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17/05/2016
18/05/2014
Pfersmann, Otto, traduzido por Alexandre Pagliarini
Positivismo Jurídico e Justiça Constitucional No Século XXI - Série Idp de Pfersmann, Otto
Recomendo muito. Boa leiturahttp://www.livrariasaraiva.com.br/produto/7462507
02/04/2014
Diante do Livro, por Cyro Marcos da Silva
DIANTE DO LIVRO
Escrever . Eis aí o livro. Escrevi um livro? Não é bem assim. Fui escrevendo, escrevendo e...então, veio a ideia. Eu já tinha o corpo da escrita, da escritura, da escritur’ação do escrever, do rascunhar, do rabiscar letras e deixa-las vir. Por que então, não construir um outro corpo que fizesse o apanhado de tudo isto, um livro?
Se escrevo quando estou inspirado? Não sei o que é isto. Tenho uma leve idéia de que escrevo sim, é quando estou expirado, mortificado, acurralado por essa enxurrada de letras pululando que me pedem passagem e querem se derramar ou em tela ou em papel. Escrevo quando não acho outra saída civilizada. Escrevo para abrir alas às revoluções que embrulham num mesmo pacote, entrelaçam numa mesma trança, o corpo e o pensamento, digamos o corpo e a alma ou seja lá que nome se dê a isso. Ou melhor ainda, escrevo para dar nomes ao Isso que me acoça, que me pede passagem. Minha escrita, para mim, abre estrada, abre vereda para tecer amarrações ao que me pulsa, impulsa e repulsa. Minha relação com a minha escrita não é nada amistosa: eu não a domino, não marco lugar nem horário para a chegada dela. Ela chega, às vezes avisa, às vezes não, chega e se abanca, como se eu ficasse entregue a essa poderosa chefona, impostura e atrevida.
Agora mesmo, no momento em que estou escrevendo esse texto, algo disso está acontecendo. Quando isso for lido para chegar até vocês que irão me escutar, já será outro momento, em que isso estará posto para o Outro, para a linguagem, para os laços que faço. Ah...minha escrita hoje é tão distante daquela exigida pelo Grupo Escolar, quando me encomendavam uma redação, ou como se dizia naquele tempo – composição . Naquele tempo eu tinha que organizar as letras para o desempenho escolar. Foi bom. Foi ali que conheci as letrinhas e as amostras ainda bem acanhadas do poder que elas têm de fazer ponte entre uma coisa e outra. Mas, a partir daí, na medida em que fui me havendo com outras composições, foram as letras que passaram a estar no comando. Eu me submeto ao que as letras passam então a me exigir. E confesso: com um certo alívio.
Quando escrevo? Quando o pacote baixa. Vem que nem chuva, mas com uma única diferença: quando arma, cai mesmo a chuvarada! Mas as nuvens vão se formando lá longe, em evaporações que nem percebo e em condensações que vão me surpreender. Às vezes, como a gente vê na televisão, a escadinha é colocada ali na zona de convergência e aí chove até mesmo em dias seguidos. Mas o que provoca tanta chuva? Ah, a resposta é variada. Alegria faz isso também, mas a evaporação é brava quando algo em torno de perdas começa a se fazer presente, quando estes verbos da perda se fazem carne e começam a habitar entre nós. O que mais me provoca escrita é quando me atinge com força medonha, os extremos. Os extremos da beleza ou do horror, da guerra ou da deserção, do carnaval ou da paixão, do nascer ou do morrer, da exultação ou da melancolia, do remediável ou do incurável. Na maioria das vezes, com a escrita eu encontrei os rumos para fazer valer posições na vida, até mesmo porque todas as posições importantes que temos que tomar na vida, nos cobram preço muito alto. Quando escrevo e, ao escrever, vou descobrindo os preços ali inscritos e que nem sempre, até então, eram muito visíveis.
Há safras e entre safras. Há períodos preocupantes de seca, mas é na seca que eu tenho um pouco de sossego. Quando há derrame de letras, é porque elas já entraram na minha casa pela porta da frente e desabaram no telhado e ali estão, feito goteira em cima de mim, pingando insistente na minha cabeça ou no meu corpo inteiro. É a estação do desassossego.
Parece coisa de encarnação de espírito? Às vezes rio. Verbo rir? Ou rio em que chuvarada dá enchente? Fico a rir e a pensar que isso deve ser coisa de “caboco brabo”, destes que não se contentam em aparecer em tudo quanto é terreiro e ainda assim, forçam o portão de entrada, tentando aliviar minhas dores, meus desassossegos, ou mesmo trazer um pouco de compostura pra minhas alegrias. Pode até parecer cena e fenômeno místico religioso, carismático, católico, batista, protestante, espírita, espiritualista, encarnacionista, revelacionista, budista, bramanista, seja lá o que for. Mas inventei um jeito para contar para mim o que é isso. Inventei algo para isso. Vou dizer: desde jovem, muito jovem, comecei a encostar minha vida, meus sonhos, meus desejos, em barrancos de letras.
Quando a coisa apertava, eu ia correndo lá me isolar perto deste barranco imaginário com contornos bem reais, como os barrancos que havia aqui em Guarani, na Travessa João Elias, que a gente chamava de Beco dos Aflitos. Diga-se de passagem que, com este nome, - Beco dos Aflitos - eu já estava de antemão recrutado. Pois é... ali, quando chovia, tinha barrancos argilosos, firmes e macios, úmidos, viscosos, limosos e quentes que ali me abrigavam, tal como os homens se abrigam nos eróticos trancos e barrancos e às vezes até barracos, que as mulheres nos oferecem.
Assim, encostada minha angústia nesses barrancos da vida, nesses barracos frágeis que dão moradia à poesia, ali eu fazia sangrias. Espetava-me uma seringa cheia de letras e aí a maldade do corpo saía, escorria como as putrefações infectas, assim como as benzedeiras faziam com brasas, afogando-as, fazendo pequenas tempestades em copo d’água, para aliviar quebrantos. E pela vida afora isso foi se configurando em outras modulações, mas com uma constância fiel, em todo esse percurso de vida que fiz até agora.
Para estes escritos, que tanto foram e vão me transformando, reformatando e reconfigurando minhas posições subjetivas, chega um momento em que precisam se transformar, pedem para virar páginas, até mesmo para que agora, como páginas em que estão se tornando e entornando, sejam viradas. Viradas as páginas, a gente vai dando passagem para páginas novas, em branco, que possam ir se abrindo para matricular novos escritos. Talvez tenha sido assim que decidi lançar o livro.
Lançar o livro em Guarany. Guarany, assim como o Cyro, com y. Guarani vai na minha frente: faz 100 anos. Foi aqui sob o céu de Guarani que fiquei à mercê, completamente desamparado e submetido ao amparo , logo ao chegar a este mundo, entregue a duas pessoas que me aguardavam. Esperaram-me com seus desejos, eles que já tinham passado por tantas agruras. Refiro-me a um homem e uma mulher: Nero José da Silva e Maria da Glória Lantelme Silva. Um homem e uma mulher que se amaram muito. Literalmente, com todas as letras, ainda que as letras lhes tenham dado sossego, esperando seus filhos nascerem para berrarem neles, elas, as letras de seus amores e de suas dores. Nos ouvidos da minha irmã, berraram cifras musicais. Nos meus, berraram abcd, pedindo repouso no papel ou, hoje em dia, na tela. Meus pais estiveram muito tempo comigo, provando que o amor é possível para além das performances dos corpos, e juntos ficaram até o apagar das exultações. Juntos ficaram, privilégio de poucos – até que numa idade já bem avançada, a morte, incidindo sua navalha, os separasse, como ocorreu. Uma boa porção do que me tornei, devo a eles, mas minha dívida se estende ainda ao cenário guaraniense, às escolas de Guarani, ao chão de Guarani, ao que Guarani tem de interessante e também de maçante. Devo aos calores, às chuvas, aos tórridos sóis, à lua cheia que fica mais cheia ainda espremida entre as montanhas, às frias noites e às enchentes do Rio Pomba, que sempre me mostraram como águas tranquilas podem, em pouco tempo, se tornarem caudalosos arrojos e arroubos. Foi sob este céu contornado de montanhas, que desejo, amor e gozo, em carne e palavras, me visitaram pela primeira vez. E se foi daqui que lancei meus primeiros mísseis amorosos, nada mais adequado que seja também daqui que eu lance este livro que fala principalmente de Guarani. Livro que fala de algo que aqui se passou. Mas que ainda traz algumas paginas de algo que se passa nas entranhas de difíceis entradas. As narrativas de alguns fatos de Guarani, não têm necessariamente nada a ver com o passado, têm a ver com a história, pois o passado sempre está perdido, restando apenas a história, sempre deturpada, sempre subvertida, sempre outra, contada incondicionalmente sob a ética e a ótica impostora da fantasia de cada narrador.
Os mais jovens poderão perguntar, junto com os que começam a pensar que estão com a memória se apagando, se era assim mesmo, tudo isto. E, porque eu tenho uma leve noção dos movimentos que me fazem escrever e do alvo ofuscado que espero atingir, sempre errando o tiro, escutarei a pergunta e a deixarei escorrer pelas minhas interrogações afora. Ou então, numa última tentativa para responder a essa pergunta, se tudo se passou conforme conto no livro, deverei responder: sei lá.! E vou correndo pedir auxílio ao escritor italiano Pirandello, que vai me lembrar que “si non è vero, è benne trovato”
Muita coisa que estou sentindo aqui e que escrita alguma dá conta de nomear, e ainda posso registrar uma certa alegria de aqui estar, mas é alegria mestiça, vira-latas, misturada sangue bastardo do saber e sabor nostálgico que essas ocasiões impõem.
