÇÃO JUDICIAL. EXCLUSÃO DO CANDIDATO. IMPOSSIBILIDADE. TRANSGRESSÃO AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

- A recusa administrativa de inscrição em Curso de Formação de Sargentos da Polícia Militar, motivada, unicamente, pelo fato de haver sido instaurado, contra o candidato, procedimento penal, inexistindo, contudo, condenação criminal transitada em julgado, transgride, de modo direto, a presunção constitucional de inocência, consagrada no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República. Precedentes.

- O postulado constitucional da presunção de inocência impede que o Poder Público trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível. Precedentes.

Publique-se. Brasília, 13 de maio de 2011.”

[17] Vale a atenta leitura desses precedentes, que são demais esclarecedores e convincentes do acerto de suas premissas:

 “AC 2763-MC/RO* RELATOR: Min. Celso de Mello EMENTA:

REGISTRO DE CANDIDATURA. LEI COMPLEMENTAR Nº 135, DE 04 DE JUNHO DE 2010. (...)

PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE A QUALQUER PESSOA (ADPF 144/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO). PRERROGATIVA ESSENCIAL, IMPREGNADA DE EFICÁCIA IRRADIANTE, ESPECIALMENTE AMPARADA, EM TEMA DE DIREITOS POLÍTICOS, PELA CLÁUSULA TUTELAR INSCRITA NO ART. 15, III, DA CARTA POLÍTICA, QUE EXIGE, PARA EFEITO DE VÁLIDA SUSPENSÃO DAS DIMENSÕES (ATIVA E PASSIVA) DA CIDADANIA, O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL.

O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-SOCIAL E O VALOR JURÍDICO DA EXIGÊNCIA DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE DE LEI COMPLEMENTAR, MESMO QUE FUNDADA NO § DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO, TRANSGREDIR A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, PELO FATO DE REFERIDA ESPÉCIE NORMATIVA QUALIFICAR-SE COMO ATO HIERARQUICAMENTE SUBORDINADO À AUTORIDADE DO TEXTO E DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.

DECISÃO DO E. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL QUE DENEGOU REGISTRO DE CANDIDATURA, SOB O FUNDAMENTO DA MERA EXISTÊNCIA, CONTRA O CANDIDATO, DE CONDENAÇÃO PENAL EMANADA DE ÓRGÃO COLEGIADO, EMBORA QUESTIONADA ESTA EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA. CONSEQÜENTE INEXISTÊNCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO DE REFERIDA CONDENAÇÃO CRIMINAL. (...).

DECISÃO: (...)

Passo à análise do pedido. E, ao fazê-lo, entendo assistir razão à parte ora requerente, (...) pela alegada ofensa à presunção constitucional de inocência e ao que dispõe o art. 15, III, da Lei Fundamental da República.

Quanto a este último aspecto, tenho presente a decisão que esta Suprema Corte proferiu no julgamento da ADPF 144/DF, de que fui Relator, e que restou consubstanciado na seguinte ementa:

(...) MÉRITO: RELAÇÃO ENTRE PROCESSOS JUDICIAIS, SEM QUE NELES HAJA CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL, E O EXERCÍCIO, PELO CIDADÃO, DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA – REGISTRO DE CANDIDATO CONTRA QUEM FORAM INSTAURADOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE NATUREZA CRIMINAL, EM CUJO ÂMBITO AINDA NÃO EXISTA SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO – (...)

PROBIDADE ADMINISTRATIVA, MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO ELETIVO, ‘VITA ANTEACTAE PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA – SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS E IMPRESCINDIBILIDADE, PARA ESSE EFEITO, DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL (CF, ART. 15, III) – (...)


(...) – PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE A QUALQUER PESSOA – EVOLUÇÃO HISTÓRICA E REGIME JURÍDICO DO PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA –

O TRATAMENTO DISPENSADO À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELAS DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS, TANTO AS DE CARÁTER REGIONAL QUANTO AS DE NATUREZA GLOBAL –

O PROCESSO PENAL COMO DOMÍNIO MAIS EXPRESSIVO DE INCIDÊNCIA DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA –

EFICÁCIA IRRADIANTE DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA –

POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DESSE PRINCÍPIO AO ÂMBITO DO PROCESSO ELEITORAL –

HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADEENUMERAÇÃO EM ÂMBITO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 14, §§ 4º A 8º) – RECONHECIMENTO, NO ENTANTO, DA FACULDADE DE O CONGRESSO NACIONAL, EM SEDE LEGAL, DEFINIR ‘OUTROS CASOS DE INELEGIBILIDADE’ – NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, EM TAL SITUAÇÃO, DA RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR (CF, ART. 14, § 9º) –

IMPOSSIBILIDADE, CONTUDO, DE A LEI COMPLEMENTAR, MESMO COM APOIO NO § 9º DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO, TRANSGREDIR A PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA, QUE SE QUALIFICA COMO VALOR FUNDAMENTAL, VERDADEIROCORNERSTONEEM QUE SE ESTRUTURA O SISTEMA QUE A NOSSA CARTA POLÍTICA CONSAGRA EM RESPEITO AO REGIME DAS LIBERDADES E EM DEFESA DA PRÓPRIA PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA –
PRIVAÇÃO DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA E PROCESSOS, DE NATUREZA CIVIL, POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVANECESSIDADE, TAMBÉM EM TAL HIPÓTESE, DE CONDENAÇÃO IRRECORRÍVELCOMPATIBILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 (ART. 20, ‘CAPUT’) COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 15, V, c/c O ART. 37, § 4º) – O SIGNIFICADO POLÍTICO E O VALOR JURÍDICO DA EXIGÊNCIA DA COISA JULGADA – (...).”(ADPF 144/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Com efeito, sabemos todos que a presunção de inocência – que se dirige ao Estado, para lhe impor limitações ao seu poder, qualificando-se, sob tal perspectiva, como típica garantia de índole constitucional, e que também se destina ao indivíduo, como direito fundamental por este titularizado – representa uma notável conquista histórica dos cidadãos, em sua permanente luta contra a opressão do poder.
(...)
Daí a regra de prudência estabelecida no art. 15, III, da Constituição da República, a exigir, para efeito de suspensão temporária dos direitos políticos, notadamente da capacidade eleitoral passiva, vale dizer, do direito de ser votado, o trânsito em julgado da condenação judicial.

A exigência de coisa julgada que representa, na constelação axiológica que se encerra em nosso sistema constitucional, valor de essencial importância na preservação da segurança jurídica - não colide, por isso mesmo, com a cláusula de probidade administrativa nem com a que se refere à moralidade para o exercício do mandato eletivo, pois a determinação de que se aguarde a definitiva formação da autoridade da “res judicata”, além de refletir um claro juízo de prudência do legislador, quer o constituinte (CF, art. 15, III), quer o comum (LC nº 64/90, art. 1º, I, “d”, “g” e “h”), encontra plena justificação na relevantíssima circunstância de que a imposição, ao cidadão, de gravíssimas restrições à sua capacidade eleitoral, deve condicionar-se ao trânsito em julgado da sentença, seja a que julga procedente a ação penal, SEJA AQUELA QUE JULGA PROCEDENTE A AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92, ART. 20, “CAPUT”).
(...)
Veja-se, desse modo, que a privação temporária (suspensão) dos direitos políticos - de que resulta a perda da elegibilidade como conseqüência de condenação criminal transitada em julgado (CF, art. 15, III) ou da procedência definitiva da sentença que julga a ação civil de improbidade administrativa ou a representação em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político (Lei nº 8.429/92, art. 20, “caput”, c/c a LC nº 64/90, art. 1º, I, “d”, “g e “h”) - acha-se condicionada à estrita observância do trânsito em julgado do respectivo ato sentencial.

