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23/03/2010

Interceptação Telefônica - arquivamento e ciência do escutado


Concordo com a posição do colega João Marcos Buch. Passarei a adotar.


xxxxxxx

Autos n.

Interceptação Telefônica/Indiciário

Requerente: Central de Plantão Policial





VISTOS ...

Trata-se de incidente de interceptação telefônica ajuizado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em detrimento dos investigados SMG e JAF.


Justificou, em síntese, que o deferimento da prova afigurava-se essencial para apuração de eventuais crimes contra o patrimônio.


Conclusos os autos, foi a representação deferida. Ulteriormente juntado pedido de prorrogação, igualmente foi deferido.


Procedidas as diligências respectivas, ante a anemia de provas colhidas, pugnou o Ministério Público pelo arquivamento do feito em relação ao investigado J e ofereceu denúncia contra o investigado S, em parecer lavrado sob os auspícios da Promotora de Justiça, porém rejeitada, com o respectivo trânsito em julgado.

É o relato.

Antes de determinar o arquivamente do feito, imprescindível a intimação para ciência dos autos dos investigados que tiveram suas comunicações telefônicas interceptadas.


O sigilo telefônico, conforme expresso dispostivo Constitucional, é direito fundamental do indivíduo, dele não se podendo dispor, somente sendo passível de restrição por ordem judicial, nos casos de investigação criminal ou instrução processual penal. É o que se encontra erigido no art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal.


Lembrado isto, importa ainda não se descurar para o fato de igualmente se constituir como direito fundamental de toda e qualquer pessoa o devido processo legal (art.5º, LIII, da CF), do qual decorrem vários outros, dentre os quais o do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV), bem como a inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV) em apreciar eventuais lesões ou ameaças a direitos.


Vale dizer, o devido processo legal, o verdadeiro contraditório e ampla defesa somente podem ser efetivamente exercidos em havendo a prévia ciência da imputação deflagrada, sob pena de se restringir a eficácia dos direitos fundamentos à uma envergadura meramente formal, sem qualquer aplicação fática.


É claro que em sede de inquérito policial, bem como em investigações presididas pelo Ministério Público, o procedimento não é o acusatório, mas sim o inquisitorial, onde o contraditório e a ampla defesa são mitigados. Mas de uma forma ou de outra devido processo legal há e, na medida em que nesta fase houver restrição judicial a algum direito, como o da inviolabilidade das comunicações telefônicas, pelos mesmos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, por óbvio o direito à informação e acesso aos autos pelo investigado resta consolidado.

Não é razoável submeter uma pessoa à violação de sua privacidade e de suas comunicações telefônicas e, após vários atos investigatórios, constatada a ausência de ilicitude, simplesmente mandar arquivar os autos sem que esta mesma pessoa disso tome conhecimento. Seria como se a ficção de George Orwell (1984) se realizasse em sua plenitude no mundo fático.


Sobre o tema, defendendo o contraditório inclusive na fase inquisitorial, assim leciona Rogério Lauria Tucci. in verbis:

"De um modo geral, entendem os processualistas que a tutela judicial eficaz de um direito subjetivo material 'reclama, sempre, a necessidade de informação, consoante as formas traçadas pelas normas processuais, ao titular da antagônica situação, abrangida pela relação jurídica cuja definição é solicitada a agente do Poder Judiciário – juiz ou tribunal'.

"Assim também que essa exigência se concretiza, normalmente, quando o sujeito passivo é informado do aforamento da ação, tomando conhecimento do teor da postulação, a fim de que possa, no tempo e na forma em lei previstos, preparar sua atuação defensiva; isto é, por ocasião da citação válida, cuja finalidade precípua se diversifica em três aspectos, a saber: a) informação sobre o conteúdo do ato introdutório do processo; b) incitação do citando para comparecimento em juízo; e, c) propiciação de atuação judicial pertinente à respectiva defesa, em contradição com as alegações do peticionário.

"(...)

"Isso esclarecido, bem é de ver, outrossim, que, embora generalizados, em princípio, distintos exsurgem tanto os efeitos da citação, como, especialmente, a essencialidade do direito à informação, no processo penal.

"Realmente, no processo extrapenal, particularmente no processo civil, delineia-se satisfatória, com a citação inicial válida, a possibilidade de contraditório; até porque o réu, instado a comparecer e atuar, não tem o dever, mas, apenas, o ônus de defender-se, podendo, consequentemente, o procedimento tramitar à sua inteira revelia.

"(...)

"No processo penal, todavia, o indivíduo tem direito à informação desde o início da persecutio criminis, como apregoa enfaticamente, até a moderna doutrina processual penal.

"(...)