Vou encerrando, não sem antes sem fazer uma revelação, bem ao gosto do nosso apetite guaraniense para revelações. Quando estava escolhendo a capa do livro, fiquei muito tocado por um momento em que algo de um reconhecimento aconteceu. Pedi ajuda a minha atual mulher, a Maria Angela, pelo seu agudo bom gosto, para escolher a capa do livro. Ela escolheu o desenho de uma outra mulher, uma outra Maria, a Maria José, a mãe dos meus filhos, minha falecida mulher, a quem também aqui rendo homenagem, por ter me presenteado na vida amorosa com o dote de um companheirismo radical. Minha mulher agora é outra e ela encontrou com fina sabedoria e delicadeza, a dobradiça adequada que a coloca desdobrada frente à memória daquela outra mulher que a antecedeu e que hoje se acha sob o inatingível véu da morte. Aliás, nós dois, ambos viúvos, conseguimos sempre passar silenciosos e cuidadosos diante da morte de nossos primeiros cônjuges, ou seja, diante desta porta cerrada, deste ponto opaco em que foram aspirados neste ponto de radical não saber em que a morte nos exila Não foi a toa, que meus filhos acolheram minha nova companheira como a bem vinda mulher eleita pelo pai. Desde então é para exercer-se neste lugar, que ela se acha firme, permanente e seriamente convocada por mim.
Agora sim, nós vamos ficando por aqui.
Espero que, se decidirem a comprar o livro, possam devagarzinho ir lendo e virando as páginas. Cada um saberá a dose, e cada qual vai ter que se haver com a contra-indicação.
Pra mim foi remédio e, devo confessar, um eficaz remédio “descontrolado”.
Obrigado
Guarani, 29 de março de 2014
Cyro Marcos da Silva
24/03/2014
Empresas se movem contra tribunais antiempresariais Por João Ozorio de Melo
Link do artigo no CONJUR aqui
Em um país onde a atual composição da Suprema Corte é considerada a mais favorável a corporações de todos os tempos, tribunais em alguns estados, e em algumas jurisdições em particular, são criticados por serem exatamente o contrário: decidem sistematicamente contra as empresas. Isso vem sendo combatido desde 2002 por empresas de todos os portes, que chamam esses tribunais de “Judicial Hellholes” – hellhole pode ser traduzido, literalmente, como “buraco do inferno” ou, livremente, como “o fim do mundo”.
São tribunais onde as empresas sempre pagam por mais que por seus pecados. Ou seja, perdem praticamente todas as ações judiciais movidas contra elas, porque os juízes sempre decidem contra elas, sejam quem forem, e têm de pagar altas indenizações por danos, diz o site Judicial Hellholes, que lidera uma campanha contra esses tribunais e publica, anualmente, uma lista dos tribunais e de estados — estes por suas legislações — que são considerados “anticorporativos”.
No entanto, o relatório deve ser visto com reservas, diz o “Centro para a Justiça e Democracia” (Center for Justice & Democracy). Tanto o relatório quanto o site Judicial Hellholes são patrocinados pela Associação Americana pela Reforma [da lei] de Responsabilidade Civil (ATRA – American Tort Reform Association), uma organização formada apenas por corporações. A maioria das filiadas são empresas listadas no “Fortune 500”.
Segundo o Centro para Justiça e Democracia, e outros críticos, o relatório não tem base em pesquisa feita nos tribunais e não pode ser reconhecido, como a própria ATRA admite, um “estudo empírico”. É apenas uma coleção de relatos das próprias empresas associadas da ATRA e de artigos publicados nos jornais.
Mas as queixas das empresas, baseadas em pesquisa ou não, são graves. O relatório acusa juízes de certas jurisdições de aceitar ações “frívolas”, que se baseiam em teorias jurídicas inteiramente novas, para favorecer os demandantes, normalmente consumidores unidos em ações coletivas ou cidades que processam as empresas.
“Enquanto a maioria dos juízes honram seu compromisso de ser árbitros imparciais, na busca da verdade e da justiça, os juízes dos Judicial Hellholes não o fazem. Em vez disso, esses poucos juristas podem favorecer os demandantes e seus advogados, em prejuízo das corporações demandadas. Alguns deles já admitiram, em algumas situações, suas tendenciosidades. Frequentemente, juízes podem, apesar de suas boas intenções, tomar decisões que consideram mais convenientes ou mais eficientes, que privam uma parte de seu direito de defesa”, afirma o relatório.
“O que os Judicial Hellholes têm em comum é o fato de não observar as doutrinas ou princípios da lei. Os juízes se afastaram da missão de prover às vítimas legítimas um fórum nos quais podem buscar uma compensação justa daqueles que agiram erradamente e causar danos. Os juízes se apegam a teorias jurídicas inteiramente novas, de forma que demandantes que não sofreram qualquer dano conseguem indenizações por danos”.
Segundo a ATRA, são juízes populistas, que disputam eleições para ocupar o cargo e, portanto, procuraram ganhar grandes populações de eleitores com suas decisões. “Eles representam uma força política em suas jurisdições e é quase impossível conseguir um julgamento justo se você é a empresa demandada. Esses casos não são decididos na sala do tribunal. São decididos antes do julgamento. Qualquer bacharel, que acabou de sair da faculdade de Direito, pode ir a esses tribunais e ganhar uma causa, mesmo sem apresentar provas ou conhecer bem a lei”.
O Centro para Justiça e Democracia afirma que as empresas queixosas têm uma longa história de práticas de negócios questionáveis, que incluem laboratórios farmacêuticos, empresas de automóvel, indústria química, companhias de seguro e fabricantes de cigarros. E o relatório não menciona os casos em que as corporações se saem bem nos tribunais.
O relatório lista, por exemplo, a Califórnia como o estado mais anticorporações do país. No entanto, em 18 de março deste ano, a Google conseguiu escapar, em um tribunal da Califórnia, de uma ação coletiva que lhe custaria trilhões de dólares. Milhões de usuários dos serviços Gmail se reuniram em uma ação coletiva, alegando que a Google escaneou suas mensagens de e-mail, sem permissão, com fins comerciais.
A juíza Lucy Koh, de San Jose (Califórnia), a mesma que decidiu a favor da Apple na disputa contra a Samsung, impediu que a ação coletiva fosse à frente, por não ser “suficientemente coesiva”. A juíza decidiu que cada usuário do Gmail deve processar a Google individualmente, se tiver alguma queixa. Não haverá muita gente disposta a processar a Google individualmente, é claro.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2014 22/03/2014
“O CONTROLE DIFUSO ABSTRATIVIZADO”, A PROGRESSÃO DE REGIME NOS CRIMES HEDIONDOS E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: FINALMENTE A NOVELA CHEGOU AO SEU FINAL[1]
“O CONTROLE
DIFUSO ABSTRATIVIZADO”, A PROGRESSÃO DE REGIME NOS CRIMES HEDIONDOS E O SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL: FINALMENTE A NOVELA CHEGOU AO SEU FINAL[1]
Finalmente,
o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu, na sessão do dia 20 de março
de 2013, o julgamento da Reclamação nº. 4335, na qual a Defensoria Pública da
União questionou decisão do juízo da Vara de Execuções Penais de Rio Branco que
negou a dez condenados por crimes hediondos o direito à progressão de regime
prisional.
A Corte
Suprema havia já reconhecido a possibilidade de progressão de regime nesses
casos no julgamento do Habeas Corpus nº. 82959, em fevereiro de 2006, por seis
votos contra cinco, quando foi declarado inconstitucional o § 1º. do art. 2º.
da Lei nº. 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos), que então proibia tal
progressão (mais tarde alterado pela Lei nº. 11.464/2007). No caso específico
da Reclamação nº. 4335, no entanto, o Juiz de Direito do Acre alegou que, para
que a decisão do Supremo Tribunal Federal no referido Habeas Corpus tivesse efeito erga omnes (ou seja,
alcançasse todos os cidadãos), seria necessário que o Senado Federal
suspendesse a execução do dispositivo da Lei de Crimes Hediondos, conforme
prevê o artigo 52, X, da Constituição Federal, o que não havia ocorrido.
Na sessão
deste dia 20 de março, o julgamento foi concluído após voto-vista do Ministro
Teori Zavascki, cujo entendimento foi seguido pelos Ministros Luís Roberto
Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello. Em seu voto, o Ministro Teori salientou
que, embora o artigo 52, X, da Constituição estabeleça que o Senado deve
suspender a execução de dispositivo legal ou da íntegra de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo, as decisões da Corte, ao
longo dos anos, têm-se revestido de eficácia expansiva, mesmo quando tomadas em
controvérsias de índole individual. O Ministro também citou as importantes
mudanças decorrentes da Reforma do Judiciário (EC 45/2004), a
qual permitiu à Corte editar súmulas vinculantes e filtrar, por meio do
instituto da repercussão geral, as controvérsias que deve julgar. “É inegável que, atualmente, a força
expansiva das decisões do STF, mesmo quando tomadas em casos concretos, não
decorre apenas e tão somente da resolução do Senado, nas hipóteses do artigo
52, inciso X, da Constituição”, afirmou. O fenômeno, segundo o Ministro, “está se universalizando por força de todo um
conjunto normativo constitucional e infraconstitucional direcionado a conferir
racionalidade e efetividade às decisões dos Tribunais Superiores e especialmente
à Suprema Corte”.
Para o Ministro,
contudo, é necessário dar interpretação restritiva às competências originárias
do Supremo, pois o uso indistinto da reclamação poderia transformar o Tribunal
em “verdadeira corte executiva”,
levando à supressão de instâncias locais e atraindo competências próprias de
instâncias ordinárias. No caso em análise, entretanto, o Ministro Teori
acolheu a Reclamação nº. 4335 por violação à Súmula Vinculante nº. 26 (“para efeito de progressão de regime no
cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução
observará a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de
1990”). Embora a reclamação tenha sido ajuizada mais de três anos
antes da edição da súmula, a aprovação do verbete constitui, segundo o Ministro,
fato superveniente, ocorrido no curso do julgamento do processo, que não pode
ser desconsiderado pelo Juiz de Direito, nos termos do artigo 462 do Código de
Processo Civil.
Nesta
Reclamação, os Ministros Sepúlveda Pertence (aposentado), Joaquim Barbosa,
Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio julgavam inviável a Reclamação (não
conheciam), mas, de ofício, concediam Habeas
Corpus para que os dez condenados tivessem seus pedidos de progressão do
regime analisados, individualmente, pelo juiz da Vara de Execuções Criminais.
Os votos dos Ministros Gilmar Mendes (relator) e Eros Grau (aposentado)
somaram-se aos proferidos na sessão do dia 20, no sentido da procedência
da reclamação. Para ambos, a regra constitucional que remete ao Senado a suspensão
da execução de dispositivo legal ou de toda lei declarada inconstitucional pelo
Supremo tem efeito de publicidade, pois as decisões da Corte sobre a
inconstitucionalidade de leis têm eficácia normativa, mesmo que tomadas em
ações de controle difuso.
