Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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04/02/2009

Adolescentes, Ato Infracional e a Maternagem (i)Limitada



Adolescentes, Ato Infracional e a Maternagem (i)Limitada

1 – Este texto procura explicitar a maneira pela qual a Justiça da Infância e Juventude brasileira encara a questão do ato infracional. Pretende, para tanto, buscar uma aproximação com a psicanálise. Acolhe-se, de plano, que as dificuldades de diálogo entre direito e psicanalise são enormes, uma vez que o sujeito, para o direito, acaba sendo o consciente, capaz de dominar pelo eu suas ações, enquanto para a psicanálise encontra-se, desde uma leitura lacaniana, submetido ao inconsciente freudiano, estruturado como se fosse linguagem. Neste diálogo é que se busca seguir, marcando-se a situação atual desta interlocução nos denominados atos infracionais.
2 – Apesar de o (Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) estabelecer que a adolescência inicia-se aos doze anos e termina aos 18 (ECA, art. 2o), somente os que sofrem do que já se chamou de ‘Complexo de Prazo de Validade’ é que podem acreditar que isto corresponde à realidade. Cada adolescência é única, singular, e como tal deve ser respeitada em sua alteridade. Aí reside a ética de respeito ao desejo do sujeito e dos atores jurídicos. Sem esta compreensão o mero fato biológico de se completar a idade respectiva significaria o início da adolescência, situação, de fato, ilusória.
3 – Neste contexto, seguindo a matriz de Freud, Alberti aponta que na fase da adolescência se dá, em regra, o encontro com o real do sexo e também o trabalho de desligamento dos pais, necessitando, todavia, que algo neles (pais) falhe, isto é, deixe a desejar para que a função paterna se instaure. Realinhar seu papel social é um desafio, mormente porque o véu do período de latência se esvai. A diferença de gerações e o processo de identificação sexual implicam em escolhas singulares, situadas na dinâmica das pressões sociais (família, etc..). As mudanças estão aí e no trabalho de elaboração as regras universais são insuficientes. Dando-se conta, na maioria dos casos, de que foi objeto do desejo do Outro, de quem exerce as funções paternas, surge uma encruzilhada. Independetemente de ser uma crise ou um processo, a adolescência implica, necessariamente, um acertamento subjetivo em que os trilhamentos do complexo de Édipo estarão presentes. As relações do sujeito adolescente com seu entorno, então, ganham novos matizes, cujo enfrentamento depende, em muito, da maneira como o sujeito foi estruturado. A intervenção nesta seara para ser ética demanda o reconhecimento da singularidade e da procura individual de atribuição de sentido.
4 – Podem ocorrer, assim, dificuldades neste momento, culminando em construções defensivas em que o sintoma não compromete o sujeito, podendo se dar a simbolização. Dentre as saídas, aponta Cahn, existe a possibilidade de dificuldades banais, baixo rendimento escolar, problemas de relacionamento com o entorno, inibição, distúrbios de comportamento, drogas, ansiedade, pequenos delitos, condutas masoquistas ou auto-punitivas, conflitos com os pais e irmãos, onde prepondera a angústia por sua identidade e identificações. Depende fundamentalmente do trilhamento do Complexo de Édipo a maneira pela qual o adolescente poderá enfrentar os desafios deste momento conflituoso do estabelecimento da subjetividade.
5 – Por esta estrutura de acertamento se explica, assim, a resoluta tendência ao agir, de não pensar duas vezes, já que se sabe – apesar de se negar – que o sentido é a posteriori (Sá-Carneiro). Entendido o ato infracional como (possível) sintoma de que algo não está acertado subjetivamente, desde que haja demanda, porque impor é violador da ética do desejo e não se sustenta no Estado Democrático de Direito de cariz garantista, pode-se, caso-a-caso, constuir-se caminhos que demandam a participação dos agentes envolvidos, especificamente o adolescente, os pais e a sociedade. Caso não haja demanda, sem eufemismos, é puro ato de poder, já que o fundamento da medida socioeducativa é agnóstico (Carvalho). Neste sentido, deve-se acreditar em novas formas de engajamento ao laço social. Porque se isto não ocorrer, na seara da infância e juventude, entrega-se o bilhete da imputabilidade, deixando-o à mercê do sistema penal.
