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08/04/2012

Justiçaemais Blog

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TERÇA-FEIRA, 21 DE FEVEREIRO DE 2012


Superlotação carcerária: proporcionalidade e necessidade da pena de prisão



A manchete desta terça-feira de carnaval na Folha de S. Paulo informa que “presos superam em 81% número de vagas em SP”.
Há quem insista em acreditar ou fazer que se acredite – muito embora, comumente, sem a apresentação de estudos e dados estatísticos a darem certa sustentação à tese – que tal dado reflete, simplesmente, uma suposta escalada da violência, de modo que seria natural que mais encarceramentos ocorram.
Para os que não se convencem por esta abordagem – ou ao menos estejam dispostos a refletir mais amplamente sobre o assunto –, cabe, em primeiro lugar, analisar a razão de ser da pena de prisão.
Permitindo-me simplificar a abordagem, pois não se pretende produzir um texto doutrinário, podemos identificar claramente na pena de prisão uma (principal) função de prevenção. Tal como outras penas, a prisão serviria como fator de desestímulo para o potencial criminoso.
Pois bem. Mas fora o fato de que é razoável supor que boa parte dos crimes é cometida sem que o agente faça um cálculo mental no sentido de analisar se vale a pena ou não praticá-los, tem-se que as outras sanções penais também são capazes de propiciar a tal função preventiva.
Se a pena de prisão é algo que, na prática, tem se mostrado extremamente custosa ao Estado (conforme a reportagem da Folha o valor de uma vaga nova em um presídio supera a metade do que se gasta para a construção de toda uma casa popular), proporciona ao apenado apenas mais distanciamento dos valores mais caros ao convívio social, não oferece concretas oportunidades de (re)construção da vida do condenado, sem falar nas condições degradantes que impõe, é certo que deve ser reservada apenas para casos mais graves – a princípio àqueles que não teriam satisfeita a função preventiva com outras sanções.
E quais seriam tais casos?
Eis que chegamos ao cerne da questão que se coloca nestas breves linhas.
Conforme o padre coordenador nacional da Pastoral Carcerária, Valdir João Silveira, bem como também “entidades de direitos humanos” (como consta na reportagem em questão), “boa parte dos presos do complexo prisional [de Pinheiros, em São Paulo Capital] (...) ‘são acusados de pequenos crimes ligados ao tráfico de drogas, muitos deles vieram da cracolândia’”.
Centrando nossas atenções no delito de tráfico é possível desenvolver uma pequena análise da questão prisional como um todo e, respondendo à pergunta formulada acima, chegaremos à conclusão de que o tráfico, na modalidade que ocupa o cotidiano forense majoritariamente, não seria um daqueles delitos em relação aos quais a pena de prisão se justificaria.
A pena de prisão, feitas as observações supra, deve ser reservada a delitos que indiquem, por sua gravidade, a necessidade de seus agentes serem mantidos afastados do convívio social por certo período. Com isso não se está transformando a pena de prisão em medida de segurança, mas sim reconhecendo nela a sua excepcionalidade e elegendo um critério racional para a sua aplicação. Assim, não basta que se entenda que a prática de tal ou qual delito não poderia ser prevenida por penas outras que não uma de gravidade ímpar – tal qual a prisão. É preciso mais. Deve-se analisar se a tal gravidade chega ao ponto de recomendar que o respectivo agente seja mantido segregado por certo tempo ou não.
Tomando o delito de tráfico como exemplo, é possível constatar na prática que, de fato, a prisão para aquela modalidade de tráfico comumente observada nas diversas realidades sociais brasileiras (a seguir designada de pequeno tráfico), desde grandes centros a pequenas localidades do Brasil profundo – pequenos “varejistas” que se iniciam na venda para sustentar o próprio consumo ou mesmo o traficante que, mesmo visando diretamente o lucro, atua na ponta da cadeia, de forma não articulada com um grande “gerente”, comercializando pequenas quantidades, sem contato, assim, com a corrupção policial, sem o uso de armas, violência ou outros meios de intimidação – não se justifica, conforme as razões a seguir expostas.
O aumento da pena de prisão para o tráfico parece não ter gerado um resultado positivo em relação à prevenção. A gravidade da pena é eficaz na contenção social – relativamente eficaz, melhor dizendo, já que não atua isoladamente de fatores éticos, morais e religiosos, por exemplo – até certo ponto, além do qual não se mantém a relação entre um maior rigor e uma maior prevenção. Tais grandezas se desconectam e o aumento – ou a gravidade – da pena apenas implica em um rigorismo ineficiente para o seu fim primeiro – fomentando, de outro lado, suas consequências indesejáveis (embrutecimento do ser humano, degradação da dignidade humana, altos custos, sensação de impunidade, dentre outras).
Levando-se em conta que o tráfico (isoladamente) não é cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, seria preciso buscar outras razões para se considerar sua prática fortemente condenável a ponto de se mostrar adequada e recomendável a pena de prisão – já que a proporcionalidade não basta, como visto, uma vez que a severidade da pena pode não se refletir na obtenção de bons índices de prevenção necessariamente.