Essa exigência de irrecorribilidade atende à própria racionalidade do sistema de direito positivo, considerados os fundamentos que justificam a coisa julgada como um dos valores estruturantes do Estado democrático de direito.

Presente esse contexto, não vejo como possa o respeito ao instituto da coisa julgada traduzir transgressão à exigência de probidade administrativa e de moralidade para o exercício do mandato eletivo.

Inexiste, na realidade, qualquer situação de antinomia entre esses valores constitucionais, pois eles convivem, harmoniosamente, em nosso sistema normativo, na medida em que a observância do trânsito em julgado de sentenças, cujos efeitos afetam e restringem, gravemente, a esfera jurídica de quem é condenado, apenas confere certeza e prestigia a segurança jurídica, que também se qualifica como valor constitucional a ser preservado.

Esse, pois, o sentido de racionalidade que se mostra ínsito às cláusulas, que, fundadas na Constituição e na legislação comum, condicionam a eficácia supressiva da elegibilidade de qualquer cidadão à prévia consumação do trânsito em julgado da sentença, penal ou civil, que contra ele foi proferida.

Como anteriormente assinalado, a Constituição de 1988, tratando-se de condenação penal (único fundamento que dá suporte ao acórdão do Tribunal Superior Eleitoral impugnado no RE 633.707/RO), erigiu-a em causa suspensiva dos direitos políticos, desde que “transitada em julgado” (CF, art. 15, III).
(...)
A perda da elegibilidade constitui situação impregnada de caráter excepcional [assim como a perda da acessibilidade a cargos ou empregos públicos, acrescentamos!], pois inibe o exercício da cidadania passiva, comprometendo a prática da liberdade em sua dimensão política, eis que impede o cidadão de ter efetiva participação na regência e na condução do aparelho governamental.

Por tal motivo, o constituinte impôs, como requisito necessário à suspensão dos direitos políticos, na hipótese de condenação penal (único fundamento que dá sustentação à decisão do TSE impugnada no RE 633.707/RO), o trânsito em julgado da respectiva sentença, pois a gravidade dos efeitos inibitórios que resultam da sentença penal condenatória mostra-se tão radical em suas conseqüências na dimensão político-jurídica do cidadão, que tornou imprescindível, por razões de segurança jurídica e de prudência, a prévia formação da coisa julgada.
 (...)
Cabe rememorar, neste ponto, por relevante, os fundamentos pelos quais o eminente Ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE, mesmo em votos vencidos, como aquele proferido no julgamento, pelo TSE, do Recurso Ordinário nº 4.189/RJ, entendia, com absoluta razão, ser inconstitucional a norma inscrita no art. 1º, inciso I, alínea “n”, da Lei Complementar nº 5/70:

“(...) Por que admitir que o simples fato de pendência de um processo, com denúncia oferecida e recebida, pese indelevelmente sobre a moralidade de alguém, a ponto de lhe acarretar o ônus brutal da inelegibilidade? Não posso admitir. E não posso admitir, porque estou lidando com princípios eternos, universais, imanentes, que não precisam estar inscritos em Constituição nenhuma.

Mas, por acaso, esse princípio, se não está expresso na Constituição da República Federativa do Brasil, está inscrito, de modo o mais veemente e peremptório, na famosa ‘Declaração Universal dos Direitos do Homem’, que é capítulo de uma inexistente, mas evidente Constituição de todos os povos. O Brasil contribuiu, com sua participação e voto, para que a Terceira Assembléia Geral das Nações Unidas, há mais de 25 anos, aprovasse uma ‘Declaração Universal dos Direitos do Homem’, e essa declaração insculpiu, no primeiro inciso do seu art. 11, esta regra de verdadeira Moral e do mais límpido Direito:

‘Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada, de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa’.

Este princípio é inerente ao nosso regime, pois está compreendido entre aqueles que a Constituição adota. Não precisa ele estar nela explicitado, em letra de forma. Basta que o comparemos com o regime da Constituição brasileira (...), tanto que ela o inscreve como um daqueles bens jurídicos que se devem preservar no estabelecimento das inelegibilidades. Basta que comparemos o princípio com o regime, a vermos se há entre eles coincidência ou repulsa. É evidente que a coincidência é a única alternativa. O Brasil proclamou, num documento internacional e no regime que adotou, essa verdade universal, que, insisto, não precisa estar inscrita em lei nenhuma, porque é principio ético e jurídico, imanente.

O fato de alguém responder a processo criminal adere, objetivamente, à sua vida. Ninguém, que respondeu a um processo criminal, retira jamais esse episódio da sua história pessoal. Mas não pode ele, por si só, comprometer a moralidade do cidadão, que deve ser presumido inocente enquanto não for julgado culpado.” (grifei)
 (....)
Extremamente esclarecedoras, e muito atuais, as razões com que o eminente e saudoso Ministro OSCAR CORRÊA, na condição de Relator, fundamentou, em referido julgamento, o seu douto voto:

“(...) Não há como querer distinguir entre efeitos da sentença condenatória para fins comuns e para fins especiais, como seriam os da lei de inelegibilidade. Tal distinção – que não se encontra em nenhum texto e não nos cabe criar – não tem razão de ser, tanto mais excepcionada contra o réu, para agravar-lhe a situação.

Na verdade, quando a lei – qualquer que seja – se refere a condenação, há que se entender condenação definitiva, transitada em julgado, insuscetível de recurso que a possa desfazer.

Nem se alegue (...) que ‘essa interpretação era a que se coadunava com a moralidade que o art. 151, IV da Constituição visa a preservar’: há que preservar a moralidade, sem que, sob pretexto de defendê-la e resguardá-la, se firam os direitos do cidadão à ampla defesa, à prestação jurisdicional, até a decisão definitiva, que o julgue, e condene, ou absolva.

Não preserva a moralidade interpretação que considera condenado quem o não foi, em decisão final irrecorrível. Pelo contrário: a ela se opõe, porque põe em risco a reputação de alguém, que se não pode dizer sujeito a punição, pela prática de qualquer ilícito, senão depois de devida, regular e legalmente condenado, por sentença de que não possa, legalmente, recorrer.

11. Nem vem ao caso (...) discutir aqui, como se debateu larga, proficiente e notavelmente no RE 86.297 (RTJ 79/671) o problema da presunção de inocência, se dele prescindo para a conclusão a que viso. (...)

12. Este (...) aspecto que não pode ser olvidado, e a que conduz a interpretação do v. acórdão recorrido. Veja-se a hipótese dos autos: julgado inelegível, em virtude de condenação, no Juízo de 1º grau, teve o Recorrente negado o registro de sua candidatura a deputado federal. Conseguida, agora, a absolvição, e admitindo-se o provimento deste recurso – argumento que me permito expender – à véspera do pleito, já se lhe terá causado mal irreparável: não pôde concorrer à eleição, à qual se candidatara, e nem há reparação possível, de qualquer espécie, a esse mal.

13. Nem se argumente que ‘se o simples recebimento da denúncia se compatibilizava com esse preceito constitucional, não é possível entender-se que a interpretação que não exija o trânsito em julgado de decisão condenatória seja atentatória a ele’ (fs. 160).

A verdade é que a decisão singular desta Egrégia Corte, que acolheu a constitucionalidade daquele preceito – com os memoráveis debates que provocou – não chegou a ser provada em outros casos. E tanto não era esta a melhor solução que a L.C. nº 42/82 a excluiu, com o que, em verdade, valorizou a posição assumida pelos que a combateram.