Esta
verdadeira “novela mexicana” iniciou-se em fevereiro de 2006 quando, por seis
votos a cinco, os Ministros declararam a inconstitucionalidade do dispositivo
da Lei dos Crimes Hediondos que proibia a progressão do regime de cumprimento
da pena (já alterado pela lei acima referida). Mas como a decisão foi tomada
por meio de um Habeas Corpus, o Juiz
da Vara de Execuções considerou que ela só teve efeito imediato para as partes
envolvidas no processo. Para ele, a eficácia geral da decisão (eficácia erga
omnes) só passaria a valer quando o Senado Federal publicasse
resolução suspendendo a execução da norma considerada inconstitucional pelo
Supremo, como prevê a Constituição. Depois, na sessão do dia 19 de abril de
2007, pedido de vista do Ministro
Ricardo Lewandowski suspendeu o julgamento.
Naquela
oportunidade, quatro dos Ministros já se posicionaram sobre a matéria: Gilmar
Mendes e Eros Grau disseram que a regra constitucional tem simples efeito de
publicidade, uma vez que as decisões do Supremo sobre a inconstitucionalidade
de leis têm eficácia normativa, mesmo que tomadas em ações de controle difuso (incidental),
ou seja, aquelas que decidem questões no caso concreto, com efeitos entre as
partes. “Não é mais a decisão do Senado
que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte
contém essa eficácia normativa”, afirmou Gilmar Mendes. “A decisão do Senado é ato secundário ao do
Supremo”, disse Eros Grau.
Houve
divergência, pois os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa refutaram a
solução proposta por Gilmar Mendes e Eros Grau. Mesmo afirmando que o
dispositivo em debate é “obsoleto”, o
então Ministro Sepúlveda Pertence não concordou em reduzir a uma “posição subalterna de órgão de publicidade
de decisões do STF” uma prerrogativa à qual o Congresso se reservou.
Segundo ele, as sucessivas Constituições promulgadas no Brasil têm mantido o
dispositivo. Ele defendia então a utilização, no caso, da súmula vinculante,
criada pela Emenda Constitucional nº 45/04, da Reforma do Judiciário.
Já o Ministro
Joaquim Barbosa classificou como anacrônico o posicionamento do Juiz da
Vara de Execuções de Rio Branco. “O
anacronismo é do juiz. Portanto, do próprio Poder Judiciário”,
afirmou. Ele defendeu a manutenção da leitura tradicional do dispositivo
constitucional em discussão por ser “uma
autorização ao Senado, e não uma faculdade de cercear decisões do Supremo”.
Os quatro
Ministros concordaram que os dez condenados tinham o direito de terem seus
pedidos de progressão do regime de cumprimento da pena analisados,
individualmente, pelo Juiz de Execuções Criminais. Os Ministros Gilmar Mendes e
Eros Grau concederam o direito ao deferir a reclamação. Já os Ministros Sepúlveda
Pertence e Joaquim Barbosa concederam Habeas
Corpus de ofício aos condenados, já que o primeiro indeferiu a reclamação e
segundo não conheceu do pedido.
A
“novela” continuou na sessão do dia 16 de maio de 2013 quando, mais uma vez,
foi adiado o julgamento, em razão agora
de um pedido de vista do Ministro Teori Zavascki.
Continuava,
portanto, a discussão acerca da função desempenhada pelo Supremo Tribunal
Federal e pelo Senado Federal no controle difuso (incidental) de
constitucionalidade das leis, ou seja, em decisões tomadas a partir da análise
de casos concretos que chegam à Corte.
Aliás,
quando se pronunciou no seu voto-vista, o Ministro Ricardo Lewandowski
ressaltou que a competência do Senado no controle de constitucionalidade de
normas tem sido reiterada, desde 1934, em todas as constituições federais, não
sendo “mera reminiscência histórica”.
De acordo com ele, reduzir o papel do Senado a mero órgão de divulgação das
decisões do Supremo, nesse campo, “vulneraria
o sistema de separação entre os Poderes”. O Ministro, então, salientou que
a Constituição Federal de 1988 fortaleceu o Supremo, mas não ocorreu em
detrimento das competências dos demais Poderes. “Não há como cogitar-se de mutação constitucional, na espécie, diante
dos limites formais e materiais que a própria Lei Maior estabelece quanto ao
tema, a começar pelo que se contém no artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, o
qual erige a separação dos Poderes à dignidade de cláusula pétrea que se quer
pode ser alterada por meio de emenda constitucional”, destacou na
opoertunidade. Segundo ele, o Supremo recebeu um grande poder, a partir da
Emenda Constitucional 45, sem que houvesse a necessidade de alterar o artigo
52, X, da Constituição. “Os institutos
convivem, a meu ver, com a maior harmonia sem choque ou contradição de qualquer
espécie”, avaliou o Ministro Ricardo Lewandowski. Por esses motivos, o Ministro
não conhecia da Reclamação, mas também concedia o Habeas Corpus de ofício a favor dos condenados.
Em
seguida, o relator da ação, Ministro Gilmar Mendes, reforçou alguns pontos de
seu voto, proferido em fevereiro de 2007, e acrescentou que a reclamação teria
perdido o objeto por conta da edição da Súmula Vinculante 26. Por essa razão, o
Ministro frisou que a ação estaria prejudicada.
Antes, no
dia 1º. de fevereiro de 2007, mais uma vez, foi interrompida a análise da Reclamação por um pedido de vista
antecipado do Ministro Eros Grau. Nesta oportunidade, o relator reafirmou que a
“não publicação pelo Senado de resolução
que nos termos do artigo 52, X, da Constituição Federal, suspenderia a execução
da Lei declarada inconstitucional pelo Supremo não teria o condão de impedir
que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia jurídica”, mantendo a
liminar e julgando procedente a ação para cassar as decisões que, segundo ele,
feriam julgado do Supremo. O Ministro explicou que “o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma
vez que não se cuida de uma decisão substantiva, mas de simples dever de
publicação, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas
constitucionais”. “Essa solução
resolve, a meu ver, de forma superior uma das tormentosas questões da nossa
jurisdição constitucional. Superam-se assim também as incongruências cada vez
mais marcantes entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a
orientação dominante na legislação processual, de um lado e de outro, a visão
doutrinária ortodoxa e, permitamos dizer, ultrapassada do disposto no artigo
52, X”. Diante desse entendimento, à
recusa do juiz de Direito da Vara de Execuções da Comarca de Rio Branco (AC) em
conceder o benefício da progressão de regime nos casos de crimes hediondos, que
há, portanto, desrespeito à eficácia da decisão do Supremo, eu julgo procedente
a Reclamação para cassar essas decisões e determinar que seja aplicada a
decisão proferida pelo Supremo”. (Fonte: STF).
Pois bem.
A solução agora está dada.
Estamos
diante do chamado “controle difuso
abstrativizado”, expressão do Professor Fredie Didier Júnior, in “Transformações
do Recurso Extraordinário” - Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e
assuntos afins.” (Teresa Wambier e Nelson Nery Jr. - Coordenadores, São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pp. 104-121 (“A decisão sobre a questão da inconstitucionalidade seria tomada em abstrato,
passando a orientar o tribunal em situações semelhantes.”).
Também
neste sentido, era a lição do hoje Ministro Luís Roberto Barroso: "A verdade é que, com a criação da ação
genérica de inconstitucionalidade, pela EC nº 16/65, e com o contorno dado à
ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado
tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal,
seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e
produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão
constitucional, quando de sua instituição em1934, já não há mais lógica
razoável em sua manutenção. (...) Seria
uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos
legitimados ao art. 103 a
propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é!"
(“O Controle de Constitucionalidade no
Direito Brasileiro”, São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, p. 92).