6 – Desde a mirada da Criminologia Crítica, Cirino dos Santos aprofunda o questionamento e destaca que o "desvio" pode fazer parte de sua construção subjetiva, descabendo a intervenção estatal, principalmente nos casos de bagatela e pequenas questões comportamentais. Assim é que a (dita) agressividade não significa sempre a dita ‘delinqüência’, mas um momento da vida do sujeito. Sujeito este adolescente, protagonista de um momento de passagem, sem ritos sociais de apoio, lançado aos seus próprios mitos, na eterna tentação de existir, se constituir como sujeito, numa sociedade complexa. Rejeitando-se, pois, os discursos positivistas fáceis e fascistas, deve-se buscar entender este possível movimento agressivo como o sintoma de que algo não vai bem e buscar construir um caminho com o outro e o Outro. Sem esperança, a agressividade é mais que esperada, mormente diante das condições sociais dos sujeitos frequentadores das Varas Criminais e da Infância e Juventude: a pobreza. Percebe-se, assim, que a estrutura psíquica condiciona o sujeito nas suas relações com o meio, constituindo-se a adolescência, no caso do ato infracional, uma possibilidade de intervenção em Nome-do-Pai, na perspectiva de trazer o adolescente para o laço social, sabendo-se, ademais, que a maneira como será significada depende de cada singularidade do sujeito adolescente, sem que haja, portanto, uma regra universal de ouro.
7 – De qualquer forma, a resposta estatal brasileira em face da verificação de um ato infracional é a aplicação de uma medida socioeducativa (advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação). A postura adotada, de regra, todavia, é a de salvação moral-comportamental dos adolescentes, via "conserto" de sua subjetividade. Busca-se, na grande maioria dos casos, movimentar o aparelho de controle social com a finalidade de "normatizar" o adolescente, o desconsiderando como sujeito para o tornar objeto de atuação.
8 – Assim é que após a queda, isto é, o ato infracional, organiza-se, assim, uma cruzada pela salvação moral do adolescente. Longe de buscar estabelecer um limite, como substituto paterno, a função materna acaba sendo incorporada pela Justiça da Infância de Juventude brasileira. Assim, lotados de boas intenções, claro, o juiz, o promotor de justiça, os advogados, a equipe interprofissional, todos, de regra, buscam agarrar o cajado e indicar o caminho da redenção ortopedicamente. Desconsidera-se, imaginariamente, que a adolescência é o momento do reencontro sempre traumático com o real do sexo, do desligamento dos pais, do conflito de gerações, num mundo em que impera a ausência de limites, naquilo que Melman denomina "Nova Economia Psíquica", ou seja, em que, sem Lei, gozar do objeto passa a ser o padrão social de atuação. Em um mundo de satisfação plena, felicidade eterna, cuja maior dificuldade é "ser humano", possuir angústia, o ato infracional pode significar a pretensão de existir do adolescente. Pode ser o sintoma de que ali, no ato, o sujeito procurar resistir ou se fazer ver. A questão se agrava, de fato, no Brasil, porque, à extragrande maioria, as condições mínimas de subsistência não existem e, o agir, muito mais tranqüilo para os adolescentes, é fomentado pelo laço social frágil, cada vez mais horizontalizado, no qual o Estado, que ainda exercia alguma função paterna, resta aniquilado pelo levante neoliberal.
9 – Esta sustentação do lugar adolescente, então, pode ser o indicativo de que o sujeito resiste. Evidentemente que demanda uma compreensão em sua singularidade. De qualquer forma, pode significar pelo menos duas vias: 1) a pretensão de gozar do objeto sem limites, conforme indicado por Melman e Lebrun, a saber, numa estrutura perversa; 2) a resistência à estrutura que lhe determina gozar sem limites. No primeiro caso, o laço social encontra-se, de regra, frouxo, livre, próprio do "Homem sem Gravidade", na mais ampla perversão, entregue ao consumo compulsivo do objeto indicado – pela propaganda que sorri – na pretensão sempre falha de se completar. No segundo caso, contra tudo e todos, o sujeito busca um limite. Talvez encontre um substituto paterno interditando, se tiver sorte, como aponta Legendre com o cabo Lortie.