14. Não há de se exigir que a lei se refira a condenação transitada em julgado, o que seria levar adiante demais as exigências de explicitação.

Na verdade, quando o art. 151 delegou à legislação complementar estabelecer os casos de inelegibilidades e os prazos nos quais cessará esta, não lhe autorizou alterar o sistema legal brasileiro (e, pode dizer-se, universal) para considerar condenação a que, desde logo, em primeiro grau, se imponha, sem que transite em julgado. Assinalou bem o recorrente que esse entendimento ‘implica, nada mais, nada menos, do que atribuir, ao Juiz criminal de 1º grau, que nem eleitoral é, o poder de decretar inelegibilidades.

Pior: de fazê-lo em caráter irrevogável, quando se sabe que a sentença de que se recorre em tempo hábil é apenas um projeto de decisão judicial a que a lei, por forma expressa, ao atribuir efeito suspensivo ao recurso, negou executoriedade’ (fs. 5/6 do agravo).

Considero que, com isso, em realidade, se vulnerou o § 15 do artigo 153 da C.F., recusando a ampla defesa a que têm direito os acusados, e, mais, desconsiderando recurso que lhe é inerente, e conferindo efeitos agravadores que não tem, tomando, como definitiva, sentença reformável, e tanto, que o foi. (...). (RE 99.069/BA, Rel. Min. OSCAR CORRÊA – grifei) ”

Com a instauração, em nosso País, de uma ordem plenamente democrática, assim consagrada pela vigente Constituição, intensificou-se o círculo de proteção em torno dos direitos fundamentais, qualquer que seja o domínio de sua incidência e atuação, compreendidos, para efeito dessa tutela constitucional e em perspectiva mais abrangente, todos os blocos normativos concernentes aos direitos individuais e coletivos, aos direitos sociais e aos direitos políticos, em ordem a conferir-lhes real eficácia, seja impondo, ao Estado, deveres de abstenção (liberdades clássicas ou negativas), seja dele exigindo deveres de prestação (liberdades positivas ou concretas), seja, ainda, assegurando, ao cidadão, o acesso aos mecanismos institucionalizados de exercício do poder político na esfera governamental (liberdade-participação).

É por isso que entendo, mesmo tratando-se do bloco pertinente aos direitos políticos – que se vinculam aos postulados da soberania popular e da democracia representativa -, que não se pode, como corretamente advertia o eminente Ministro EROS GRAU, buscar interpretação que substitua, com grave comprometimento da legalidade e do procedimento legal, a racionalidade formal do direito, que se funda nas instituições e nas leis, por critérios impregnados de valorações que culminam por afetar a segurança e a certeza jurídicas, com sério risco à integridade do próprio sistema de garantias construído pela Constituição, cuja normatividade não pode ser potencializada nem tornada relativa - consoante ressaltava o Ministro EROS GRAU - por uma explicitação teórica de distintos blocos de direitos e preceitos.
(...)
Não é por outro motivoinsista-se - que a própria Constituição, ao dispor sobre a suspensão dos direitos políticos, como a privação temporária do direito de sufrágio (direito de votar) e do direito de investidura em mandatos eletivos (direito de ser votado), impõe, como requisito inafastável, a existência de “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos” (CF, art. 15, III). O fato relevante, em tal matéria, é um só: episódios processuais ainda não definidos, porque deles ausente sentença judicial transitada em julgado, não podem repercutir, de modo irreversível, sobre o estado de inocência que a própria Constituição garante e proclama em favor de qualquer pessoa.

O “status poenalise o estatuto de cidadania, desse modo, não podem sofrer - antes que sobrevenha o trânsito em julgado de condenação criminal - restrições que afetem a esfera jurídica das pessoas em geral e dos cidadãos em particular.

Essa opção do legislador constituinte (pelo reconhecimento do estado de inocência) claramente fortaleceu o primado de um direito básico, comum a todas as pessoas, de que ninguémabsolutamente ninguémpode ser presumido culpado em suas relações com o Estado, exceto se já existente sentença transitada em julgado. É por isso que este Supremo Tribunal Federal tem repelido, por incompatíveis com esse direito fundamental, restrições de ordem jurídica, somente justificáveis em face da irrecorribilidade de decisões judiciais.
(....)
Não obstante tais considerações, observo que o ora requerente teve o registro de sua candidatura negado pelo só fato de existir, contra ele, condenação penal emanada de órgão colegiado do Poder Judiciário, embora ainda não transitada em julgado, porque impugnada, como efetivamente o foi, em sede recursal extraordinária (RE 633.707/RO).

O acórdão em questão, que manteve a denegação de registro de candidatura do ora requerente, não se ajustaria, segundo entendo, ao que dispõe, de modo incondicional, o inciso III do art. 15 da Constituição da República, que exige, tratando-se de procedimentos penais, o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória.

Publique-se. Brasília, 16 de dezembro de 2010. DJe de 1º.2.2011.”

[18] Como crítica a esse tipo de postura, já escrevemos: Ruy Samuel Espíndola. A Constituição como Garantia da Democracia: o papel dos Princípios Constitucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, ano 11, abr./jun. 2003, n. 44.

[19] Crítica que serve à normativa estadual como luvas às mãos. Para sermos fiéis à doutrina, traremos, entre colchetes, ao lado do termo “inelegibilidade”, a categoria “inacessibilidade”: Texto de doutrina de Adriano da Costa Soares encontrável em blog multicitado nas últimas decisões do STF - http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com:

“Pontes de Miranda tem um texto maravilhoso sobre conflito de leis no tempo nos Comentários à Constituição de 1946, Rio de Janeiro: Borsói, tomo IV, p.399, em que afirma, com grifos apostos:

"A lei nova não fica adstrita aos fatos de hoje e de amanhã; o que se dá, rigorosamente, é que ela se restringe ao tempo de hoje e ao de amanhã, até que outra lei corte este amanhã, o pontue, criando o hoje da nova denominação legal, o seu hoje e o seu amanhã. Em vez de uma análise dos fatos, ou de direitos (critério subjetivo), uma análise do tempo, ou melhor, dos lapsos de tempo".

A lição de Pontes de Miranda mostra que não estamos, no direito intertemporal, diante da regra absoluta de que os fatos de ontem não possam ser apanhados pela regra de hoje (a lei nova). Essa regra absoluta existe no direito penal, quando a Constituição Federal prescreve que não há crime sem lei anterior que o defina. É dizer, não apenas aos efeitos da lei há interdição à retroatividade (plano da eficácia); a própria lei há de ser anterior ao fato ilícito (plano da existência da lei). Em matéria penal, de conseguinte, a regra sobre irretroatividade é absoluta. E essa norma de sobredireito alcança as normas que criam penas principais ou acessórias de natureza criminal, ainda que não constem no corpo do Código Penal. É o caso da alínea "e" do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/10. Trata-se de previsão de pena acessória (inelegibilidade por 8 anos) a ser anexada à sentença penal condenatória, independentemente do trânsito em julgado, bastando que exista decisão colegiada (em explícita violação ao art.15, III, da CF/88).

Outra coisa, nada obstante, ocorre com as demais normas da LC 64/90, com a redação da LC 135/10. Aqui, a discussão tem outra natureza.

A questão a saber é se a lei nova poderia (i) criar condições de elegibilidade [inacessibilidade] a ser aplicada de imediato para o próximo pleito eleitoral e, também, se poderia (ii) criar hipóteses novas de inelegibilidade [inacessibilidade] para fatos ilícitos passados [2002 e 2005] já ocorridos antes da vigência da lei nova [2010]  (....).”