Ainda à
época da polêmica, em artigo publicado no site www.paranaonline.com.br
(acessado no dia 02 de abril de 2006), Luiz Flávio Gomes, afirmou:
“O STF reconheceu a inconstitucionalidade do §
1.º, do art. 2.º, da Lei 8.072/1990 (lei dos crimes hediondos) num caso
concreto. Logo, de acordo com a clássica doutrina, essa decisão não tem (ou não
teria) efeito erga omnes (frente a todos), sim, somente inter partes. Mas
convém sublinhar que esse assunto está ganhando uma nova dimensão dentro do STF
e é bem provável que chegaremos em breve à conclusão de que, em alguns casos,
do controle difuso de constitucionalidade deve também emanar eficácia erga
omnes e vinculante (o fenômeno já está recebendo o nome de controle difuso
abstrativizado, consoante expressão de Fredie Didier Júnior. Aliás, foi
precisamente isso que ocorreu, recentemente, naquela famosa decisão do STF que
decidiu sobre o número de vereadores em cada município, que foi dirimida dentro
de um Recurso Extraordinário (RE 197.917-SP). Com base na decisão da Suprema
Corte o TSE emitiu Resolução (Res. 21.702/2004) disciplinando a matéria,
dando-lhe eficácia erga omnes. Foram interpostas duas ADIns contra essa
Resolução (3.345 e 3.365). Ambas foram rejeitadas e, desse modo, o STF acabou
proclamando que essa eficácia (erga omnes), extraída de uma decisão proferida
em RE, estava absolutamente correta (porque, afinal, o RE deve ser visto na
atualidade não só como instrumento para a tutela de interesses das partes,
senão, sobretudo, como “defesa da ordem constitucional objetiva”) (Gilmar
Mendes). No caso do HC 82.959 acham-se presentes todos os requisitos dessa nota
“abstrativizadora” (ou generalizadora). Com efeito, a decisão foi do Pleno do
referido Tribunal. De outro lado, cabe asseverar que a matéria (progressão de
regime em crimes hediondos) não foi discutida só em relação ao caso concreto
relacionado com o pedido do condenado, sim, o tema foi debatido e discutido
olhando-se para a lei “em tese” (não se voltou unicamente para o caso
concreto). Ademais, houve a preocupação de se definir a extensão dos efeitos da
decisão, para disciplinar relações jurídicas pertinentes “a todos” (não
exclusivamente ao caso concreto). Chama atenção, nesse sentido, justamente o
quarto voto favorável à tese da inconstitucionalidade, do Ministro Gilmar
Mendes, que a reconheceu, porém, com eficácia ex nunc, não ex tunc (para
frente, não para trás nesse ponto inovou-se como base legal o art. 27 da Lei
9.868/1997, que é instrumento típico do controle concentrado). Afastou-se o
óbice legal para a progressão de regime nos crimes hediondos, entretanto, daqui
para frente. Por que eficácia só ex nunc? Porquê dessa forma qualquer pessoa
que tenha sido condenada e que já tenha cumprido pena em regime integralmente
fechado não conta com o direito de postular qualquer indenização contra o
Estado. Vigência e validade: já não se pode confundir a vigência de uma lei com
sua validade. Aquela depende unicamente do preenchimento dos requisitos formais
(discussão, votação, aprovação da lei, sanção, publicação e vigência). A
validade, por seu turno, está coligada a exigências substancias (ou materiais),
ou seja, a lei vigente é válida quando compatível com a Constituição (quando
for verticalmente compatível com o Texto Maior Ferrajoli, Canotilho etc.). No
momento em que o STF, por seu órgão Pleno, julga inconstitucional uma lei,
retira-lhe a validade. O texto continua formalmente vigente, até que o Senado
(CF, art. 52, X) suspenda a sua “execução” (ou seja, até que o Senado elimine
formalmente o texto do ordenamento jurídico), mas não vale. E se não vale não
pode ser aplicado por nenhum órgão jurisdicional do país. A conclusão a que se
chega, destarte, é a seguinte: apesar da inexistência de norma explícita, o
julgamento de inconstitucionalidade de um texto legal, pelo STF, na prática,
mesmo quando se dá num caso concreto, no que diz respeito à sua “validade”,
acaba produzindo efeitos “contra todos” e possui eficácia vinculante (sobretudo
frente ao Poder Judiciário). O descumprimento da decisão do STF, por qualquer
órgão judiciário brasileiro, para além de retratar uma convicção ideológica
conflitiva com o Estado constitucional e democrático de Direito, dará ensejo a
uma dupla consequência jurídica: (a) em primeiro lugar cabe a interposição de
uma Reclamação junto ao STF (contra a decisão do juiz que está violando a
declaração de inconstitucionalidade mencionada). Em outras palavras, pode o
prejudicado, via reclamação, bater às portas desta Corte para que se reconheça
seu direito de ver seu pedido de progressão examinado concretamente pelo
Judiciário; (b) em segundo lugar, não se pode de modo algum afastar a
possibilidade de uma ação indenizatória contra o Estado, por estar o Juiz
afetando direitos fundamentais de um condenado, na medida em que recusa acolher
uma declaração de inconstitucionalidade do STF ao mesmo tempo em que continua
aplicando um texto legal já reconhecido como inválido. O descumprimento
intencional e “irracionalmente ideológico” da decisão do STF, já anunciado por
alguns juízes, pode indiscutivelmente implicar em responsabilidade civil do
Estado (porque ninguém está obrigado a se sujeitar a uma determinada forma de
execução reconhecidamente inconstitucional). Sublinhe-se que STF proferiu uma
decisão tecnicamente perfeita e político-criminalmente correta, porque a
impossibilidade de progressão de regime nos crimes hediondos é nada mais nada
menos que expressão do Direito penal do inimigo de Jakobs, que sustenta a tese
de que alguns criminosos devem ser tratados não como cidadãos, sim, como
inimigos. Que o autor de crime hediondo seja tratado de modo diferente e com
mais rigor é razoável, mas nem ele nem ninguém pode ser tratado como inimigo.
De qualquer maneira, a pergunta que todos estão formulando agora é a seguinte:
é justo que, nos crimes hediondos, verdadeiramente hediondos, o condenado
cumpra somente um sexto da pena para o efeito da progressão de regime? Não
seria o caso de se distinguir alguns crimes, exigir um pouco mais de
cumprimento efetivo da pena (um terço ou metade, conforme o crime hediondo seja
ou não violento), para só depois autorizar a progressão? Com a palavra o
legislador brasileiro. De qualquer modo, mesmo que ele venha a disciplinar essa
matéria de forma mais rigorosa, sua nova legislação não vai poder retroagir.
Isso significa, na prática, o seguinte: todos os condenados por crimes
hediondos podem postular ao juízo respectivo a progressão de regime, desde que
presentes dois requisitos: cumprimento de um sexto da pena e bom comportamento
carcerário. Recorde-se que o exame criminológico que era necessário para o
efeito da progressão já não é exigido pela lei brasileira. A exigência desse exame
constitui hoje ilegalidade patente. A lei dos crimes hediondos proibia a
progressão de regime de modo peremptório e geral e, formalmente, não abria
nenhuma exceção. Isso era muito rigoroso e era injusto em muitos casos. A
partir da decisão do Pleno do STF (HC 82.959) o juiz pode conceder a progressão
do regime em alguns casos concretos. Isso significa, na prática, conferir ao
juiz muito mais responsabilidade, colocando fim à figura do “juiz carimbador”,
que só tinha o trabalho de dizer: “crime hediondo, regime fechado”. Finalmente
e felizmente começa a agonizar esse tipo de magistrado “despachante”. No Estado
constitucional e democrático de Direito só existe espaço para um tipo de juiz:
o que dá a cada um o que é seu, fundamentando todas as suas decisões, tendo por
base a constitucionalidade, legalidade e razoabilidade. Inclusive no âmbito
criminal, estamos começando a ver o fim do juiz burocrata, guiado por
“automatismos”. A decisão ora em consideração, de outro lado, não significa que
o STF “abriu as portas das cadeias”, para colocar na rua milhares de criminosos
hediondos etc. A lei dos crimes hediondos continua, no mais, em vigor e a
análise de cada progressão caberá ao juiz. Mas é certo todo ordenamento
jurídico necessita de instrumentos que permitam ao juiz fazer justiça em cada
caso concreto. Isso é fruto do princípio da razoabilidade que, apesar dos
retrocessos, acompanha a constante e vitoriosa evolução da humanidade.”
Para
ilustrar este trabalho, também é de rigor transcrever um texto publicado no
Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Ciminais – IBCrim, nº. 161, em
abril de 2006, (bem) escrito por Fernanda Teixeira Zanoide de Moraes:
“Na teoria, para que se confira caráter
geral, com extensão erga omnes e não mais inter partes, a decisão do Supremo
Tribunal Federal deve, seguindo preceito constitucional do art. 52, X, da CF,
ser comunicada ao Senado Federal para que, exercendo seu poder discricionário –
que envolve juízo de oportunidade e conveniência -, "suspenda a execução, no
todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do
Supremo Tribunal Federal". Uma grande novidade trazida pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal, neste importante e histórico julgamento, está em
conferir, em sede de controle de constitucionalidade difuso, efeitos ex nunc (a
partir da decisão de inconstitucionalidade) e extensão erga omnes, tornando uma
eventual resolução do Senado Federal ato inócuo. Pois bem. O controle judicial
de constitucionalidade no Brasil é misto, pois se faz pela convivência entre
dois métodos distintos: o controle concentrado ou abstrato (austríaco), pelo
qual o órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, poderá
fazer o controle, em tese, de lei ou ato normativo federal ou estadual
incompatível com o ordenamento constitucional, sem a existência de um caso
concreto a ser solucionado (art. 102, I, "a", CF); e, o controle
difuso ou aberto (norte-americano - judicial review), que pode ser exercido por
qualquer juiz ou tribunal na solução de um caso concreto, observando-se, quando
a inconstitucionalidade for declarada por tribunal, o princípio da reserva de plenário,
embutido no art. 97 da CF, pelo qual a inconstitucionalidade somente pode ser
declarada pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do
respectivo órgão especial. Quanto aos efeitos, no controle abstrato, por via de
ação, a decisão do Supremo Tribunal Federal afasta do ordenamento jurídico lei
ou ato normativo incompatível com a Constituição Federal e possui eficácia
contra todos (erga omnes) e efeito retroativo (ex tunc), "desfazendo, desde
sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências
dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto,
destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de
inconstitucionalidade
da lei ou ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela
praticados (efeitos ex tunc)".Diferentemente, no controle difuso, por via de exceção, a decisão de inconstitucionalidade é tida como questão prejudicial de mérito e, por ser imperativo lógico, abarca apenas as partes envolvidas no caso concreto (inter partes), com efeitos também retroativos (ex tunc), já que a situação jurídica ocorrida se firmou em lei ou em ato normativo declarado inconstitucional. Em regra, referida decisão em sede de controle difuso pode adquirir extensão erga omnes, somente após a expedição de uma resolução pelo Senado Federal, suspendendo, no todo ou em parte, a execução da lei tida por inconstitucional em decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal (art. 52, X, CF). Neste ponto, a latere as inovações trazidas pelo julgado no campo do Direito Penal Constitucional, o julgamento do Habeas Corpus nº 82.959
também trouxe outras duas importantes peculiaridades na seara constitucional do controle de constitucionalidade. Em primeiro, flexibilizou-se a regra dos efeitos ex tunc em controle difuso, utilizando-se em analogia o dispositivo do art. 27, criado para o controle abstrato, da Lei nº 9.868/99. Esse dispositivo permite ao Pleno, por maioria de dois terços de seus membros, "tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado". Esse entendimento se extrai do conteúdo do voto do ministro Gilmar Mendes, que prevendo a avalanche de ações extrapenais, caso os efeitos da decisão de inconstitucionalidade fossem dados ex tunc, ponderou que: "reiteradamente, o tribunal reconheceu a constitucionalidade da
