Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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29/07/2012

Livro: Qual é o jogo do processo? L. A. Becker. Fiz o prefácio

Caros: Segue o link para aquisição do livro "Qual é o jogo do processo?" de L. A. Becker. Um texto fenomenal e sem as amarras da academia. Conjuga teoria séria com sacadas fantásticas. Recomendo. Muito.


http://www.livrariafabris.com.br/site/produtoDetalhe.asp?idProduto=5254&idProdutoGrupo=7&idProdutoSubGrupo=0

Segue o prefácio que fiz ao livro:

Prefácio

 

Giorgio Agamben, em Profanaciones, afirma que: "Los latinos llamaban Genius al dios al que viene confiada a tutela de cada homble en el momento de su nacimento. La etimología es transparente y todavía es visible en nuestra lengua en la proximidad entre genio y generar o engendrar. Por otra parte, el hecho de que Genius estuviera relacionado con el engendramiento se hace evidente cuando vemos que, para los latinos, el objeto ´genial´ por excelencia era la cama: genialis lectus, porque en él se lleva a cabo el acto del engendramiento. El día del nascimento era sagrado para Genius, y por eso nosotros lo llamamos gentlíaco. Los regalos y los banquetes con los que celebramos el cumpleaños son, a pesar del odioso y ya inevitable estribillo anglosajón, um recuerdo de la fiesta y de los sacrificios que las familias romanas ofrecían al Genius en el natalicio de sus miembros. Horacio habla de vino puro, de un cerdito de dos meses, de um cordero ´inmolado´, es decir rociado con la salsa para el sacrificio. Pero parece que, en el origen, no había más que incenso, vino y deliciosos panes con miel, porque a Genius, el dios que preside el nascimento, no le gustaban los sacrificios sangrientos."

L. A. Becker é daqueles sujeitos que a vida nos apresenta e, de alguma forma, não se sabe como, acontece uma amizade. Por certo que a internet propiciou troca de mails e discussões que não poderiam ser travadas pessoalmente. Nesses longos anos de amizade, de troca, talvez tenhamos nos visto umas três vezes. A distância e o lugar de cada um, todavia, fez surgir embate que fez e faz pensar! Não é o caso de dizer sobre o conteúdo do livro, dado que o prefácio não deveria servir como resumo. Quem desejar, se desejo houver, deve ir ao livro que segue. O que importa dizer é que o autor convive com seu Genius de maneira tormentosa. Uma ambivalência própria de poucos, os quais trabalham consigo em face de uma dívida, cuja quitação simbólica, todavia, não pode acontecer. Ainda assim se arriscam em viver e perder. A publicação desse livro é contemporânea de uma perda; a perda da titular de uma dívida. Representa, ao meu ver, acerto de contas com quem não pode mais dar quitação, mas pode, do seu lugar, chancelar o reaparecimento do autor. Não sei o efeito da publicação no desejo do autor. O que posso atestar é que o extravassamento dos papéis guardados demonstram que o arquivo existe e precisa ser visto.


Isso porque o sujeito, clivado, por sorte, entra em cena quando enuncia o discurso que emerge do contato com o texto. Este contato, por sua vez, varia conforme os humores do dia. Claro. O que o texto desperta é algo que joga com a estrutura do sujeito leitor, da qual ele, de fato, pouco sabe. Por isto a leitura não pode ser objetiva justamente porque existe (ou deveria existir) um sujeito implicado no texto e na leitura, sem que o emissor da mensagem, como autor, possa segurar o sentido, sempre singular, que dele advém. E podem ser muitos. Democraticamente. Joga-se com o texto e o sujeito, sendo que o deslizar do significante mostrado está para além do que o significado pode cercar. Os mecanismos que são chamados a compor o sentido não podem ser garantidos por qualquer metalinguagem, salvo imaginariamente. Resultado é que mesmo que o autor do texto represente algo em sua mente, o leitor não está compromissado com isto. Até porque, sabe-se, que se diz onde não se diz, ou seja, existe uma gama significante no silêncio, aponta Orlandi. Como a psicanálise busca ouvir o inconsciente, onde ele escapa, as pretensões epistemológicas são o que sempre foram: ficções garantidas pelo eu. E o eu é da periferia, diz Agostinho Ramalho. No sentido, o leitor está implicado por sua fantasia nuclear, pelos restos do complexo de Édipo, enfim, sem sujeitos universais. A empulhação universal da leitura objetiva desconsidera a singularidade e que cada resposta ao texto será única, de acordo com as necessidades, defesas (in)conscientes e valores, no tempo e espaço. Nela se joga com a identificação, projeção, introjeção, transferência, etc... Sem certezas definitivas. A cadeia de significantes não se inicia com o texto. O leitor, o autor, as condições, intervém no sentido. O sujeito precisa se acomodar com o que quer ver e o que pode ver, porque o seu desejo, sujeitado ao desejo do Outro, afeta mais o sentido do que o orgulhoso sujeito da modernidade pode aceitar. Norman Holland chama isto de "leitura transativa", na qual o enigma de cada interpretação individual joga com a singularidade e os fantasmas, defesas e fantasias próprias do leitor.