“Se há inelegibilidade [inacessibilidade] cominada potenciada, prescreve a lei do tempo ou (a) do fato ilícito [2002 e 2005] eleitoral (ou não eleitoral, como o crime contra a fé pública, v.g.)  ou (b) da relação processual [2009], se a sanção for efeito anexo da sentença, transitada ou não em julgado. Sendo sanção, a interpretação é sempre de direito estrito; restritiva, portanto.

Nos dois casos, responde o direito intertemporal, em que a Constituição Federal de 1988 prescreveu o princípio da irretroatividade e do respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgado e ao direito adquirido.

Erram palmarmente a OAB e os que lhe inspiraram a fala.

E é triste que assim seja, pela fundamental importância da OAB na defesa do Estado Democrático de Direito.

Erram porque não se deve relacionar o tempo da lei nova eleitoral [lei administrativa de vedação de provimento em cargo público estadual] com o tempo do registro de candidatura [tempo do provimento ao cargo], mas, sim, confrontá-la com o tempo do ato ilícito que fez nascer a inelegibilidade ou com o tempo da relação processual em cuja decisão anexou-se a sanção. (...) Para que a garantia do devido processo legal? Para que a garantia da ampla defesa e do contraditório?

Afinal, como demonstra Ingo Wofgang Sarlet (A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1998, p.249), há plena eficácia dos direitos de defesa como direitos fundamentais, devendo ter a máxima efetividade garantida pelo § 1º do art. 5º da CF/88, integrados que são aqueles direitos pelos direitos de liberdade, igualdade, direitos-garantias, garantias institucionais, direitos políticos [liberdade-participação, por provimento em emprego ou cargos públicos em comissão] e posições jurídicas fundamentais em geral, "que, preponderantemente, reclamam uma atitude de abstenção dos poderes estatais e dos particulares (como destinatários dos direitos)".

Uma última afirmação: se as restrições aos direitos políticos forem tomadas como restrição a direito fundamental, na linha do posicionamento do STF na ADPF 144/DF, então a distinção que fiz entre tratamento diverso aos efeitos inclusos e anexos à sentença se evanescem, dando-se a máxima efetividade ao princípio da presunção de inocência e ao princípio da irretroatividade.

(...) o legislador pôs na mesma norma, indistintamente, inelegibilidade [inacessibilidade] decretada como conteúdo de uma decisão judicial (efeito inexo ou incluso) e inelegibilidade [inacessibilidade] decorrente de efeito anexo ou excluso, aplicada ope legis como pena acessória (aqui, naturalmente, não há como fugir da incidência do art.15, III, da CF/88, no caso de sentença penal condenatória, a exigir sempre o trânsito em julgado para efeito de suspensão dos direitos políticos). Pena que os panfletos divulgados pelas entidades que defendem a aplicação imediata das normas da nova lei complementar não cuidem dessas relevantes questões jurídicas.

Gostaria de fazer aqui uma importante observação, essencial para prosseguirmos: a inelegibilidade [inacessibilidade] cominada é sanção que pode ser conteúdo ou efeito anexo da sentença. Em ambos os casos, a inelegibilidade é conteúdo ou efeito da sentença! A afirmação é um truísmo, mas em tempos obscurantistas faz-se fundamental avivarmos questões básicas.

Se o efeito é incluso à sentença, fazendo parte do conteúdo da decisão, é porque a inelegibilidade [inacessibilidade] é efeito do fato jurídico ilícito, estando pois na relação de direito material, sendo constituída pela decisão judicial que primeiramente declarou que o ato ilícito se deu. Ou seja, a inelegibilidade [inacessibilidade] se liga primeiramente ao ato ilícito, sendo constituída como sanção à sua prática. Assim, a questão fundamental é saber se ao tempo do fato a lei o previa como ilícito e se a ele cominava aquela sanção. Se a sanção derivar de lei posterior, aplicá-la seria dar-lhe efeito retroativo, revolvendo inconstitucionalmente o passado.

Diversamente, como efeito anexo da decisão judicial, a norma não desce aos fatos ilícitos mesmos, mas toma a decisão judicial sobre eles como ato-fato jurídico, sobre o qual faz incidir a inelegibilidade [inacessibilidade] como efeito anexo. A questão jurídica seria diversa: não seria o caso de se olhar se o fato ilícito eleitoral foi anterior ou posterior à lei, mas sim se: (a) já há relação jurídica processual [o feito de improbidade contra o cidadão X foi instaurado em 2007, para continuarmos no exemplo hipotético antes apresentado!]; e (b) se já há decisão judicial em que os efeitos da inelegibilidade [inacessibilidade] serão anexados.

É evidente que a lei que criou a sanção como efeito anexo da sentença tenha que ser, para ter efeito, anterior à formação da relação processual, quando já estabilizada pela contestação (princípio da eventualidade). E com muito mais razão, é evidente também que não há como se soldar o efeito anexo a decisões já proferidas quando a lei nova ingressou em vigor. Nem em um caso nem no outro há possibilidade de aplicação da nova lei, salvo se for para lhe atribuir retroatividade.”

E o jurista Adriano da Costa Soares em outro trecho de seu blog, abordando o mesmo assunto sob outro enfoque, ajuda-nos a elucidar essa inconstitucionalidade:

Outra questão relevante é o saber se a lei nova poderia criar uma nova hipótese de inelegibilidade [inacessibilidade] para fatos que ocorreram antes da sua entrada em vigor. Ou seja, poderia a lei nova apanhar fatos no passado, convertê-los hoje em ilícitos e atribuir-lhe uma sanção de inelegibilidade[inacessibilidade]?

(...).

Há duas possibilidades de retroatividade da norma: a retroatividade da própria jurisdicização; e a retroatividade de efeitos dos fatos jurídicos jurisdicizados. Se há um fato no passado e a norma, no presente, fá-lo jurídico, a jurisdicização é hoje, invadindo porém o passado. A norma tem que apanhar o fato punctual ou linear já não mais existente, ou a parte dele que deixou de existir no tempo, e tomá-lo como se fosse hoje, no hoje da norma. É evidente que, no tempo da norma, há o hoje, porém, no tempo do fato, o ontem é que há. Há invasão nas marcas, nas fronteiras do tempo pela norma jurídica, para transformar juridicamente no hoje o que ontem não era.

Se o fato passado será tomado como fato jurídico lícito no presente, a ausência de consequências negativas não impede a invasão do passado pela norma no presente. A retroatividade, quer da norma (ao jurisdicizar fato passado), quer dos efeitos do fato jurídico (ao fazê-los ir para o passado da norma), é tolerada pelo ordenamento jurídico. É, digamos, uma retroatividade do bem!

O que não se admite, e ofende a dignidade da pessoa humana, ofende o princípio da não-surpresa, viola a segurança jurídica, é quando a retroatividade opera para jurisdicizar fatos ilícitos e atribuir-lhes, no passado, presente ou futuro sanções.

Também, não se admite que um fato reputado anteriormente ilícito tenha, por norma nova mais gravosa, a sua sanção amplificada, sendo-lhe aplicável desde logo. É dizer, o fato já era ilícito ao tempo da lei antiga; a lei nova aumenta a sanção e, desde já, alcançaria os fatos submetidos a outra disciplina legal.
(...)
Quando me refiro à retroatividade, faço-o em relação à ocorrência do fato, e não à (posterior) situação jurídica eventualmente ser atual. Ou seja, as decorrências do fato até podem ser atuais, mas o fato já não o é. Nesse sentido, podemos juridicamente falar em retroatividade? A incidência, afinal, se dá sobre o fato ou sobre o que decorre dele? A mim me parece (...) que é sobre o fato; pois, do contrário, teríamos, grosso modo, duas incidências: aquela que se deu lá atrás, quando do fato mesmo e da condenação, e outra que se dará agora, em face dos efeitos do fato.