"Atrelado a ela, o legislador constituinte brasileiro, com a proclamada liberalidade na afirmação dos direitos fundamentais, quer individuais, quer sociais, determinou-o, como visto, com todas as letras, ao assegurar aos "acusados em geral" a "ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (cf. o preceituado no já transcrito inc. LV do art. 5.°).

"E essa defesa, segundo precisa observação de José Cretella Júnior, reportando-se ao magistério de Pontes de Miranda, "é a defesa em há acusado; portanto, a defesa em processo penal, ou em processo fscal-penal, ou administrativo, ou policial".

"E Pontes de Miranda, por sua vez, já intuía, com a sempre louvada genialidade, que a determinação da contraditoriedade da instrução criminal, em nível constitucional, afasta 'qualquer possibilidade de expedientes inquisitoriais, com as características de opressão e conseqüentes parcialidades ou arbitrariedades. Seja judicial, seja judicialiforme, ou perante o juiz, ou perante a polícia, ou perante as autoridades administrativas, a instrução criminal tem de ser, por força da Constituição, contraditória'.

"(...)

"É o que temos repetidamente afirmado, sobrelevando que 'o direito deste à contradiotriedade real assume a natureza de indisponível, dada, precipuamente, a indisponibilidade dos interesse em conflito, de sorte a apresentar-se como autêntica expressão de sua liberdade jurídica, a saber: conferindo-se ao acusado o direito à jurisdição penal, exercido por meio de uma processo no qual se lhe assegure ampla defesa, sobretudo em razão de atividade marcantemente contraditória, efetivada por órgão técnico -, define-se a respectiva defesa como expressão da liberdade jurídica, inerente ao seu status libertatis e, mais especificamente, ao ius litertatis" (in: Direito e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.177-183)(sublinhou-se).


Disso tudo conclui-se, mais uma vez, que o mero arquivamento deste incidente, sem a ciência dos investigados, importaria em veemente cerceamento do direito à informação, sucedâneo do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Ad argumentandum tantum observe-se que o próprio art.9º, parágrafo único, da Lei n.9.296/96, faculta a presença do acusado ou de seu representante legal no que diz respeito à inutilização de gravação que não interessar à prova.


Ex positis

:
I-se a acusação sobre esta decisão e após os investigados S.M.G. e J.A.F. sobre este incidente. Caso estejam em local incerto e não sabido, prejudicadas as intimações. Após, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.


Em, 22.03.2010.




JOÃO MARCOS BUCH

Juiz de Direito


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Sugestão de projeto de Lei
LEI N. .../10

Acrescenta o artigo 8º-A na Lei n.9.296/96, que dispõe sobre interceptação telefônica.



O Presidente da República

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o A Lei n.9.296 de 24 de julho de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte art.8º-A:

"Art.8°-A: Requerendo o Ministério Público o arquivamento do inquérito policial cujos autos da interceptação telefônica devem ser apensados, o juiz somente poderá assim determinar mediante prévia intimação do investigado, identificado e com endereço certo, que teve suas comunicações telefônicas interceptadas."

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, .../..../ 2010; 189o da Independência e 120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA



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JUSTIFICATIVA

A Constituição Federal estabelece a inviolabilidade das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial (art.5º, XII). Para tanto o legislador disciplinou as hipóteses de exceção ao sigilo, pela edição da Lei n.9.296/96. Assim é que a edição da lei específica e a obtenção de provas por esta via, com prévia autorização judicial, ceifaram qualquer dúvida que pudesse pairar sobre a licitude do procedimento. Ou seja, uma vez ponderados os fatos e direitos, é possível restringir o direito à inviolabilidade das comunicações telefônicas.

Já segundo veiculado no site da Revista Consultor Jurídico, de 24 de abril de 2008 (conjur.estadao.com.br), em artigo de Aline Pinheiro, dados do Conselho Superior de Direito da Fecomércio/SP, em 2007, em números teóricos, apontam que foram autorizadas pela Justiça 409 mil escutas telefônicas. De acordo ainda com o artigo, o advogado Ives Gandra da Silva Martins, presidente do conselho, acredita que nem 10% das interceptações virou ação penal.

Ora, é comum acontecerem interceptações telefônicas, legalmente necessárias e deferidas, que a nada levam. A autoridade policial conclui o trabalho de investigação e não descobre o que precisava. Encaminhados os autos do inquérito policial à Justiça, apensados aos autos da interceptação antes deferida, seguem ao Ministério Público que, face à ausência de justa causa, requer o arquivamento. E o juiz, concordando, manda os autos para o arquivo. Até ai não há problema ou irregularidade.

O problema está, e os dados trazidos pela Fecomércio comprovam, na idéia generalizada de que tudo se descobre e se desvenda com grampos telefônicos.

É preciso reconhecer que esta medida no Brasil está sendo usada de forma indiscriminada. E algo precisa ser feito.