10 – Entretanto, independentemente do que busca, na estrutura dos Juízos da Infância e Juventude brasileiros acaba encontrando uma maternagem sem limites. Entenda-se que neste aspecto, longe de se buscar ouvir o adolescente, apontar um limite que não se pode transpassar, acontece um acolhimento deste na condição de vítima, com direito à exclusão de responsabilidade. E sem a responsabilidade de seus atos pouco resta a fazer para que sustente um lugar. É que o desconsiderando como sujeito de seu próprio futuro e sem responsabilidade pelo acontecido, a posição da Justiça é a de chancelar o excesso.
11 – A medida socioeducativa, ou seja, a resposta estatal brasileira, ao promover uma finalidade pedagógica, fomenta a normatização e a disciplina (Foucault), no que pode ser chamado de "McDonaldização" das medidas socioeducativas, a saber, por propostas padrões que desconsideram, por óbvio, o sujeito e, especialmente, a existência de demanda, para em nome da salvação moral, do bem do adolescente, proceder-se ao fomento de sua desubjetivação. De regra, impõe-se tratamento, educação, disciplina, independentemente do sujeito, então objetificado. Logo, sem ética. Na maternagem ilimitada e, muitas vezes, perversa, ao se buscar imaginariamente o sujeito, culmina-se com o afogamento de qualquer resto de sujeito que pretenda se constituir. Assim é que o estabelecimento de engajamento ao laço social exige, primeiro, que o sujeito enuncie seu discurso, situação intolerada pelo modelo fascista aplicado no Brasil. Sabe-se, com efeito, que qualquer postura democrática não pode pretender melhorar, piorar, modificar o sujeito, como bem demonstra Ferrajoli. Caso contrário, ocupará sempre o lugar do Outro, do canalha.
12 – Portanto, no Brasil, qualquer pretensão pedagógica-ortopédica será sempre charlatã, de boa ou má fé. Resta a nós, no limite do possível eticamente, contra o senso comum social, respeitar o sujeito e com ele, se houver demanda, construir um caminho, sempre impondo sua responsabilidade pelo ato e o relembrando, ou mesmo advertindo, de que existe algo de impossível, algo que se não pode gozar. Nem nós, nem eles. A cruzada pela salvação moral é estranha à democracia, como o inconsciente o é do orgulhoso cidadão da Modernidade. Senão, como diz Agostinho Ramalho Marques Neto, quem salva os adolescentes da bondade dos bons? Neste mundo sem limites, sem gravidade (Melman), cabe indagar nosso desejo de continuar, e encontrarmos um caminho singular pelo Direito, o qual tem se tornado um instrumento da satisfação perversa do objeto. Não para tornar o adolescente mais feliz, sob pena de se cair na armadilha do discurso social padrão, mas de resistir apontando o impossível. Este é o desafio: articular ética e singularmente os limites, num mundo sem limites, pelo menos, em países do terceiro mundo, como o Brasil, àqueles que os não encontram na realidade da miséria.
13 – Assim é que seguindo Agamben é necessário se buscar parar esta máquina, para que os adolescentes não se transformem – mais ainda – na figura do "musulmán" de Auschwitz retratada por Agambem. Embalados pela necessidade de conter a escalada de atos infracionais, ou seja, a estrutura cria a exclusão e depois sorri propondo a exclusão novamente, via sistema infracional, e os excelentes funcionários públicos nefelibatas – tal qual Eichmann –, na melhor expressão Kantiana, cumprem suas funções, sem limites. Existe uma co-responsabilidade social, da qual somente se pode tangenciar – como de costume – cinicamente. Para estes, no interesse do adolescente, há necessidade derruba qualquer barreira processual, pois, seguindo Agambem, a necessidade não tem lei, isto é, não reconhece qualquer lei limitadora, criando sua própria lei. A construção fomentada e artificial de um estado de risco faz com o que o discurso se autorize, em face das ditas necessidades, a suspender o Estado Democrático de Direito, promovendo uma incisão de emergência e total.