Não corremos o risco de fechar os olhos para o princípio “ne bis in idem”?

Não se abre uma brecha para a perseguição política, para o populismo judicial e até mesmo, o que é mais grave, para a presunção de culpabilidade?”

E em trecho de entrevista, que reproduzimos o essencial, afirma Costa Soares:

“(....) há um erro comum nessa discussão sobre a lei complementar 135, (...) parte-se de um debate em tese, sem olhar o texto da lei. A interpretação jurídica parte de um dado, que é o texto legal posto. O que diz a lei? Que a decisão criminal [pode-se falar, igualmente, da lei de improbidade e de decisões condenatórias com base nela] colegiada em determinados crimes (na verdade, a lei faz um passeio no código penal) gera a inelegibilidade [inacessibilidade] desde a condenação até 8 anos depois do cumprimento da pena.

(...).
Essa norma específica tem natureza penal.

É o que o Pontes de Miranda chamava de norma heterotópica, isto é, norma de uma natureza embutida em diploma legal de natureza diversa (daí o elemento de composição “heter(o)-”, que significa “diferente”, “diverso”, “outro”).

É norma penal dentro da lei eleitoral [dentro da lei ficha limpa estadual também!]. O que prevê essa norma? A pena acessória de inelegibilidade anexada à sentença penal colegiada [a pena acessória de inacessibilidade anexada a sentença cível condenatória]. Ora, é o art. 15, III, da Constituição, que prescreve que a suspensão dos direitos políticos decorre da sentença penal transitada em julgado [é o artigo 20 da Lei de improbidade que prescreve o mesmo efeito à sentença cível, e somente após o trânsito em julgado!].

É um princípio clássico no Direito Penal, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Assim, a inelegibilidade [inacessibilidade] apenas poderia ser cominada, como pena acessória, após o trânsito em julgado da sentença penal.

(...) a questão esboçada (...) não parte (...) das normas da lei complementar 135 (a lei “Ficha Limpa”). Ela não prescreve a inelegibilidade [inacessibilidade] para o “estado de condenado”, mas sim anexa a sanção de inelegibilidade, que é a pena acessória, à sentença penal condenatória, sem trânsito em julgado (ferindo, pois, a Constituição).

Poderia colar esse efeito ao ato jurídico (sentença) anterior à sua vigência?

Ora, sendo penal a norma, seria retroagir uma pena acessória, violando os direitos fundamentais assegurados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Usando a linguagem pontesiana (herdada da pandectista), o estado de condenado é efeito do acontecimento da condenação. Se o acontecimento que originou o estado for anterior à lei, há retroatividade da pena, e isso é vedado pela Constituição.

Outra coisa: no direito brasileiro, salvo na seara penal, não há proibição à retroatividade das normas jurídicas, exceto pela adoção dos princípios da não-surpresa e da segurança jurídica, amiúde [frequentemente] invocados pelo STF. É preciso separar o que é retroatividade da norma e retroatividade dos efeitos do fato jurídico. Se forem gravosas, ambas as formas de retroação devem ser rejeitadas pelo ordenamento.” (sublinhamentos, colchetes e negritos nossos!)

[20] Conforme nosso artigo: Ruy Samuel Espíndola. “A Lei ficha limpa em revista e os empates no STF: as liberdades políticas em questão e o dilema entre o politicamente correto e o constitucionalmente sustentável.” In: - George Salomão Leite (coord.) Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais. Bahia, Juspodium, 2011p. 781/798, p. 793/794. Esse livro constitui anais do 9º Congresso Internacional de Direito Constitucional, ocorrido em Natal/RN, entre os dias 28/30 abril 2011, sob os auspícios da Escola Brasileira de Estudos Constitucionais. E o artigo constitui expressão escrita de nossa conferência no painel “Liberdades Políticas e Justiça Eleitoral Contramajoritária: a democracia entre o moralismo e o devido processo legal.” Outra versão deste estudo encontra-se na web: ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. A Lei Ficha Limpa em revista e os empates no STF. O dilema entre o politicamente correto e o constitucionalmente sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2711, 3 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17925>. Acesso em: 1 maio 2011.

[21] Cf. seu “Retroatividade da lei da ficha limpa: O Supremo Tribunal Federal não é o limite”. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2681, 3 nov. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17753>. Acesso em: 3 nov. 2010:

“O próprio presidente do STF, Cezar Peluso, defendeu que a lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada nas eleições atuais e muito menos que ela alcance casos passados. Por essa razão, ele disse não concordar com a interpretação de aplicação retroativa da lei: ‘Já havia antecipado o caráter absolutamente casuístico da lei. Essa é uma lei personalizada porque atinge pessoas determinadas, conhecidas antes de sua edição'. De fato, até o princípio constitucional da impessoalidade foi violado.
Por sua vez, o ministro Celso de Mello, um dos grandes nomes daquela Corte, afirmou que 'é uma gravíssima limitação ao direito fundamental de participação política. Me preocupa a ação no passado de efeitos restritivos por lei superveniente, (...) atribuindo sanção a um ato já esgotado em todas suas potencialidades jurídicas', disse. 'A lei não pode conferir efeitos jurídicos gravosos restritivos de um direito fundamental (...) a fatos como a renúncia ocorrida em momento anterior'.
Segundo o ministro Celso, há que ser aplicado o 'direito à inviolabilidade do passado'. Qualquer coisa diferente disso é uma verdadeira caça às bruxas. 'Há um consenso muito claro no sentido de que os valores da probidade e da moralidade administrativa hão de ser respeitados, hão de prevalecer. Devemos banir da vida pública candidatos ou mandatários políticos ou autoridades travestidos de criminosos. Agora, é preciso que se observem na aplicação da lei determinados postulados que representam aquele núcleo imutável da Constituição', disse com muita propriedade o ministro Celso de Mello...
(...). Por essa razão indignou-se duramente - e com razão - o ministro Gilmar Mendes, ao afirmar que a legislação que prevê novas regras de inelegibilidade é 'casuística' e, a depender da interpretação, 'é um convite para um salão de horrores'. 'Não podemos em nome do moralismo chancelar normas que podem flertar com o nazi-fascismo'.
Na avaliação de Gilmar Mendes, manter Jader Barbalho (que era o caso em análise) inelegível por oito anos a contar a partir de quando seria o final do mandato - o ano de 2011 - seria garantir a retroação da lei para prejudicar o político paraense. 'Não há limites para o absurdo. Dizer que isso é aplicação imediata da lei é alguma coisa que faz corar frade de pedra. É um convite para um salão de horrores. Se há um exemplo notório de lei casuística é essa alínea k que prevê inelegibilidade em caso de renúncia para fugir de processos de cassação'. Continuando, Gilmar disse que 'aqui percebemos inclusive um estratagema que é o fato de que o legislador conseguiu multiplicar o tempo de inelegibilidade, que pode chegar a 16 anos. Dificilmente vai se encontrar um caso tão explícito em tempos democráticos de mais inequívoca retroatividade, de mais escancarada, de mais escarrada retroatividade (...) para a manipulação inclusive das eleições'.
Considerando que o Supremo - a maior Corte do país - proferiu sua decisão, entendo que qualquer um que for atingido por essa decisão (...) poderá recorrer à OEA - Organização dos Estados Americanos, mais especificamente na CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Na Convenção da OEA, o seu artigo 9º (que trata do Princípio da legalidade e da retroatividade) é explícito ao afirmar que 'ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado'.
Por outro lado, para que se previnam interpretações esdrúxulas, (...) a Convenção da OEA prevê, em seu artigo 29º (Normas de interpretação), que 'nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpreta da no sentido de:
a) permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;
b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;
c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e
d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza'.
Desse modo, nos termos do artigo 44, qualquer pessoa pode apresentar à Comissão de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte. É (...) recurso (...) para todos os prejudicados pela lei dos 'Fichas Limpas'. (...).”