vedação de progressão de regime nos crimes hediondos, bem como todas as possíveis repercussões que a declaração de inconstitucionalidade haveria de ter no campo civil, processual e penal, reconheço, que, ante a nova orientação que se desenha, a decisão somente poderia ser tomada com eficácia ex nunc. (...) Ressalto que esse efeito ex nunc deve ser entendido como aplicável às condenações que envolvam situações ainda suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão". Na esteira desse raciocínio, o Plenário da Excelsa Corte decidiu fixar um "outro momento" a partir do qual a segurança jurídica e o interesse social estariam protegidos. Consta do teor da ementa: "o tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará consequências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão". A nosso ver, a exegese aplicada pelo Supremo Tribunal Federal – no intuito de conferir efeitos ex nunc - e abrangendo todas as condenações que ainda envolvam situações passíveis de serem submetidas ao regime da progressão, resguardou a aplicação mais favorável ao apenado, que poderá dentro do seu caso concreto, pleitear o benefício, caso ainda haja pena a ser cumprida, resguardada a apreciação, pelo juiz das execuções penais, do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos para a progressão. Consoante já antevia Alberto Silva Franco: "em face desse entendimento, a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal terá eficácia a partir de sua prolação, atingindo, assim, os casos em que seja possível ao condenado a progressão no regime prisional. Isto significa que o efeito da declaração permitirá aos réus de processos em andamento, por crime hediondo ou assemelhado, desfrutar do regime progressivo; ao condenado em regime integralmente fechado, obter, na fase recursal, a transformação do regime imposto na condenação para o regime progressivo e, ainda, aos condenados, na fase de execução, progredir no regime prisional". Mas não é só. Da leitura da ementa do julgado nota-se a segunda peculiaridade em sede de controle difuso, referente à extensão da decisão para além das partes. Tudo está a indicar que o Supremo Tribunal Federal conferiu à decisão declaratória, que em regra teria apenas limitação inter partes, clara projeção erga omnes, ao prever que "o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão". Como se vê, a postura unânime do Plenário, representa um nítido avanço no moderno direito constitucional e está em consonância com o princípio da economia processual, na medida em que torna desnecessário que um dos legitimados do art. 103 da CF seja compelido a propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (controle abstrato), com o mesmo fundamento, para que o Supremo Tribunal Federal decida do mesmo modo, com extensão erga omnes.Essa extensão, desde logo pelo Supremo Tribunal Federal, torna despiciendo o papel do Senado Federal e absolutamente dispensável a necessidade da resolução, isto porque, sua ratio essendi, desde a Constituição de 1934, é a de conferir publicidade, atribuindo eficácia geral e suspendendo a execução da lei em face de todos, o que já foi feito pelo Plenário. Não é outro o entendimento do constitucionalista Luís Roberto Barroso: "A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC nº 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há mais lógica razoável em sua manutenção". E conclui: "Seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados ao art.103 a
propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é!". Assim,
como se nota, as inovações trazidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal
vão além da observância dos princípios constitucionais da legalidade, dignidade
da pessoa humana e da individualização da pena no âmbito do Direito Penal
Constitucional, elas se espraiam e se irradiam para além dele, estendendo os
seus efeitos em face de todos que possuem condenações suscetíveis ao regime de
progressão. Na prática, isto quer dizer, que todos os condenados por crimes hediondos
e assemelhados que estejam cumprindo pena ou que venham a cumpri-la terão, por
essa decisão, direito imediato à progressão de regime, desde que atendam aos
requisitos objetivos e subjetivos da Lei de Execução Penal, podendo, inclusive,
o magistrado competente exigir perícias complementares quando as peculiaridades
da causa assim o recomendarem.”
da lei ou ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela
praticados (efeitos ex tunc)".Diferentemente, no controle difuso, por via de exceção, a decisão de inconstitucionalidade é tida como questão prejudicial de mérito e, por ser imperativo lógico, abarca apenas as partes envolvidas no caso concreto (inter partes), com efeitos também retroativos (ex tunc), já que a situação jurídica ocorrida se firmou em lei ou em ato normativo declarado inconstitucional. Em regra, referida decisão em sede de controle difuso pode adquirir extensão erga omnes, somente após a expedição de uma resolução pelo Senado Federal, suspendendo, no todo ou em parte, a execução da lei tida por inconstitucional em decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal (art. 52, X, CF). Neste ponto, a latere as inovações trazidas pelo julgado no campo do Direito Penal Constitucional, o julgamento do Habeas Corpus nº 82.959
também trouxe outras duas importantes peculiaridades na seara constitucional do controle de constitucionalidade. Em primeiro, flexibilizou-se a regra dos efeitos ex tunc em controle difuso, utilizando-se em analogia o dispositivo do art. 27, criado para o controle abstrato, da Lei nº 9.868/99. Esse dispositivo permite ao Pleno, por maioria de dois terços de seus membros, "tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado". Esse entendimento se extrai do conteúdo do voto do ministro Gilmar Mendes, que prevendo a avalanche de ações extrapenais, caso os efeitos da decisão de inconstitucionalidade fossem dados ex tunc, ponderou que: "reiteradamente, o tribunal reconheceu a constitucionalidade da
vedação de progressão de regime nos crimes hediondos, bem como todas as possíveis repercussões que a declaração de inconstitucionalidade haveria de ter no campo civil, processual e penal, reconheço, que, ante a nova orientação que se desenha, a decisão somente poderia ser tomada com eficácia ex nunc. (...) Ressalto que esse efeito ex nunc deve ser entendido como aplicável às condenações que envolvam situações ainda suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão". Na esteira desse raciocínio, o Plenário da Excelsa Corte decidiu fixar um "outro momento" a partir do qual a segurança jurídica e o interesse social estariam protegidos. Consta do teor da ementa: "o tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará consequências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão". A nosso ver, a exegese aplicada pelo Supremo Tribunal Federal – no intuito de conferir efeitos ex nunc - e abrangendo todas as condenações que ainda envolvam situações passíveis de serem submetidas ao regime da progressão, resguardou a aplicação mais favorável ao apenado, que poderá dentro do seu caso concreto, pleitear o benefício, caso ainda haja pena a ser cumprida, resguardada a apreciação, pelo juiz das execuções penais, do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos para a progressão. Consoante já antevia Alberto Silva Franco: "em face desse entendimento, a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal terá eficácia a partir de sua prolação, atingindo, assim, os casos em que seja possível ao condenado a progressão no regime prisional. Isto significa que o efeito da declaração permitirá aos réus de processos em andamento, por crime hediondo ou assemelhado, desfrutar do regime progressivo; ao condenado em regime integralmente fechado, obter, na fase recursal, a transformação do regime imposto na condenação para o regime progressivo e, ainda, aos condenados, na fase de execução, progredir no regime prisional". Mas não é só. Da leitura da ementa do julgado nota-se a segunda peculiaridade em sede de controle difuso, referente à extensão da decisão para além das partes. Tudo está a indicar que o Supremo Tribunal Federal conferiu à decisão declaratória, que em regra teria apenas limitação inter partes, clara projeção erga omnes, ao prever que "o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão". Como se vê, a postura unânime do Plenário, representa um nítido avanço no moderno direito constitucional e está em consonância com o princípio da economia processual, na medida em que torna desnecessário que um dos legitimados do art. 103 da CF seja compelido a propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (controle abstrato), com o mesmo fundamento, para que o Supremo Tribunal Federal decida do mesmo modo, com extensão erga omnes.Essa extensão, desde logo pelo Supremo Tribunal Federal, torna despiciendo o papel do Senado Federal e absolutamente dispensável a necessidade da resolução, isto porque, sua ratio essendi, desde a Constituição de 1934, é a de conferir publicidade, atribuindo eficácia geral e suspendendo a execução da lei em face de todos, o que já foi feito pelo Plenário. Não é outro o entendimento do constitucionalista Luís Roberto Barroso: "A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC nº 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há mais lógica razoável em sua manutenção". E conclui: "Seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados ao art.
Conclusão:
viva “o controle difuso abstrativizado”.
Evoé
Fredie Didier Jr.
[1] Rômulo
de Andrade Moreira é
Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Aperfeiçoamento Funcional do
Ministério Público Estadual (BA). Professor de Direito
Processual Penal da Universidade
Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em
Direito Processual Penal e Penal e Direito
Público). Pós-graduado, lato
sensu, pela Universidade
de Salamanca/Espanha (Direito Processual
Penal ). Especialista
em Processo pela Universidade
Salvador - UNIFACS (Curso então
coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos ). Membro da Association Internationale de Droit
Penal , da Associação
Brasileira de Professores
de Ciências Penais,
do Instituto Brasileiro
de Direito Processual e Membro fundador
do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função
de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por
quatro vezes , de bancas
examinadoras de concurso público
para ingresso
na carreira do Ministério
Público do Estado
da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm
(BA) e IELF (SP). Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal”
e “Comentários à Lei Maria da Penha” (em coautoria com Issac Guimarães), ambas
editadas pela Editora Juruá, 2010 (Curitiba); “A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas
Cautelares” (2011), “Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo”
(2013), “Uma Crítica à Teoria Geral do Processo” (2013) e “A Nova Lei do Crime
Organizado”, publicadas pela Editora LexMagister, (Porto Alegre), além de coordenador do livro “Leituras
Complementares de Direito Processual Penal” (Editora JusPodivm, 2008).
Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos
realizados no Brasil.
17/03/2014
O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA APLICÁVEL NO DIREITO PENAL1
ROmulo mandando ver
O PRINCÍPIO DA
CONFIANÇA APLICÁVEL NO DIREITO PENAL1
Via de regra, ouvimos e lemos sobre o
princípio da confiança quando estudamos Direito Constitucional,
pois, em síntese apertada, diz respeito à segurança jurídica e ao
Estado Democrático de Direito, significando o dever que possui o
Estado de garantir a estabilidade decorrente de uma relação
institucional de confiança mútua (cfr. art. 2º., da Constituição
Federal).
Neste sentido, Ronnie Preuss Duarte explica-o: 1)
“A existência de uma situação justificada de confiança
a ser protegida, ou seja, os fatos concretos verificados devem
ter o condão de objetivar e efetivamente incutir no agente uma
determinada expectativa. Afasta-se o atendimento ao requisito quando
houver torpeza ou excessiva credulidade deste. Na prática,
o requisito se reputa preenchido com a resposta positiva à seguinte
indagação: qualquer pessoa normal, submetida às mesmas
circunstâncias, criaria a expectativa afirmada pelo sujeito?”
