CARLOS É INVISÍVEL Hoje, o megafone de Carlos Alberto da Silva reverbera principalmente o seu mundo particular Por Jerônimo Rubim, com fotos de Gabriel Rinaldi* Mercado público de Florianópolis, 20h de sexta-feira. Caminhando entre as mesas cheias dos boxes, fotógrafo, designer e editores da Naipe se esforçam para sacar algumas fotos e conversar com Carlos. Ele está impaciente, imprevisível, indomável. Uma loira maquiada pergunta se estamos gravando para o horário eleitoral. – Estamos fazendo um perfil, a Naipe responde. – Dele?!, pergunta a loira. Carlos está alheio, preocupado com dois malacos que acabaram de roubar seu celular. “Conheço os dois. Eles vão devolver, é só brincadeira”, garante, olhar vazio mirando o escuro da noite. Quando ele sai mais uma vez na busca inútil dos ladrões, um garçom se aproxima e pergunta: “Perfil dele? É pro Globo Rural?” Carlos sempre foi um corpo estranho em Florianópolis. Megafone a tiracolo, visual estrambótico e fôlego de guri pequeno, ele é figura conhecida na cidade e também em Balneário Camboriú, onde passa os verões. Foi o arauto pioneiro das promoções imperdíveis das lojas populares, o showman da comunicação de rua nos calçadões da capital. Tanto quanto os aposentados jogadores de dominó ou os mandriões debaixo da figueira da praça XV, é parte do folclore urbano da ilha. Desde 1981, talvez 1984 – ele não lembra, a população menos ainda –, é impossível circular pelo centro sem ouvir sua voz ecoando nas paredes dos prédios. “Faço parte da história dessa cidade”, sentenciou Carlos noite dessas. “Do Brasil”, se empolgou outro dia. Passadas quase três décadas, seu look a maior parte do tempo colorido e ousado de saias, vestidos e chapéus com chifres ainda causa certo constrangimento à ilha. “Acho que é giletão, gosta de se vestir de mulher”, arrisca um gordinho simpático que escuta um cacofônico discurso político de Carlos em frente ao Centro Legislativo da capital. “Faço esse trabalho desde os dez anos de idade. Um dia coloquei uma saia e a coisa exprodiu em Florianópolis, começou a dar ibope”, simplifica Carlos, sobre se travestir. A autenticidade até rendeu mais trabalho, mas também trouxe apelidos como “O corno do centro” e rótulos como veado e maluco. Essa demonização pública ao longo dos anos não parece ter afetado a obstinação de Carlos em aumentar os decibéis calçadões afora. “Incomoda. Fica falando aí e ninguém entende nada”, reclama o caixa de uma lanchonete que assiste ao discurso político. “Toma umas manguaça e parece que fala argentino”, ri o gordinho. “Outro dia falei pro Moacir Pereira que ele tem que melhorar a dicção, falar mais devagar, falar como eu falo. Ele é um comunicador, as pessoas precisam entender o que ele diz”, Carlos me conta apressadamente, entre um anúncio e outro, engolindo algumas sílabas. Provoco que o incompreensível por aí, dizem, é ele mesmo, Carlos. “Quem não entende? Se não entende é surdo, é surdo, porra”. Mulher, porra Depois de muitas tentativas – Carlos estava “muito ocupado, com muitas reuniões, hoje não dá, hoje não dá” – marco uma entrevista mais longa. São 11h15 no relógio do abafado boteco e Carlos está confortável. Tira a aparelhagem de som do ombro, pede um conhaque de alcatrão e finalmente conta sua história. Não a pública, mas a que há por trás da figura de cabelo moicano roxo, unhas com esmalte preto descascando e calças femininas à minha frente. Apanhou muito da mãe, fugiu de casa, passou fome, dormiu na rua, a irmã virou prostituta. Carlos enumera essas clássicas desgraças com distanciamento, como se falasse de coisas que realmente só têm lugar no passado, a blindagem dos desafortunados. Com a bravura dos que não têm nada a perder, mal tinha chegado à puberdade se mandou da Pernambuco natal, em um navio, para a Rio de Janeiro dos anos 70. Alguém soprou para mim sobre Cauby Peixoto na vida de Carlos. Jogo a pergunta em cima da mesa. “Dormi com o Cauby, fui marido dele por dois anos”, escancara. “O problema é que o Cauby enchia a casa de guri novinho. Eu gosto de mulher, porra”. No Rio da época, Carlos apertou a mão de Tim Maia, Nelson Gonçalves, Jairzinho, Waldick Soriano e outros em bares boêmios. Mas o hoje se sobrepõe ao ontem. O trabalho volta à tona. Não bastasse passar o dia correndo atrás de patrocinadores e reverberando seu mundo particular no megafone, ele se alegra ao falar da profissão. Me mostra uma foto sua com Brizola e conta dos trabalhos que fez para Luiz Henrique, Esperidião Amin, Kleinubing, Pedro Ivo Campos. “Aos dez anos de idade eu já fazia propaganda pro Miguel Arraes lá em Recife, já era figura política, rapaz. A conversa já passa de uma hora, e para o workaholic Carlos tempo é dinheiro. Ele pede licença e sai por dez minutos. Foi vender seus serviços a uma auto-escola e aproveitou para apresentar a Naipe. “Quer ver tu ganhar dinheiro? Quando eu sair na revista tu vai ganhar rios de dinheiro, vai ficar doido, cara”, me diz, na volta, olhar perdido. À tarde ele vai a uma convenção de partido político. Época de eleições é um banquete para que suas habilidades verbais se traduzam em trocados dos candidatos. “Preciso trabalhar. Preciso pagar meu hotel”, diz Carlos, que recebe R$ 25 por hora de trabalho e paga R$ 40 a diária para viver na Conselheiro Mafra. No tempo em que os argentinos tinham poder de compra, Carlos ganhava bem durante o verão em Balneário Camboriú. Ao ouvido de muita gente chegou o boato de que ele era rico. Diz-se que ganhava até R$ 80 a hora. Hoje cobra um pouco menos que os seus próprios aprendizes. “Ele era muito bom. Foi o primeiro, me inspirei nele. Só que hoje vende mais a si mesmo que aos produtos”, diz Gilson dos Santos, expoente dos propagandistas de rua dos tempos globais. Gilson gesticula como um palestrante motivacional, e seu cartão oferece os serviços de “propaganda, gravação de CD, cerimoniais, apresentação de eventos” – com seu hotmail logo abaixo. Um vendedor de DVDs ouviu falar que no auge Carlos comprou carro importado à vista em uma concessionária. “Não, isso não. Mas ganhei muito dinheiro, verdade”. E onde foi parar a grana? “Acabou.” Aleluia Reencontro um cambaleante Carlos Alberto Silva, 52 anos, tentando se equilibrar em coturnos no Largo da Catedral dias depois. Ele me abraça e anuncia a Naipe no microfone como “a melhor revista do Brasil, internacional”. Então começa a enfileirar diversos números de candidatos, brinca com os motoristas parados no sinal, cumprimenta pedestres, canta Bob Marley, manda um “Aleluia!” para o rebolado de uma passante. “Tem muita mulher bonita na ilha”, anima-se. “Estou aqui há treze anos, ele foi sempre a mesma coisa, essa mesma figura”, conta Lima, dono de uma barraquinha de livros no Largo. Alguns ilheus balançam a cabeça negativamente com as brincadeiras. Outros passam sem olhar. Muita gente dá pelo menos uma risada, disfarçada que seja. |
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08/09/2011
Floripa e o Carlos
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