[22] “Na realidade, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, ao reconhecer a (inadmissível) possibilidade de o legislador imputar, ao ato de renúncia (aperfeiçoado, no passado, segundo o ordenamento positivo então vigente), a irradiação de um novo e superveniente efeito claramente restritivo do direito fundamental de participação política, incorreu em ofensa à cláusula inscrita no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição, que assegura a incolumidade do ato jurídico perfeito e que obsta, por isso mesmo, qualquer conduta estatal que provoque, mediante restrição normativa superveniente, a desconstrução ou a modificação de situações jurídicas lícitas e definitivamente consolidadas, ainda mais quando se lhes agregam consequências sequer autorizadas pela legislação em vigor no momento em que se formulou a declaração unilateral de vontade, cuja eficácia resultou do que ainda se contém no § 4º do art. 55 da Constituição Federal.

Desse modo, entendo assistir razão ao candidato ora recorrente, quando invoca, com inteira correção, os fundamentos evidenciadores da aplicação inconstitucional, ao caso ora em exame, da regra inscrita na alínea k” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, na redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010 [assim o artigo 1º, letra “g”, da Lei estadual].

(…).

O acórdão recorrido, ao aplicar, retroativamente, o preceito inscrito na alínea k” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, na redação dada pela LC nº 135/2010, também desrespeitou, de modo claro e inequívoco, outro postulado fundamental, impregnado de vocação protetiva, inscrito no art. 5º, XXXVI, da Carta Federal, que objetiva resguardar a incolumidade das situações jurídicas definitivamente estabelecidas.

Não constitui demasia enfatizar que, no sistema de direito constitucional positivo brasileiro, tal como deixei consignado em diversos julgamentos ocorridos na década de 1990, a eficácia retroativa das leis (a) é sempre excepcional, (b) supõe a existência de texto expresso (e autorizativo) de lei, (c) jamais se presume e (d) não deve nem pode gerar lesão ao ato jurídico  perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada (RT 218/447 – RF 102/72 - RF 144/166 - RF 153/695).

(...).

É imperioso relembrar, portanto, que emana de fonte constitucional a cláusula que confere intangibilidade às situações jurídicas definitivamente consolidadas, quer resultem estas do ato jurídico perfeito, ou, então, do direito adquirido ou, ainda, da autoridade da coisa julgada.

Na realidade, essa cláusula de salvaguarda, que consubstancia verdadeira norma de sobredireito, objetiva atribuir concreção e dar efetividade à exigência de preservação da segurança das relações jurídicas instituídas e validamente estabelecidas sob a égide de determinado ordenamento positivo.

Se é certo, de um lado, que, em face da prospectividade ordinária das leis, os fatos pretéritos escapam, naturalmente, ao domínio normativo desses atos estatais (RT 299/478), não é menos exato afirmar, de outro, que, para efeito de incidência da cláusula constitucional de proteção às situações jurídicas definitivamente consolidadas, mostra-se irrelevante a distinção pertinente à natureza dos atos legislativos.

Trate-se de leis de caráter meramente dispositivo, cuide-se de leis de ordem pública, todas essas espécies normativas subordinam-se, de modo pleno, à eficácia condicionante e incontrastável do princípio constitucional assegurador da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada em face de ação normativa superveniente do Poder Público (RTJ 106/314).

Daí porque esta Suprema Corte, ao julgar a ADI 493/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 143/746), afastou qualquer possível dúvida que ainda pudesse subsistir nessa matéria, assim se pronunciando:

Por outro lado, no direito brasileiro, a eficácia da lei no tempo é disciplinada por norma constitucional. Com efeito, figura entre as garantias constitucionais fundamentais a prevista no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal: ‘A lei não prejudicará o direito adquirido, o  ato jurídico perfeito e a coisa julgada’. Esse preceito constitucional se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Já na representação de inconstitucionalidade nº 1.451, salientei em voto que proferi como relator:

Aliás, no Brasil, sendo o princípio do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada de natureza constitucional, sem qualquer exceção a qualquer espécie de legislação ordinária, não tem sentido a afirmação de muitos - apegados ao direito de países em que o preceito é de origem meramente legal – de que as leis de ordem pública se aplicam de imediato alcançando os efeitos futuros do ato jurídico  perfeito ou da coisa julgada, e isso porque, se alteram os efeitos, é óbvio que se está introduzindo modificação na causa, o que é vedado constitucionalmente.’

(...).

A relevantíssima circunstância de o princípio consagrador da intangibilidade do ato jurídico perfeito - e das demais situações definitivamente consolidadas - possuir extração constitucional leva o magistério da doutrina a advertir que esse postulado fundamental é de incidência abrangente, alcançando, por isso mesmo, ante a imperatividade de sua projeção, as regras de natureza meramente legal (e, também, aquelas resultantes do poder de reforma do Congresso Nacional), ainda que qualificadas como normas de ordem pública (CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO, “Irretroatividade das Leis de Ordem Pública”, “inRF 289/239-242; REYNALDO PORCHAT, “Curso Elementar de Direito Romano”, vol. I/492-493, item n. 528, 1907, Duprat & Cia; OSCAR TENÓRIO, “Lei de Introdução ao Código  Civil Brasileiro”, p. 198/199, 2ª ed., 1955, Rio; CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Instituições de Direito Civil”, vol. I/128, Forense, v.g.).

Cabe enfatizar, portanto, Senhor Presidente, que as normas de ordem pública encontram, no postulado tutelar inscrito no art. 5º, XXXVI, da Lei Fundamental, um obstáculo político-jurídico absolutamente insuperável, a significar que não podem desconstituir consequências jurídicas resultantes de situações pretéritas nem imputar, a fatos lícitos ocorridos no passado, efeitos novos limitativos de direitos, ainda mais se se tratar de direitos fundamentais, como o direito de participação política, fundamento legitimador da prerrogativa de ser candidato [a liberdade-participação de acesso a cargos e empregos públicos!].

Perfilha igual orientação o saudoso J. M. OTHON SIDOU (“O Direito Legal”, p. 228/229, item XIII, 1985, Forense), para quem, considerada a concepção vigente no sistema normativo brasileiro pertinente à resolução do conflito intertemporal de leis, “A lei nova não atinge consequências que, segundo a lei anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, isto é, que se unem à sua causa como um corolário necessário e útil”, expendendo, a esse propósito, magistério irrepreensível:

Retroativa e, portanto, condenável (...) é não somente a regra positiva que contrasta com as consequências, já realizadas, do fato consumado, mas também a que impede as consequências futuras do mesmo fato, por uma razão relativa só a ele.” (grifei)

Mesmo, portanto, que se trate de leis de conteúdo eleitoral, não se revestem estas de eficácia jurídica bastante para contrariar liberdades fundamentais, como a  concernente ao direito de participação política ou, ainda, como aquela referente à intangibilidade dos atos jurídicos perfeitos, que se acham assegurados, explicitamente, em norma de salvaguarda, pelo próprio estatuto constitucional, por mais imperiosos que se apresentem os motivos de ordem pública invocados pelo Estado para justificar a edição de determinado diploma legislativo, não obstante instaurado o respectivo processo de formação mediante iniciativa popular.