2) “A essencialidade da situação de confiança,
tendo em vista que a confiança criada deve
ter sido determinante na atividade jurídica do sujeito, sem a qual o
indivíduo não teria agido. Na prática, necessária será a
resposta positiva à seguinte indagação: a situação de confiança
foi decisiva para a opção do sujeito pela prática de determinado
ato jurídico?” 3) A imputação ou responsabilidade
pela situação de confiança, ou seja, o sujeito que infundiu
a confiança deverá responder por ela. Não se admite, por exemplo,
que A inspire a confiança e B venha a ser responsabilizado pela
situação. O atendimento ao requisito se dá mediante a resposta
positiva à seguinte indagação: o responsável pela situação de
confiança é o sujeito que a incutiu?” 4) O interesse
na proteção da confiança, ou seja, deve haver um
benefício prático efetivo
ao sujeito para que se reclame a proteção da confiança. Deve a
situação trazer uma vantagem ou evitar um prejuízo ao agente.
Finalmente, reputa-se atendido o requisito com a resposta positiva à
seguinte pergunta: a desproteção da situação criada causa
prejuízos ao sujeito depositário da confiança?”2
Na lição de Canotilho, “a segurança
jurídica está em conexão com elementos de ordem objetiva na esfera
jurídica, a proteção da confiança atenta para os aspectos
subjetivos de segurança. Todavia, ambas demandam, dentre outras, as
seguintes características: transparência dos atos do poder,
racionalidade, clareza de ideias e palavras e fiabilidade. Tais
postulados são exigidos em qualquer ato, de qualquer um dos poderes.
(...) “O indivíduo tem o direito e o poder de confiar em que
aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus
direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas
jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado
pelas autoridades com base nessas normas se ligam ou efeitos
jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.”
(...) “A orientação normativo-constitucional não significa
que o problema da retroatividade das lei deva ser visualizado apenas
com base em regras constitucionais. Deverá ainda acrescentar-se: uma
lei retroativa pode ser inconstitucional quando um princípio
constitucional, positivamente plasmado e com suficiente densidade,
isso justifique. Esta formulação, que pretende ser uma consequência
da ideia de constituição como sistema aberto de normas e
princípios, evita duas unilateralidades: (1) a redução do
parâmetro normativo-constitucional às regras, esquecendo-se ou
desprezando-se a natureza de direito atual e vinculante dos
princípios: (2) a derivação para uma retórica argumentativa a
partir de princípios abstratos, insuficientemente positivados ou
desprovidos de densidade normativa, tais como o princípio de non
venire contra factum proprium,
o princípio da vinculação temporal do direito (cada tempo tem o
seu direito, cada direito tem o seu tempo), o princípio da garantia
de direitos adquiridos, o princípio do livre desenvolvimento da
personalidade, o princípio da igualdade do patrimônio. Uma
argumentação ancorada exclusivamente em princípios desse gênero
reconduzir-se-á a um infrutífero esquema tautológico (ex. deve ser
protegida a confiança do cidadão digna de ser protegida, devem
proteger-se os direitos adquiridos por serem direitos adquiridos)”.3
Por fim, Augustin Gordillo, “estabelece uma
direção estimativa, em sentido axiológico, de valoração, de
espírito. O princípio exige que tanto a lei como o ato
administrativo lhe respeite os limites e que além do mais tenham o
seu mesmo conteúdo, sigam a mesma direção, realizem o seu mesmo
espírito”.4
Pois bem.
Tal princípio aplica-se, igualmente, no Direito
Penal, especialmente quando se trata de crime culposo criação da
jurisprudência alemã (Vertrauensgrundsatz). Tal princípio
não é inovação, tampouco é desconhecido na área jurídico-penal,
muito pelo contrário.
O
consagrado e saudoso penalista Francisco de Assis Toledo, ex-Ministro
do Superior Tribunal de Justiça, em sua obra prima “Princípios
Básicos de Direito Penal” (Saraiva, 5ª. edição, págs.
301/302), no título “A
culpa no sentido estrito”,
reserva um parágrafo para explicar em que consiste tal teoria,
informando, ademais, a fonte de seu estudo: o alemão Welzel, em sua
obra Das
neue Bild des Strafrechtssystems,
cuja edição citada data de 1961, portanto há quase quarenta anos.
O
também saudoso João Mestieri,, discípulo e pupilo do grande
Fragoso, também já se debruçou sobre o assunto. Basta conferir o
seu “Teoria
Elementar do Direito Criminal”
(Edição do Autor, Rio de Janeiro, 1990, págs. 245/246). Aliás,
este autor cita como fonte de pesquisa do assunto o livro de Welzel,
“El
nuevo Sistema del Derecho Penal,
p. 72, Barcelona, 1965.
Outro
autor carioca, o Professor Heitor Costa Junior, igualmente aborda a
matéria; veja-se “Teoria
dos Delitos Culposos”
(Lumen Juris, 1988, p. 61). Igualmente, Luiz Regis Prado (Curso de
Direito Penal Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.
193) e André Luís Callegari (RT/Fasc. Pen. Ano 88, v. 764,
junho/99, p. 434/452).
Mas,
não é só. Há, ainda, talvez hoje, o melhor e mais completo dos
nossos penalistas, Juarez Tavares: “Direito
Penal da Negligência”
(Editora Revista dos Tribunais, 1985, págs. 148/151). Este autor,
por sua vez, cita Johannes Wessels, “Direito
Penal”
(tradução em português), editado pela Sergio Antonio Fabris
Editor, 1975, p. 150.
Não somente a doutrina refere-se ao princípio da
confiança. Os nossos Tribunais também o conhecem, senão vejamos, a
título de ilustração:
“Embora,
em termos absolutos, tudo o que não seja fisicamente impossível é
previsível, no que respeita ao trânsito a previsibilidade há de
ser temperada pelo princípio da
confiança
recíproca em razão do qual cada um dos envolvidos no tráfego tem o
direito de esperar que os demais se atenham às regras e cautelas que
de todos são exigidas. Assim, não há condenar motorista que ante
conduta disparatada da vítima, colhe-a em inevitáveis condições
de atropelamento.”
(TACRIM-SP - AC - Rel. Dínio Garcia - JUTACRIM 30/330).
“Em matéria
de circulação de veículos, como fundamental deve ser tido o
princípio de confiança,
segundo o qual o usuário do caminho tem direito a contar que os
demais usuários se comportem igualmente de maneira correta, a menos
que as circunstâncias particulares sejam de tal natureza que lhes
permitam reconhecer que não é assim.”
(TACRIM-SP - AC - Rel. Geraldo Pinheiro - JUTACRIM 56/375).
“Não é possível exigir
de um motorista que se acautele contra o que não é previsível. Em
matéria de trânsito em vigência o princípio
da confiança, em razão do qual
cada um dos envolvidos no tráfego tem direito de esperar que os
demais se atenham às regras e cautelas que de todos são exigidas.”
(TACRIM-SP - AC - Rel. Cunha
Camargo - RT 425/349).
Estes julgados mostram, por outro lado, que a
matéria não é desprovida de interesse prático, muito pelo
contrário. A seu respeito, há muito tempo se debatem os nossos
Tribunais. Aliás, digo isto por experiência própria, já que, em
30 de julho de 1997, lavrei um parecer, por determinação do Senhor
Procurador-Geral de Justiça, nos autos do Inquérito Policial n.º
001/96, oriundo da Delegacia de Polícia da 25ª. Circunscrição
Policial (Dias D’Ávila), oportunidade na qual sustentei o
arquivamento da peça investigatória, alicerçando o parecer, dentre
outros fundamentos, no princípio da confiança, in
verbis:
“Tratam os presentes autos
de um Inquérito Policial instaurado na Delegacia de Polícia da
cidade de Dias D’Ávila, para apurar um fato ocorrido no dia 18 de
dezembro do ano de 1995, aproximadamente às 20h20min, no Km 25 da
rodovia estadual BA-093, naquele município baiano. O fato
consubstanciou-se em um acidente automobilístico envolvendo três
veículos: o VW/Sedan, placa policial FG-7880; o Mercedes
Benz/Caminhão 1313, placa policial JLA-9309 e o Mercedes Benz/608
Carroceria Fechada, placa policial BH-4646. O primeiro dos veículos
era pilotado por J.F.S., vítima fatal; o segundo e o terceiro,
pertencentes a duas empresas, tinham como motoristas,
respectivamente, os Srs. N. S. e J.S.S., que saíram incólumes do
trágico evento; ressalva-se que o terceiro veículo não participou
diretamente do acidente, posto que, apenas bateu na traseira do
segundo caminhão, quando este chocou-se frontalmente com o fusca,
não tendo o seu motorista sido, sequer, indiciado. Indo os autos à
apreciação da ilustre Promotora de Justiça, esta, em fundamentado
parecer, requereu o arquivamento dos autos, alegando “conduta
exclusiva da vítima”, entendimento do qual discordou o eminente
Magistrado, que encaminhou a peça informativa para a análise do
Procurador-Geral de Justiça. Vejamos, inicialmente, os fatos
coligidos pela autoridade policial: como se verifica pela análise do
procedimento investigatório, o desastre ocorreu quando o motorista
do fusca, inexplicavelmente, ao transpor uma ponte, invadiu a pista
contrária, vindo a chocar-se com o caminhão acima identificado;
atrás deste veículo trafegava um outro que, após o choque, não
conseguindo frear a tempo, colidiu com a parte traseira do caminhão.
As testemunhas ouvidas afirmaram: “que a batida tinha sido de
frente e o fusca tinha saído de sua mão de direção; (...) que no
dia do acidente não estava chovendo, o local estava escuro, a pista
não tinha buracos e não havia nenhuma substância derrapante ali.”
(fls. 32). “(...) o fusca, de cor vermelha, de placa não anotada,
estava atravessado no meio da pista (...) que no dia do evento
delituoso não chovia, o local estava escuro, a pista asfáltica tem
poucos buracos mas não havia nenhuma substância derrapante ali.”
(fls. 31). O motorista do segundo caminhão envolvido no acidente (e
não o que se chocou contra o fusca), esclareceu que viajava no
sentido Catu/Salvador e à sua frente trafegava o caminhão pilotado
pelo indiciado, quando, inesperadamente, este veículo parou, sendo
inevitável a batida entre os dois caminhões, ainda que sem
gravidade; ademais, disse que “ouviu comentário de que o motorista
deste (a vítima fatal) se encontrava sob efeito alcoólico, pois o
mesmo tem o costume de ingerir bebida alcoólica.” (fls. 05).