Escreve-se para dar sentido ao mundo vivido (Ernildo Stein), quer na decisão, quer nas pretensões de validade. Parece que pouco mais resta do que isso. Não é pouco, todavia. Poder dizer o que não se pode, eis a angústia. Só que a mensagem, exprimível no Simbólico, nunca diz, por impossível, o Real, que escapa. Ao nominar, dizia Lacan, fundamentado, dentre outros, em Wittgenstein, se vela. O desvelar se produz, no limite do possível, num diálogo intermitente do sujeito com o outro e o Outro (Lacan). Desde o giro linguístico, plenamente acolhido nesta comunicação, a interpretação não pode ser mais vista de forma objetiva, apesar de ser sedutora a hipótese, dado que permaneceria no registro do Imaginário. Na perspectiva democrática os acordo intersubjetivos são importantes, sem que se caia, por evidente, nos universalismos ilusórios habermasianos. Para além do assentimento sincero, existem mecanismos inconscientes que roubam a cena, conforme deixa evidenciada a psicanálise. Por isso procedem as críticas de Bento Prado Jr. acerca do projeto habermasiano, no sentido de que a leitura da psicanálise a partir da psicologia do eu efetuada por Habermas, renegou o silêncio e o inconsciente na formulação do consenso intersubjetivo. De maneira que o inasfastável buraco é de ser apontado com Agostinho Ramalho: "Há essa dimensão que ultrapassa tudo aquilo que o sujeito pode pôr de intencionalidade no seu discurso. O inconsciente é uma referência a esse ultrapassamento, a isso que está para além do discurso. Toda a fala é acompanhada de um cortejo de silêncios, que tem uma enorme eloqüência. O que não se diz é frequentemente mais significativo do que o que se diz."


O perigo da interpretação objetiva é reputar que o não-dito desimporta. Pelo contrário. A leitura cruzada com a Psicanálise sabe da importância das reticências... A linguagem é da ordem do não-todo. Provém do Real, de impossível acesso. Nesta angústia de dizer o todo, de bom grado, a Literatura é um coadjuvante importante. Não para psicanalizar o autor e muito menos para se detectar um ilusório inconsciente do leitor, no caso, as partes e seus procuradores. Toda leitura é individual, articulada no tempo, espaço e, sempre, deslizando entre os significantes que não seguram. A Verdade verdadeira, a verdade que se esconde por detrás do texto, herança da Filosofia da Consciência, não se sustenta após o giro lingüístico. Desde então, salvo para os mais felizes, o sujeito encontra-se na e pela linguagem (Lenio Streck). Desta falta como significante um é que emerge o sujeito, na hiância do possível. O feliz para sempre é impossível. Até porque o paraíso está perdido, graças a Deus. Nesta busca por sentido, o sujeito está perseguindo seu objeto a (Lacan), que permite, se houver desejo, flanar pela existência em busca de suas paixões. Na ânsia de ir ao encontro do que se perdeu, por sorte. Este sujeito dividido pela linguagem pode escrever para buscar tocar a borda do Real. Nesse movimento, por certo, o que enuncia significa, para o outro, algo que não pode segurar, nem garantir.


O significante, sem meta-linguagem, propicia o desvio da pretensa objetividade, rumando o sentido. Desta forma, o ator jurídico participa da leitura, indicando pretensões de validade, restringindo o uso de significantes, enfim, atuando no processo. A busca de prazer, então, pode funcionar no julgamento cobrando dívidas e, a adoção de uma postura inquisitória e paranóica pode ser uma estratégia para reduzir as ansiedades ocasionadas pelos conflitos internos, mediando desejo, culpa e realidade. Cada decisão joga, via exceção soberana (Agamben), com o mito pessoal dos enleados, sendo uma construção discursiva em que a subjetividade do julgador desempenha um papel fundamental, mesmo que alienado de sua responsabilidade ética e democrática. Como o sujeito evita o que não lhe dá prazer, para um justiceiro, será muito difícil absolver, pois imaginariamente estaria pecando com sua missão de perseguir o mal na terra (Gabriel Divan). E no processo seguinte: aqui vou eu outra vez cumprindo a missão de pastoreiro e salvação dos pecadores. As fantasias imaginárias se repetem, sabe-se, infinitamente, até porque não podem ser satisfeitas.

De toda sorte, cabe anotar que quando Dworkin defende a visão literária, a saber, de se entender a partir da metáfora do "romance em cadeia" (Vera Chueiri, Marcelo Cattoni), no qual a liberdade é condicionada à trama pressionada pela tradição institucional que o constrange simbolicamente, há um ganho democrático que deve ser levado em consideração. Isto porque a construção da "resposta correta" (Dworkin), adequada constitucionalmente, como aponta Lenio Streck, é uma sofisticação no processo hermenêutico.


Mas tudo isso não se resolve com "Manuais". Há necessidade se de compreender a partir do horizonte de sentido que cada um possui, num diálogo com o seu Genius. Continua Agamben "Comprender la concepción del homble implícita en Genius significa entender que el hombre no es sólo Yo y conciencia individual, sino que, desde el nascimento hasta la muerte, convive además con un elemento impersonal y preindividual. El hombre es, por tanto, un ser único con dos fases, que resulta de la copleja dialéctica entre una parte no (todavía) individuada y vivida, y una parte ya marcada por la suerte y la experiencia individual. (...) Genius es quien rompe la pretensión de Yo de bastase a sí mismo. (...) Vivier con Genius significa, en ese sentido, vivir en la intimidad de un ser extraño, mantenerse constantemente em relación con una zona de no-conciencia." Esse texto de L. A. Becker pode ser lido como a tentativa do autor de lidar com o seu Genius. O fato de vir ao público, por si, representa acerto de contas de dívida impagável, com a qual temos que conviver.


Posso dizer, ao final, que faço parte do Genius com o qual o autor se debate e o mais estranho de mim mesmo se faz presente. A vida segue em romances em cadeia, cujo fim provoca novos e infinitos recomeços. Boa leitura.


 

Florianópolis, 2012.


 

Alexandre Morais da Rosa (Doutor em Direito – UFPR, Professor Adjunto da UFSC e Juiz de Direito - TJSC)

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