Se é certo, tal como ressalta a jurisprudência desta Suprema Corte, que “A lei nova tem caráter imediato e geral”, não é menos exato que o dogma constitucional que garante a intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada impede que o ato estatal superveniente, qualquer que seja a natureza ou índole de que se revista (como uma decisão judicial), atinja a situação jurídica definitivamente constituída sob a égide da lei anterior” (RTJ 55/35) ou, então, eleja  certa causa ocorrida no passado, para, com fundamento nela, atribuir-lhe, em caráter inovador, efeito restritivo de direitos, veiculador de limitação ao direito fundamental de participação política.

Nem mesmo os efeitos posteriores das situações constituídas podem ser afetados pela incidência da nova lei, porque - caso admitida tal consequência - estar-se-ia iniludivelmente fraudando a vontade subordinante do legislador constituinte e paradoxalmente reconhecendo a inaceitável possibilidade jurídica da existência de ato estatal com projeção retroeficaz gravosa, gerando, desse modo, situação normativa absolutamente incompatível com a tradição de nosso constitucionalismo democrático.

A circunstância de as leis terem efeito imediato não legitima a interpretação que o Tribunal Superior Eleitoral deu à Lei Complementar nº 135/2010, fazendo-a incidir, de modo inconstitucional, sobre situação pretérita que, além de exaurida em todas as suas potencialidades jurídicas, já se achava definitivamente consolidada no tempo, como sucedeu com a renúncia do ora recorrente ao mandato parlamentar, por ele formalizada anos antes da vigência do diploma legislativo referido...

(...).

O fato a ser destacado, neste ponto, Senhores Ministros, considerado o fundamento da eficácia imediata das leis, subjacente ao julgamento proferido pelo Tribunal Superior Eleitoral, é que o sempre invocado magistério de PAUL ROUBIER (“Le  Droit Transitoire”, 2ª ed., 1960) encontra insuperável limitação de ordem jurídica no próprio sistema constitucional brasileiro, que, ao contrário da realidade normativa vigente na França, não convive com atos estatais, que, aplicados retroativamente (ainda que se cuide de retroatividade mínima), afetem as situações jurídicas definitivamente consolidadas ou interfiram nas consequências que delas emanaram como resultado causal necessário ou atribuam, em caráter inovador, a fatos pretéritos já consumados no tempo, efeitos gravosos e restritivos de direitos, notadamente de direitos essenciais como aqueles que se contêm no conceito de liberdade - participação (como o direito de disputar mandatos eletivos, p. ex.).

Impende ressaltar, bem por isso, que situações definitivamente consolidadas, oriundas do ato jurídico perfeito (e, também, da coisa julgada e do direito adquirido), qualificam-se como obstáculos constitucionais invocáveis contra o Estado e plenamente oponíveis à incidência de leis supervenientes, mesmo que estas veiculem prescrições de ordem pública.

A realidade normativa é uma só, Senhor Presidente: mesmo nas hipóteses de retroatividade mínima (MATOS PEIXOTO, “Limite Temporal da Lei”, “inRT 173/459, 468), quanto mais naquelas hipóteses de retroatividade máxima, em que os efeitos gravosos interferem na causa (que é um ato ou fato ocorrido no passado), esta Suprema Corte tem advertido que, em referida situação, a interpretação judicial que admita tal possibilidade revestir-se-á de caráter inegavelmente retroativo (e, portanto, inconstitucional):

Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF.” (RTJ 143/724, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno - grifei)

A aplicação retroativa da norma legal em causa (alínea k”) [e “g”, do artigo 1º, da lei estadual] – que afeta,  sensivelmente, de modo direto, o “status activae civitatis” do candidato - expõe-se à censura jurídica (...).

Em suma: tenho para mim que se mostra plenamente acolhível a pretensão recursal deduzida nesta causa, considerados, para tanto, os fundamentos concernentes, quer à violação do princípio da anterioridade eleitoral (CF, art. 16), quer à ofensa à cláusula de incolumidade do ato jurídico perfeito, cuja transgressão, no caso, resultou de interpretação judicial, proferida pelo E. Tribunal Superior Eleitoral, evidentemente lesiva ao postulado da irretroatividade das leis (CF, art. 5º, XXXVI).

Sendo assim, em face das razões expostas e reafirmando o voto por mim anteriormente proferido no julgamento do RE 630.147/DF  peço vênia para conhecer e dar provimento ao presente recurso extraordinário, assegurando, desse modo, ao candidato recorrente, o direito ao registro de sua candidatura.

É o meu voto.”

[23] “Os efeitos imediatos da Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010 infringem o princípio da proteção da confiança, difundido no Direito germânico e que, mais recentemente, ganha espaço no cenário jurídico brasileiro.

Consectariamente, a ampliação das atividades estatais faz crescer uma exigência por parte dos cidadãos de maior constância e estabilidade das decisões que lhes afetam, de modo que um cidadão não consegue planejar sua vida se o Estado não atuar de forma estável e consistente.

Mudança e constância são, dessa forma, duas expressões que colidem no mundo pós-moderno.

O princípio da proteção da confiança, imanente ao nosso sistema constitucional, visa a proteger o indivíduo contra alterações súbitas e injustas em sua esfera patrimonial e de liberdade, e deve fazer irradiar um direito de reação contra um comportamento descontínuo e contraditório do Estado.”

[24] Cf. Hans Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, São Paulo, Martins Fontes, 1990. P. 53/61. Noberto Bobbio, Teoria da Norma Jurídica, trad. Fernando Pavan e Ariani Bueno. 2 ed. São Paulo, Edipro, 2003, p. 145/176.


[25] Vejamos: “Poderíamos didaticamente mostrar que teremos aí três inelegibilidades, que se somam: (a) a inelegibilidade desde a condenação colegiada, enquanto durar o processo; (b) a inelegibilidade durante o cumprimento da pena; e (c) mais 8 anos de inelegibilidade após o cumprimento da pena.

Ou seja, enquanto o cidadão estiver recorrendo da decisão condenatória, ficará inelegível. O tempo do processo, no exercício do direito de defesa, passa a ser um ônus gravíssimo.

Depois, se for absolvido, dane-se! Se for condenado, ficará inelegível durante o cumprimento da pena.

Depois, independentemente de ter furtado uma galinha ou ter se locupletado do erário, ficará igualmente 8 anos inelegível. Somadas essas três inelegibilidades, teremos um tempo indefinido e enorme de sanção. Isso é justiçamento, vingança oficial.”

“A sanção de inelegibilidade e o trânsito em julgado: a nova "inelegibilidade processual" [inacessibilidade processual]


Após o STF, finalmente, ter uma decisão de maioria sobre a incidência rombuda do art.16 da CF/88 como garantia para a segurança jurídica eleitoral, a imprensa passou a se dar conta de que a LC 135/2010 (lei dos fichas limpas) não tinha o signo da sacralidade e intocabilidade. A decisão contramajoritária do STF buscou preservar a Constituição contra o assalto da maioria ingênua e da mídia inconsequente.

Agora, começam alguns a temer pelo enterro constitucional da LC 135, já quanto ao seu conteúdo propriamente dito. E, como não poderia ser diferente, o temor decorre de alguns equívocos teóricos graves. A LC 135 é muito ruim, mas não é por isso que seja inteiramente inconstitucional. Há nela muita inconstitucionalidade, mas muitos equívocos constitucionais: podemos discordar como política legislativa, mas não podemos expurgá-las como afrontas chapadas à Constituição.