Observa-se que os dois caminhões vinham um atrás do outro, na mão
de direção correta. O indiciado, ao ser interrogado na Delegacia de
Polícia, defendeu-se dizendo que o fusca, desgovernado, “tomou a
contramão de sua direção, vindo a colidir de frente com o caminhão
em que se encontrava o interrogado”, afirmando, ainda, em
consonância com os testemunhos já transcritos, “que o local se
encontrava iluminado, não tinha nenhuma substância derrapante na
pista asfáltica, bem como buracos nela.” (fls. 07). O Relatório
de Acidente de Trânsito elaborado pela Companhia de Polícia
Rodoviária Militar Estadual, atesta as seguintes características do
local onde ocorreu o desastre: pista asfáltica reta e seca, com
sinalização e visibilidade regulares e tempo bom; ademais, não
havia fumaça, poeira, animais na pista ou qualquer outra
circunstância eventual que pudesse vir a atrapalhar o tráfego
normal (cfr. fls. 20). Vejamos, agora, a prova pericial: Com efeito,
o exame laboratorial realizado no sangue coletado do ofendido acusou
2,58 gramas de álcool etílico por litro de sangue ou 2,39 ml/l
(transformando-se uma medida n’outra). Com tal concentração
sangüínea do álcool etílico, é induvidoso que o ofendido não
tinha nenhuma condição física de dirigir um veículo, ainda mais
em uma rodovia estadual com tamanho movimento; não olvidamos que
para tal conclusão não basta apenas o volume de álcool ingerido,
posto que, outros fatores também, influenciam na constatação da
embriaguez, tais como “a constituição física, a idade, o sexo,
predisposição neuromental, quantidade de alimentos no estômago,
etc.” (Dicionário de Medicina Legal, de Manif e Elias Zacharias,
2ª. ed., 1991). Atentos a este dado e lendo o Laudo de Exame
Cadavérico, observamos que a vítima pesava 45 quilos e media 1,68
cm, ou seja, tinha compleição física pequena e possuía 46 anos de
idade; ademais, o estômago estava vazio. Assim, atesta-se que os
fatores determinantes da ebriedade (ao lado da altíssima
concentração etílica) não favoreciam ao ofendido, ou seja, a par
do elevado consumo de álcool (como veremos a seguir), fatores outros
(indicados pela medicina legal) ensejam a conclusão de que o Sr.
José Francisco dos Santos, para a sua infelicidade, dirigia o seu
carro em estado de embriaguez. Com efeito, o Professor Fernando
Manuel de Oliveira de Sá, mestre da Faculdade de Medicina de
Coimbra, citado por José da Silva Loureiro Neto, colocando-se, como
ele próprio afirmou, em uma posição de benevolência, traçou um
esquema, no qual considera que “a influência alcoólica existe
como regra” quando o resultado laboratorial for de 2,0 a 3,0 g/l
(cfr. Embriaguez Delituosa, Saraiva, 1990, p. 22). Estudando o
fenômeno, o mestre da Medicina Legal brasileira, o Professor Almeida
Júnior, afirma: “Entre os vários órgãos da economia humana, é
o cérebro um dos que, em proporção com a sua massa, mais álcool
recebem. Fisiologicamente, atua o álcool como um anestésico, isto
é, como substância que exerça ação depressiva, em sentido
descendente, sobre o sistema nervoso central. Qualquer que seja a
dose ingerida, o álcool, como perturbador, que é, dos fenômenos
oxidativos celulares, tem sempre ação deprimente sobre os centros
superiores do sistema nervoso.” (in
Lições de Medicina Legal, 1961, p.
473). Para Valdir Sznick, a “influência da embriaguez tolda a
visão, atrapalha a percepção e retarda os reflexos, com
conseqüências bastante graves.” (Delitos de Trânsito, 4ª. Ed.,
p. 163). Tais considerações servem para mostrar, ao lado dos
depoimentos acima transcritos, que a vítima não poderia estar, em
absoluto, em estado de sobriedade satisfatoriamente admitido para
dirigir, posto que, ingeriu bebida alcoólica em exagero, além de
que outros aspectos orgânicos favoreciam à embriaguez. Esta
constatação explica, certamente, o fato de que o motorista do
caminhão foi colhido, na parte dianteira, pelo veículo conduzido
pelo morto; estava ele em sua mão de direção e, de repente, quando
transpunha uma ponte, deparou-se com o fusca, sendo inevitável o
choque e, ainda mais, o resultado letal. A esta conclusão também
chegou a autoridade policial que, no seu relatório, disse: “Ouvidas
as pessoas envolvidas no fato e testemunhas circunstanciais, chegamos
à conclusão, alicerçada também em laudos periciais, de que o
motorista do veículo Volkswagen, saíra da sua mão de direção
normal e colidiu frontalmente com o caminhão aqui mencionado, uma
vez que se encontrava alcoolizado, com o teor de 2,58 g/l de álcool
etílico na corrente sangüínea e, conforme o croqui produzido pelo
preposto da polícia rodoviária presente ao local do acidente,
aquele veículo colidira frontalmente com o caminhão, após sair do
seu trajeto normal. Evidências inequívocas, nos levam à
compreensão de que o motorista NIVALDO SOUZA (o indiciado) (...),
não fora o causador do episódio sinistro(...).” (fls. 35/36).
Razão tem o Delegado de Polícia: o croqui traçado às fls. 22
(naquele mesmo Relatório acima mencionado) indica que o veículo
conduzido pela vítima saiu de sua trajetória e colidiu de frente
com o caminhão; explicando-o, disse o policial: “Segundo o que foi
observado no local do sinistro, supõe-se que: o V-1 (o fusca) quando
trafegava pela rodovia, Km e trecho já citados, sem causas
definidas, saiu de sua mão de direção, colidindo frontalmente com
o V-2 (caminhão), que trafegava em sentido oposto.” (fls. 22v).
Culpa stricto sensu,
como se sabe, revela-se sempre numa conduta negligente, imperita ou
imprudente (art. 18, II, do Código Penal); as três condutas
induvidosamente indicam uma deficiência na aferição de determinada
situação por parte do sujeito ativo, sendo que a negligência induz
uma omissão do agente, havendo culpa in
non faciendo, in omittendo, ao passo
que na imprudência e na imperícia há uma atividade sem a
necessária cautela, seja do ponto de vista da ação cotidiana ou
leiga (na imprudência), seja do ponto de vista técnico-profissional
(na imperícia). De ver-se que dois elementos fundamentais para a
configuração de um fato típico culposo não se fizeram presentes,
quais sejam a inobservância do cuidado objetivo e a previsibilidade
objetiva. A previsibilidade objetiva não existiu, pois não havia
nenhuma “possibilidade de antevisão do resultado” (Damásio),
considerando-se o estado da pista asfáltica e as demais condições
de dirigibilidade (que eram normais); o mesmo se diga quanto à
inobservância do cuidado objetivo, pois o motorista do caminhão, em
nenhum instante, faltou com o dever de diligência próprio de sua
profissão: estava e manteve-se em sua mão de direção, quando foi
surpreendido pela infelicidade da conduta da vítima. Não houve, no
caso sob análise, nem negligência, nem imprudência ou imperícia
por parte do indiciado, pois este agiu com a precaução exigível
naquele momento, não faltando-lhe a observância do cuidado exigido
na espécie, tampouco violou-se o dever de cautela. Este dever de
cautela revela-se na preocupação normal que o agente deve ter com
possíveis resultados danosos de sua ação (ou omissão), facilmente
indicados pela experiência diária, furtando-se de realizar
determinados comportamentos que possam ensejar efeitos lesivos, ou
fazê-los com níveis suficientes de segurança. Acrescente-se que
naquela circunstância, o indiciado, pela sua experiência cotidiana,
não tinha razão suficiente para suspeitar de que algo lesivo
poderia vir a acontecer. Referindo-se
a este dever de cuidado, Bacigalupo ensina que “infringe el deber
de cuidado el que no emplea el cuidado que sus capacidades y su
conocimiento de la situación le hubieran permitido.” (Manual de
Derecho Penal, Colombia, 1996, p. 215). O
jurista lusitano Eduardo Correia, Professor Catedrático da Faculdade
de Direito de Coimbra, explica “que o dever, cuja violação a
negligência supõe, consiste antes de tudo em o agente não ter
usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas
para evitar o evento. Estes deveres podem estar particularmente
ligados pelo uso e pelas normas jurídicas ao exercício de um certo
ofício, profissão ou actividade. Podem assim ter uma origem legal
autónoma (quando derivam de certas normas ou regulamentos que visam
prevenir perigos) ou derivar dos usos e da experiência comum.”
(cfr. Direito Criminal, Coimbra, 1971, p. 425). De dizer-se, de mais
a mais, que nos delitos culposos, a culpa é intrinsecamente ligada
ao tipo; o fato típico culposo só se perfaz quando o evento foi
causado por uma conduta culposa do agente, id
est, quando alguém agiu de forma
imperita, negligente ou imprudente, o que não foi o caso (apesar de
falarmos apenas em culpa, lembramos que, com Welzel, tanto a culpa
quanto o dolo transferiram-se para o tipo legal de crime, passando
este a ser verdadeiro tipo doloso e tipo culposo de crime). Vejamos,
a propósito, a jurisprudência: “Nos delitos culposos, a culpa se
insere na própria descrição típica. Assim, quando demonstrada a
sua inexistência, torna-se inadmissível a ação penal.” (TJSP -
Pleno - Sindicância - Rel. Maércio Sampaio - RT 393/218). “Nos
delitos culposos, o elemento subjetivo está imanente ao tipo. Assim,
a ação antijurídica só se enquadra na definição legal do delito
quando, além de ser antecedente material do resultado, o tenha
causado por culpa.” (TACRIM-SP
- AC - Rel. Toledo Assumpção - RT
398/291). Por outro lado, como já foi dito, a essência da culpa é
a previsibilidade; assim, “tratando-se de fato imprevisível,
acontecimento, aliás, que também envolveu perigosamente o próprio
agente, é de se o encarar como fatalidade, que não pode autorizar a
incriminação legal.” (TAPR
- AC - Rel. Mattos Guedes - RT
536/385). “Somente se há de reconhecer o crime culposo quando a
conduta voluntária ligada ao evento, necessariamente, produzir um
resultado danoso não previsto, mas previsível.” (TACRIM-SP
- AC - Rel. Manoel Pedro - RT
386/248). Não tendo sido, sequer, previsível o evento, conclui-se
pela exclusiva culpa da vítima, o que elide por completo evento
delituoso a punir, considerando-se que aquela já faleceu: “Manifesta
a ausência de culpa na eclosão do evento lesivo impõe-se o
trancamento da ação penal. Assim, é de se interromper a
persecutio criminis contra quem,
dirigindo em sua mão de direção e em baixa velocidade, colhe
ciclista que, na contramão, se arremessa contra seu veículo.”