8 comentários:

  1. Ah esse 13... pimenta, que aguça o paladar! Água, por favor, tenho sede!
    ;))

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Excelente e reflexivo texto.
    Entendo que boa parte desta” maternagem” oficial, sem dúvida, ainda é fruto de um “menorismo” e de uma antipatia à interdisciplinaridade que ainda se encontram por aí.
    Ela pode estar em toda a parte, inclusive na nomenclatura do próprio Conselho Tutelar...
    Por vezes uma “reparação de dano” bem aplicada como medida socioeducativa pode ser um processo de (re) construção do sujeito, de atribuição de sentido, enfim, uma possibilidade de persuasão para evitar novo conflito com a lei muito mais relevante e eficiente do que a sistemática de se apostar em programas e programas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, como se a estruturação destes numa rede de atendimento fosse panacéia para todos os males.
    No “acertamento subjetivo”, por mais que a estrutura e o contexto de inserção de cada adolescente enquanto “ser-aí” seja relevante (e a questão familiar desempenha função fundamental), apostar no sujeito e no desenvolvimento de sua subjetividade com autonomia e responsabilidade, de fato, deve ser o melhor caminho.
    Resgatar auto-estima e recuperar valores internos escondidos pode ser muito mais eficaz do que insistir na transmissão de algo que não repercute com determinada individualidade ou mesmo história de vida.
    Tal como Paulo Freire fez na sua pedagogia da autonomia, mostrando que o ensino e o aprendizado é uma via de mão dupla, talvez falte a muitos operadores da Justiça da Infância e Juventude reflexão crítica e humildade que sobra para Alexandre Morais da Rosa em reconhecer que cada adolescente em conflito com a lei precisa ser um aprendizado (e aí a psicanálise pode desempenhar papel fundamental abrindo o porão do inconsciente).
    Afinal, como também aprendi com Alexandre Morais da Rosa, pasmem todos, vamos repetir mais uma vez: o adolescente é, sim, sujeito de direito...

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  4. Chute fulminante NO ANGULO, como SEMPRE!

    Resta saber se existe realmente um link "evidente" assim, do cumprimento das Medidas com o 'agnosticismo' a moda Zaffa/Salo.

    Sei nao...o proprio conceito de "Protecao Integral" (uma das melhores - ...ou MENOS PIORES - coisas que temos NA MANGA para combater os discursos excludentes e fascistoides) me parece BASTANTE conectada a doutrina "normalizante" de educar para transformar ('e quem me salva?...')

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  5. Sem comentarios...O senhor é o maximo...
    Privilegio nosso poder compartilhar de vossa inteligencia, bom senso e sabedoria.
    Jaqueline

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  6. Muito interessante sua visão...abriu meu horizontes mentais...

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  7. Estou tentando concluir minha monografia...sua visão abril meus horizontes...obrigado!!!

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  8. Nós Agentes de Segurança socioeducativo de Minas Gerais estamos enviando o endereço de nosso blog que é uma de nossas ferramentas de luta para valorização dos servidores e de todo o sistema socioeducativo de Minas e do País.
    www.agentesocioeducativo.blogspot.com
    Mandamos um forte abraço.

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