Mas focando-se no pequeno tráfico, tem-se que não é possível identificar qualquer razão para se segregar temporariamente o seu agente. A uma porque a chamada “guerra contra o tráfico” é algo perdido. Nenhuma nação foi ou será capaz de controlar verdadeiramente o tráfico de drogas. Enquanto houver mercado consumidor, haverá indivíduos interessados em se arriscar para vender drogas, fazendo-se incidir, em certa medida, a mesma lógica do mercado financeiro neoliberal que foi capaz de alijar os mecanismos de controle do Estado de seu campo de atuação. E a duas porque, conforme será tratado em outra oportunidade, as eventuais consequências deletérias desta espécie de tráfico demandam a adesão daqueles que poderiam ser apontados como suas principais vítimas. E imputar ao pequeno traficante parcela da responsabilidade pelas condutas lesivas de grandes traficantes mostra-se ilegítimo, uma vez que se afastaria da responsabilização pessoal para colocar na conta daquele atos de terceiros.
Sendo assim, parece que está com parcial razão o secretário da Administração Penitenciária do governo de São Paulo, ouvido na reportagem de hoje na Folha. De fato, “não é possível imaginar que somente erguer novas prisões acabará com a superlotação nas atuais 150 prisões paulistas”.
Mas, de outro lado, também não será a realização de “forças tarefa” por parte do Judiciário, para a progressão de regime prisional, por exemplo, que efetivamente contribuirá para a solução do problema.
Também foi citada a Defensoria Pública como um importante ator neste cenário. Porém, a par de o Estado de São Paulo não ter ainda dotado tal importante instituição da capacidade necessária para o efetivo cumprimento de sua missão de prestar assistência jurídica aos necessitados (uma vez que seus membros são em número bastante reduzido), ela e o próprio Judiciário esbarram nas leis que insistem em prescrever a prisão como principal pena. Neste ponto, defendeu-se “‘a aplicação de mais penas alternativas também’”. Mas, para tanto, como se observou, cabe a atuação justamente do Legislativo em permitir que penas outras que não a prisão sejam aplicadas para delitos que, de fato, não dela necessitem.
No caso do tráfico – objeto exemplificativo desta abordagem – é fato que o Superior Tribunal de Justiça tem permitido a aplicação de regime inicial aberto e a própria substituição de pena no chamado tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da respectiva lei).
Porém, além de a imensa maioria dos juízes permanecer resistente em seguir tal posicionamento (o que reflete a inegável característica conservadora de tal Poder), tem-se que a possibilidade legal de aplicação do privilégio é ainda bastante restrita – mostrando-se, portanto, recomendável uma alteração legislativa em ambos os pontos.
De fato, se dado usuário já condenado pelo delito do art. 28 da respectiva lei – que é tido por constitucional pela maioria dos magistrados, nada obstante as severas críticas que se pode fazer quanto à criminalização de uma conduta autolesiva, conforme post de 21 de janeiro de 2012 – passa a vender pequena quantidade de droga (situação, como se sabe, bastante comum), não poderá beneficiar-se do citado tráfico privilegiado, ainda que enquadrável no conceito aqui firmado de pequeno tráfico.
Assim, sujeitar-se-á a uma pena (a ser cumprida em regimes efetivos de privação da liberdade) superior àquela que pode ser aplicada para um sujeito que comete um homicídio (simples), por exemplo.
Alguém que vende meia dúzia de pedras de crack por dia para sustentar seu vício acaba sendo segregado por mais tempo do que aquele que tira a vida de um ser humano!
O delito de tráfico, como se sabe, prevê a pena mínima (de prisão) de 5 anos (art. 33 da respectiva lei). A lei de crimes hediondos (que é aplicável ao tráfico) estipula que o reincidente somente pode progredir de regime (inicial fechado – por sinal) após o cumprimento de 3/5 da pena (art. 2º, § 2º). Assim, o pequeno traficante já anteriormente condenado pelo (porte para) uso deve ficar ao menos 3 (três!) anos preso em regime fechado (isso levando-se em conta uma compensação da agravante da reincidência com uma eventual atenuante), para somente então pleitear a progressão para o semiaberto. O homicida (simples) pode pegar pena de seis anos (art. 121, caput, do Código Penal), iniciando-a diretamente no semiaberto (art. 33 do mesmo diploma) – e já tendo a possibilidade de progressão para o aberto após um ano –, ou, sendo reincidente, iniciando-a no fechado, tendo a possibilidade de ficar, de todo modo, tempo significativamente inferior (efetivamente) segregado em relação ao pequeno traficante reincidente.
Ou seja, sem dúvida os operadores do direito têm um papel fundamental na questão carcerária. Mas o exemplo do delito de tráfico indica o quão deletéria (e ineficiente) pode se mostrar uma legislação penal do espetáculo, simbólica, focada num punitivismo exacerbado, desproporcional e ilógico. E também o quanto urge uma reforma ampla da legislação penal brasileira. Mas verdadeiramente focada na dignidade da pessoa humana e nos demais princípios constitucionais, respeitando-se a autodeterminação do indivíduo, sua liberdade, reservando-se a interferência do Estado e mais precisamente a do direito penal aos casos de real dano ou concreto perigo a bens jurídicos relevantes para o convívio social, não permitindo que vingue a mesma lógica aplicada à atual legislação de drogas – meramente tornando proporcionais as penas entre os delitos, “corrigindo-se” situações como a exemplificada acima simplesmente aumentado a reprimenda para crimes como o de homicídio simples, por exemplo –, sob pena de nos vermos obrigados a dar razão ao professor (e deputado) Diogo Fraga, de Tropa de Elite 2: em poucos anos estaremos todos encarcerados.

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