Uma das bobagens que começa a ser dita é que a compreensão da inelegibilidade como sanção faria a lei inconstitucional. Lei que teria - vejam a bobagem! - como avanço justamente colocar a inelegibilidade como condição de elegibilidade. A inelegibilidade nunca foi ou poderá ser colocada como condição de elegibilidade, inclusive por ausência de sentido deôntico: sanção é efeito de fato ilícito e não é pressuposto de fato lícito.

Para que a inelegibilidade tenha imediata efetividade, sendo uma sanção aplicada a fatos ilícitos, haveria necessidade do trânsito em julgado da decisão que a decreta? A resposta não é simples nem única. Depende! A Constituição Federal apenas exige o trânsito em julgado para que dimanem os efeitos da inelegibilidade em duas situações: condenação criminal (art.15, III) e improbidade administrativa (art.15, IV). Não assim nos demais casos, como os ilícitos tipicamente eleitorais: abuso de poder econômico, abuso de poder político, captação de sufrágio, captação ilícita de recursos, etc.

A exigência de trânsito em julgado para todas as hipóteses de inelegibilidade advinha do art.15 da LC 64/90, cuja redação foi alterada pela LC 135/2010. Agora, bastaria para a execução imediata da inelegibilidade uma decisão de órgão colegiado, naturalmente excluindo-se as hipóteses previstas na própria Constituição Federal (condenação criminal e improbidade administrativa).

A questão, vista desse modo, seria de fácil solução. Seria. Mas a LC 135 é inconstitucional por outro motivo: a desproporcionalidade das sanções.

Vejam: uma coisa é prescrever uma inelegibilidade por 8 anos, contada desde a decisão de órgão colegiado, quando começa a viger. Outra coisa, muito distinta - e essa é uma grosseira anomalia da LC 135 - é a previsão da inelegibilidade desde a decisão de órgão colegiado, enquanto durar o processo, e, após o trânsito em julgado, mais 8 anos.

Ou seja, o ônus do tempo do processo é terrível para quem recorre de uma decisão que decreta a inelegibilidade, porque o recurso seria causa do prolongamento indeterminado de uma inelegibilidade processual, enquanto durar o tempo do processo e pelo simples fato de haver recurso pendente.

Ao depois, aí sim viria a inelegibilidade material, de 8 anos como sanção ao fato ilícito eleitoral.

Cunho a expressão inelegibilidade processual para denominar a inelegibilidade que decorre exclusivamente do ônus do tempo do processo, sendo a sua causa e razão de ser gerar uma sanção processual indireta pelo manejo de recursos inerentes ao devido processo legal (due process of law), criando assim limitações gravosas e antidemocráticas ao pleno exercício da pretensão à tutela jurídica e ao livre acesso ao Poder Judiciário.

A inelegibilidade processual seria decorrente da decisão de órgão colegiado, enquanto durar o processo, sem direito a uma espécie de detração eleitoral para o cômputo da inelegibilidade material de 8 anos. Essa inelegibilidade processual seria, portanto, um desestímulo ao uso dos meios recursais próprios, em verdadeira negativa de acesso ao Judiciário: recorrer seria um ônus insuportável para quem tivesse a inelegibilidade decretada por um órgão colegiado.

Sem juízo de constitucionalidade, se fôssemos aplicar a LC 135 a secas, teríamos alguns exemplos graves de inelegibilidade da LC 64/90, com a redação da LC 135:
Art. 1º, I, "e": soma das seguintes inelegibilidades: (a) inelegibilidade a partir da decisão condenatória do órgão colegiado, enquanto durar o processo penal (inelegibilidade processual); (b) inelegibilidade enquanto durar o cumprimento da pena de natureza penal, decorrente da suspensão dos direitos políticos; e (c) inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena.
Art.1º, I, "l": a soma das seguintes inelegibilidades: (a) inelegibilidade a partir da decisão condenatória do órgão colegiado, enquanto durar o processo por improbidade que decretou a suspensão dos direitos políticos (inelegibilidade processual); (b) inelegibilidade enquanto durar o cumprimento da pena de suspensão dos direitos políticos; e (c) inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena.
Note-se que, em hipótese de inelegibilidade decorrente de ilícitos não-eleitorais (condenação criminal transitada em julgado, v.g.), há agora a criação de uma inelegibilidade cominada potenciada de natureza processual, como gravíssimo ônus para inviabilizar o acesso ao Poder Judiciário e tornar inviável ou insuportável o manejo de recursos processuais, ainda que viáveis, firmes e sérios.

No caso da condenação criminal, se o recurso contra a decisão condenatória, proferida por órgão colegiado, tiver um resultado demorado (digamos, 5 ou 10 anos), a inelegibilidade processual, somada ao cumprimento da pena (acaso improvido o recurso) e à inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena, poderá levar a uma sanção total de inelegibilidade de mais de 30 anos, o que nada mais é do que o degredo político.

Aqui, parece-me, será o ponto correto a ser debatida a inconstitucionalidade da inelegibilidade processual sem que haja sequer uma detração, uma subtração daquela inelegibilidade material de 8 anos. O correto, o constitucional, seria a LC 135 ter previsto a aplicação da inelegibilidade de 8 anos desde a decisão de órgão colegiado, como execução imediata. Mas criar um inelegibilidade de natureza meramente processual, como terrível ônus do processo, é uma solução legislativa fascista, criminosa e estapafúrdia. Sim, um caso para a psiquiatria forense, como afirmou o Min. Gilmar Mendes.

Desse modo, chamo a atenção para as seguintes conclusões:

(a) a sanção de inelegibilidade pode ter execução imediata, desde a decisão de órgão colegiado, exceto nos casos proibidos pela Constituição (condenação criminal e improbidade administrativa);

(b) a inelegibilidade processual, enquanto durar o tempo do processo, é inconstitucional, viola o princípio da proporcionalidade/razoabilidade e impede o acesso frutuoso ao Poder Judiciário; e

(c) a solução constitucional adequada teria sido a LC 135 ter previsto a execução imediata da inelegibilidade cominada potenciada de 8 anos (sem, portanto, postergá-la para o trânsito em julgado e absurdamente criando uma inelegibilidade cominada potenciada de natureza processual).”

[26] Ver três artigos publicados na web de nossa autoria: (i) A Lei Ficha Limpa em revista e os empates no STF. O dilema entre o politicamente correto e o constitucionalmente sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2711, 3 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17925>. Acesso em: 1 maio 2011; (ii) STF, insegurança jurídica e eleições em 2012: Até quando o embate entre moralistas e constitucionalistas em torno da lei ficha limpa?. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2827, 29 mar. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18790>. Acesso em: 2 maio 2011; (iii) Moralistas versus Constitucionalistas – o caso Roriz, no STFConjur e  Adriano da Costa Soares; setembro de 2010.

[27] Dia 17.10.2011, das 22:00 as 23:00 horas, participei de debate televisivo no programa “Conversas Cruzadas”, na TVCOM, grupo RBS, e um dos ilustrados debatedores, emérito promotor de justiça e distinto integrante do movimento que resultou na propositura da lei ficha limpa eleitoral, disse-me, surpreendentemente: “que não sei em que planeta vive o Prof. Ruy, mas no meu planeta não vejo realidade para essas idéias”, dando a entender que seria eu o “alienígena” e meu antagonista o “terráqueo”, devido a diferença de pontos de vista, expressos também nesse artigo. Ao fim do debate afirmou, irônico e contrariado, que existem os “inimigos das mudanças”, dando a entender que seria eu um deles ou os que expressam a mesma opinião divulgada nessas notas de reflexão.

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