(TACRIM-SP - HC - Rel.
Ricardo Couto - JUTACRIM 18/61). Um
outro aspecto a ser abordado, especialmente porque se trata de crime
culposo envolvendo acidente de veículo, é o chamado princípio da
confiança (Vertrauensgrundsatz),
criação da jurisprudência alemã, segundo o qual os motoristas têm
que contar com que os demais também tenham um comportamento correto,
uns com os outros, atentando-se todos para as mais comezinhas regras
de segurança. A propósito, um empresário condenado por homicídio
culposo, art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, teve pedido
negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ao analisar Habeas Corpus
(HC) 96554, a Primeira Turma indeferiu o pedido de absolvição de
Marcondes. A relatora da matéria, Ministra Cármen Lúcia Antunes
Rocha, registrou que o empresário, quando interrogado, não fez
qualquer menção ao princípio da confiança, alegado posteriormente
pela defesa. Essa tese, segundo o condenado, consistiria no fato de
que na hora do acidente ele trafegava em uma via mais movimentada,
por isso esperou que o outro carro parasse, o que não ocorreu. Além
disso, a Ministra afirmou que “a consubstanciação do princípio
da confiança desafiaria o revolvimento do conjunto
fático-probatório”. Ela frisou que nos autos não há nenhuma
informação sobre tal questão. “Não podemos examinar a tese do
princípio da confiança porque ele não disse isso hora nenhuma. Eu
tive o cuidado de ler tudo o que veio”, completou. Para Cármen
Lúcia, a defesa “parece ter adotado de forma oportunista essa tese
da confiança a partir de um dado que hora nenhuma, inclusive, tinha
sido oferecido”. Tal princípio é explicado por Assis Toledo, nos
seguintes termos: “Seria absurdo que o direito impusesse aos
destinatários de suas normas comportar-se de modo desconfiado em
relação ao semelhante, todos desconfiando de todos. Assim,
admite-se que cada um comporte-se como se os demais se conduzissem
corretamente. (...) Para a determinação em concreto da conduta
correta de um, não se pode, portanto, deixar de considerar aquilo
que seria lícito, nas circunstâncias, esperar-se de outrem, ou
melhor, da própria vítima.” (Princípios Básicos de Direito
Penal, Saraiva, 5ª. ed., p. 302). Na doutrina, ainda, temos para
conferir a respeito do princípio da confiança os seguintes autores:
Júlio Fabrini Mirabete, Manual de Direito Penal, Volume 1, Parte
Geral, p. 141, Editora Atlas, 7ª. edição. João Mestieri, Teoria
Elementar do Direito Criminal, Edição do Autor, Rio de Janeiro,
1990, págs. 245/246. Este autor cita como fonte de pesquisa do
assunto o livro de Welzel, “El nuevo Sistema del Derecho Penal, p.
72, Barcelona, 1965. Heitor Costa Junior, Teoria dos Delitos
Culposos, Lumen Juris, 1988, p. 61. Juarez Tavares, Direito Penal da
Negligência, Editora Revista dos Tribunais, 1985, págs. 148/151.
Este autor, por sua vez, cita Johannes Wessels, “Direito Penal”
(tradução em português), Sergio Antonio Fabris Editor, 1975, p.
150. Luiz Regis Prado, Curso de Direito Penal Brasileiro, Editora
Revista dos Tribunais, 1999, p. 193. Este preceito é
majoritariamente adotado por nossos Tribunais, como vê-se pelos
julgados a seguir escritos: “Embora, em termos absolutos, tudo o
que não seja fisicamente impossível é previsível, no que respeita
ao trânsito a previsibilidade há de ser temperada pelo princípio
da confiança recíproca em razão do qual cada um dos envolvidos no
tráfego tem o direito de esperar que os demais se atenham às regras
e cautelas que de todos são exigidas. Assim, não há condenar
motorista que ante conduta disparatada da vítima, colhe-a em
inevitáveis condições de atropelamento.” (TACRIM-SP - AC - Rel.
Dínio Garcia - JUTACRIM 30/330). “Em matéria de circulação de
veículos, como fundamental deve ser tido o
princípio de confiança, segundo o
qual o usuário do caminho tem direito a contar que os demais
usuários se comportem igualmente de maneira correta, a menos que as
circunstâncias particulares sejam de tal natureza que lhes permitam
reconhecer que não é assim.” (TACRIM-SP - AC - Rel. Geraldo
Pinheiro - JUTACRIM 56/375). “Não é possível exigir de um
motorista que se acautele contra o que não é previsível. Em
matéria de trânsito em vigência o princípio da confiança, em
razão do qual cada um dos envolvidos no tráfego tem direito de
esperar que os demais se atenham às regras e cautelas que de todos
são exigidas.” (TACRIM-SP - AC - Rel. Cunha Camargo - RT 425/349).
Ora, não havendo fato típico, inviável se torna o oferecimento da
denúncia, à vista do art. 43, do CPP, é dizer, pelo fato de que a
ação do agente não constituiu crime (tendo em vista a ausência de
culpa), faltando, ademais, uma condição da ação, como veremos a
seguir. É induvidoso, que não havendo crime pode e deve o Promotor
de Justiça requerer o arquivamento do Inquérito Policial, por
faltar-lhe uma das condições da ação penal, qual seja, o
interesse de agir, visto que, o fato apurado não foi delituoso e,
portanto, não se poderia pleitear a punição de alguém que não
praticou uma ação típica; neste caso, havendo denúncia, esta deve
ser rejeitada (art. 43, CPP); em sendo recebida, a ação penal deve
ser trancada, via Habeas Corpus.
Relembra-se que os pressupostos de uma peça acusatória, citando
Tourinho Filho, a partir da lição de Florian, são “autoria
conhecida, fato típico e provas mais ou menos idôneas a respeito da
relação da causalidade.” (in
Processo Penal, Vol. I, p. 352);
assim, presentes estes elementos viável é o início da persecutio
criminis. Destarte, data
venia do entendimento em contrário do
eminente Magistrado, entendemos indiscutível não haver, in
casu, justa causa para a ação penal,
pois inexiste lastro probatório suficiente na respectiva peça
informativa indicador de culpa do agente; este suporte probatório é
fundamental para a instauração da instância. A respeito, Afrânio
Silva Jardim: “Desta maneira, torna-se necessária ao regular
exercício da ação penal a sólida demonstração, prima
facie, de que a acusação não é
temerária ou leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova.
Este suporte probatório mínimo se relaciona com os indícios da
autoria, existência material do fato típico e alguma prova de sua
antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este
conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da
obrigatoriedade da ação penal pública.” (Direito Processual
Penal - Estudos e Pareceres, Forense, 1986, p. 96). Assim, havendo
obstáculo que impede o Ministério Público de atuar, não é
obrigatória, in casu,
a propositura da respectiva ação penal, não podendo se falar no
princípio da obrigatoriedade, pelo qual a ação ministerial deve
ser exercida sempre que existirem “concretos indicios fácticos de
un hecho punible”, pois meras “suposiciones vagas no son
suficientes para una inculpación jurídico-penal”, como ensinam os
mestres alemães Claus Roxin, Gunther Arzt e Klaus Tiedemann (in
Introducción al Derecho Penal y ao
Derecho Penal Procesal, p. 170, trad. de Luis Arroyo Zapatero e
Juan-Luis Gómez Colomer, Barcelona, Editora Ariel S/A, 1989). Sendo
certo que dos presentes autos emergem, nada mais nada menos, do que
“vagas suposições” para a imputação de um crime, e que, pelo
contrário, o acidente foi causado por culpa exclusiva da vítima,
somos pela confirmação do pedido de arquivamento. É o parecer.
Salvador, em 30 de julho de 1997.”
Idêntica situação encontrou-se o eminente
jurista Afrânio Silva Jardim que, ao analisar peça informativa como
assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
também promoveu o arquivamento dos autos (em acidente
automobilístico envolvendo um Juiz de Direito) abordando o princípio
da confiança, em dezembro de 1984 (cfr. Direito Processual Penal,
Editora Forense, 7ª. edição, p. 389).
1
Rômulo de Andrade Moreira é Coordenador do Centro de
Apoio Operacional de Aperfeiçoamento Funcional do Ministério
Público Estadual (BA). Professor de Direito Processual Penal da
Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação
(Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito
Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de
Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em
Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então
coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da
Association Internationale de Droit Penal, da Associação
Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto
Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto
Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função
de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de
concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público
do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação
dos Cursos JusPodivm (BA) e IELF (SP). Autor das obras “Curso
Temático de Direito Processual Penal” e “Comentários à Lei
Maria da Penha” (em coautoria com Issac Guimarães), ambas
editadas pela Editora Juruá, 2010 (Curitiba); “A Prisão
Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas
Cautelares” (2011), “Juizados Especiais Criminais – O
Procedimento Sumaríssimo” (2013), “Uma Crítica à Teoria Geral
do Processo” (2013) e “A Nova Lei do Crime Organizado”,
publicadas pela Editora LexMagister, (Porto Alegre), além de
coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito
Processual Penal” (Editora JusPodivm, 2008). Participante em
várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados
no Brasil.
2
Revista dos Tribunais: Boa fé, abuso de direito e o Novo Código
Civil Brasileiro. São Paulo: 11/2003. v. 817.
3
Direito Constitucional e Teoria da Constituição.3.ed. Coimbra:
Editora Almedina, 1997.
4
Introdución al Derecho Administrativo. São Paulo: Editora
Malheiros, 2001.
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