Mas ponderar direitos em conflito é tarefa árdua. Não é fácil se produzir legislação e decisões judiciais eficazes no combate à criminalidade organizada, às redes de lavagem de dinheiro e de crimes contra a administração pública, sem prejudicar e desrespeitar direitos e garantias individuais. Mas é possível!

No caso das interceptações telefônicas, uma forma de estancar o uso exagerado seria através da edição de norma pelo legislador que determinasse, com todas as letras, que o arquivamento pela Justiça do inquérito policial que originou a interceptação, e a ela obrigatoriamente foi apensado, dependa da prévia intimação daqueles investigados identificados e com endereço certo.

Cientes de que eventuais abusos chegariam ao conhecimento dos indivíduos e o Estado poderia sofrer um revés de ações indenizatórias, as autoridades passariam a restringir o uso do grampo.

Em princípio, sequer lei a respeito precisaria haver, pois os princípios constitucionais já apontam este caminho, que devia ser tomado como regra.

O sigilo telefônico, conforme inicialmente salientado, é direito fundamental do indivíduo, dele não se podendo dispor, somente sendo passível de restrição por ordem judicial, nos casos de investigação criminal ou instrução processual penal.

Lembrado isto, importa não se descurar para o fato de igualmente se constituir como direito fundamental de toda e qualquer pessoa o devido processo legal (art.5º, LIII, da CF), do qual decorrem vários outros, dentre os quais o do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV), bem como a inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV) em apreciar eventuais lesões ou ameaças a direitos.

Vale dizer, o devido processo legal, o verdadeiro contraditório e ampla defesa somente podem ser efetivamente exercidos em havendo a prévia ciência da imputação deflagrada, sob pena de se restringir a eficácia dos direitos fundamentos à uma envergadura meramente formal, sem qualquer aplicação fática.

É claro que em sede de inquérito policial, o procedimento não é o acusatório, mas sim o inquisitorial, onde o contraditório e a ampla defesa são mitigados. Mas de uma forma ou de outra devido processo legal há e, na medida em que nesta fase houver restrição judicial a algum direito, como o da inviolabilidade das comunicações telefônicas, pelos mesmos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, por óbvio o direito à informação e acesso aos autos pelo investigado resta consolidado.

Sobre o tema, defendendo o contraditório inclusive na fase inquisitorial, assim leciona Rogério Lauria Tucci. in verbis:

"De um modo geral, entendem os processualistas que a tutela judicial eficaz de um direito subjetivo material 'reclama, sempre, a necessidade de informação, consoante as formas traçadas pelas normas processuais, ao titular da antagônica situação, abrangida pela relação jurídica cuja definição é solicitada a agente do Poder Judiciário – juiz ou tribunal'.

"(...)No processo penal, todavia, o indivíduo tem direito à informação desde o início da persecutio criminis, como apregoa enfaticamente, até a moderna doutrina processual penal.

"(...)Atrelado a ela, o legislador constituinte brasileiro, com a proclamada liberalidade na afirmação dos direitos fundamentais, quer individuais, quer sociais, determinou-o, como visto, com todas as letras, ao assegurar aos "acusados em geral" a "ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (cf. o preceituado no já transcrito inc. LV do art. 5.°).

"E essa defesa, segundo precisa observação de José Cretella Júnior, reportando-se ao magistério de Pontes de Miranda, "é a defesa em há acusado; portanto, a defesa em processo penal, ou em processo fiscal-penal, ou administrativo, ou policial" (in: Direito e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.177-183).

Observe-se ainda que o próprio art.9º, parágrafo único, da Lei n.9.296/96, faculta a presença do acusado ou de seu representante legal no que diz respeito à inutilização de gravação que não interessar à prova.

Disso tudo conclui-se que o mero arquivamento dos autos do inquérito policial com a interceptação telefônica, sem a ciência dos investigados identificados e com endereço certo, importa em veemente cerceamento do direito à informação, sucedâneo do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Não é razoável submeter indivíduos à violação de sua privacidade e de suas comunicações telefônicas e, após vários atos investigatórios, constatada a ausência de ilicitude, simplesmente mandar arquivar os autos sem que estes mesmos indivíduos disso tomem conhecimento. Seria como se a ficção de George Orwell (1984) se realizasse em sua plenitude no mundo fático.

Com efeito, se os comandos constitucionais fossem seguidos, reforçados por lei que determinasse claramente que antes do arquivamento dos autos todos aqueles identificados e que tiveram seus terminais telefônicos submetidos à interceptação fossem intimados para conhecimento, podendo assim avaliar possível demanda indenizatória, este mecanismo seria usado com maior prudência e em menor número.

João Marcos Buch

Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville/SC

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